Armas do cangaço
Por Fábio Carvalho
Me lembro bem quando vi estas linhas abaixo. Desprezadas em uma outra comunidade de Cangaço no Orkut e então pedi ao estimado confrade Fábio Carvalho, que prestigiasse os tópicos da 'Grande Rei do Sertão' com esse brilhante texto. Resultado de inúmeras pesquisas, esse baiano radicado em São Paulo é de fato o 'Senhor das armas', confira.
Falando um pouco sobre armas de fogo nos primeiros ciclos do cangaço: na época de
Lucas da Feira e cia, óbvio que as armas eram
bacamartes e espingardas de antecarga.
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BACAMARTE TURCO
Com cano de ferro cilíndrico, alargando para a boca, de ante carga, com fecho lateral de pederneira
e cão do tipo de argola. Coronha em madeira com guarnições em latão. Séc. XIX. Dim. 68 cm. |
Com sistema de pederneira e percussão. Posteriormente, depois da revolução ocorrida com a introdução do cartucho metálico as armas longas preferidas em linhas gerais (ou que as mais aparecem em fotos são as seguintes:
Winchester - modelo 1873 , cal. 44.
Carabina de origem americana, popularmente conhecida como Papo amarelo (por ter o elevador de munição em metal amarelo), foi durante muitos anos a espinha dorsal do cangaço. As mais usadas aqui geralmente tinham 20 polegadas com cano octogonal e 12 tiros. Era uma arma tão comum que podia ser comprada até em armazéns de secos e molhados, e segundo tive informações havia fazendeiros e coronéis que compravam caixas fechadas contendo diversas armas!!
Uma moderna réplica de Winchester - modelo 1873
Winchester - modelo 1892 cal. 44.
Carabina de origem americana, mais moderna possuindo um sistema de fecho mais robusto, e sendo mais segura que a antecessora 1873. Era tão popular quanto (apelida de cruzeta) e se aplicam os mesmos comentários. As usadas aqui geralmente tinham 20 polegadas com cano redondo (cano fino, "cano de mamão") e capacidade (a depender do comprimento do cano) de 8,10 ou 12 cartuchos.
Depois de Março de 1926 com o fornecimento de armas por parte do próprio governo (para perseguir a coluna Prestes):
Winchester - modelo 1892 cal. 44.
Fuzil e mosquetão Mauser
Do modelo do contrato militar brasileiro de
1908, cal. 7 x 57mm de 5 tiros,
e Fuzil e
mosquetão FN 1895 também cal. 7 x 57mm de 5 tiros. No começo da década de 30 chegam os
Mosquetões FN 22. Algumas destas armas eram tomadas das polícias em combate. E um ou outro
Fz Mauser “espanhol ”1893, estes geralmente de importação de coronéis ou milícias. Antes de padronizar a maioria do armamento no potente e preciso
Mauser 1908, os cangaceiros usavam uma verdadeira miscelânea de armas :
fuzis Comblains cal. 11 mm de (1 tiro)
Mauser 1894/95 de manufatura da FN Belga.
Alguns
Mannlichers 1888 a ''Manulixa'' que “debutou” com fracasso em
Canudos, e depois descarregado pelo exército para as Forças Públicas Estaduais em cal. 8. Na verdade é uma lenda. Era um fuzil com ferrolho de Mauser, carregador tipo Mannlicher e desenhado por uma comissão (não por Mauser ou por Ferdinand Mannlicher) daí seu verdadeiro nome:
Gewehr 88 (fuzil 88) ou internacionalmente em inglês
Model 1888 Commission Rifle (fuzl da comissão de 88) É evidente que mais armas “exóticas” (alguns autores citam ainda carabinas Marlin e Colt lightning) podem aparecer, mas a falta de fotos de boa qualidade prejudica o reconhecimento e pesquisa.
Armas curtas :
Revólveres Colt: mod. Police, Police Positive etc, estes eram em 32 SW e 38 SPL, (44 SPL e 44-40 eram mais raros) e conhecidos pela alcunha de
Colt cavalinho.
Além dos
Smith e Wesson, o vulgar “schmit oeste “, nos mesmos calibres (e mais o 44 Russian), e uma infinidade de suas cópias espanholas como os OH, Omega, BH, etc .
Nos anos 20 as pistolas semi-automáticas se popularizaram, sendo as
FN/Browning 7,65 mm as preferidas dos cangaceiros.
Nos anos 30 se difunde entre eles o uso da pistola
"Parabellum" (Luger) o “parabelo” mod. 1906 e 1908, nos calibres 9 mm e 7,65.
Pistola Luger 1908 com a ação aberta,
pode-se ver claramente por quê se chama “ação de joelho”.
Lampião portava uma 1908 em 9 mm como esta acima quando foi abatido.
Lampião portava uma do modelo 1908 em 9 mm quando foi abatido. Esta arma é famosa até hoje no nordeste, tendo as histórias de sua potência
("fura olho de enxada") entrado para o imaginário popular. Outras pistolas certamente de diversas origens, podiam ser encontradas, principalmente as belgas (muitas da marca FN ) e espanholas (sendo estas últimas mais comuns as do tipo “Ruby” ). Ocasionalmente ninguém cita, mas creio, que poderia se achar armas de bolso dos tipos
Velodog e Bulldog em cal. 5,5mm,22 Lr,320 ou 380, pois eram tremendamente pupulares e não há motivo para não se pensar que um ou outro as usasse com 3ª ou 4ª arma (reserva).
Armamento das Polícias:
O armamento das tropas estaduais era padronizado normalmente no Fuzil e mosquetão Mauser do modelo do contrato militar brasileiro de 1908 , cal. 7 x 57mm de 5 tiros, e Fuzil e mosquetão FN 1895 também cal. 7 x 57mm de 5 tiros, posteriormente mosquetões FN 22 e Mauser 1935. Algumas Forças Públicas eram mais carentes, não comprando armamento de modo particular dependendo das doações de material do exército, de forma que por vezes até fuzis Comblain de tiro simples ainda eram usados
As submetralhadoras comuns eram as
Bergmann modelos de 1918, 1928 e 1934 variando o calibre de 7,63 Mauser a 9mm Luger. A metralhadora leve mais usada pelas volantes pela facilidade de locomoção, embora necessitasse de 2 homens para correto manejo, era a francesa
Hotchkiss 1921 (Fuzil Metralhador)
cal. 7 mm com carregador lateral do tipo fita rígida para 32 cartuchos
Hotchkiss 1921
É imprescindível a correção do nome, repetindo que com o devido respeito ao trabalho do autor(es) que cometeu um equivoco absolutamente compreensível , próprio talvez d quem não conheça bem o mundo das armas:
1º) A grafia correta é Hotchkiss, é um nome próprio, e não um apelido para a arma, quem ouviu o nome ser “ beijo quente” usou uma grafia fonética, que de fato parece ser isto, mas está totalmente incorreto. Era fabricada pela companhia fundada pelo americano Benjamim Hotchkiss (Société Anonyme des Anciens Etablissements Hotchkiss et Cie).
2º) A arma era fabricada na França e não na América.3º Foi usada e muito popular no Brasil pelas PMs e pelo exercito em 3 versões Mod.1914 (metralhadora pesada), 1921 (fuzil metralhador Benet- Mercier) e Mod.1922 (fuzil metralhador, este último muito usado nas caatingas).
Os soldados via de regra não portavam armas curtas mas quando o faziam levavam consigo revólveres Nagant cal. 44, Girard em cal. 38 curto, Colt ou SW em 38 SPL , ou ainda pistolas de dois canos (as garruchas- as infames “dois tiros e uma carreira'') em cal. .320, 380 ou .44. Os graduados e oficiais além das armas curtas citadas poderiam optar por uma pistola alemã Mauser 712 "fogo rápido" (Schenellfeur) calibre 7,63 mauser, com seletor para fogo automático (“rajada”), chamadas de "mausa caixa de pau" por causa do coldre/coronha. Ou ainda a sua congênere espanhola, a pistola metralhadora Royal de características semelhantes em calibre 7,63 mauser, além de usarem em menor número as pistolas Parabellum 1906 cal. 7,65mm P, estas eram de uso oficial do exercito Brasileiro.
Nagant
Estas duas bichinhas aí eram fabricadas pela Royal, MM 31e MM 34.
Complementando as armas de fogo, sempre se usava um longo punhal a
"Adaga Paraibana (diga-se de passagem, objeto de desejo de 9 entre dez aficionados pelo cangaço), de folha estreita e longa
(+ou- 60 cm de lâmina) portado pela maioria dos cangaceiros. Era usada para
"sangrar" os
"cabra safado" e macacos das volantes" (sangrar era enfiar a adaga no pé da garganta ou clavícula, atingindo coração e pulmões, como se faz com porcos).
Era a arma dos combates corpo a corpo e resolvia as questões pessoais...Aumentando a lenda , diziam que alguns tinham no processo de fabricação a lâmina em brasa mergulhada não na água, mas em veneno,recebendo uma têmpera mortal, que infeccionava os ferimentos, se é verdade não sei dizer, mas ouvi muito disso. Pessoalmente vi uma destas, que me disseram ter pertencido a um dos membos do bando de lampião, não me lembro mais o nome do "cabra" pois já tem muitos anos, não era dos integrantes mais famosos, me disseram que tinha 100 mortes nas costas daquela lâmina!!!
Arma dos Coronéis
Fazendo parte do universo intrincado da sociedade nordestina, os Coronéis eram senhores da vida e da morte no sertão. Fazendeiros ricos e chefes políticos importantes, arrogantes e truculentos com suas patentes compradas à extinta Guarda Nacional (mas também havia Majores e Capitães, pois a compra da patente dependia do poder aquisitivo do interessado). Suas propriedades e interesses eram defendidos por vezes por centenas de homens armados (os "jagunços"), daí serem grandes seus arsenais!!!
Por vezes contratavam o "serviço" de cangaceiros ou bandos armados para eliminar os desafetos. Na região da Chapada Diamantina/Ba, dizem que Horácio de Matos tinha a seu serviço, quase um milhar de mineradores/jagunços. O famoso episódio do Pega do Cochó, que durou quase um mês, com "serenatas numa noite de 100 tiros de Comblain" e dezenas de mortes, só se resolveu com a chegada de tropas estaduais, e muita intervenção e mediação política.
Até o governo temia estes poderosos latifundiários, que financiavam toda a política da velha república. Eram mais poderosos no Nordeste, mas existiram coronéis em todo o Brasil. Meu bisavô Teófilo Carvalho, chegou a ser compadre de um destes coronéis, ele andava com uma dúzia de jagunços, distinguidos pelo lenço vermelho no pescoço, ao chegar na porteira da fazenda de meu bisavô a ordem era “abaixar as carabinas”. Lá pelos anos 40 meu finado tio Zeca trabalhou na fazenda de um rico fazendeiro na fronteira Bahia/Minas Gerais, ele me contou que na casa da sede, tinha caixas fechadas com dezenas de carabinas Winchester e 8 pistolas Parabellum além de outras armas curtas !!
Para economizar tempo na hora de limpar eles simplesmente jogavam óleo por cima e fechavam a caixa, hoje se o sujeito tiver um canivete cai na porrada e vai preso!!! Com um poderio político destes, não é de se estranhar que alguns coronéis fossem fornecedores de armas a bandos de cangaceiros, sem serem incomodados pelas autoridades. Seu poderio declinou devido ao natural progresso e após a Revolução de 1930, o governo federal ordenou que se desarmassem e desmantelassem os bandos de jagunços a serviço dos coronéis.
Para ter uma pálida ideia do arsenal destes homens, só na região das Lavras Diamantinas/BA foram apreendidos cerca de 35.000 fuzis Mausers, 376 quilos de munição, 236 mil cartuchos, 2 metralhadores e 2 máquinas para fazer cartuchos,e todas as operações de desarmamento desta natureza, se espalharam pelo Brasil inteiro na época.Quantos milhões de armas foram apreendidos?
Por fim vamos falar sobre a origem das duas armas mais populares a primeira é a pistola Semi-Automática "Parabellum".
Começa quando o Jovem George Luger (daí a ser também conhecida como Luger) foi contratado pela firma DWM e aperfeiçoa o desenho da pistola de Hugo Borchadt diminuindo seu tamanho e peso, e em 1898 a nova “Parabellum” (" para a guerra" em latim, este era o endereço telegráfico da DWM) estava pronta. O primeiro país a adotar Lugers foi a Suíça - eles adotaram a Luger modelo 1900 em calibre 7.65mm Luger. Em 1902 a DWM, junto com o inventor Luger, a pedido da Marinha alemã desenvolve um cartucho de maior poder de parada: o 9mm Luger.
Esta arma se tornou padrão no exército alemão em 1908, lutou na primeira guerra mundial ao lado de diversas nações, e participou discretamente da 2ª. O exército do Brasil adotou esta arma em calibre 7.65mm em 1906, sendo substituída pelas pistolas Colt .45 em 1935. Esta arma é famosa até hoje no nordeste, tendo as histórias de sua potência ("fura olho de enxada") entrado para o imaginário popular. Aqui se acham mais vulgarmente as miltares do
mod. 1906 e comerciais pós guerra do Modelo 1908, nos calibres 9 mm e 7,65. Era uma elegante pistola semi-automática, bem feita com um brilhante acabamento azulado (1906) com comprimento do cano de 10,3 Cm (mas também podia ter 152 mm,203 mm e até 203 mm nas versões carabinas comerciais), carregador destacável para 8 cartuchos. Peso na versão P08: 868 g.
Contrato nacional de 1906
A luger é um fetiche entre colecionadores e leigos, mas na época áurea do nazismo ela já havia sido destronada pela
Walther P-38 como arma regulamentar.
Mas sua silhueta jamais será confundida! Apesar de todas as peculiaridades ruins e pouca funcionalidade para arma militar que ela tinha...
Mais uma foto da "parabellum " com a ação aberta!!
- Ah antes que eu esqueça! por favor prestigiem a nossa Vitrine da Armaria
Agora um pouco mais sobre o mosquetão Mauser 1922 , em comparação com o fuzil Mauser 1908 (dados deste em parênteses) estas armas fabricadas em sua totalidade pela Fabrique Nationale D’armes de guerre de Hertal, (FN) Bélgica , eram basicamente carabinas com cano de 19 pol (29 pol) compr. De 100 cm ( 124 cm) , capacidade de 5 cartuchos 7 mm, alavanca de manejo curva (reta) , alça de mira calibrada até 1400 m (de 200 a 2000m) . Estas armas mais modernas, tinham a culatra cerca de 5 mm mais curta, e design ligeiramente diferenciado do Mosquetão Mauser 1908 mas o ferrolho e mecanismo em geral eram o do Fz 1898.
*Aurelino Fábio Carvalho Costa é baiano de Itapetinga, 43 anos, oplólogo autodidata e historiador amador, especializado em Armamento leve sendo estudioso de armas de fogo e balística há mais de 20 anos. Já exerceu as funções de consultor técnico voluntário do Museu da Polícia Militar de São Paulo, e sempre batalha pela conservação da memória e da oplologia na história do Brasil. Acesse o perfil do cabra no
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