segunda-feira, 29 de junho de 2020

Cangaceiros desconhecidos

Quem foi o cabra Manuel Rodrigues de Lima

Transcrição por  Wellington Rodrigues




Esse é Manuel Rodrigues de Lima. Natural da Vila do Espírito Santo (nome de Tabira até 1939) na época distrito de Afogados da Ingazeira. 


Foi membro de um dos subgrupos de Lampião. Primo segundo do meu pai, Jotinha (primo meu de 3° grau). A casa da sua filha, Edite Bastos era bem no meio da rua direita da Praça Pedro Pires. 

O coronelismo, para garantia de privilégios políticos e principalmente as injustiças dos crimes impunes e perseguições eram causas determinantes para se lançar no cangaço. Abaixo (e nas fotos) alguns registros sobre Manuel Rodrigues nos livros dos historiadores Frederico Pernambucano e Frederico Bezerra Maciel.

"Ainda no meado do século XIX, passaram a atuar os "Guabiraba", sob a chefia dos irmãos Cirino, Jovino e João, e do cunhado destes, Manuel Rodrigues. 


Naturais da vila de Afogados da Ingazeira, ao pé da serra da Baixa Verde, no sertão pernambucano, fizeram-se bandidos nas escolas do Pajeú de Flores, onde praticaram tantos crimes que foram obrigados a fugir para Teixeira, na Paraíba. 

Em sua faina de poeta a seu modo historiador, Leandro Gomes de Barros pinta o grupo de Cirino com traços bem carregados;

Os Guabiraba eram um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Todos assassinos por índole,
Cada qual o mais malvado
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado."

Trecho do livro "Guerreiros do Sol - Violência e Banditismo No Nordeste do Brasil. Autor: Frederico Pernambucano"

*Fotos em texto do livro Lampião, seu tempo e seu reinado (Frederico Bezerra Maciel)

quarta-feira, 24 de junho de 2020

E Jurity volta aos tribunais

Veja decisão de Juíza quanto a processo que pedia por censura de filme sobre o chefe cangaceiro

"Memória histórica coletiva se sobrepõe a interesse individual", diz juíza

O interesse coletivo à formação e à informação por meio da base histórica se sobrepõe aos direitos individuais. O entendimento é da juíza Gardênia Carmelo Prado, da 2ª Vara Cível de Aracaju (SE), em decisão proferida no último dia 3 de junho.


 Da esquerda pra direita, Barra Nova, Neném, Jurity e Gorgulho


A magistrada extinguiu, com resolução do mérito, uma ação que buscava condenar a Google e um professor de Sergipe pela publicação de dois vídeos que narram o assassinato dos cangaceiros Jurity e Neném.

Segundo o material, os cangaceiros foram mortos por uma tropa volante comandada pelo sargento Amâncio Ferreira da Luz, conhecido como sargento De Luz. As filhas do militar solicitaram que os vídeos fossem apagados e que os réus pagassem reparação por danos morais.

"O ponto atinente ao direito ao esquecimento, invocado pelas autoras como fundamento da lide e pedidos, quanto às ações laborais do pai envolvendo o cangaço, não pode ser aplicado nesta situação. Nas linhas de narrativa histórica de âmbito nacional ou local com relevância cultural, como foi a do cangaço e de outros movimentos destacados, não pode vigorar e ter seus efeitos ativados esse direito ao esquecimento, mecanismo de extirpação dos registros da história para certas pessoas e em certas situações", afirma a decisão.

Interesse público

A juíza argumentou que, em casos como o julgado, cabe ao magistrado analisar se existe interesse público atual na divulgação da informação. Caso ele exista, não é possível aplicar o direito ao esquecimento.

"Não há como apartar os fatos históricos dos personagens que os marcaram nesta situação em especial, justo porque a atribuição do fato se voltou para o grupo militar identificado pelo seu comandante — cujo nome e fama são emblemas da história do segmento — e extirpar tal dado da narrativa histórica feriria de morte a própria compreensão da história do cangaço, seu contexto, suas ambiências etc. Assim seria também se outros personagens fossem extirpados ou ocultados dessas narrativas", diz.

Sendo assim, prossegue a decisão, a publicação dos vídeos não possui nenhum ato ilícito, uma vez que o material apenas publiciza conteúdo histórico, informativo, fruto de extensa pesquisa, sem sequer trazer menção expressa ao pai das autoras.

"Sem desonrar os sentimentos por ambas [as autoras] experimentados e a veracidade com que devem ser considerados, os vídeos que trazem o conteúdo desse sofrimento não são senão mais uma menção histórica que envolve o nome de parente próprio das mesmas, como um registro inevitável da história da qual aquele participou — nesse caso, emprestando o nome ao agrupamento que comandava. E mesmo que, por hipótese, houvesse a imputação expressa e direta dos fatos ali narrados ao pai das autoras, a imputação em si, numa fiel e desapaixonada narrativa histórica, não seria capaz de ensejar uma indenização, justo por se tratar de conteúdo histórico elaborado e apresentado, em tese, sem intuito algum de ofender, mas tão somente de informar e formar", conclui.

Clique AQUI para ler a decisão
0044386-18.2018.8.25.0001


Publicado originalmente no Portal Conjur

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Jornal "A Noite" 5 de agosto de 1938

A chacina da Fazenda Patos

Transcrição de Antonio Correia Sobrinho

Arrastadas pelos cabelos para a degola! Depois da formidável chacina perpetrada com inomináveis requintes de crueldade, Corisco" e seu bando dançam alegremente ao som do realejo - Poupadas à sanha assassina "para contarem história.

PEDRA (Alagoas), 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Segundo informações aqui recebidas em Piranhas, “Corisco”, à frente de um grupo composto de oito pessoas, inclusive duas mulheres, foi visto ontem na fazenda Bem-Feita, em Mata Grande. A polícia do Estado, através de suas forças volantes, já está no encalço, nesta direção.


Refere-se também que o assalto à fazenda dos Patos, de propriedade do sogro do capitão João Bezerra, foi realizado sem se disparar um tiro sequer. Todas as vítimas foram degoladas vivas pelos bandidos, o vaqueiro Domingos, sua mulher e três filhos cujas cabeças foram mandadas para o capitão João Bezerra, na falta de prefeito de Piranhas, ausente no momento.
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PIRANHAS (Alagoas), 5 (Serviço especial de A NOITE) – O assalto do grupo de “Corisco” à fazenda dos Patos foi realizado pela madrugada. Os bandidos puderam assim aproximar-se sem serem pressentidos, atacando de surpresa as vítimas. Seis pessoas, como já informamos, foram então decapitadas, sendo as cabeças enviadas ao capitão João Bezerra. Acompanhava os despojos, que incluíam duas cabeças de mulher, o seguinte recado: “As cabeças destas mulheres pagaram as duas mortas”.

O grupo de Corisco, depois da chacina, conseguiu montada na própria fazenda, batendo em retirada. Comunicado o fato às autoridades, saiu em perseguição do grupo o sargento Aniceto, que, anuncia-se, já conseguiu a pista dos bandidos.
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IMPRESSIONANTE! – O FESTIM SINISTRO

PIRANHAS, 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Urgente – Acabamos de chegar a Piranhas, a cidade do interior alagoano que Corisco escolheu para palco do seu sanguinolento revide pela morte de Lampião. Ainda todos os habitantes da localidade se encontram sob a penosa impressão do monstruoso crime. Ouvimos, a respeito, o Sr. Manoel João da Costa, cunhado do vaqueiro Domingos José Ventura, o infeliz morador da fazenda dos Patos que encontrou morte horrível, juntamente com toda a sua família, nas mãos ávidas de vingança do bandoleiro Corisco e seu bando.

Ainda tomado de profunda emoção, o Sr. Manoel João da Costa, narrou-nos o drama tremendo, verdadeiro festim de sangue e horror.
Demos a palavra ao nosso entrevistado:

- “Corisco” chegou noite fechada já na fazenda dos Patos. Eram mais ou menos oito horas. Ao estrepito dos bandoleiros, que se aproximaram como demônios batendo as coronhas das armas no terreiro, a família do vaqueiro Ventura acordou em pânico. Mas nada mais era possível fazer; nem fugir! “Corisco”, à frente do bando, com os olhos verdes fuzilando de ódio, ordena rispidamente à mulher e à filha do morador:

- Faça café para todo o pessoal!

Em seguida, apontando para o vaqueiro e seu filho Manoel, ordena aos seus “caibras” que os levem para trás do curral, o que é feito imediatamente, sem qualquer gesto de resistência dos prisioneiros.
Os dois homens são amarrados e arrastados para fora.

No local escolhido, “Corisco” então contempla mais uma vez com uma expressão de sinistro sarcasmo as duas vítimas e, em voz ríspida, grita para os seus homens, que já haviam desembainhado os punhais agudíssimos:

- Degolem esses bandidos!

HEDIONDO!

- Uma angustiada expressão de desesperança perpassa pelas fisionomias dos homens que iam ser imolados. Inútil qualquer apelo a quem já perdeu o último resquício de bondade humana.
Os cangaceiros escolhidos para carrascos apressam-te para a tarefa macabra. Fuzilam os punhais na meia luz do luar. Rápidas como raios, as lâminas cortam o espaço e duas cabeças tombam sobre a terra, entre golfadas de sangue. Os troncos decepados oscilam ainda uma última vez e caem pesadamente sobre o solo empapado de sangue.

ÓDIO DE BANDIDO

Não satisfeitos em sua insaciável sede de vingança, “Corisco” e seus homens, depois de amaldiçoarem em altos brados as vítimas indefesas, voltam à casa, onde tinham ficado os outros “caibras”, guardando os demais moradores. Um frêmito de horror circula pelo sistema nervoso daquelas pobres criaturas, ao verem de volta o sombrio “Corisco”, cujas pupilas com um ódio inextinguível.

Chegou a vez dos filhos do vaqueiro Ventura: José, solteiro, e Odon, casado. Os facínoras amarram-lhe as mãos para trás, conduzem-nos para o terreiro, e aí, entre imprecauções demoníacas, degolam-nos de um só golpe, com a sua alucinante maestria de sangradores.

AGORA AS MULHERES!

- Agora as mulheres! – grita “Corisco”, enquanto seus homens agarram pelos cabelos a mulher e a filha do vaqueiro, Guilhermina Nascimento Ventura e a jovem Waldomira Ventura.
- Vocês vão pagar a morte de Maria Bonita e Enedina – diz o bandido olhando para as mulheres.
Nenhuma sombra de piedade naquelas fisionomias que só o ódio sabe fazer vibrar. As mulheres são brutalmente arrastadas para fora, e ainda o feroz “Corisco”, com a sua impassibilidade desumana, ordena e assiste ao seu degolamento.

MÚSICA!

- Parece momentaneamente aplacada a cólera do chefe. Seus cabeças jazem sobre o solo, imobilizadas numa última expressão de angústia e sofrimento. Mas nada comove o bandoleiro empedernido. Gritos de satânica satisfação atroam os ares. É a alegria das feras saciadas. Os bandoleiros estão superexcitados. Voltam à casa, no meio de um vozerio infernal. “Corisco” ordena então que se comemore condignamente a vingança.

Manda transformar em salão de baile a sala da casa assaltada. E, estimulados pela cachaça, entregam-se a desenfreadas manifestações de alegria, dançando e gritando. Alguns dos bandidos trazem violas e realejos com que animam a dança. É um festim macabro. Pantomina de horror e sangue. Farândula de demônios alucinados.

O SAQUE – BILHETE AO CAPITÃO BEZERRA

- Quando se dão por satisfeito, “Corisco” ordena o saque geral da fazenda, depois do que dá instruções para a retirada. Dirigem-se todos para a fazenda Pedrinhas, próxima à fazenda dos Patos, pertencente também ao Sr. Antônio José de Brito, vulgo, “coronel Antonio Menino”. Aí então “Corisco” redige uma carta injuriosa e violenta ao capitão Bezerra, endereçando-lhe as cabeças sangrentas. Entrega o bilhete ao portador, que foi o vaqueiro João Crispim Moraes, dizendo:

- Vá entregar isto ao tenente Bezerra. Diga a ele para comer uma, frita. Na falta dele, entregue ao prefeito.

POUPADOS PARA CONTAREM A HISTÓRIA!

- Os bandidos deixaram vivos três outros filhos do vaqueiro Ventura: Antonio, de doze anos, Silvino, de dez e Carmelita, de onze.

Por isso, ao despedir-se do portador da macabra encomenda, “Corisco” acrescentou:

- Os meninos ficaram para contar a história. Mas brevemente voltarei para matá-los, pois faço questão de extinguir toda a raça daquele vaqueiro traidor, que nos denunciou à polícia.
As cabeças foram enterradas no cemitério da cidade, sendo que aos corpos foi dada sepultura cristã na fazenda Patos.




 Os meninos com o jornalista Melchiades da Rocha
Acervo Robério Santos

O vaqueiro tão tragicamente trucidado tem ainda uma filha que reside em companhia da família do “coronel Menino”. Receia-se aqui nova façanha dos bandidos, que prometeu vingar a morte de Lampião impiedosamente.

Na carta dirigida ao tenente Bezerra enviando as cabeças, diz “Corisco”: “Matei duas mulheres para vingar a morte de Maria Bonita e Enedina.

A esposa de Odon Ventura, que também se encontrava na casa assaltada, foi perdoado pelos bandidos em virtude de ter dato à luz há oito dias. A criancinha também nada sofreu. Os três filhos sobreviventes do vaqueiro que foram mandados por “Corisco” juntamente com as cabeças de seus pais e irmãos, nada quiseram declarar.

Seguimos viagem para Angicos


Na mesma edição do dia 05/08/1938, este mesmo jornal, sobre a chacina na fazenda Patos, publicou notícia de uma outra fonte, a Agência Nacional, nos seguintes termos:


MACEIÓ, 4 (Agência Nacional) – A população desta capital continua sob a forte impressão da vindita tomada por Corisco e seu bando, composta todo ele dos fugitivos da fazenda Angicos. Os jornais dão amplo noticiário do fato sangrento. Conhecem-se, agora, os mortos da fazenda de Patos, onde Corisco chegou de surpresa, não tendo sido possível nenhuma resistência.

Chegou e não conversou. Amarrou todas as pessoas encontradas, em número de seis, fuzilou-as, cortando, depois as cabeças e mandando-as num saco para o prefeito de Piranhas, com um bilhete, no qual dizia que as onze cabeças da fazenda de Angicos fariam rolar muitas outras. O saco com o presente macabro foi levado por uns caboclos, que chegaram a Piranhas pela madrugada. Esses caboclos, que vivem nas redondezas onde se deu a chacina, foram obrigados a cumprir a tarefa, sob a ameaça de que se não levassem o saco e não o depositassem no lugar determinado, mais tarde seriam sacrificados e decapitados.

O saco foi encontrado pela criada do prefeito, no batente da porta da rua. Alarmada, a empregada saiu correndo e gritando. As pessoas da casa vieram ver o que se passava, e deram com aquela coisa horrível. O prefeito de Piranhas também foi ver e deparou com as cabeças, empapadas em sangue e terra. A notícia espalhou-se com rapidez, e dentro em pouco a residência do chefe do executivo municipal estava cercada por uma multidão de curiosos, que ali ficou comentando a trágica represália, entre indignada e transida de pavor.

BRUTAL!

MACEIÓ, 4 (A. N.) – As pessoas mortas e decapitadas na fazenda de Patos pelo bandoleiro Corisco, em revanche à morte de Lampião, foram o vaqueiro do coronel Antonio Brito, sua mulher e quatro filhos menores. A família do proprietário da Fazenda lá não se encontrava. Mas a vingança foi tirada, somente porque essas pessoas trabalhavam para o coronel Brito, que é, como já mandamos dizer, avô da esposa do atual capitão João Bezerra. Corisco, entretanto, depois de sacrificar seis vidas inocentes, num ato de incrível barbaridade, incendiou a fazenda, que é, agora, por informações de pessoas vindas de lá, um campo ressequido e devastado.

NO COMANDO DAS FORÇAS VOLANTES

MACEIÓ, 4 (A. N.) – O primeiro-tenente Francisco Ferreira de Mello, por determinação do coronel Lucena, assumiu o comando das tropas volantes, que saíram em perseguição do novo bando de cangaceiros, chefiado por “Corisco”.

 Silvino Ventura, filho de Domingos Ventura
morreu vitima de um acidente em Piranhas, 
em dia 30 de julho de 1985, aos 54 anos.


Imagens: Acervo Lampião Aceso.

sábado, 20 de junho de 2020

Foto rarissima

Os donos da Carnaúba



O casal Napoleão Franco da Cruz Neves, da fazenda Carnaúba em São José do Belmonte,PE (em cujas terras Lampião assume em 1922 a chefia do bando) e Donana Neves do Jardim (Ana Pereira Neves, irmã do coronel Manoel Pereira Lins, o "Né da Carnaúba). Ao lado dela se terno escuro um dos vários Pereiras que se homiziaram em suas terras (segundo Dr. Napoleão estava se recuperando de ferimentos sofridos nas pelejas do Pajeú).

Atrás dele, Joaquim Pereira Neves, pai do Dr. e escritor Napoleão Tavares Neves.

Nesta mesma propriedade, em 1926, Lampião recebera a carta do padre Cícero Romão para ir até o Juazeiro.


A foto é de 1920.- Acervo: Leandro Cardoso Fernandes.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Série: O cangaço e eu

Clidinho e Netinho 

Euclides de Souza Ferraz Neto - "Clidinho" e Hildebrando de Souza Nogueira Neto - "Netinho", descendentes diretos dos nazarenos, falam um pouco de suas raízes e de seus antepassados que participaram da campanha contra o cangaço.



Pescado no canal de Aderbal Nogueira

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Imagens raras

Funerais do Beato José Lourenço
.
Após os fatos do Caldeirão e da Mata dos Cavalos, o Beato José Lourenço montou em Exu, no Pernambuco, o Sítio União, onde viveu até fevereiro de 1946.

Acometido de peste bubônica, o beato encantou-se em 12 de fevereiro de 1946. O pranto dos homens e mulheres que viviam no União, foi derramado pelas muitas léguas que separam Exu e Juazeiro. A pé, trouxeram seu corpo para a terra do Padre Cícero, e aqui o beato não teve direito a missa de corpo presente. Tanto na capela de São Miguel, quanto na do Socorro, somente portas fechadas, os padres negaram.




O enterro se deu no Cemitério do Socorro, após as exéquias improvisadas, e até hoje seus restos mortais lá repousam.


FONTE: Cariri das antigas
TEXTO: @robertojunior.cda
FOTOS: Acervo de Renato Casimiro e Daniel Walker.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Histórias de Tuparetama, PE

Quando o cangaceiro Zezé Patriota assombrou Assombrou Bom Jesus

Por Tárcio Oliveira

Nas primeiras décadas do século passado grupos de homens armados, justiceiros e ao mesmo tempo saqueadores amedrontavam o sertão nordestino. Eram os chamados cangaceiros sendo Lampião e seu bando o mais famoso deles. Na nossa região, sertão do Pajeú na divisa com a Paraíba tiveram atuação mais recorrente dois bandos, o do cangaceiro Antônio Silvino e o comandado por Zezé Patriota.

O grupo chefiado por Zezé Patriota teve curta duração e também ganhou fama pela perversidade que praticava. Um exemplo da crueldade com que atuava Zezé Patriota e seu bando aconteceu na zona rural de Tuparetama, na estrada entre o sítio Seixo e a Liberdade.

Para seu azar, o agricultor e pai de família Francisco Fidélis topou com Zezé Patriota e parceiros quando se dirigia para a casa onde morava, no Sítio Melancias. Francisco Fidélis foi reconhecido pelo cangaceiro, que o tinha entre os desafetos. É que anos atrás, numa festa junina, ao disparar um tiro de bacamarte durante as comemorações no terreiro em torno da fogueira (tradição muito presente nas festividades da época) um menino parente de Zezé Patriota fora atingido e falecera. A tragédia foi acidental, mas o cangaceiro jurou vingar a morte do parente. E a oportunidade surgiu naquela tarde no caminho da Liberdade.


Antes de matar o agricultor Francisco Fidélis, os cangaceiros arrancaram suas unhas e seus olhos a ponta de faca, O crime chocou e deixou assustada a população do povoado(***).

Por motivo das investidas dos bandos da cangaceiros na região, por essa época, em 1926 as senhoras Francisquinha Venâncio, Clara Véras e Ritinha Gabriel doaram à Capela do Sagrado Coração de Jesus, na Vila Bom Jesus (hoje Tuparetama) a imagem de Nossa Senhora do Desterro, como pagamento antecipado de uma promessa para ‘desterrar os revoltosos, jagunços e bandidos que revolucionavam a região’. Segundo os mais antigos¹, a comunidade considerou de muito êxito tal promessa, pois com a chegada da imagem da santa, eles se afastaram da região.


Cruz marca o local onde Zezé Patriota foi morto


De fato em 1927 foi morto o cangaceiro Zezé Patriota aos 31 anos de idade na divisa entre Pernambuco e Paraíba. O fato ocorreu em 30 de agosto, pela volante do tenente Alencar.

Há um bom tempo o tenente Alencar fazia diligências para pegar o cangaceiro e a oportunidade finalmente surgiu no dia de feira de Umburanas (hoje, Itapetim) quando encontrou os irmãos de Zezé Patriota, chamados de Caboclinho e Levino Patriota. Caboclinho conseguiu escapar do interrogatório mas Levino foi espancado e forçado a informar o paradeiro de Zezé Patriota.

Vila de Bom Jesus

O tenente seguiu com o policiamento ao encalço do cangaceiro. No caminho cercaram e trocaram tiros com parte do bando de Zezé na fazenda São Pedro indo em seguida para o Sítio Mocambo. Avisado da aproximação do tenente Alencar e sua volante, Zezé Patriota não fugiu. Havia sido baleado na perna num confronto dias antes noutra fazenda e estava com o membro granguenado.

Ao chegar no local onde estava o Zezé Patriota ferido e debilitado, o tenente Alencar certificou-se de que se tratava do cangaceiro procurado e deu ordem para os soldados atirarem. Zezé morreu no local, sem reagir. Contam que ele só foi enterrado dois dias depois, por familiares, no cemitério de Umburanas.


Com informações orais coletadas de Elias Souto (Tuparetama)
e via internet, atribuídas a Bernardo Garappa Ferreira (Itapetim).
(¹) As informações foram dadas por Eutrópia Perazo (Tofinha) e Valfredo Leite,
durante a pesquisa para o Tuparetama, Livro do Município, em 1998 e 1999

terça-feira, 2 de junho de 2020

O Estado de S. Paulo 21/10/2001

Afinal, quem decapitou Maria Bonita? Os volantes Cecílio, Bertoldo ou "Negro"

Por Leonencio Nossa
(Transcrição de Antonio Corrêa Sobrinho)

“NEGRO”, QUE ERA POLICIAL NAQUELA ÉPOCA ,
GARANTE QUE MARIA BONITA JÁ ESTAVA MORTA


OROCÓ (PE) – Ele ajudou a cortar a cabeça de Maria Bonita com faca tão afiada quanto a própria memória. Depois de trocar tiros e punhaladas com cangaceiros na juventude, Augusto Gomes de Menezes, um policial aposentado que acaba de completar 85 anos, virou contador de histórias do cangaço e de Orocó, cidade sertaneja a 620 quilômetros do Recife, às margens do rio São Francisco. Um lugar violento e pobre, com 10 mil moradores, onde mais de 5% das crianças morrem nos primeiros dias de vida.

Negro, como era chamado pelos colegas de polícia, participou de um capítulo decisivo da história do Sertão. O cenário é a fazenda Angicos, em Flor da Mata, atual Poço Redondo (AL), na manhã de 28 de julho de 1938. O bandido Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, escondia-se no local com seus homens. “Morreram nove cangaceiros e duas cangaceiras, Enedina e Maria Bonita”, inicia a prosa.

“Maria Bonita morreu pertinho dele, Lampião, assim como daqui ali naquela parede”. Sentado numa cadeira de plástico, na sala da casa de estuque, onde mora com duas filhas, Negro não reivindica papel de destaque na ação que resultou na decapitação do bando de Lampião. “Quando eu cortei a cabeça dela (Maria Bonita), não estava mais viva, não”, diz. “Num combate anterior, eu gritei pra ele (Lampião): ‘Traz tua mãe, filho da peste, pra tirar raça de homem valente!’ Ele gritava pra gente também: ‘Taca espora na tua mãe, aquela égua’”, exclamou.

Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, Frederico Pernambucano de Mello afirma que Negro é personagem desconhecido pela história, talvez por ter sido soldado raso da campanha contra Lampião.

Na avaliação de Mello, o depoimento do aposentado ao “Estado” não apresenta contradições, especialmente na descrição do massacre de Angicos, e preenche lacunas, como por exemplo, a morte do cangaceiro Mané Velho, em 1937. O pesquisador planeja uma viagem a Orocó para conhecê-lo.
Hormônios – O aposentado mostra uma foto da época. “Este aqui sou eu”, aponta para um dos retratados. “Já este aqui é o cabo Terror, que tinha esse apelido porque era um terror mesmo.” Negro desafia o crespúsculo de Orocó. Entre um cigarro de palha e outro, vai construindo imagens mais vivas que o presente, feitas de duelos e sangue.

“Só de bornal nas costas eu tenho cinco anos”, fala numa alusão ao período em que ficou isolado na caatinga. “Desses cinco anos, só descansei oito dias”. Negro ri do fato de o povo de Orocó ter pensado que ele deu o primeiro tiro em Lampião. O aposentado esclarece que não foi bem assim. “Muita gente ainda jura que ele morre por mim, não sabe?” Negro deixa claro que só quem viveu o período é capaz de acreditar nos feitos atribuídos a Lampião. “Numa fazenda em Simão Dias, mataram dois rapazes, defloraram uma moça e cortaram a língua de uma velha”, diz. “A gente perguntou a ela o que acontece, e ela: ahhh... Não disse nada. Coitada, não tinha culpa, pois não tinha língua.”

Homens valentes e mulheres decididas não fizeram sozinhos a história do cangaço. Muitos integrantes do bando de Lampião viviam a explosão dos hormônios. Menores também foram usados na repressão aos bandidos. Negro era um deles. Nascido na cidade baiana de Curaçá, em 1916, foi recrutado ainda menino pelo governo. Não tinha completado 22 anos quando participou do combate de Angicos.


 Augusto Gomes de Menezes (Negro)
“Com 14 anos peguei na espingarda para perseguir gente ruim e só saí quando acabou o derradeiro, em 1941”, afirma, numa referência ao fim do cangaço. E era na caatinga, longe das vilas e cidades que os meninos descobriam a sexualidade. A caça aos cangaceiros levava os jovens das volantes a ficarem meses afastados de mulheres. O jeito era se virar com animais ou, se tivessem sorte, cangaceiras capturadas.

PARA PEGAR BANDIDO NA CAATINGA , SÓ SE FOR A PÉ

Policial aposentado discorda dos meios usados pela polícia e pelo Exército.

Um dos últimos sobreviventes do combate de Angicos, o policial aposentado Augusto Gomes de Menezes, o Negro, discorda das ações atuais das polícias e do Exército contra assaltantes de caminhões e traficantes de drogas em Pernambuco. Ele releva o fato de os fuzis e as metralhadoras terem substituído os punhais no sertão. “Eu não posso informar nada da polícia de hoje, mas o que eu acho é que carro com sirene não é modo de perseguir gente ruim”, afirma. “Na caatinga não dá para entrar de carro.”

Negro lembra que para caçar cangaceiros o jeito era andar a pé, sem mula ou viatura. Vida na caatinga era à base de carne, farinha e rapadura. A farinha ficava no bornal. O jeito era meter a mão no bornal. “A gente não tinha tempo de assar carne, comia crua mesmo, tirava a dente”, conta. A escassez de água levava o grupo a apelar para a rapadura. “A gente passava até sete dias sem beber”, dramatiza. “Isso escureceu a vista de todo mundo.”

O policial aposentado se casou e enviuvou duas vezes. Da primeira união, com Ocília Barbosa, em 1940, nasceram dez filhos. A mulher morreu 33 anos depois, quando os dois já estavam separados. “Ela caiu de repente e morreu”, lembra. Quem também morreu por nada, há oito anos, foi Antônia Maria do Nascimento, com quem teve mais oito crianças. Dos 18 filhos de Negro, restaram dez.

Amigos não faltam; de solidão, reclama pouco. O maior problema, segundo ele, é o salário mínimo que recebe da Previdência Social.

A casa de Negro não tem televisão nem guarda-roupas. Também faltam baús. Segredos e histórias de uma polícia violenta e criminosa estão na memória do homem que após participar das volantes foi chamado para lutar na Segunda Guerra Mundial – chegou a se apresentar em Salvador, mas a guerra acabou uma semana antes.

Negro colaborou com o Exército na repressão aos integralistas da Bahia, durante o Estado Novo de Vargas, e no auge do regime militar, nos anos 60. Sobre essa época, pouco revela. Desconfia-se que passava informações sobre a geografia da região. “Depois de sair da volante, eu trabalhei nesse negócio de pistolagem”, diz sem ir adiante. Em 1965, no governo do marechal Castelo Branco, gente do Exército andou prometendo “coisa” para o policial aposentado. (L.N.).

PARTILHA DE BENS DO CANGAÇO GERAVA DISCÓRDIA ENTRE POLICIAIS

Tenente teria ficado com maior parte do tesouro do bando de Lampião
Os macacos, como os policiais eram chamados pelos cangaceiros, travaram duelo particular pela divisão do tesouro do bando de Lampião. Um dos integrantes da volante que massacrou os criminosos, em 1938, Augusto Gomes de Menezes, o Negro, revela que o chefe, o tenente João Bezerra, morto nos anos 70, ficou com a maior parte da fortuna, cerca de 1200 contos de réis e cinco quilos de ouro. O prêmio máximo da Loteria Federal valia, à época, 200 contos de réis. “A gente tinha ordem do presidente que quem matasse cangaceiro ia ficar com os objetos dos mortos”, diz.
Negro afirma que o tenente não repartiu a fortuna e dá a lista dos nomes dos colegas de farda que teriam sucumbido numa suposta operação travada por João Bezerra para evitar a partilha. “Zé Gomes foi morto por um pistoleiro e Mané Velho conseguiu escapulir.”

Mais de 60 anos depois da maior façanha da volante, Negro ainda tem raiva do tenente. “Eu não fui perseguido pelo João Bezerra, mas ao mesmo tempo posso dizer que fui; eu trabalhei demais”, diz resignado. “eles prometeram um negócio para mim e nunca saiu.” Ele jura que não ficou com nenhum pertence dos cangaceiros. “Eu peguei dez contos de réis de um, mas um colega me traiu.”

O pesquisador Frederico Pernambucano de Mello desconhece as perseguições, mas confirma a revolta dos soldados e a promessa de partilha. Há 40 anos estudando o cangaço, Mello diz que Mané Velho era homem violento e que causava medo entre os colegas. Após o massacre de Angicos, Mané Velho cortou as mãos do cangaceiro Luís Pedro para ficar com os anéis de ouro.

Fotos das revistas da época mostram as cabeças dos onze cangaceiros expostas na escadaria da prefeitura de Piranhas, em Alagoas. O crânio de Lampião aparece no centro. A mórbida cena é atenuada pelos chapéus com pedaços de ouro e signos de Salomão e pelos bornais. “A estética do cangaço é uma arte nascida em circunstância de conflito; seus símbolos não são apenas estéticos, mas possui funções místicas”, avalia Mello, um dos curadores da Mostra do Redescobrimento.

“Numa comparação universal, o traje do cangaceiro só se compara ao do samurai japonês.” Nas andanças pelo sertão, Mello encontrou pessoas que afirmaram que a cena de maior impacto na vida foi ver o bando de Lampião. “Tinha-se a impressão de que o grupo, ao chegar às cidades, estava trajado como se fosse pular carnaval”, diz. “Era uma mistura de pavor e êxtase; um êxtase estético, épico e viril.” (L.N.).