quinta-feira, 31 de março de 2011

Um cangaceiro na Neurologia do HC 

por Joaquim Ignácio de Souza Netto

Sem rosto, nem vulgo

Vamos deixar por entendido que seu nome era Antonio Rocha, um nome qualquer escolhido a esmo, um codinome.

Era um dia de muita chuva e de muito frio quando ele foi internado na clínica de Neurologia do Hospital das Clínicas. Veio numa maca empurrada pelo Ditão, um negro muito forte e muito alto, uma espécie de guindaste de nossa clínica, uma máquina de trabalhar e um bom amigo.

Antonio Rocha tinha os olhos muito azuis que não piscavam e olhavam para o nada. Seus cabelos eram brancos, muito brancos e lisos, parecendo fios de seda. Ficou num leito da enfermaria seis da ala norte. Seu estado físico era deplorável, o corpo cheio de escaras infectadas, sujo, esquálido, aparentemente catatônico.

Dona Maria José, das maiores profissionais que eu já conheci, era a chefe de enfermagem da Neuro e ficou nos observando e orientando, naquele primeiro dia, enquanto higienizávamos aquele pobre velhinho. No dia seguinte, pela manhã, Antonio foi levado para tomografia em uma clínica particular que tinha um dos dois ou três tomógrafos que existiam no país, na Avenida Rebouças, um quarteirão antes da Faria Lima (o HC só veio ter esse serviço alguns anos depois)...

Todos os dias, após recebermos o plantão, íamos examinar as pranchetas dos pacientes. As prescrições do Antonio não mudavam: 1) Dieta p/SNG (sonda naso-gástrica), 2)Curativos nas escaras, 3) Cuidados c/ sonda Folley, 4) Cuidados Gerais, 5) Dipirona S/N (se necessário).

Um dia perguntamos para um dos médicos se o paciente não receberia nenhum outro tipo de tratamento ou uma medicação mais específica. A resposta do médico nos deixou meio atordoados... O paciente não tinha nenhuma doença física, era portador, de acordo com o histórico, de um estado depressivo absurdo. Ele tinha se fechado dentro de si mesmo...  
Qualquer dia desses, ele "ressuscita"... . Disse-nos o médico... Vão cuidando dele, conversem com ele, liguem o rádio perto dele, contem piadas, façam o diabo...
Pacientes como o Antonio eram banhados em uma mesa ou maca num grande banheiro que existia na Neuro. Os banhos eram feitos com uma mangueira por onde jorrava água temperada - mais fria, mais quente, morna. Um dia, durante um desses banhos, ouvimos um sussurro: - Essa água tá mais fria que a peste... - Antonio Rocha "ressuscitara"!

Os médicos que estavam passando visita foram chamados e foi uma alegria muito grande em todo o andar...

Em duas ou três semanas o velhinho, já curado das escaras, andava pelo corredor da clínica e falava, e como falava!... Ele tinha sido cangaceiro do bando de Zé Sereno e largara o cangaço, pouco antes do massacre de Angicos, para se casar... Contou-nos "causos e mais causos" do cangaço. Mas, por incrível que possa parecer, nem Zé Sereno, nem Corisco e muito menos Lampião eram seus ídolos. Ele tinha profundo respeito por Ângelo Roque, o Labareda. De acordo com Antonio Rocha, o "Anjo" Roque era uma fera, uma força da natureza que metia medo até em Lampião...

 Angelo Roque 

Através de uma reportagem na TV, um médico veio saber que Zé Sereno estava vivo e tinha um pequeno comércio em São Miguel Paulista. De posse do endereço, foi pessoalmente buscar o velho chefe de bando para visitar seu antigo comandado. Foi uma loucura. Mais histórias e mais "causos" foram contados, muitas gargalhadas, muito sangue jorrando, muito tiro, muitas correrias pela caatinga do Raso da Catarina..

Apenas no dia de sua alta ficamos sabendo que, após o assassinato de um filho seu em Carira, Sergipe, ele entrara em depressão chegando a ficar naquele estado, parecendo um cadáver que respirava!

Perguntamos prá ele:

- E aí, Antonio... O que você vai fazer de sua vida agora?
- Eu?... Faz mais de 40 anos que eu não mato ninguém... O homem que matou meu filho "tá" vivo e mora no Carira, pertinho do meu sítio... "Tô" véio e a policia não vai nem ligar se eu começar tudo de novo... Só espero que a vingança não tenha se consumado... Existem mecanismos legais para fazer a justiça: além do mais quem já ouviu falar de um cangaceiro de cabelos brancos, fugindo pela caatinga?
 Publicado originalmente no site  São Paulo minha cidade

Matéria sugerida por Arquimedes Marques que ainda nos disponibilizou o conteúdo de uma conversa com o autor do aludido texto que nos traz maiores detalhes, vamos conferir.

Em 24/03/2011 20:56, Ignacio Netto escreveu:

O caso do Antonio Rocha (era seu nome verdadeiro!) mexeu bastante conosco, primeiro por sua simpatia, pois depois que êle voltou à realidade, propriamente à viver, desembestou a contar casos e mais casos de seus tempos de correrias, de lutas e fugas, das refregas contra os "macacos"! Ele parecia um daqueles atores que vivem em função da platéia e,como bom ator, fazia suas exibições à noite; passava as noites acordado, rodeado por gente da enfermagem e médicos, falando, nos levando prá dentro da caatinga, nos apresentando a outros cangaceiros, Zé Sereno, Ângelo Roque, seu ídolo, Corisco, Bem Te Vi, Virgulino Lampeão... À pergunta "Maria Bonita" era bonita mesmo?, respondia: "Não, era uma mulherzinha comum, não sei o que Lampeão viu nela! Não tinha nem bunda, era uma "talba", e ninguém chamava ela de Maria Bonita, era Maria de Lampeão e só!... À noites de mal dormir sucediam dias de MUITO DORMIR, a ponto de os médicos precisarem voltar no fim da tarde para realizarem seus exames - "Não adianta acordar o velhinho, coitado! Deixa êle dormir... A gente volta à tarde...
Antonio Rocha fazia parte do bando de Zé Sereno (segundo suas palavras) e assim permaneceu, ainda segundo suas palavras, até deixar o bando para casar. De acordo com êle, ninguém entendeu muito bem sua saída... Com o tiroteio em Anjicos/Piranhas, Corisco, que vinha da Paraíba para juntar-ae ao s bandos que foram destroçados, de repente viu-se órfão de pai e mãe, desprotegido e sem dinheiro. Lembrou-se então de Antonio Rocha, do Carira, e foi para seu sítio embusca de coito, comida e dinheiro... Antonio nos contou que Corisco tinha muito respeito por Dadá pelo fato dela ser a única mulher dos bandos que respondia ao fogo dos macacos, bala por bala! Disse que Dadá, sim, era bonita, mas era braba como uma onça! " As outras mulheres só sabiam gritar durante os tiroteios, encher os cabelos de perfume e fazer fofoca umas contra as outras. Mesmo Maria de Lampeão era assim. A única coisa que ela sabia fazer bem era costurar. Fazia os "liformes" de Lampeão e do compadre Zé Sereno".
Ainda de acordo com minhas lembranças, o Antonio informou que Corisco e Dadá ficaram no sítio por um mês ou mais e foi a última vez que os viu...
Quando os remanescentes dos bandos foram anistiados em 1945, ele não moveu uma palha para oficializar sua anistia, sentia-se anistiado e perdoado por Deus.
Não tenho certeza, mas acredito que ele ficou internado no Hospital das Clínicas entre 1978 e 81. Ele era natural de Sergipe, do Carira (ele sempre falava com muito orgulho do Carira), imagino que tivesse no mínimo dois filhos - um deles assassinado, o que causou o "desligamento" temporário de suas emoções e sentidos - e um outro, caminhoneiro que veio buscá-lo quando recebeu alta. Como o nome é verdadeiro, acredito que seja fácil consultar os arquivos do HC da época para obter mais informações. Antonio Rocha deve ter morrido, já era entrado em anos quando foi internado e já se passaram mais de 30 anos...
 Antonio Rocha foi um dos pacientes que marcaram minha vida e minha profissão. Ainda hoje, quase 40 anos passados, lembro-me de sua voz, seu sotaque nordestino carregado, seu apetite (quando voltou à vida desandou a comer que não parava mais). Ficou internado na Neurologia por 2 ou 3 meses; era como se fosse nosso mascote, paparicado o tempo todo pelos médicos e pela enfermagem, No tempo em que esteve conosco não recebeu visitas de parentes, apenas de antigos companheiros de cangaço: Zé Sereno e Sila, Balão esqueci de citar que na visita que Zé Sereno fez ao velho amigo, Balão também esteve presente. Na época, Balão também tinha um comércio pequeno em São Miguel Paulista, o maior reduto nordestino dentro de São Paulo...e, se eu não me engano (estava de folga) de Bem-te-vi. 
O Ex cangaceiro Balão
 Grande Antonio Rocha, que Deus tenha, realmente, te anistiado.
No tempo da internação de Antonio Rocha, eu era atendente de enfermagem. Estava retornando à profissão após ficar como burocrata por 12 anos na Escola de Comunicações e Artes da USP. Como o sr. bem sabe, aqueles foram anos duros, de ditadura no país e trabalhar no meio de 15.000 alunos era complicado, com o Exército, DOPS, Marinha, Esquadrões da morte comendo solto. Daí minha volta à Enfermagem. Precisei recomeçar de baixo, como Atendente pois meus cursos perderam o valor com o passar dos anos., mas graças à Deus o HC me propiciou refazê-los. Uma curiosidade: uma das pessoas que cuidou do Antonio Rocha foi uma enfermeira de nível universitário, filha do Senador Antonio Vilela, que também fora cuidado por nós, loira, muito bonita. Vez ou outra a vejo na TV e parece que ela está casada com um figurão aí do NE.

terça-feira, 29 de março de 2011

Balanço e flagrantes

3º Seminário Internacional do Centenário de Maria Bonita 

Desculpem a demora. Cada evento pra mim tem o mesmo efeito de um carnaval... sempre volto embriagado... mas é de informações e material. Como o orçamento foi quase nulo desta vez só trouxe mesmo informações, fotos e como sempre ... 
Guardando as recordações / Das terras onde passei / Andando pelos sertões / E dos amigos que lá deixei.
Como é que foi a confraternização do primo João?

O último evento da trilogia ocorreu de quarta-feira (23) até o sábado (26) e foi igualmente edificante para todos os participantes. Eu, que por motivos de trabalho só pude compartilhar da companhia dos confrades até as 13h da sexta-feira, 25, procurei aproveitar ao máximo.

Obviamente registrei algumas imagens, para dividir com os clicados e apresentar aos que não puderam se fazer presente, alguns dos melhores momentos deste encontro que encerra as comemorações pelos 100 anos da rainha do cangaço.

Teoricamente foi o derradeiro, mas há um projeto para que este torne-se efetivo no calendário daquela cidade.
 
 Nossa primeira missão foi uma singela homenagem ao coroné fortalezense Ângelo Osmiro.  
Mais um cangaceiro para compor sua coleção, uma peça com um detalhe exclusivo...


 ...O capitão com um traço marcante da feição do Coroné. 
Obra do artista sergipano Liu Filho.

A personalização da fachada do Memorial da Chesf em Paulo Afonso. 
Quem posou pra nós foi o confrade Tomaz Cysne. 

Exposição fotográfica desenvolvida pelo padre "cangaceirólogo" Celso

 Prestigiando o evento nosso estimado professor Pereira, PB;  
José Cícero, CE; Neli de Durvinha, MG e Luiz Ruben PE.

 Aspecto da mostra

Padre Celso 

  O mestre de cerimônias Antonio Galdino faz as honrarias.


 100 anos de Maria Bonita: Nascimento, vida e morte da rainha do cangaço fora o tema dissertado com propriedade e com o charme oriental de Dona Juliana Schiara. Que fez uma oportuna cobrança quanto a falta de mulheres engajadas na pesquisa.

 
 Logo após as impressões de miss Juliana coube a nós uma apresentação sobre a influencia de Maria na música brasileira e estrangeira. Intitulamos QUEM CANTOU MARIA?


Lançamento oficial do livro 'Lampião - Sua morte passada a limpo'
dos companheiros Sabino Bassetti e Carlos César Megale.


 No dia seguinte o destino era a grota. Durante a viagem o pesquisador e documentarista Gilmar Teixeira (De costas por questões estéticas do artigo) faz uma breve palestra acerca do seu trabalho sobre o assassinato de Delmiro Gouveia, livro que já está quase no prelo. 


 Ultima chamada para o embarque. João convida a todos para a visita técnica, proporcionada pela Prefeitura Municipal de Piranhas.


Pela primeira vez realizo o passeio até Angico, a partir da cidade alagoana. Já havia feito por duas vezes utilizando a "trilha dos cangaceiros". Ali estamos ao lado do escritor Paulo Gastão.

 de Fortaleza, compadre Afrânio Cysne, posando para a imprensa.


 O psicólogo e cangaceirólogo "Jesuinista" Júlio Schiara, pegando uma cor para levar para Quixadá.


 Depois da subida o descanso. Os pesquisadores Jack De Wite (França) e Bosco André (Ceará)

 Wilson Seraine, nós, Vilela, Sousa e mestre Alcino "meu companheiro de quarto"

O começo do fim: Aos pés do escritor Antônio Vilela eis o "Poço do tamanduá" onde o cangaceiro Amoroso ao buscar água é atingido pelo primeiro tiro, deflagrando a chacina. 

 
 Detalhe das dimensões do pequeno Poço do tamanduá.

O que faz o pesquisador Dr Leandro Cardoso, apoiado nesta munição de badoque?  
Esta pedra (a poucos metros do Poço do tamanduá) seria o ponto exato em que Maria Bonita é atingida pela primeira vez. Ao ouvir o 1º tiro Maria corre ao encontro de Amoroso, ferida corre para o coito...  

 
 Outro ponto interessante e raramente fotografado é esta formação rochosa, que segundo relatos de cangaceiros sobreviventes, por possuir uma superfície plana servia de mesa para refeições (localizada no mesmo trecho de acesso ao poço do tamanduá).

A comitiva almoçou no restaurante "O Lampião" 



Nossa anfitriã Srta. Melinna Freitas (prefeita de Piranhas);  
João de Sousa e o secretário de turismo Cacau

Coroné Severo, Juliana Schiara e coroné Angelo  
"impaciente com a demora do rango". 


Barriga cheia , mão lavada, pé na estrada... 
Assistimos as conferências da tarde na cidade de Piranhas 
Em destaque o turismólogo e pesquisador Jairo Luiz.
 
  João de Sousa declara todo seu amor a Durvinha, Maria e a meninada toda.


Com a palavra... pesquisador José Cícero (secretário de Cultura de Aurora, CE)...

... O ator e dramaturgo Pawlo Cidade, de Ilhéus , BA. 

 Uma grata surpresa para os pesquisadores presentes foi sem dúvida a participação do senhor Dércio Canuto. Neto do soldado Adrião que aos 22 anos de idade foi o único volante morto no tiroteio em Angico. 
Dercio é filho de Maria Belízia de Souza Canuto, 77 anos, residente na cidade alagoana de Paulo Jacinto. Ele alertou aos pesquisadores sobre a origem do avô que não era de Mata Grande e sim de Chã Preta, também nas Alagoas.


A noite foi de Canindé, SE. Mesa composta para mais uma sessão. 

Deputado Estadual por Alagoas e vaqueiro da história Inácio Loiola nos brindou com um excelente resumo sobre as ultimas horas de Lampião e Maria. Inácio tem ligação direta com dois dos principais personagens do ato final. É neto de Waldemar Damasceno (telegrafista de Piranhas que comunica a presença de Lampião no coito) e genro de George Alves Lisboa o (telegrafista de Pedra (Delmiro) que recebe a mensagem a transmite à João Bezerra).


Em seguida o lorde e chanceler Paulo Gastão faz uma breve síntese da importância de Maria e principalmente da pesquisa como um todo. As palavras de Paulo tem o efeito de nos recobrar o incentivo que as vezes quer se resguardar devido ao preconceito dos avessos ao tema. 


 A irreverência do físico nuclear Wilson Seraine, o maior Gonzagólatra da terra da cajuína.

No dia seguinte foi oferecido aos palestrantes e confrades da SBEC uma recepção na casa do Dr. Luiz. Após ao almoço João de Sousa promoveu uma "avant prèmiere" do seu filme GATO - um rastro de sangue e ódio. 


 Já deixando o coração nas últimas sessões de fotos : Tomaz Cysne,  (Fortaleza), Josué "2º cangaceiro carioca", Sra Francisquinha (Triunfo,PE) e o sempre presente Antônio Vilela (Garanhuns, PE).


Dr. Pedro Luiz, meu futuro conterrâneo
(Não é de lá pra cá e daqui pra lá) Se Severo não faiá! 


É isso.
Só posso dizer que o sucesso já era previsível, O empenho do primo João e a parceria entre Paulo Afonso, Piranhas e Canindé proporcionou a melhor das três edições .

Um abraço fraterno a todos os amigos

Desculpe se deixei alguém de fora (não tem nada haver com afinidade foi lapso mesmo).
Se acaso tu não se viu o que não faltou foi câmera meu fí, aproveito para indicar aos amigos que estiveram por lá para Conferir as várias coberturas fotográficas proporcionadas por...

Driele Mutti no portal Mais Festa de Paulo Afonso. Clique aqui

Coroné Severo no www.cariricangaco.com

Antonio Galdino na Folha Sertaneja online: Clique aqui

José Cícero no Blog de Aurora : Clique aqui

Baladas da Ilha (Paulo Afonso): Clique aqui

E se Deus quiser quando setembro chegar nos encontramos no nosso querido Cariri.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Luto

Morre Luiz de Cazuza, um remanescente da época de Lampião. 

Parecia tristeza, mas era a memória em pura ebulição
Luiz Alves de Barros o Luiz de Cazuza, sobrinho do lendário Zé Saturnino e amigo de infância de Virgulino morreu hoje, dia 28 de março de 2011, as 19:30 hs. Será sepultado amanhã na fazenda São Miguel. Luiz tinha 100 anos de idade.

Em 2007 e 2008 visitando seu Luiz em sua residência na companhia do grande amigo Netinho nós pudemos conhecer e compartilhar da hospitalidade, alegria e testemunhos ímpares de um grande colaborador desta história.

Só nos resta oferecer nossa solidariedade e votos de pesar a toda sua família. Vá com Deus cabra bom forrozeiro!!!

Reveja o resumo biográfico eleborado pelo amigo Ângelo Osmiro

No ano de 2010, Luiz Alves de Barros, o Luiz de Cazuza completou um século de vida, nascido no dia 06 de setembro de 1910 na Fazenda Pedreira no município de Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, filho de José Gomes de Barros e Maria Alves de Barros. Em 1935 aos vinte e cinco anos casou-se com dona Teresa Alves de Barros, sua prima, em 1935 com quem teve onze filhos. Na juventude era conhecido nas ribeiras do Pajeu como exímio tocador de harmônica.

Sobrinho de Zé Saturnino da Pedreira, primeiro inimigo de Lampião, presenciou quando adolescente as escaramuças entre seu tio e padrinho Zé Saturnino e o cangaceiro Lampião; Saturnino era irmão da mãe de Luiz Cazuza.

Morando naquelas ribeiras não poderia ficar a parte das brigas entre seu tio e o famoso cangaceiro. Conversamos inúmeras vezes com seu Luiz Cazuza, sempre nos encantando com suas histórias sobre o cangaço, sobre o sertão, sobre seu amor aquela terra que o viu nascer, crescer e envelhecer.

No final da tarde do longínquo ano de 1927, quando seu Luiz Cazuza já se preparava para o jantar – que no sertão daquele tempo era feito muito cedo – apontou repentinamente Genésio Vaqueiro, um sertanejo das redondezas, meio assustado e um tanto apressado. Trazia um recado de ninguém quem menos que Lampião, o terror do sertão. O chefe bandoleiro mandava dizer que precisava falar urgente com Luiz Cazuza.

O jovem Luiz ficou assustado, afinal seu tio era inimigo de Lampião, apesar dele pessoalmente, assim como seu pai, não haver se envolvido diretamente na briga, o recado era para meter medo. Não comparecer ao chamado era uma imprudência sem limite. Apesar do medo, o jovem sertanejo atendeu de pronto ao chamado. Lampião o aguardava em lugar conhecido por Cacimba do Gado. Dirigiu-se rapidamente para o local demarcado, encontrou uma cena que jamais esqueceria, Lampião acompanhado de mais quatro ou cinco homens, todos maltrapilhos e aparentando cansaço e fome.

Aquele pequeno grupo era o remanescente do numeroso contingente que havia atacado a cidade de Mossoró e apavorado o Rio Grande do Norte, os cangaceiros estavam em estado lastimável. Lampião já conhecia Luiz e toda sua família, sabia do seu parentesco com Saturnino, afinal de contas haviam sido vizinhos, a propriedade de seu pai fora vizinha a fazenda dos Nogueira. A primeira pergunta que Lampião fez, foi saber como andava Zé Chocalho, apelido depreciativo pelo qual tratava José Saturnino, por conta das brigas existentes entre eles. Luiz respondeu que fazia tempo que não encontrava o tio, tentando assim não prolongar o assunto.

Lampião expõe seu problema, disse estarem vindo de longe, estavam com fome, precisavam de mantimentos, perguntou ao jovem sertanejo o que teria para comer. O sertanejo das ribeiras do Pajeu, disse não saber se por sorte de Lampião ou sua, acabara de comprar uma carga de rapaduras para revender, e traria logo, logo, era só o tempo de ir buscar. Junto às rapaduras Luiz trouxe também queijos à vontade, o que agradou muito ao rei do cangaço. Recebido os mantimentos, Lampião tirou do bolso um maço polpudo de dinheiro, contou, recontou e voltou a colocar no bolso, pedindo a Luiz Pedro para pagar, alegando não ter dinheiro trocado para efetuar o pagamento.

Nessa hora seu Luiz disse que o medo aumentou, pois a reação de Luiz Pedro, o cangaceiro do Retiro, foi surpreendente, reclamou do chefe pela sovinice e ainda perguntou para que Lampião queria tanto dinheiro, pois não gastava com nada. Estaria juntando dinheiro para levar para o inferno?

Perguntou Luiz Pedro ao Chefe. Mesmo assim Luiz Pedro retirou um maço de notas do bolso e repassou para Luiz de Cazuza sem contar. Seu Luiz guardou o dinheiro, também sem contar, queria mesmo era deixar aquele lugar, sair do meio daquelas feras, qualquer minuto a mais era correr perigo. Lampião dispensou a presença de Luiz e agradeceu o serviço prestado pelo sertanejo.

Chegando a sua casa, já aliviado por sair do meio daquele covil de feras, Luiz Cazuza foi contar a quantia recebida e se surpreendeu, o dinheiro recebido dava para comprar pelo menos dez cargas de rapaduras, mas seu Luiz ainda hoje conta, o medo que teve naquela tarde, passada na companhia dos cangaceiros de Lampião, dinheiro nenhum pagaria aquela aflição. Essa foi uma das muitas histórias contadas por seu Luiz de Cazuza que escutei sentado em um velho banco de madeira estrategicamente colocado em frente a sua casa na Fazenda São Miguel.

Inúmeras vezes tivemos o privilegio de desfrutar da companhia desse bravo e forte sertanejo das ribeiras do Pajeú, homem simples, excelente anfitrião, quem o conhece fica encantado com sua simpatia. Nas comemorações dos cem anos do meu grande amigo, não poderia deixar de prestar essa singela homenagem a quem merece muito mais do que essas humildes palavras.

Luiz de Cazuza uma verdadeira baraúna do sertão.
Ângelo Osmiro Barreto
Sócio da SBEC


Paciente misterioso

O médico e o cangaceiro? 

*Por Archimedes Marques

O autor solicita através do blog a atenção e ação dos vários confrades que tenham lido sobre atuações de cabras em fuga pelo "recôncavo baiano" que comentem apresentando as possibilidades sejam remotas ou com fundamento para quem sabe chegarmos a provável identidade destes.

Eis o texto...

A minha avó Helena Motta Marques, quando ainda com vida e lúcida, contava uma história ocorrida em Nazaré das Farinhas, cidade do sertão da Bahia, na madrugada do dia 27 de maio de 1929, época em que ela e o meu avô Archimedes Ferrão Marques, então médico, naquele município residiram por alguns anos.

O meu avô que era médico daqueles que de tudo fazia para ajudar as pessoas, além de ter um cargo estadual como sanitarista possuía também uma farmácia tipo drogaria onde atendia aos doentes e ali mesmo quase sempre manipulava e vendia os remédios que ele próprio receitava.

A farmácia que servia de aprendizado e de complemento de renda familiar lhe dava outros bens de consumo, além da satisfação de curar doentes e salvar vidas, vez que, quando os seus pacientes não podiam pagar com dinheiro, presenteavam-no com galinhas, patos, cabritos, porcos e outros animais. Assim eles viveram uma vida dura e simples em Nazaré das Farinhas naquele tempo de muito trabalho, mas também de boas realizações e excelentes lições de vida.

O meu avô Archimedes era muito caridoso e atendia qualquer um a qualquer hora, independente da pessoa ter ou não como pagar pela consulta ou pelo medicamento utilizado. Bastava bater na porta da sua casa que ficava anexa a sua farmácia, que ele medicava, fazia curativos, pequenas intervenções cirúrgicas, engessamento em traumatismo de pernas e braços e até partos realizava com o maior prazer possível. Era médico por vocação, amava a sua profissão e tentava seguir fielmente o Juramento de Hipócrates.

Naquele dia, mais de perto na calada da madrugada, em meados das primeiras horas, chegaram a sua casa dois homens montados a cavalo, um deles com um dente bastante inflamado e “urrando” de dor, querendo a qualquer custo que ele o arrancasse e lhe livrasse daquele atroz sofrimento. Não bastaram as desculpas do meu avô em dizer que somente poderia aliviar a sua dor, pois não era dentista e sim um médico e, além disso, nunca tinha arrancado um dente na sua vida, além de não possuir os instrumentos pertinentes necessários para uma perigosa extração como aquela demonstrava ser.

O homem desesperado puxou de um punhal dizendo que se ele não arrancasse o seu dente seria sangrado ali mesmo sem dó ou piedade. Diante do novo “argumento” não restou outra alternativa senão cumprir a vontade do bandido. Aflita e trêmula de medo a minha avó logo foi buscar um alicate comum na caixa de ferramentas e o colocou para esterilizar em água fervente, enquanto o meu avô aplicava injeção de morfina na boca inchada do intransigente paciente e depois de muito suor, desespero, gemidos e luta do alicate com a boca, o dente do cidadão finalmente foi extraído. Em seguida o meu avô fez uma boa limpeza em toda a boca infeccionada do paciente, aplicando-lhe uma injeção antibiótica e, recomendando por fim, além da higiene necessária, repouso absoluto nos dois dias seguintes.

O homem agradecido e aliviado, em demonstração de possuir algum sentimento, tirou um anel de ouro de um dos seus dedos e o deu como paga ou presente para o meu avô que então mais à vontade, criou coragem para perguntar pelos nomes deles, obtendo a resposta do outro cidadão acompanhante, que os seus nomes não lhe interessava e se ele tivesse juízo que ficasse calado sobre o ocorrido para não ter um dia a sua garganta cortada. Em seguida montaram nos seus cavalos e desapareceram no escuro da noite para sempre.

Por via das dúvidas, diante do iminente perigo da ameaça e com receio dos homens voltarem em vingança caso fossem denunciados e presos, os meus avós preferiram guardar segredo dos fatos durante o tempo em que naquela cidade permaneceram, não prestando queixa à Polícia nem tampouco comentando com vizinhos e amigos sobre o desespero e terror pelos quais passaram naquela noite.

Diz o velho ditado que não há um mal que não traga um bem. Assim, a lição e o exemplo vividos pelo casal que inclusive já tinha filhos menores, serviram para que o meu avô adquirisse os instrumentos dentários essenciais e passasse também a extrair dentes, sendo então, mais uma fonte de satisfação e caridade aos mais necessitados que passavam pela angustia dessa insuportável dor, além do somatório próprio da renda familiar, vez que no município não existia um dentista sequer. Contava a minha avó que por vezes a fila para extrair dentes era bem maior do que as consultas médicas tradicionais realizadas pelo meu avô Archimedes.

Quanto aos dois desconhecidos que a minha avó dizia ser de compleição física sertaneja e rude, de cor morena queimada pelo sol e que usavam roupas grosseiras com bornais de couro e outros apetrechos, nunca souberam de quem se tratavam.

Teriam sido cangaceiros desgarrados de algum grupo de Lampião ou teriam sido criminosos outros procurados pela Polícia?... Como não há nenhum registro de ataque ou presença de cangaceiros no município de Nazaré das Farinhas é mais provável a segunda opção.

A titulo de ilustração, transcrevo o breve currículo do meu avô, colhido no site http://linux.alfamaweb.com.br/asm/dicionariomedico/dicionario.php?id=31900:

Archimedes Ferrão Marques.

Nasceu em 2 de julho de 1892, em Salvador/BA, filho de Ernesto dos Santos Marques e Ana Ferrão Moniz Marques. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1917, defendendo a tese “Raspagem Uterina”. Iniciou suas atividades médicas em 1918, combatendo a epidemia de varíola que grassava em todo o interior da Bahia, sendo em razão disso nomeado Inspetor Sanitário do 10º Distrito da Bahia e membro da Comissão Sanitária Federal de Combate à Febre Amarela. Em seguida, ainda em Salvador, foi transferido para o serviço de Saneamento Rural, onde fez carreira como médico, subinspetor, inspetor e chefe de distrito e zona até dezembro de 1930. Nomeado Sanitarista do Ministério da Saúde, atuou na Delegacia Federal de Saúde da 5ª Região da Bahia. Transferiu-se para Recife, onde atuou na Delegacia Federal de Saúde e Inspetoria de Saúde dos Portos, durante a 2ª Guerra Mundial. Em 1945 é designado para a Delegacia de Saúde da 6ª Região, em Aracaju. Cumulativamente exerceu o cargo de médico da Caixa de Aposentadorias e Pensões da Leste Brasileira. Atuou como clínico e obstetra. Faleceu em 17 de março de 1968, em Salvador/BA, com 76 anos.

(*Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

sábado, 19 de março de 2011

Personagem:

A rainha Maria Bonita 


A personalidade da “Rainha do Cangaço”, que completaria 100 anos neste 8 de março, ainda divide historiadores. Mas, ao romper as regras de uma época dominada pelo homem rude, o mito tem sua memória preservada na cultura popular. 

Por: Guilherme Bryan
(Matéria da Revista do Brasil - Edição 57 - Março de 2011)



Vários eventos estão programados no Brasil para celebrar o centenário de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Nascida em Glória, atualmente Paulo Afonso (BA), em 8 de março de 1911 e morta 27 anos depois, em Poço Redondo (SE), ela ainda divide opiniões entre pesquisadores se foi uma mulher valente e guerreira ou não mais que a mulher do “Rei do Cangaço”, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.


Maria Bonita formou com Lampião o casal mais famoso de cangaceiros. Ela não defendia nenhuma causa específica, assim como não tinha inclinações políticas. Acompanhou o marido por paixão”, diz João de Sousa Lima, autor dos livros A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço e Moreno e Durvinha, Sangue, Amor e Fuga no Cangaço. Para Lima, membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), o simples fato de ela se juntar a um grupo de homens que viviam à margem da lei bastava para chocar a sociedade de então. “Ela não teve a intenção de se tornar exemplo para ninguém. Mesmo assim, quebrou todas as regras e parâmetros de uma época totalmente machista e dominada pelo homem rude, bravo, violento. Até os dias atuais buscamos entender o que passou pela cabeça daquela menina de apenas 18 anos”, acrescenta.

Aos 15 anos, Maria Bonita se casou com um sapateiro, com quem tinha constantes brigas. Três anos mais tarde, conheceu Lampião, então com 31 anos. No início, ela continuou morando na fazenda dos pais até ser chamada pelo novo marido para integrar o bando de cangaceiros liderado por ele. Ela permaneceria entre eles por oito anos, até que, junto com o marido e mais oito cangaceiros, foi assassinada numa emboscada da polícia armada oficial, na Grota de Angico, em Poço Redondo (SE), em 28 de julho de 1938. Lampião e Maria Bonita tiveram três filhos, Expedita Ferreira Nunes, a única ainda viva, e os gêmeos Arlindo e Ananias Gomes de Oliveira.
Eu me sinto muito gratificada pelas homenagens prestadas a minha mãe, uma mulher de fibra que teve a coragem de entrar no cangaço muito jovem e que foi morta tão cedo. Hoje em dia, nenhum homem tem a coragem que ela e meu pai tiveram, tanto que eles nunca foram covardes como os homens engravatados de hoje que nunca são punidos”, diz Expedita. Aos 78 anos e vivendo em Aracaju (SE), ela conta que teve poucas vezes contato com os pais, apenas quando levada da fazenda onde morava ao esconderijo pelo pai de criação.
Trajetória

Esse centenário é comemorado desde o início do ano passado e deve continuar por todo este ano em Paulo Afonso. Entre 23 e 26 deste mês, ocorrerá ali um seminário internacional, com apresentações folclóricas, peças, lançamentos de livros e exposições fotográficas e de pertences usados pelos cangaceiros. Um dos maiores escritores e pesquisadores do cangaço, o francês Jack Dewitte, participará do evento.
 “Resolvemos comemorar essa data com o intuito de levar para as gerações vindouras os fatos acontecidos em nossa cidade. Foi aqui que Lampião arregimentou o maior número de cangaceiros, 47 homens e mulheres. Aqui ele também viu morrer em combate seu irmão mais jovem, Ezequiel Ferreira”, conta Lima.

Em Paulo Afonso fica a casa que pertenceu à família de Maria Bonita, transformada no Museu Casa de Maria Bonita, que tem como funcionária a sobrinha-neta da figura histórica, Adenilda Alves. Ali estão disponíveis fotografias tiradas entre 1935 e 1938. Outra opção de passeio é a denominada “Rota do Cangaço”, com quatro horas de duração, desde a travessia pelo leito natural do Rio São Francisco até Poço Redondo (SE), quando começa a trilha para a Grota de Angico.

Nem todos os pesquisadores concordam com o papel libertário e revolucionário exercido por Maria Bonita. O escritor Antônio Amaury Corrêa de Araújo, que se dedica ao tema há mais de 60 anos e já publicou dezenas de livros, está para lançar mais um, Maria Bonita, a Mulher de Lampião.
 “A imagem que se traça das mulheres, Maria Bonita em especial, atirando, assaltando, cobrindo as fugas dos companheiros, é uma fantasia que escapa muito ao real. Trata-se de uma balela inadmissível para pesquisadores sérios”, afirma Araújo.
O escritor faz uma ressalva para Dadá, mulher de Corisco, como única cangaceira, no sentido lato. As demais, incluindo Maria Bonita, seriam simplesmente a companhia feminina.
 “Tanto é que, quando os cangaceiros participavam de tiroteios ou encontravam com a polícia, as mulheres eram colocadas num local seguro, sob a proteção de cinco homens. Jamais se envolviam em combate. A exceção foi Dadá”, conta.

Heroína ou não, Maria Bonita faz parte de um dos momentos mais pesquisados, estudados e descritos da história do Brasil. Não é à toa que, apenas no cinema, há clássicos como O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, premiado em Cannes, na França, como melhor filme de aventura; Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha; e Baile Perfumado (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que relata a história do libanês Benjamin Abrahão, mascate e autor das únicas imagens de Lampião e Maria Bonita. Até Os Trapalhões toparam brincar com o tema em O Cangaceiro Trapalhão (1983), dirigido por Daniel Filho.

Ainda há várias testemunhas vivas e capazes de relatar o que aconteceu de fato nesse momento tão retratado e folclorizado da história do Brasil. E, mesmo que algumas pessoas ainda vejam os cangaceiros como bandidos e detentores de má índole, há imagens de Maria Bonita, Lampião e os outros em praticamente todos os lugares do Nordeste. A história oral ainda é muito viva e latente.

Podemos encontrar muitas pessoas que participaram ativamente do ciclo do cangaço. Por respeito ao nosso povo e suas raízes culturais, e aos seus laços de família envolvidos nesse contexto social, é que estamos comemorando essa data e incentivando o lançamento de obras literárias, xilogravuras, cordéis, danças, teatro e cinema”, ressalta Lima.  

Açude :Revista do Brasil online

sexta-feira, 18 de março de 2011

Scans

Antonio Amaury no programa "8 ou 800" 

por Ivanildo Silveira e Kiko Monteiro

"Oito ou 800?" Era um Quiz show da Rede Globo apresentado pelo grande ator Paulo Gracindo, baseado num jogo de perguntas e respostas, transmitido ao vivo, todos os domingos, às 19h, durante o ano de 1976.

O texto era escrito por Walter George Durst e Túlio de Lemos, a direção geral era de Carlos Alberto Loffler, com co-direção de Wilson Resende e produção de Cícero de Araújo e Waldir Paulino.

Na disputa, o próprio candidato escolhia o assunto a partir do qual a produção elaboraria as questões. Em seguida, a cada domingo, deveriam sempre ser respondidas três perguntas, divididas em seis itens. Acertando-as, o candidato podia conquistar o prêmio máximo: 800 mil cruzeiros.

As três séries de perguntas preparadas pela produção do programa eram fechadas em envelopes e depositadas em um cofre no Banco do Brasil, sendo retiradas apenas na hora do programa. O candidato, então, sorteava um dos envelopes, e o jogo começava.

Durante a exibição eram apresentadas reportagens traçando o perfil dos candidatos e pequenos documentários sobre os temas escolhidos.


 O Globo, 27 de novembro de 1976

A participação do candidato era dividida em três etapas. Nas primeiras quatro semanas, ele disputava prêmios no valor de dois, quatro, seis e oito mil cruzeiros. Na segunda etapa, também com quatro semanas, os prêmios oferecidos passavam a ser de 20 a 80 mil cruzeiros. Finalmente, na última etapa, com duração de nove semanas, o candidato concorria a prêmios no valor de 160 a 800 mil cruzeiros.

Fonte: Paulo Senna, O Globo online / Cultura

O Dr. Amaury com a competência que lhe é peculiar, participou e respondeu a dezenas perguntas sobre Lampião e Cangaço, seguia com total exito, até que... Na penúltima fase do programa ( tendo ganho, até aquele momento, Cz$ 300 mil cruzeiros ), o mestre desistiu de concorrer, ante a pergunta que lhe seria formulada, confiram a questão:
"QUANTOS CENTÍMETROS TINHA O CORDÃO DA CEROULA DO AVÔ DO TENENTE QUE COMANDOU A VOLANTE QUE LIQUIDOU LAMPIÃO ?" .
Leiam o scan da matéria abaixo. A tal pegadinha era regra para todos os participantes se comparada aos demais a produção "pegou leve" com o mestre cangaceirólogo.


Apesar do final "melancólico" a audiência do programa lhe proporcionou o merecido reconhecimento nacional como grande pesquisador do tema, ele torna-se uma "celebridade". Outros veículos de mídia e autores diversos passaram a recorrer a sua consultoria quando precisaram produzir material acerca do tema. Reportagens, filmes e é claro bibliografia a ser consultada.

Ao Dr. Amaury nossas homenagens, do Lampião Aceso e da Comunidade do Orkut, Lampião Grande Rei do Cangaço!

Um abraço a todos

 Scaneada da revista Manchete, 18 de dezembro de 1976.

*Ivanildo Silveira é Colecionador do cangaço, Natal/RN.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Resenha sobre o livro de Bassetti e Megale

Lampião: a morte revisada 

por Antonio Sapucaia

Lampião e as suas aventuras sempre foram assuntos recorrentes e palpitantes, a convocar a atenção de escritores, pesquisadores, cordelistas e até cinegrafistas. Para muitos, foi herói; para outros, foi bandido. Morto, ainda houve quem o ressuscitasse e o desse como vivo no Estado de Goiás ou em Campina Grande. Os desencontros em torno da sua vida e da sua morte encheram páginas e páginas de livros e jornais, e ninguém sabe aonde chegará.

Então repórter da Gazeta de Alagoas, em 1965, tive oportunidade de entrevistar o coronel Francisco Ferreira de Melo, que fora chefe da volante que o dizimou, sob o comando do tenente João Bezerra, numa série de três entrevistas que foram reproduzidas no Correio Braziliense. Confesso que fiquei envaidecido com o feito, pois me pareceu que aquela seria a versão definitiva da morte de Lampião, e ninguém mais ousaria tocar no assunto.

Eis que me chega às mãos, agora, o livro Lampião sua morte passada a limpo, de autoria de José Sabino Basseti e Carlos Megale, que me concede a certeza de que eu estava equivocado sobre a possível versão definitiva do extermínio do “Rei do Cangaço”. Dos livros que tenho lido sobre o assunto, ao longo dos anos, este se revelou o mais idôneo e autêntico atestado de óbito da morte de Lampião.


Os autores não buscaram testemunhas auriculares sobre a carnificina de 28 de julho de 1938, em Angico, tampouco procuraram repetir o que muitos autores já haviam divulgado; penetraram os meandros de fontes verdadeiras, medindo os fatos como se estivessem usando uma fita métrica, sem deixar nenhuma margem de dúvida, mesmo que desagradassem a muitos entrevistados. Penetraram nos xiquexiques, macambiras e mandacarus que envolvem o tema, sem se preocupar com arranhões que porventura venham a partir de alguém magoado que tenha uma importância menor do que aquela que julga ter.



Em determinados aspectos apelaram para a lógica e o raciocínio lúcido, bem concatenado, na perseguição da verdade mais verdadeira, mais comprovável ou comprovada. Exemplo claro disso, entre outros, está na contestação dos depoimentos do coiteiro Durval Rodrigues Rosa, cujas revelações tendem mais para a vaidade e a megalomania do que para a veracidade dos fatos, à luz de um raciocínio lógico e racional.

Também foram desmistificadas algumas inverdades, como a suposta assertiva de que o coronel João Bezerra vivia jogando baralho com Lampião, fornecia-lhe munição, e que havia sido dado prazo para liquidar o companheiro de Maria Bonita. Igualmente não procede a informação de que, embriagado, o coronel Ferreira de Melo teria mantido contato com possíveis coiteiros e quejandos. Embora gostasse de uma pinga, Ferreira de Melo nunca foi alcoólatra. São invencionices sem consistência. Outras informações partidas até mesmo de cangaceiros tiveram igual tratamento e com semelhante objetivo, que foi desvendar a verdade dos fatos, embora contrariando e desmascarando alguns deles.

É certo que muita coisa tem ainda a ser contada, focalizando a vida atribulada de Lampião e seus comparsas, mas o livro em questão representa um marco na estrada longa que foi percorrida por Lampião.

Quando em 1965 entrevistei Angelo Roque, o Labareda, em Salvador, indaguei-lhe a respeito de Vinte e Cinco, que ainda vive em Maceió, e sobre Barreira, que na época estava vivo, também em Maceió. As informações não foram muito boas em relação ao Barreira, enquanto Labareda enalteceu a figura de Vinte e Cinco, da mesma maneira que o fez Dadá, na rápida conversa que mantivemos em sua casa, em Salvador. Fácil é deduzir que muita coisa ainda poderá vir à baila em torno do temperamento, da vida e das façanhas dos cangaceiros.

Contou-me o coronel Ferreira, na época, que embora fosse amigo e compadre de João Bezerra, fazia-lhe algumas restrições em razão da publicação do seu livro Como dei cabo de Lampião, que continha muitas inverdades, pois ele puxou bastante a brasa para a sua sardinha. Tanto assim o é que o coronel João Bezerra chegou a oferecer-lhe a importância de cinco contos de réis para que não contestasse a sua publicação, cuja proposta não mereceu acolhimento. Ferreira de Melo limitou-se a dizer que não queria dinheiro, mas gostaria simplesmente que ele tivesse relatado os fatos tal como se deram. Essa particularidade pode ser confirmada pelo seu filho, Dermeval Ferreira de Melo, que vive em Maceió.

De fato, a participação do aspirante Ferreira de Melo foi decisiva para o extermínio de Lampião e parte do seu bando. Comenta-se, inclusive, que o tiro na perna de João Bezerra foi dado por ele mesmo, que chegou a ensaiar um recuo nos instantes iniciais do tiroteio, enquanto Ferreira de Melo lhe dava força para o enfrentamento.

Não tenho dúvida em afirmar que Lampião sua morte passada a limpo constitui o mais completo trabalho envolvendo o capítulo da morte de Lampião, fazendo cair por terra definitivamente a estória do envenenamento e outras que ainda não foram desmistificadas totalmente. Não foi sem razão que, instigado por uma voracidade insaciável, comecei sábado e emendei o domingo na leitura do livro em questão, que, além do bom texto e da excelente feição gráfica, traz algumas fotografias e dois croquis.

(*) Antonio Sapucaia  É desembargador aposentado e jornalista. Publicado na coluna Saber do Jornal Gazeta de Alagoas, Edição de 12 de Março de 2011).

Pescado em: Gazeta on line

*As fotos foram inseridas por nós para ilustrar a matéria. 


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Abaixo o recorte da matéria, cortesia de Gustavo Farias.