Sargento Deluz
Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *
Tratar das Volantes sergipanas no combate ao cangaço não é tarefa das mais fáceis.
Os relatos sobre a profunda proteção que
os cangaceiros tiveram em nosso Estado tendem a ser um óbice. Outro
fator a favorecer o bandoleiro e seu grupo foram os movimentos iniciados
com a Revolução de 30 que, exigindo concentração de esforços militares
no início daquela década, momentaneamente diminuiu o foco de atenções ao
banditismo nordestino.
O fato é que em nosso Estado a Força
Pública não se furtou ao combate ao banditismo e empregou tanto seu
efetivo ordinário, quanto gerenciou contratados da vida civil para tal
mister.
Nesse contexto, podemos citar alguns comandantes de Volantes militares,
como os Tenentes Stanley Fernandes da Silveira e Agnaldo Alves
Celestino. Outros nomes poderiam ser citados, mas deixemos para uma
ocasião futura, certamente mais oportuna do que essa.
Muitos encontros entre cangaceiros e
volantes se deram em nossas terras, é verdade, mas nem sempre em tais
ocorrências, as volantes eram comandadas/oriundas da nossa Polícia, uma
vez que havia o acordo entre Estados e, por isso, volantes de outros
estados atuavam em solo sergipano. É o caso do maior fogo ocorrido em
nosso Estado, o da fazenda Maranduba, que era constituído por volantes
baianas, pernambucanas…
Um dos grandes eventos registrados
envolvendo a polícia sergipana foi a invasão à Canindé do São Francisco,
cidade que sediava a Volante do Tenente José Vieira de Matos (oriundo
do 28 BC) que seria auxiliada pelas volantes do Ten. Manoel Ramos
(sergipana) e a do Sgt. Miranda (esta da Bahia). Sobre essa invasão,
dois aspectos interessantes sobressaem aos interessados pelo estudo do
tema.
Um trata-se da participação do Sarg. Deluz em uma das volantes que se
encontravam na região quando deu-se a ação criminosa. Deluz, então Cabo
de Esquadra sob o nº 174, integrava a força policial do Ten. Manoel
Ramos.
Outro, os prejuízos infligidos ao
destacamento, que perdeu peças diversas de fardamento – perneiras,
sapatos, além de sabres modelo 1908, todas destruídas pelos cangaceiros
que conseguiram atear fogo na sede policial.
Após a citada invasão, a volante do Ten.
Manoel Ramos seria destituída e a do Ten. Matos seria reforçada, assim
como a do Ten. Hermento Feitosa, futuro comandante da PMSE. Nessa
ocasião, era que o então Cabo Deluz passaria a integrar a volante do
Ten. Matos, antes de galgar postos mais altos em sua carreira e no
vilarejo de Canindé.
Mas, debrucemo-nos mais acerca de tal figura.
Retrato Artístico do sargento Deluz (Fonte: Alcino A. Costa)
Amâncio Ferreira da Silva era,
provavelmente, de um lugar chamado São Bento do Una em Pernambuco.
Devido ao sobrenome e à origem, alguns já levantaram a possibilidade de
Deluz ter algum tipo de parentesco com Virgulino Ferreira da Silva,
pernambucano de Serra Talhada. Sendo que, até hoje não encontramos
indícios que comprovem tal situação. Além disso, não existem registros
sobre nenhum combate dele contra Lampião. Apesar do pai de Deluz,
inclusive, chamar-se José Ferreira da Silva. Sigamos.
Fato é que nascido em 1904
provavelmente, ou 05, como dizem alguns, pouco se sabe de sua vida até o
ano de 1931, quando efetivamente senta praça nas fileiras da Força
Pública de Sergipe. É verdade que sua carreira na corporação é notável,
uma vez que, como vimos, em um ano já era Cabo e logo seria Sargento.
No início dos anos 1940, Deluz já
galgara mais uma promoção e, como Sargento, também era Delegado de
Polícia em Canindé. Os relatos disponíveis dão conta de bastante
truculência e arbitrariedade praticadas pela força volante de Canindé.
De toda sorte, há quem diga ter sido Amâncio tão temido quanto Zé
Baiano.
Do que se sabe, Deluz chegaria à patente de 2º Sargento, quando da sua
morte em 1952. Sua exclusão das fileiras, da já então chamada Polícia
Militar do Estado de Sergipe, dar-se-ia em 01 de Outubro 1952, por
falecimento, conforme veremos mais adiante.
Do pouco que se sabe, Deluz seguiu sua
carreira no sertão sergipano, na região do Município de Porto da Folha e
nos vilarejos de Poço Redondo e Canindé. Poço Redondo, este, que ao ser
emancipado selaria mortalmente o destino do ex-cangaceiro Zé de Julião,
conhecido como Cajazeira, assunto para outro momento.
Captura do grupo de Pancada (Reprodução de Lampião entre a espada e a Lei - Sergio Augusto Souza Dantas)
Antes de prosseguirmos vamos contar a história sendo contada pela história – a história do cangaço em movimento.
Em fins da década passada, o Professor Robério Santos produziu um filme
sobre o ex-cangaceiro Manoel Pereira de Azevedo, conhecido no cangaço
como Jurity. Relatando a vida de Manoel, iniciando dos eventos fatídicos
da grota do Angico, em 1938.
Sobre Manoel, o filme mostra que entregou-se após a morte de Lampião e
redimido/anistiado, retomou sua vida na Bahia, tendo trabalhado como
vigilante até que decidiu – ainda em início da década de 1940 – voltar
ao sertão de Sergipe para reaver dinheiro e bens que deixara por lá,
inclusive cobrar dívidas decorrentes da agiotagem que praticava com o
saldo das participações em saques e extorsões do período de cangaço.
Fazemos outro parêntesis, observando as
relações do cangaço com a agiotagem, que coincidentemente reservou à
história contar duas mortes famosas no cangaço: Zé Baiano e Juriti. Mas,
como dantes, isto é assunto para outro momento, fica pontuado. Além da
relação bélica entre o próprio Lampião e um Coronel baiano famoso, de
quem o cangaceiro cobrou dívidas queimando algumas fazendas.
Sargento Deluz
No filme, Manoel, então, volta aos
rincões caatingueiros de Sergipe para acertar suas contas, para reaver
seu dinheiro e outros prováveis bens que amealhara e deixara com amigos
e/ou clientes. Por conta dessa viagem, Manoel/Juriti, teria a presença
delatada à autoridade policial do arruado de Canindé do São Francisco,
que vai encontrá-lo na fazenda de Rosalvo Marinho, onde se arranchara.
Sem nenhuma condição de reação, até por já ser um homem livre, Manoel é
capturado e conduzido à local ermo – chamado de “Roça da Velhinha”,
amarrado em uma corda. Manoel teria sido jogado em uma espécie de
coivara, onde morreria queimado.
O relato do filme, embora possa ser
considerado ou não ficcional, baseou-se em obras de pesquisadores que
debruçaram-se sobre o tema cangaço, em diversos momentos, inclusive
ouvindo relatos de pessoas remanescentes que viram ou ouviram sobre o
fatos.
Pois bem, apesar disto, o filme do
professor Robério Santos foi objeto de processo judicial em nosso Estado
(tombado sob o número 0044386-18.2018.8.25.0001), que, ao final,
reconheceu o seu direito de exibição devido à sua natureza e relevância
histórica.
Voltando a Amâncio e seu desfecho,
Alcino Alves Costa, em sua obra, relata que este seria vítima de uma
emboscada ocorrida, provavelmente, em 30/09/52 ou 01/10/52.
O fato é que pouco se sabe sobre a vida
do militar. Na verdade, pouco sabemos sobre a vida de vários policiais
volantes daquele tempo de combate ao banditismo. Nesse sentido, como
curiosidade, nunca vi alguém observar que o Ten. José Lucena, que estava
na ocorrência na qual foi morto o pai de Lampião, já como Capitão em
1924 serviu integrando as tropas federais legalistas aqui em Sergipe
contra a insurreição do 13 de julho.
Seja qual for a verdade, fato é que a
vida naqueles tempos era difícil para todos, sem exceção às forças
volantes. A dureza da terra semiárida, a distância do litoral e da
capital dificultava a vida e a sobrevivência de todos. Não haviam
facilidades. Não podemos julgar ninguém que viveu naquele tempo com os
olhos de hoje, isso é uma falha básica de avaliação que chamamos
anacronismo. O máximo que podemos fazer, sem errar, é ajustar as
condutas à Lei em vigor no período. Mais que isso tende a incorrer em
achismo.
lista de oficiais da Polícia Militar de Alagoas empregados na força legalista no combate ao 13 de Julho em Sergipe
Por fim, sobre Deluz, não existia
registro fotográfico incontroverso. Tínhamos uma foto pintura dele e uma
fotografia de uma volante mista, na qual, desconsiderando uma marcação
errada, supúnhamos ser ele.
Nessa última imagem, agora, temos Deluz
em uma provável fotografia 3 x 4, com uniforme militar cáqui. Notemos
que há uma real aparência entre os traços de Deluz com o militar da
imagem anterior, destacada na fotografia da Volante completa, tirada
logo após a captura do grupo do cangaceiro Pancada. Além disso, na
terceira imagem, ostenta em seus braços divisas e, apesar de estar
marcado com o número “XI” e na legenda constar número “IX”, nesta última
há a seguinte identificação: “Sargento Diluz, comandante da volante
sergipana”.
A grafia Diluz nos remete à questão dos
efeitos da precariedade dos registros, uma vez que muita coisa sequer
foi registrada ou se perdeu no meio do tempo até o hoje. Como não
sabemos a origem do apelido Deluz, bem como não fazemos muita ideia do
que seria o Brasil dos anos 30, questões de grafia não devem nos
assustar, ao tempo em que pouco se podia verificar informações, estas
que demoravam dias ou semanas para circular, pois muitas vezes andavam
em lombos de animais ou nas pernas de mensageiros/transportadores.
Assim, já vimos registros dando conta do
nome de ser Amâncio Ferreira da Luz. Uma possibilidade dessa grafia ser
originada de um incauto, por não saber o nome completo ter, por
convicção própria oralmente ou por escrito, informado o nome com a
aquisição do “da Luz”, não por má intenção, mas por ser a referência que
conhecera. Mas vamos em frente.
Deluz, com excelente relações de
confiança com ao menos uma família importante da região – homem de
confiança de um poderoso Coronel – somado à sua graduação militar,
estava em confortável posição naqueles sertões do nosso Estado – ou
mesmo de qualquer outro.