Transcrição: Sálvio Siqueira
"O comandante era mais perverso do que Lampião e Corisco, juntos. Gato, Zé Baiano e Sabino foram ‘fichinhas’ diante da ‘dureza’ do tenente. Talvez tenha sido nessa época que começou a ser usado a expressão " o cancão vai piar"
O suplício do cangaceiro Baliza
Em dias quentes, quando o ‘Astro Rei’, sem dó nem piedade, calcina as terras sertanejas, os animais e aves da caatinga procuram refugiarem-se do abrasador calor, popularmente conhecido como ‘maiá’, nos mais diversos lugares possíveis.
O cangaceiro conhecido pela alcunha de “Baliza”, que na verdade tratava-se de Venceslau Xavier, junto com sua companheira Antônia Maria, em princípios de 1933, estão a aninharem-se na beira de um barreiro, mais ou menos ao meio dia, do dia 19 de março do ano que corria. Ali, juntinhos e abraçados estão, no silêncio da mata, pois tudo que tem vida, respeita a força do poder do clima no Sertão.
A ‘coisa’ estava pegando fogo igual ao calor do sol do meio dia, tão boa e gostosa que, mesmo naquele total silêncio, não notaram a aproximação da volante que os cercavam.
Tratava-se da volante comandada pelo cabo Justiniano. Os soldados volantes os cercam e dão ordem de prisão. Após serem amarrados, o casal de cangaceiros é levado para um povoado próximo.
Ficando preso naquela localidade, servindo de atração para aqueles de maior curiosidade em conhecer um cangaceiro de perto, como que fossem ‘coisa de outro mundo’. Esquecia que eram gente igual a todos, menos seus atos, isso, os fazia diferentes.
Depois de vários dias detidos naquele pequeno povoado, vem a ordem para que o cabo escolte o prisioneiro para a cidade de Santo Antônio da Glória. O cabo manda que entre em forma seu pequeno contingente e seguem, em cortejo, com o prisioneiro entre duas fileiras humanas, rumo à localidade designada.
Havia naquela região um comandante de volante, Ladislau Reis, que tinha sua fama propagada por toda ribeira. As atrocidades comandadas pelo tenente foram tantas que, mesmo diante de tão horrendas histórias, o sertanejo, sem nunca perder a inspiração, dão-lhe o apelido de “Tenente Santinho”. Quando algum lavrador escutava que o ‘tenente Santinho’ estava pela redondeza, seu coração disparava, seu corpo, involuntariamente, reagia como que o repugnando, e seus pelos, todos, arrepiavam-se, descendo uma corrente elétrica do ‘talo’ do pescoço ao osso do ‘mucumbu’.
Tenente Ladislau Reis
O dito comandante era mais perverso do que Lampião e Corisco, juntos. Gato, Zé Baiano e Sabino foram ‘fichinhas’ diante da ‘dureza’ do tenente.
Seguindo pelas estradas tortuosas do longo caminho, o cabo, seus homens e o prisioneiro, a certa altura, encontra-se com uma volante que estava de passagem por aquela várzea... E era, justamente, a volante comandada pelo “Tenente Santinho”.
Tendo a patente superior a do cabo, o tenente ordena que seja lhe entregue a guarda do prisioneiro. O cabo, tremendo mais que vara verde, apressadamente entrega o prisioneiro ao superior. Ladislau diz que levará o mesmo para a cidade designada pela ordem escrita e que o cabo poderia retornar para sua cidade com seus comandados.
Depois de assumir a custódia do prisioneiro, o tenente Santinho imediatamente ‘ordena’ a seus homens que comessem a dar um ‘trato’ no cabra Baliza.
A seção de tortura inicia-se ali mesmo. O ‘cacete come solto’ de tal forma, que em pouco tempo, em vez de ver-se um rosto, via-se um acúmulo de sangue e edemas os quais desfiguraram totalmente a cara do prisioneiro.
Tenente Ladislau de Sousa da polícia Baiana, chegando em Jeremoabo,
após 15 dias nas caatingas a procura de Lampião, em 1933.
Por horas, os soldados da volante aplicam inimagináveis atos torturantes naquele corpo, que mais parecia uma peneira de tantas perfurações de pontas de punhais e facas peixeiras. E segue aquela sessão horrível aplicada ao corpo de Venceslau Xavier.
Em determinado momento, os soldados do tenente Santinho, acatando suas ordens, o amarram em uma árvore. O laço da corda de fibras de agave, sisal, e colocado na altura dos tornozelos do cangaceiro. Arrastam-no como se arrasta um tronco de madeira e amarram-no de cabeça para baixo num galho de uma árvore próxima.
Após estar dependurado, é colocado pedaços de madeira bem perto da sua cabeça. Uma fogueira estava arrumada, a qual, logo, logo, estaria acesa, pelo próprio tenente Santinho.
O prisioneiro debate-se, gira para um lado, depois para o outro... Contorcendo-se feito uma cobra na areia quente, na tentativa vã de esquivar-se das chamas que consumiam seu corpo, Venceslau Xavier, tenta amenizar as dores causadas pelo calor das labaredas que assam, no sentido próprio da palavra, seu corpo.
No princípio, ouvem-se gritos horripilantes saídos das cordas vocais do cangaceiro Baliza, acompanhado do odor de cabelos chamuscados, para em seguida, a fumaça levar um cheiro de carne assada pelos campos sertanejos. Por fim, o suplício tem seu término, Baliza está morto.
Santinho não deixa nem o fogo apagar-se totalmente, puxa da bainha seu facão e corta o pescoço daquele corpo, chamuscado, queimado, assado...
Deixando o corpo naquela posição, o tenente Ladislau leva seu troféu macabro para Santo Antônio da Glória, e lá o mostra a população, exibindo, com orgulho e satisfação, o ‘produto’ de seu ato de selvageria.
Santinho em idade avançada
Fonte “Corisco - A Sombra de Lampião”- DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. Página 145. 1ª edição, editora Polyprint Ltda, Natal-RN, 2015.