“O tenente Arlindo Rocha, anteontem chamado ao Recife, pelo senhor chefe de polícia, é atualmente o comandante das forças pernambucanas no sertão. Vimo-lo ontem a noite na Chefatura, conferenciando demoradamente com o Dr. Eurico de Souza Leão.
As indicações que prestava, no mapa todo assinalado da Repartição Central da Polícia, e o justo renome que usufrui aquele oficial em todo sertão nordestino, levaram-nos a procurá-lo no intuito de conseguirmos um testemunho seguro da situação do cangaceirismo, afora o prazer natural de ouvir um homem que, anos a fio, dia e noite, tem batido cerrados e caatingas numa luta de vida ou morte contra os mais ferozes bandoleiros.
O tenente Arlindo Rocha é um homem moreno, alto e magro, muito tímido e que não fala nunca; tem que ser provocado para responder então. Na face esquerda ostenta um gilvaz profundo: uma bala de rifle em pleno rosto, às duas e meia da tarde, no dia 26 de novembro de 1926, no combate de Serra Grande.
- Onde foi esse combate? Perguntamos logo com nossa curiosidade despertada! - Serra Grande fica perto de Custódia. Comandava as forças o bravo tenente Hygino José Bellarmino.
Foi o início da campanha do atual governo estando no poder o saudoso Dr. Júlio de Mello contra Lampião. Este tinha, ao tempo, sob seu comando 125 homens. Estavam todos entrincheirados no alto da serra. A brigada começou às 8 e meia da manhã e terminou as 6 horas da tarde. Nós tínhamos duas metralhadoras, que Antônio Ferreira, irmão de Lampião, procurou cercar três vezes pela retaguarda. E gritava: - Hoje tomo uma costureira dessas.
- E tomou? - Não. Parece que tomou foi uma bala, pois parece que morreu três dias depois do tiroteio. Os bandidos fugiram e desde então começou a debandada. O grupo fragmentou-se em quadrilhas que operavam em zonas diferentes. Ferido nessa luta, acrescentou o tenente Arlindo só escapei devido a meu irmão que me amparou. Os cangaceiros me alvejaram a poucos passos de distância, no momento em que eu chamava por Manoel Netto, ocupado em botar uma retaguarda.”
Volante de Arlindo Rocha, 1º a esquerda em 1935
Esse é uma parte do depoimento que prestou o tenente Arlindo Rocha ao “Jornal Pequeno” (PE) e que foi publicado na edição de n.241 de 20/10/1928, p.1. De acordo com o inquérito procedido foram mortos os seguintes policiais da Força Pública durante o Combate da Serra Grande em 26 de novembro de 1926:
Luiz Torres Barros Severino Pereira da Silva Pedro Aureliano da Silva Targino Ferreira Primo Octávio de Sá Araújo João Terto José dias dos Santos Ângelo Inácio da Silva José Arcôncio dos Santos e Antônio Braz de Lima.
Da mesma Força Pública, policiais que saíram feridos:
Arlindo da Rocha Sargento José Olinda de Siqueira Ramos Manoel de Souza Netto (cabo) Vicente Ferreira da Silva Eduardo Pinheiro de Souza Cícero Aristides Pereira José Francisco Bezerra José Caetano de Souza Antônio Basílio de Souza João Antônio de Souza Luiz José de Souza Antônio Alves de Lima.
CANGACEIROS QUE PARTICIPARAM DO COMBATE:
Virgulino Ferreira da Silva (Lampião chefe do grupo) Antônio Ferreira da Silva (irmão de Lampião) Vicente Feliciano Antônio José da Silva (Beija-Flor) Antônio Frazão (Pai Velho) Luiz Pedro Hermínio Xavier da Silva (Chumbinho) José de Souza (Tenente) João Soares (Juriti) João Mariano (Andorinha) Joaquim Mariano Manoel Mariano Severino da Silva (Nevoeiro) Sabino Gomes Isaias Vieira Manoel Nogueira Manoel Marcelino (Bom de Vera) Ignácio de Medeiros (Jurema) Felix Preto Caetano da Silva (Moreno) João Donato (Gavião) Pedro Gomes João Henrique Antônio Rosa José Lopes da Silva (Mormaço) João Cesário (Coqueiro) Manoel Antônio Francisco Antônio José Marinheiro André "Marinheiro" Antônio Marinheiro Antônio Caboclo (Sabiá) José Benedicto José Angélica José Generosa Josias Vieira (Gato) José Luiz (José Procópio) José Preto Cipriano da Pedra Antônio Coelho José Pedro da Silva (Barba Dura) José dos Santos (Seu Chico) Jorge Salu (Maçarico) Raimundo da Silva (Aragão) Antônio Francisco João José da Silva Nunes Marcelino Antônio dos Santos (Cobra Verde) Antônio da Silva (Noite Braba) Antônio Mancinho (Curise) Marcelino Nunes da Cruz Luiz Pedro do Retiro José dos Santos (Três Pancadas) Nunes Magalhães (Pensamento) João de Brito Euclides Bezerra (Criança) Manoel Vieira da Silva (Coça Bomba) Antônio Maneca João Felix (Gasolina) Urbano Pinto Antônio de Tal (Antônio Romeiro) Justo de Tal (Lua Branca) Genésio de Tal (Genésio Vaqueiro) Vicente de Tal (Vicente Preto) Antônio de Tal (Antônio Caboclo) Pedro de Tal (Pedro de Quelé) José de Tal (José Vaqueiro).
Coqueiro, Mergulhão, Valatão e Virgínio em Limoeiro do Norte, CE 1927
O Combate da Serra Grande travado no dia 26 de novembro de 1926, no município de Calumbi, bem próximo a Vila Bela deixou sua marca dolorosa gravada nos anais da guerra cangaceira, oportunidade em que as forças comandadas por nada menos que seis experientes comandantes, os temidos Gino, Mané Neto, Arlindo Rocha, Zé Olinda, Domingos e Euclides Flor foram espetacularmente derrotados pelo terrível cangaceiro Lampião.
Para assinalar os 95 anos do ocorrido na última sexta-feira (26), um grupo de amigos liderados pelos historiadores Luiz Ferraz Filho (Serra Talhada) e Lourinaldo Teles (Louro Teles) de Calumbi, visitou o local do respectivo combate
Além destes dois historiadores o evento contou também com a participação dos pesquisadores Clênio Novaes (São José do Belmonte), Marrael Siqueira (Nazaré do Pico, em Floresta), Criscélio e Cristiano Carvalho (Tupanaci, em Mirandiba), Valdir Nogueira (São José do Belmonte), Wilton Santana (Jati-CE), Luiz Emanuel Nogueira (Nazaré do Pico, em Floresta), Amélia Araújo (Floresta), entre outros que colaboraram na visita.
Uma cruz foi afixada para demarcar o local de sepultamento dos soldados mortos no triste combate, em seguida foi rezada uma oração em sufrágio de suas almas.
Memórias Sangradas, vida e morte nos tempos do cangaço
Resenha de Rudah Ribeiro
Ricardo Beliel lançou o livro Memórias Sangradas, vida e morte nos tempos do cangaço. Um lindo trabalho de mais de 14 anos, com 125 fotografias e no texto depoimentos diversos e a experiência pessoal do autor em busca de seus personagens em seus próprios ambientes originais são apresentados através de uma narrativa como um diário de viagem.
Foram realizadas nove viagens no período de 2007 a 2019 nas regiões dos sertões de Alagoas, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, São Paulo e Minas Gerais para a coleta de materiais narrativos e imagéticos de míticos cangaceiros, coiteiros e volantes e alguns de seus descendentes.
Onze mil quilômetros foram percorridos, em grande parte em precárias estradas do interior sertanejo, resultando no encontro com quarenta e três personagens. São eles que guardam relatos importantes relacionados à história do cangaço - ocorridos na primeira metade do século XX - em quarenta e nove localidades – palco de lutas, amizades, emboscadas, amores e massacres entre cangaceiros, volantes, jagunços, coronéis e camponeses; um mundo sertanejo que está se extinguindo nas suas tradições orais.
Em cada personagem testemunha-se esse fluxo da memória e do esquecimento, onde os encontros nas pesquisas de campo revelaram uma potente e épica narrativa das memórias pessoais que envolvem tradições e lugares.
Os personagens entrevistados, em sua grande maioria pessoas quase centenárias, possuem uma riqueza assemelhada ao mistério da terra. Personagens de um ciclo da história do Brasil que aqui resgatamos para que não fiquem no esquecimento, como pedras silenciosas no meio do caminho.
Primeiro livro sobre a hecatombe de Garanhuns será reeditado 100 anos depois
Por Junior Almeida
Prestes
a completar 105 anos, em janeiro próximo, a trágica chacina que colocou a Suíça
Pernambucana nas páginas dos jornais de todo país, e que ficou conhecida como a
Hecatombe de Garanhuns, ganha agora
mais um reforço em sua funesta, porém, importantíssima eintrigante história.
Acontece
que depois dos livros de Mário Márcio e de Alfredo Cavalcante, de 1962, em que o
episódio é discorrido e, até então se achava que fossem os pioneiros do tema,
eis que “surgiu” agora um livreiro cearense com a primeira obra sobre a Hecatombe de Garanhuns. Trata-se de O Sertão, a Política e os Cangaceiros, de
um autor que se identifica como G. Pinto,
livro esse, editado no Rio de Janeiro, em 1921, portanto, exatos 100 anos atrás.
A
obra rara foi comprada em um site de leilões, por uma quantia não revelada, mas,
segundo o referido livreiro, a obra lhe custou um valor considerável. Ele nos revelou
também que “o livro vai ser reeditado, que já está sendo digitado, mantendo a linguagem
da época e, que em seguida vai ser diagramado e impresso”.
A obra,
a qual tivemos acesso, é romanceada e, nomes foram trocados, como por exemplo, o
de Júlio Brasileiro, que no livro é “Julião”, o que é totalmente compreensível,tendo em vista que o livro foi publicado apenas
quatro anos depois do sangrento episódio e, escrito, muitoprovavelmente, antes de 1921, quase em tempo real
aos fatos da cadeia pública de Garanhuns, então, nada mais natural que a prudência.
Professor
Cláudio Gonçalves, autor de dois livros
sobre o episódio, dentre eles A Cobertura
Jornalística da Hecatombe de Garanhuns de 1917, de 2017, obra mais completa
sobre o tema, foi procurado pelo dono da preciosidade literária e histórica e,
foi convidado por ele para prefaciar a reedição do livro. Cláudio, que já leu a
raridade, disse que “mesmo o livro tendo os nomes dos seus personagens mudados,
quem conhece a história, sabe perfeitamente quem é quem no triste enredo”.
A obra nos traz visões diferentes
de determinados personagens e fatos que só quem acompanhou de perto a tragédia poderia
saber. Achamos que “G. Pinto” é um pseudônimo usado por alguém que quis se proteger,
mas ainda precisamos ter certeza disso. Complementou Professor Cláudio.
O livro,
que depois de reeditado vai ser lançado em Garanhuns, em data e local ainda não
definidos, pode contribuir, e muito, com os historiadores que buscam compreender
melhor todo contexto que desencadearam os tristes fatos de janeiro de 1917. Vamos
aguardar.
O ataque de Lampião e seu bando de cangaceiros a Fazenda Morada Nova, Pau dos Ferros, RN
Por Rostand Medeiros
No ano de 2010 soube do desenvolvimento do “Projeto Território Sertão
do Apodi – Nas Pegadas de Lampião”, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às
Pequenas e Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte –
SEBRAE/RN, do qual a gestora era a competente consultora Kátia Lopes.
Fui ao seu encontro soube que Kátia planejava criar um grupo para
percorrer o mesmo caminho palmilhado por Lampião e seus cangaceiros,
como parte de um amplo reconhecimento histórico. Ali estava uma
oportunidade imperdível de conhecer esse caminho e o que restava de sua
memória.
Foi realmente um momento muito especial e um trabalho maravilhoso.
Depois de 2010 eu tive a oportunidade de percorrer esse caminho em mais
outras quatro ocasiões. As duas primeiras oportunidades, em 2012 e 2014,
foram com pessoas que me contrataram para conhecer trechos no Rio
Grande do Norte, com foco nas áreas da Serra de Martins e de Mossoró. Já
em 2015 estive percorrendo esse antigo caminho dos cangaceiros durante
dezessete dias.
Desta vez partindo da cidade cearense de Aurora, adentrando depois em
território paraibano, percorrendo na sequência todo trecho potiguar e
encerrando na cidade cearense de Limoeiro do Norte. O objetivo da
jornada de 2015 foi à realização da película Chapéu Estrelado, um
documentário de longa metragem da Locomotiva Produções Cinematográficas,
do Rio de Janeiro, sendo dirigido pelo mineiro Silvio Coutinho, com
roteiro de Iaperi Araújo e produção de Valério Andrade e o autor desse
texto, esses últimos potiguares. Apesar de filmado com esmero em sistema
4K, com interessantes depoimentos, esse documentário nunca esteve no
circuito de festivais e, afora algumas exibições em rede nacional
através da TV Brasil, ele foi pouco visto pelo grande público. A razão
principal foi o falecimento precoce do diretor Sílvio Coutinho, ocorrido
no ano de 2018, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante,
ocorrido no Rio de Janeiro.
A última oportunidade se deu em 2017, quando uma grande parte do
trajeto com o artista plástico e fotógrafo Sérgio Azol. Potiguar de
nascimento, mas radicado há muitos anos na capital paulista, Azol me
chamou para percorremos esse caminho visando o desenvolvimento de uma
exposição fotográfica a ser realizada em São Paulo. Ele clicou as
paisagens, as vivendas e as pessoas de forma magistral. Aquela era a
segunda oportunidade que percorria o sertão nordestino com Sérgio Azol,
tendo tido oportunidade em 2016 de visitar importantes locais ligados a
história do Cangaço na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
Essa memória se inicia em um sábado, dia 11 de junho de 1927, o segundo dia de Lampião e seus cangaceiros em solo potiguar.
Em meio a um grande lajedo ao norte da atual cidade potiguar de
Marcelino Vieira, os cangaceiros vão acordando e se preparando para
seguir a sua jornada em direção a Mossoró. Após acordarem parte em
direção aos Sítios Cascavel e São Bento, cujas terras em dias atuais são
parte do município potiguar de Pilões. Depois atacam os Sítios Poço
Verde, Poço de Pedra e a Fazenda Caricé, do prestigiado pecuarista
Marcelino Vieira da Costa. Sobre o assalto ao Caricé vejam esse texto
que escrevi, onde trago alguns detalhes do episódio – https://tokdehistoria.com.br/2019/02/10/marcos-de-religiosidade-no-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/
A partir da velha Fazenda Caricé, mesmo a distância, já é possível
visualizar o grande maciço rochoso que formam as Serras de Martins e de
Portalegre, onde se encontram alguns dos pontos de maior altitude do Rio
Grande do Norte, com locais que ultrapassam os 800 metros. Essas duas
grandes elevações se interpunham diante daqueles viajantes que seguiam
em direção a Mossoró vindos do extremo oeste da Paraíba. Para os
cangaceiros continuarem em busca do seu alvo principal, vários caminhos
se colocavam a disposição. O matreiro Lampião, certamente secundado por
Massilon, o mais experiente de todos aqueles bandoleiros em relação aos
caminhos potiguares, perceberam que teriam de optar por um desses
caminhos.
O primeiro trajeto poderia ser: subir a Serra de Martins, passar pela
cidade homônima e descer do outro lado da elevação. Bastava seguir pelo
antigo caminho que ligava essa cidade até a Vila de Alexandria. Segundo
as pessoas da região, partes do antigo trecho dessa estrada ainda
existem, fazendo parte da atual rodovia estadual RN-075.
O segundo caminho, caso o grupo desejasse seguir em direção a Mossoró
sem passar pela cidade de Martins, poderia ser feito do seguinte modo:
cavalgar até a extremidade oeste do grande maciço rochoso. Nesse caso,
os cangaceiros fatalmente chegariam próximo de Pau dos Ferros. Então,
depois de passar ao lado da serra, eles percorreriam a antiga estrada
que seguia pela cidade de Apodi e, depois de vários quilômetros,
chegariam a Mossoró.
Teoricamente, esses dois caminhos não trariam maiores problemas para
um viajante comum. Entretanto, aquele estranho grupo de homens armados
poderia ser classificado de tudo, menos de “viajantes comuns”.
Desde a saída do bando no Ceará, os celerados deixaram de lado a
discrição, passando para a prática aberta de toda sorte de delitos,
chamando a atenção das autoridades potiguares. Inclusive, essas
autoridades já tinham entrado em contato e combatido o grupo na Caiçara.
Mesmo com a derrota da polícia estadual naquele entrevero, Lampião
sabia que a qualquer momento as forças do governo potiguar poderiam dar o
devido revide. Se decidissem subir a serra, poderiam facilmente
esbarrar em um piquete de homens armados, já previamente alertados. Como
o bando tinha poucos recursos humanos e bélicos para realizar combates
contínuos, esse possível confronto poderia infringir sérios problemas
aos cangaceiros na tentativa de galgar a grande serra.
Se o bando seguisse próximo da cidade de Pau dos Ferros, a maior e a
mais policiada da região, para depois trotarem em direção a Apodi (uma
cidade invadida por Massilon apenas um mês antes), fatalmente homens
armados poderiam estar aguardando o grupo em um desses locais, ou nos
dois. Aí os resultados desses novos tiroteios poderiam ser extremamente
negativos. Deve-se levar em consideração que, além da polícia potiguar,
Lampião se preocupava igualmente com a polícia de outros estados no seu
encalço, principalmente a paraibana.
Lampião na Fazenda Morada Nova
Havia outra alternativa: era possível contornar o grande maciço
através da extremidade mais a leste dessas elevações, passando por um
caminho que os levariam para a Vila de Boa Esperança, atual município de
Antônio Martins.
O grupo de bandoleiros então se afastaria de áreas onde
presumivelmente haveria mais atividade policial, poderiam então alcançar
zonas teoricamente mais desprotegidas e possivelmente ainda não
alertadas da presença deles na região. Esse caminho se mostrava mais
promissor!
Contudo, aparentemente, essa decisão não deve ter ocorrido antes ou
durante a passagem pela Fazenda Caricé, pois, logo depois da saída da
propriedade do fazendeiro Marcelino Vieira, os cangaceiros seguiram
primeiramente na direção sudoeste, apontando para a cidade de Pau dos
Ferros. Após rápida cavalgada, surgiu o próximo alvo daquela jornada
insana – A Fazenda Morada Nova.
Quando visitei essa propriedade pela primeira vez em 2010, ali
encontrei a senhora Firmina Aquino de Oliveira, então com 95 anos de
idade, e sua nora Maria Ivaneide de Aquino. Ivaneide era neta de Antônio
Januário de Aquino, antigo dono do lugar, que teve a difícil missão de
receber Lampião em 11 de junho de 1927.
Elas me informaram que não tinham conhecimento se o parente já
falecido possuía laços de amizade, ou de inimizade, com o cangaceiro
Massilon. Igualmente não souberam comentar se a chegada do bando se deu a
uma indicação desse celerado, ou se a casa dos seus antepassados foi
atacada simplesmente por ter sido um alvo que surgiu à frente do grupo.
Entretanto, essas senhoras relataram que antes do bando chegar à casa
de Aquino, que não mais existia em 2010, eles arrombaram uma residência
onde vivia um trabalhador da propriedade, que juntamente com sua
família fugiu para o mato. Logo os bandidos pararam diante da casa
grande da Fazenda Morada Nova.
Além do proprietário, na casa estavam sua mulher Raimunda Nonato de
Aquino, seu filho Cosme e suas três belas e jovens filhas, Raimunda,
Arcanja e Maria. Segundo Sérgio Augusto de Souza Dantas (Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada,
1ª edição, págs. 119 e 120), foi exigido alimentos e dinheiro ao dono
da Fazenda. Antônio Aquino era um produtor próspero, sendo apontado
inclusive como dono de um engenho de açúcar e aguardente.
Diante da beleza das moças, alguns cangaceiros logo se mostraram
interessados nas meninas. Sérgio Dantas relatou que Aquino pediu
proteção a Lampião, que prontamente refreou os ânimos da cabroeira e o
próprio chefe chegou a pedir desculpas ao pai das jovens pela falta
cometida pelos seus homens. Após varejarem toda a casa e retirarem o que
os interessava, a malta de bandidos seguiu viagem.
A Foto
As senhoras Firmina e Maria Ivaneide comentaram que a passagem do
bando causou extrema comoção entre os membros da família Aquino.
Todavia, Antônio Januário se sentiu até mesmo com “sorte”, pois, apesar
de ter havido perda material com o saque praticado, o fato das suas
filhas não haverem sofrido qualquer tipo de violência, principalmente
sexual, foi considerado um resultado extremamente fortuito diante da
extrema gravidade do problema.
No dia 11 de novembro de 1928, um domingo, quase um ano e meio depois
da passagem dos cangaceiros, Antônio Januário reuniu sua família em um
estúdio fotográfico de Pau dos Ferros para a realização de um
interessante instantâneo. Essa fotografia, que trago com exclusividade e
conseguida a partir do material original, possui no verso a seguinte
frase “Uma pequena lembrança que ficará para sempre”.
Nela é possível ver Antônio e sua esposa Raimunda sentados em um
pequeno sofá de madeira e vime, em uma posse de tranquilo comando de
suas vidas e de sua prole familiar, que se encontravam todos presentes.
De pé, logo atrás do móvel é possível ver Cosme, tendo a sua direita
suas irmãs Maria e Arcanja e ao seu lado esquerdo Raimunda. Essa última e
Arcanja trazem dois objetos que escaparam das mãos dos cangaceiros –
são dois belos crucifixos com corrente e pedras.
Depois de observar milhares de fotos antigas, ao longo de vários anos
de pesquisas, posso comentar que, a exceção de Dona Firmina, todos os
outros participantes do instantâneo se vestem com roupas modernas para
os padrões sertanejos do interior potiguar da década de 1920. Inclusive
suas filhas, onde é possível ver Maria e Arcanja utilizando saias acima
do joelho, apesar de estarem com meias. Antônio e Cosme igualmente
seguem um padrão de vestimenta masculina bem moderna para a época. Ao
olhar detidamente essa foto, vejo o registro de uma família que
aparentemente superou o susto causado pelo bando de Lampião.
Violeiros Cantam a História do Assalto
A senhora Ivaneide me comentou em 2010 que nessa propriedade era
comum a apresentação de cantadores de viola afamados da região e até de
outros estados. Mesmo com o crescimento das bandas de forró eletrônicas,
da televisão e outros meios de entretenimento, na época essas cantorias
de viola possuíam público cativo na comunidade.
Ela narrou que era praxe as pessoas do lugar transmitirem para os
violeiros visitantes os acontecimentos testemunhados pela família Aquino
em 1927 e o que eles sabiam do ataque do grupo de cangaceiros a
Mossoró. Com isso, solicitava-se que esses artistas transformassem as
histórias ouvidas em uma cantoria tipicamente nordestina.
Já as estradas existentes entre as propriedades Caricé e a Fazenda
Morada Nova foram sem nenhuma dúvida o pior trecho percorrido para a
realização deste trabalho. As maiores dificuldades se encontravam na já
rotineira falta de sinalização, mas principalmente no péssimo estado de
conservação desses caminhos.
A Fazenda Morada Nova está localizada em um ponto extremamente
afastado de áreas urbanas. A cidade de Pau dos Ferros fica a cerca de 24
quilômetros de distância, já a zona urbana de Pilões se encontra a 16
quilômetros e a cidade de Antônio Martins a 19. Entretanto, o melhor
acesso utilizado é a partir de Antônio Martins, onde o motorista
percorre oito quilômetros de asfalto da rodovia federal BR-226 e depois
segue por mais 11 quilômetros de estradas vicinais. Contudo, nesse caso,
existe a imprescindível necessidade de contar com a ajuda de uma pessoa
da região que conheça o trajeto. Nesse caso eu contei com o apoio do
amigo Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins.
Atualmente, Pau dos Ferros é a principal cidade da Região do Alto
Oeste Potiguar, com uma população acima de 30.000 habitantes, estando a
389 quilômetros de distância de Natal, ocupando uma área de
aproximadamente 260 km² e possuindo uma história bem antiga.
Acredita-se que a toponímia Pau dos Ferros foi criada a partir de uma
determinada árvore. Essa árvore certamente devia ser um excelente local
para repouso e com ótima sombra, onde vaqueiros viajantes, utilizando
ferro em brasa, deixavam marcado no seu tronco as marcas do gado sob sua
responsabilidade. Em uma época onde as fazendas não tinham arames
farpados e o gado era criado solto, essa prática serviu para esses
trabalhadores conhecerem as marcas de outras propriedades. Isso tornava
mais fácil a identificação dos animais perdidos nos pastos e a
realização de troca das reses encontradas. Não é difícil imaginar como
essa árvore ficou bem conhecida na região. Logo ao seu redor se fixaram
pessoas e isso deu início a uma pequena comunidade. Já sobre a questão
da posse da terra, consta que no ano de 1733, por ocasião da morte do
Coronel Antônio da Rocha Pita, foi doada a sesmaria de Pau dos Ferros a
seus filhos e herdeiros. Um deles, Francisco Marçal, foi a pessoa que
mobilizou os que ali viviam para erguer uma capela em 1738. Somente
através da Resolução Provincial nº 344, de 4 de setembro de 1856, Pau
dos Ferros tornou-se um município, sendo desmembrada da cidade serrana
de Portalegre.
Na trajetória do bando em direção a Mossoró, ao se aproximar dos
contrafortes da Serra de Martins, o caminho percorrido por Lampião
passou onde atualmente estão localizadas as áreas territoriais das
cidades de Serrinha dos Pintos, Antônio Martins, Frutuoso Gomes,
Lucrécia e Umarizal.
Entre rezas e bacamartes, novo livro de Valdir Nogueira
O CEHM comunicou a publicação do já
esperado livro de seu associado Valdir Nogueira, cujo título: Entre rezas e bacamartes, possui prefácio do historiador e membro da Academia
Pernambucana de Letras Frederico Pernambucano de Mello, e integra a
Coleção Tempo Municipal do referido Centro de Estudos de História
Municipal – CEHM/Agência Condepe/Fidem.
A obra traz um recorte sobre a atuação do Monsenhor Afonso Pequeno e a
tradicional desavença entre as famílias Pereira e Carvalho sob a ótica
da alternância de poder na lendária região do Pajeú do sertão
pernambucano. Numa terra em que imperava a lei do punhal e do
bacamarte, essas duas famílias espargiram sangue em ódios feudais, numa
luta que esbarrou num famigerado banditismo.
Sobre o livro de Valdir Nogueira comentou o professor Yony Sampaio,
professor da Universidade Federal de Pernambuco e Consultor do Banco
Mundial:
“Muitos livros tem tratado da lendária briga entre os Pereira e os
Carvalho. De modo geral exploram os confrontos armados, as sucessivas
emboscadas e ataques, culminando com o período de Sebastião Pereira e
Luís Padre. Este fantástico relato de Valdir Nogueira, Entre Rezas e
Bacamartes, no entanto, é o primeiro a analisar em detalhe as intrigas
politicas, a alternância de poder local, que vem a se constituir no
cenário onde a questão se desenvolve.
Geograficamente, amplia o centro da questão para os municípios de
Belmonte e Vila Bela, de onde se irradia pelo Pajeú e pelo sul do Ceará,
relacionando movimentos do Cariri a incidentes no Pajeú. Indo aos
fundamentos da questão, antepõe o Monsenhor Afonso Pequeno ao coronel
Antônio Andrelino Pereira da Silva, filho do Barão do Pajeú.
De um lado, um padre guerreiro, politico, mas defensor da religião, a
exemplo de muitos, como o Monsenhor Arruda Câmara, na revolução de
trinta. De outro, um coronel tentando manter a estatura e autoridade do
pai, porém sem possuir as mesmas qualidades de sobriedade e equilíbrio.
Os novos perfis que traça, revelam faces escondidas da questão. Para
iluminar tantas questões, Valdir divulga correspondências inéditas,
comunicações em jornais da época, e corrige interpretações equivocadas. O
livro de Valdir já nasce um clássico, essencial para melhor
entendimento da história e da formação social daquele sertão.
O autor nasceu e foi criado em Belmonte e já nos brindou com um belo
livro sobre São José do Belmonte. Conhece quase cada palmo de terra,
discorre sobre as fazendas, locais de emboscada e convive com
descendentes das famílias envolvidas, hoje bastante entrelaçadas, como
sempre ocorre na sociedade sertaneja. Assim, possui a autoridade
necessária para tal empreitada. Simples, de fala mansa, em outras épocas
poderia ter tomado o bacamarte e entrado catinga adentro. Porém tem
sido mais afeito aos estudos e ao conhecimento e preservação do passado
da região. Excelente pesquisador, minucioso, reverencia nosso passado e
tem sido o esteio da hoje famosa cavalhada do Belmonte que homenageia e
relembra os incidentes da Pedra Bonita, então Serra Talhada e hoje
Belmonte, que incendiou a imaginação de Ariano Suassuna no Romance da
Pedra do Reino.
Ao leitor, tenho certeza que embarca em aventura prazerosa e
educativa. Do autor, espero que continue a perscrutar nosso passado e
revelar aspectos pouco conhecidos da nossa formação histórica e social”.
Virgulino Ferreira da Silva continua a dividir opiniões. Para alguns, Lampião continua sendo nosso Capitão, representante do povo nordestino, contestador de agruras impostas aos sertanejos desta parte de cá. Outros, investem na afirmação de que seria Lampião o assassino sanguinário a promover desordem por onde passou. Diversas narrativas tratam de enaltecer e/ou demonizar a imagem do esposo de Maria Bonita e de seu bando. Por onde o bando de Lampião passava, fazia a terra e homens tremerem, alguns sorriam!
Gravuras da capa e contracapa é de Leonardo Alencar.
Entendo ser necessária uma abordagem menos tendenciosa, mais despossuída de amores e desamores. Afirmar que Lampião e seu bando eram uns santos aureolados é tão duvidoso, questionável, risível quanto afirmar que, por exemplo, os coronéis e seus bandos possuíam as áureas dos anjos em todas as suas ações. O que quero chamar atenção é para o tendencioso construir de algumas histórias. Ao mesmo tempo em que se criminaliza Lampião, por suas ações bélicas, diz-se que coronéis são heróis por iniciativas do mesmo gênero, recheados ou não de maior potencial sanguinolento, conforme o contar dos próprios julgadores ou chefes de torcidas.
Fico a imaginar, que talvez queiram afirmar serem as lâminas e as armas de fogo de Lampião emprestadas pelo diabo, já as de alguns coronéis seriam abençoadas, representantes de cruzadas sertanejas, ungidas por Cristo. Prefiro olhar o Capitão Virgulino como alguém, que resolveu seguir o caminho das armas, quase como um Robin Hood, ora a enfrentar o estado, ora a cumprir missões desse próprio poder estatal contra desafetos políticos. É razoável o questionamento sobre os porquês da criminalização de Virgulino, esquecendo de adotar ao menos critérios parecidos para interpretar ações coronelísticas? Com isso, não afirmo que este ou aquele coronel é ou foi um criminoso, só peço mais reflexões! Entretanto, resguardo-me e não me arrisco a emitir mais opiniões por ainda não ter adentrado o suficiente na vasta bibliografia sobre estes líderes do sertão.
O jornalista e escritor GILFRANCISCO
Agora, surge mais uma oportunidade para leituras a respeito de Virgulino Ferreira. O livro “Lampião no Diário Oficial” foi construído graças à teimosia do baiano-sergipano GILFRANCISCO. Desobediente, o pesquisador adentrava o arquivo da imprensa oficial de Sergipe, ao invés de ficar quieto, esperando as horas passarem, conforme orientações de seu chefe. O livro seria publicado desde 2010, quando recebeu do artista plástico Leonardo Alencar a gravura para a capa e contracapa.
Vindas do Diário Oficial de Sergipe ou de qualquer outro estado, as notícias sobre o cangaceiro são oficiais, nem sempre mentirosas e/ou verdadeiras.
Vamos às leituras miradas aos diversos lugares de fala. Viva o sertão!
Para adquirir:gilfrancisco.santos@gmail.com ou (79) 99115-1758 / 998812-7542
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[*] É escritor, sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e professor da UNEB.
Chapéu Estrelado - Os caminhos de Lampião no Oeste Potiguar
Ano: 1927. Lampião, aliado ao jagunço potiguar Massilon Benevides e ao poderoso Coronel cearense Isaías Arruda, tramam a invasão da rica cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Este documentário reúne depoimentos de pessoas que conviveram diretamente com Lampião, algumas na casa dos cem anos, e dos descendentes das vítimas dessa campanha do cangaceiro, além de revisitar em 13 dias, 16 cidades que estão nessa jornada, que começou no Ceará, depois Paraíba e finalmente o Rio Grande do Norte.
Um filme de Silvio Coutinho com produção de Valério Marinho de Andrade, roteiro de Rostand Medeiros e música de Mario Vivas.
Participação especial dos meus amigos Sergio Dantas, Sousa Neto, Rivanildo Alexandrino e José Cícero.