É com imenso pesar que comunicamos, que faleceu hoje em Floresta (PE) aos 101 anos de idade, o nosso amigo, ex-soldado de Volante, Manoel Cavalcanti de Souza, o "Neco de Pautilia".
Registro da minha primeira visíta ao penúltimo dos nazarenos em julho de 2008,
junto com o amigo Cap. Marcelo Rocha.
A opinião que ele tinha sobre o grande rival dos Nazarenos era um pouco diferente daquela dos companheiros de milícia. O soldado reconhecia qualidades e nutria por Lampião uma complacência... porque não dizer, admiração e respeito.Neco de Pautilia em uma prosa com Luiz de Cazuza
Só pra sublinhar um trecho do curriculum deste guerreiro na historiografia do cangaço: Neco participou de "6" combates. Cinco deles contra Lampião, (destaque para o grande Fogo da Fazenda Maranduba em Sergipe no ano de 1932). Já no ultimo ele teve que encarar sozinho, cangaceiros que descobriram sua identidade e endereço.
Tive a honra de conhecer seu Neco com um pouco do vigor que lhe restava para encenar o que viu e viveu no front nordestino, especialmente o terror em Maranduba.
Seu Neco adorava receber visitas, mesmo em setembro de 2013, debilitado, mas com a ajuda da sobrinha, nossa amiga Maria Amélia ele respondeu a varias perguntas de nosso companheiro de expedição Geziel Moura . Respostas firmes e autenticas confirmadas pelo amigo Sergio Dantas.
Mas quero lembrar com gratidão de um Neco que eu conheci a seis anos, um importante remanescente que com gestos e reprodução das falas de todas as personagens envolvidas contava em detalhes as coisas que nem a idade lhe fizeram esquecer. Seu Neco era sucinto, objetivo, não decorava conjecturas. Quem o ouvia, viajava junto com ele nas suas memórias.
Quem foi Neco de Pautilia
*Por Wanessa Campos (Jornalista e pesquisadora do cangaço)
Neco costumava dizer de maneira paradoxal que, se o tempo retroagisse, ele não teria ingressado nas volantes, a polícia da época. “Afinal, Lampião nunca me fez mal. Era um homem bom. Ruim era a polícia que açoitava os coiteiros.” Antes de ingressar nas volantes, foi almocreve (espécie de vendedor ambulante) no Sertão, para esquecer um amor que as famílias não queriam.
Veio então a Revolução de 30 (movimento armado que facilitou a chegada de Getúlio Vargas ao poder) e os nazarenos (moradores do distrito de Nazaré do Pico, Floresta) não participaram. Neco resolveu juntar-se ao grupo de conterrâneos para formar uma das frentes de combate a Virgolino Ferreira, estimuladas pelo governo.
A história de Seu Neco foi muito bem "cantada"
O grupo seguiu em direção ao Raso da Catarina (Bahia). Cada um levava no bornal farinha, sal e rapadura. Nas mãos, um rifle como se fosse o “sentimento do mundo.” Entretanto, o objetivo maior era ganhar dinheiro. O então jovem Neco, aos 19 anos, partiu para o desconhecido fascinante e ao mesmo tempo perigoso. Foram três dias de caminhada comendo mal, sem dormir e o pior era a expectativa de a qualquer momento deparar-se com o bando de cangaceiros. E foi o que aconteceu.
Veio então o temido tiroteio, que resultou em vários feridos de ambos os lados. Não dava para recuar. A partir daí, Neco enfrentou mais quatro combates, viu companheiros e cangaceiros morrerem de sucesso (morrer em combate), entre Pernambuco Sergipe e Bahia. Conheceu Virgolino e não teve medo.
Mas aquela vida de incertezas, enfrentando chuva, sol, sede, calor e frio nas caatingas, não era a que Neco pediu.
Resolveu abandonar as volantes e sem receber o dinheiro prometido, $2 contos. Levou apenas $500 mil réis mais a passagem de volta. Deixando a vida militar e de volta ao aconchego, Neco foi barbeiro, alfaiate, sapateiro, até tornar-se funcionário público da Suvale, hoje Codevasf.
Trecho do Doc Xaxado a dança de Cabra Macho
De Anildomá Willans (Fundação Cabras de Lampião).
Aposentado, levou a vida remoendo o passado ao lado de sua grande paixão: Mariquinha, que conheceu aos 13 anos de idade numa escola da zona rural de Floresta. Antes do primeiro encontro, Neco leu o nome dela escrito no quadro de uma sala de aula – Maria Ribeiro dos Anjos. Achou bonito aquele nome e escreveu por cima o seu com uma bala de rifle. Pronto! Os destinos estavam selados. Casou com Mariquinha um ano depois. O casal deixou um prole invejável de 110 descendentes. Como nos contos de fadas, Neco e Mariquinha foram felizes por 80 anos.
*Publicado originalmente no Jornal do Comercio, Recife, em 28.11.2009