Júlio de Matos Ibiapina, falava sobre o banditismo nos sertões nordestinos
Transcrito por Antonio Correia Sobrinho
Amigos, leiam a entrevista do jornalista cearense Júlio de Matos Ibiapina, concedida ao jornal "O Amanhã" do Rio de Janeiro, sobre o banditismo nos sertões nordestinos, publicada na edição de 07/01/1927, quer dizer, mais de onze anos antes da morte do rei do cangaço Lampião, no momento, por um lado, em que este já considerado o novo rei do cangaço agia mais confiante e serelepe pelos adustos territórios de Alagoas ao Ceará, carregando no ombro a patente de capitão do exército, fortalecido de armas, munições, além de fardamento do batalhão patriótico, dádivas recebidas do governo federal, ainda que de forma ilegal e indireta, pois pelas vias do poderoso chefe religioso e político do Ceará, Padre Cícero Romão, para os fins de combater no Nordeste os rebeldes comunistas chefiados por Luís Carlos Prestes.
Por outro lado, num momento de forte censura contra o prestigioso tratamento dado pelo governo ao sanguinário cangaceiro do Pajeú, na imprensa e nas casas do Congresso Nacional, isso associado à mudança nos comandos dos governos federal e estaduais; Washington Luís substitui Artur Bernardes e as unidades federativas ganham novos governadores, sem mencionar o convênio celebrado entre Estados nordestinos no sentido de as forças militares destes combaterem o banditismo de forma conjugada e com a possibilidade de as volantes atuarem além fronteiras.
Os Governos nordestinos coligam-se para combater o banditismo sertanejo - Falta de camaradagem
Desde anteontem acha-se nesta capital o Sr. J. de Matos Ibiapina, nosso colega da imprensa do Ceará, onde dirijo um jornal independente, o mais importante do Estado, pela sua ampla circulação e pelo seu bem orientado programa de combate aos partidos políticos e ao governo.
Como se ache, atualmente, em foco, no Nordeste, a questão de repressão do banditismo profissional, agitada pelo Sr. Estácio Coimbra, resolvemos ouvir a opinião do Sr. Matos Ibiapina sobre o assunto.
Começamos por perguntar-lhe se acreditava na eficiência dos governos estaduais para exterminar o bandoleirismo.
Assim nos respondeu o ilustre jornalista:
- Combate-se uma epidemia sem eliminar as suas causas?
E acrescentou:
- Todos os governos novos, a fim de impressionar bem aos seus governados e aos dirigentes da nação, tomam a iniciativa de guerrear os bandidos dos sertões. Não é a primeira tentativa que se faz nesse sentido. Mais de um entendimento tem sido promovido entre os diferentes estados do Nordeste. Tudo tem sido debalde.
Por quê?
Simplesmente porque as causas geradoras do banditismo persistem em vários Estados.
Não haveria cangaceiros se por toda parte houvesse o respeito à lei. São os administradores que inoculam no espírito do caboclo do sertão essa revolta contra os fundamentos jurídicos da sociedade.
Não compreende ele que o governo de um povo consista no espezinhamento dos direitos alheios, justamente por parte dos que têm a responsabilidade de sua defesa.
É o exemplo das arbitrariedades policiais que transforma o pacífico e obediente homem do sertão na fera que é o chefe de bando.
Os elementos destinados à garantia da ordem assumem o papel no hinterland nordestino, de instrumentos de perseguição manejados pelos amigos políticos dos governos.
São eles que arrastam às prisões, por mero capricho dos reguletes locais, os adversários políticos e seus apaniguados.
São eles que lhes tomam as propriedades, que deixam impunes os atentados à honra das famílias.
São eles, em uma palavra, que incutem na alma dos sertanejos a convicção de que ou se devem deixar escravizar ou reagir pelos mesmos processos de que são vítimas constantes.
Um dos atuais chefes de bandoleiros do Nordeste era um cidadão pacífico, que exerceu o cargo de prefeito de uma vila cearense. Teve de recorrer ao cangaço indignado com a polícia que lhe incendiou as propriedades.
- Mas Lampião, por exemplo, não está nesse caso. É um criminoso perverso.
- Os bandidos dividem-se em duas grandes categorias: a dos revoltados contra as injustiças dos poderosos e os lançados na carreira pelos mandões, que os perseguem quando não mais precisam dos seus serviços.
Bando de Lampião em Limoeiro do Norte após o ataque a Mossoró em 1927.
No primeiro caso, está Santa Cruz; no segundo, Lampião.
Aquele, que é um bacharel em direito, depois de assistir as mais torpes violências contra a sua família, reagiu, e, de queda em queda, teve, por força das circunstâncias, de chefiar um grupo, em que se alistaram criminosos da pior espécie.
Este serviu, durante muito tempo, às ambições de políticos da Paraíba e vivia na intimidade de elementos de destaque da política cearense.
Quando, no meu Estado, cogitaram de organizar os célebres batalhões patrióticos, Lampião foi convidado pelo “general” legalista para assumir uma posição de comando nas hostes governistas.
Essa declaração foi feita pelo padre Cícero, do Juazeiro, ao meu jornal e pelo próprio Lampião, em entrevista que nos concedeu.
Só ultimamente, é que se verificou o rompimento de relações entre esse famoso bandido e conhecido cangaceiro político da Paraíba. Essa desinteligência foi até registrada pelos vates do sertão.
Lampião, como vê, está ligado à história pátria como um dos baluartes da legalidade. Por mero acaso, ele não é hoje um herói nacional, depois de ter sido, durante muito tempo, um colaborador dos políticos do sertão.
Nessas condições, é evidente que, enquanto perdurar essas semelhanças entre os políticos e os bandidos, os governos que prestigiam àqueles não podem dar combate a estes.
No meu Estado, os amigos do governo – aliás chefiado por um desembargador – para ganharem uma eleição de prefeitos, mandaram a polícia prender um juiz de direito e um promotor.
Não é de admirar que Lampião recorra ao saque para alimentar os seus homens e ao assassinato para se defender dos seus inimigos. O banditismo de Lampião é muito justificável do que o dos políticos governistas.
- Não acredita, pois, na extinção da praga que, de tempos imemoriais, vem infestando o interior nordestino?
- Absolutamente, não.
Acho até que essa iniciativa dos governos é uma falta de camaradagem.
É mais uma classe desunida.
______________
Júlio de Matos Ibiapina (Aquiraz, 22 de setembro de 1890 - Rio de Janeiro, 1947).
Nasceu ao 1° de Janeiro de 1885, filho de Antônio Ferreira Lima e de Luiza Joaquina de Menezes. Foi batizado no mesmo dia pelo Padre Cícero Romão Batista. Foi aluno do professor Pedro Correia de Macedo, seu 1° professor, que mantinha uma escola régia em Juazeiro, na época povoado. Em 1904 e nomeado Fiscal da Vila de Joazeiro, pelo Sr. Joaquim Bezerra de Menezes.
Dai em diante, ocupou vários cargos públicos como: vereador, promotor de justiça, advogado da Policia do Ceará e Fiscal das Coletorias. Aos 18 de julho 1909 é fundado o jornal "O REBATE" pelo Padre Alencar Peixoto, professor José Marrocos e Dr. Floro Bartolomeu, e José Ferreira de Menezes, fez parte da equipe de redatores do jornal.
Aos 26 de setembro de 1909, José Ferreira de Menezes comanda uma rebelião nas feiras de Crato, por ter o Padre Tabosa de Crato, afirmado de púlpito "que o povo imundo de Joazeiro, vive guiado por Satanás".
Aos 10 de agosto de 1910, José Ferreira de Menezes, juntamente com Dr. Floro Bartolomeu, Paulo Maia, Cel. Neri, José Cancún, José Xavier, reúnem-se e começam a organizar a luta pela independência de Joazeiro.
Segundo Fátima Meneses, aos 23 de Janeiro de 1926, em meio a passagem da Coluna Prestes pelo Nordeste, José Ferreira é encarregado por Floro de enviar a famosa carta para Lampião, convidando-o a se juntar ao Batalhão Patriótico que defenderia o Sul do estado contra a coluna.
Aos 28 de junho de 1930, Padre Cícero apresenta José Ferreira de Menezes através de uma carta, ao presidente Matos Peixoto, para candidato a prefeito de Juazeiro. Aos 10 de outubro de 1930, o então prefeito eleito de Joazeiro José Ferreira de Menezes, é impedido de tomar posse em vista da revolução de 30. Em seu lugar assume como interventor municipal, o Sr. José Geraldo da Cruz. Estes são alguns dados sobre esse insigne personagem da história de Juazeiro do Norte.
Um homem que foi contemporâneo de todos os fatos históricos deste torrão.
Primeira reportagem da série "As Façanhas do Rei do Cangaço", publicada no Jornal O POVO em 22 de novembro de 1948.
A partir do dia 22 de novembro de 1948, o Jornal O POVO passou a publicar uma série de 11 reportagens sobre a vida criminosa de Virgulino Ferreira, conhecido como Lampeão e seu bando de cançaceiros.
A primeira reportagem teve o título "Revelação de uma irmã do rei do cangaço:
Lampeão não foi morto pela polícia" que foi escrita pelo jornalista e farmacêutico José Geraldo da Cruz.
"Na verdade, ninguém está em melhores condições do que José Geraldo para fazer a crônica emocionante da capital do fanatismo e do cangaço, a única terra que Lampeão respeitou e amou. O chefe da UND, antecipa-nos alguns itens da sua narrativa sensacional. A respeito do Rei do Cangaço, de cuja trajetória sangrenta o Nordeste ainda está cheio de marcas, afirma-nos que o célebre bandido não foi morto pela polícia.
E, antes que externássemos nossa surpresa e incredulidade, acrescentou:
- A fonte onde obtive esta informação é a melhor possível: uma irmã do próprio Lampeão, que residiu em Juazeiro e morreu recentemente.
José Geraldo da Cruz
Era conhecida aqui por todo o mundo. Pena é que você não a tenha encontrado viva. Mas eu lhe posso dar todos os detalhes sobre o assunto, e qualquer juazeirense os confirmará. Chamava-se Virtuosa Ferreira e morava à rua Santa Rosa. Sou padrinho de um filho dela. Virtuosa se correspondia com seu mano, Lampeão (Virgolino Ferreira), de quem, mensalmente recebia dinheiro.
Quando foram estampados nos jornais as cabeças dos cangaceiros trucidados pela polícia de Alagoas, ela ria-se diante daquela que era atribuída a Lampeão, exclamando que seu irmão não era aquele, pois morrera num recanto do interior da Bahia.
No último dia 13 nós atendemos mais um convite do professor Renato Araújo para resumir a saga de Lampião para todos os alunos do ensino médio do Colégio José Augusto Vieira (rede particular de Lagarto,SE).
O ensaio histórico foi aberto para convidados, dentre estes a pequena Emilly de Souza Monteiro, de 10 anos, que movida pela curiosidade foi acompanhando sua mamãe, a professora M.ª Érica Monteiro.
Ontem a Emilly nos surpreendeu ao revelar que foi proposto aos alunos do 5º ano do Colégio Mundial, onde ela estuda, que produzissem um poema de tema livre para um concurso interno.
Surgiu um breve dilema, a indecisão sobre o que escrever, e ela nos disse que de repente veio uma luz, precisamente a luz de um Lampião que não se apaga. A pequena notável lembrou da nossa palestra e criou um pequeno cordel com as suas impressões e inclusive algumas das passagens que mais lhe impressionaram.
Manuscrito
Vamos conferir a transcrição dessa lindeza...
Lampeão
Cangaceiro arretado do Sertão quente Tiro certeiro que passa pelo dente Cangaço perigoso e pavoroso Faca que dói como uma serpente.
Maria Bonita, sua linda esposa Ficava a esperar e os tiros a escutar Orava pra Lampeão pra não morrer nesse sertão Rezava pra não morar naquele lugar.
Cangaceiro Balão, cangaceiro de Lampião Chamou alguém que confiava de coração Rasgou os ombros como promessa Dentro tinha hóstias que botou Lampião.
Criança na mata não podia O choro profundo acordava a polícia num segundo Era mandada para padres confiáveis E os pais não tinham noção da criança no mundo.
Cangaceiro rico com cinco anéis em cada dedo Todos os acessórios de ouro brilhante Na caça, armas de porte grande Brilhante como lua minguante.
Mulher no cangaço não podia trair Se traísse algo iria atrair Poderia morrer sim Lampião pena não tinha a sentir.
A morte deles foi anunciada Dois dias depois do acontecido Triste notícia, mas era pedido Recompensa grande, prazer enorme Cangaceiros mortos, esquecidos.
Marcosde
religiosidade no caminhode Lampião no Rio Grande do Norte
Em 2010, em alternadas viagens, estive percorrendo pela primeira os
cenários da passagem do bando de Lampião no oeste potiguar, fato que
ocorreu entre os dias 10 e 14 de junho de 1927.
Segui principalmente por áreas rurais desde a cidade
de Luís Gomes, tendo como ponto focal Mossoró e finalizando em Baraúna.
Percorri esse caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros
como parte de uma consultoria que prestei ao SEBRAE, no âmbito do projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião. Parte desse trajeto, que também focava em questões da espeleologia da região, percorri junto com Sólon Almeida.
Para
traçar essa rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando
de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes
nos arquivos do Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco e a bibliografia
existente, com destaque ao livro do amigo Sérgio Augusto de Souza Dantas, autor
de Lampião
e a grande Jornada – A história da grande jornada.
Foram
percorridos muitos quilômetros, onde visitamos vários sítios, fazendas, comunidades e cidades.
Foram entrevistadas123 pessoas e obtidas mais de 2.000 fotos. Em
grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais
eficiente para se alcançar estes distantes locais.
Um dos
fatos mais interessantes foi o surgimento de marcos de religiosidades ligados
aqueles dias tumultuosos de 1927.
Cruzeiros
marcando locais de acontecimentos intensos, capelas edificadas como promessas
pela salvação de pessoas ante a passagem dos cangaceiros, o caso da utilização
de uma igreja por parte dos cangaceiros. Além desses fatos temos a controversa
situação envolvendo o túmulo do cangaceiro Jararaca na cidade de Mossoró.
Ao longo dos anos eu tive a grata oportunidade de realizar esse
caminho em quatro outras ocasiões, sendo o mais importante em 2015, para
a realização de um documentário de longa metragem denominado Chapéu Estrelado, dirigido pelo mineiro radicado no Rio de Janeiro Silvio Coutinho e produção executiva de Iapery Araújo.
Esses
foram os locais mais interessantes ligados a esse tema e seus respectivos municípios.
MARCELINO VIEIRA
A área
próxima à sede do atual município de Marcelino Vieira é repleta de lembranças e
marcos que mantém vivo na memória da população local os fatos ocorridos naquela
longínqua sexta-feira, 10 de junho de 1927.
Sítio Caiçara e a “Missa do Soldado” – Nesse local ocorreu um combate onde morreram o soldado José Monteiro de Matos e o cangaceiro Patrício de Souza, o Azulão.
Percebemos nitidamente que para as pessoas que habitam a região, os
fatos mais marcantes em termos de memória estão relacionados ao combate
conhecido como “Fogo da Caiçara” e a valente postura do soldado José
Monteiro de Matos. Não foi surpresa que membros da comunidade local, no
dia 10 de junho de 1928, apenas um ano após o combate na região da
Caiçara, decidissem realizar, uma missa em honra a memória do valente
militar.
Segundo pessoas da comunidade do Junco, as margens do açude da
Caiçara, de forma espontânea e apoiadas pelas lideranças locais, os mais
antigos moradores deram início a um ato religioso. No começo ele
ocorria no mesmo ponto onde se desenrolou o combate. Segundo pessoas
entrevistadas na região, o evento sempre atraiu um número considerável
de pessoas, passando a ser conhecida como “A Missa do soldado”. Com o
passar do tempo à missa transformando-se em uma das mais importantes
tradições religiosas de Marcelino Vieira.
ANTÔNIO MARTINS– ZONA RURAL
Fazenda Caricé – a fazenda Caricé estava no roteiro
de destruição dos cangaceiros. Caminho lógico para quem seguia em
direção norte, no caminho a Mossoró, a fazenda pertencia ao pecuarista
Marcelino Vieira da Costa. Este era um paraibano que prosperou com a
criação de gado e tornou-se tradicional líder político. Faleceu em
dezembro de 1938 e seu nome batiza atualmente a cidade onde decidiu
viver.
Ao saber
da aproximação do bando do cangaceiro Lampião, o fazendeiro Marcelino Vieira decidiu
dormir em uma área onde existia um canavial, próximo ao açude da fazenda. A
chegada do grupo, insuflados por supostas contas a acertar do temível
cangaceiro Massilon Leite com a família Vieira, produziu um saque que resultou
em um prejuízo no valor de um conto e duzentos mil réis. Os celerados deixaram
o lugar antes do meio-dia.
Da velha sede da fazenda Caricé nada mais resta, mas por lá encontramos uma pequena capela.
Quando a família Vieira e seus empregados estavam no canavial, em
dado momento alguns cangaceiros chegaram a se aproximar do esconderijo.
Diante do que poderia acontecer, com muito medo, a filha do fazendeiro,
rogou intensamente aos céus que os bandoleiros se afastassem.
Caso isto se concretizasse, ela e sua família tratariam de erguer uma
ermida em honra ao poder de Jesus, Maria e José. Pouco tempo as imagens
foram adquiridas ainda em 1927, tendo sido trazidas da Bahia e que a
primeira missa rezada no local foi verdadeiramente suntuosa. O templo
já apresenta sinais de abandono, com algumas telhas caindo, mas a
estrutura ainda se mantém em grande parte firme.
Capelinha da Serra da Veneza – Uma interessante situação relativa
à memória da passagem do bando nessa região ocorreu na região da Serra da
Veneza, na fronteira de Antônio Martins com o vizinho município de Pilões.
Nessa elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a
altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado
pela passagem do bando.
Quando Lampião e seu bando se aproximavam, em meio às terríveis
notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas
da base desta elevação. Essas famílias solicitaram junto ao mesmo santo,
São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros. E o
mais interessante, mesmo sem se combinarem, as três famílias elegeram a
mesma penitência; caso nada de negativo ocorresse a eles e as suas
famílias, cada um deles teria de galgar a Serra da Veneza, erguer um
oratório e ali depositar uma imagem em honra ao santo.
Lampião passou
sem acontecer problemas a essas pessoas. Logo os fazendeiros e seus familiares
foram a Vila de Boa Esperança, como muitos moradores da região, para agradecer
na capela de Santo Antônio pelo fato de nada de pior haver ocorrido. Nesse
local as três famílias se encontraram e ao debaterem sobre os fatos vividos,
para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma
interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas ideias e os mesmos
pensamentos de penitência. Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma
pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza para unidos
edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas
coincidências chamaram a atenção das pessoas na região e logo outros penitentes
subiam a serra para pagar promessas. Em pouco tempo teve início uma procissão e
não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o
passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros
municípios. Em 1948, vinte e um anos após a passagem do bando e do pretenso
milagre, treze famílias deram início a construção da atual capela, em meio a
uma intensa confraternização.
A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como
pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios
vêm participar subindo a serra.
ANTÔNIO MARTINS- ZONA URBANA
Cangaceiros na Capela de Santo Antônio – O período
da chegada dos cangaceiros, no dia 11 de junho de 1927, na então pequena
comunidade de Boa Esperança, atual Antônio Martins, coincidiu com as
celebrações da festa de Santo Antônio, o padroeiro local. De certa
maneira essa situação de comemoração e alegria do povo, serviram para a
rápida ocupação do lugarejo e a sua total capitulação diante da
cavalaria de cangaceiros.
A capela
de Santo Antônio era o principal local em Boa Esperança para realização dos
festejos relativos ao padroeiro local. Nessa festa é tradicional a realização
das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho,
a data consagrada a Santo Antônio, ininterruptamente são realizadas missas,
orações de grupos de pessoas com terços nas mãos, cantos de benditos, encontros
e outras participações da comunidade neste templo cristão. Quando o bando
chegou, haviam algumas pessoas reunidas no local e um grupo de cangaceiros,
visivelmente embriagados, proibiu a saída dos fiéis do local. Essas pessoas
assistiram horrorizadas de dentro da capela o suplício de um habitante local, o
jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a
engolir talagadas de cachaça. Mesmo em meio a essa cena de terror, diante da
igreja aberta e engalanada, soubemos que alguns cangaceiros adentraram o local,
se ajoelharam, se benzeram e saíram sem perturbar os atônitos presentes. Na
saída soltaram Vicente Lira.
Durante
todo nosso percurso, esta foi a única informação de que alguns cangaceiros do
bando de Lampião, teriam adentrado um templo religioso católico em todo Rio
Grande do Norte.
LUCRÉCIA
Capela da Fazenda Castelo – Após a saída de
Frutuosos Gomes, na zona urbana do município de Lucrécia, as margens da
RN-072, soubemos que o bando realizou a invasão da fazenda Castelo,
propriedade tida como a mais importante da antiga localidade. No terreno
ao lado da sede da fazenda Castelo se encontra uma bem preservada
capelinha dedicada a Nossa Senhora da Guia. Entretanto, ao buscarmos
contato com as pessoas mais idosas em busca da história da capela, não
foi possível um esclarecimento mais exato sobre quem a construiu e se
essa construção tem alguma relação com a passagem do bando de Lampião,
como no caso da ermida da fazenda Caricé. Houve pessoas que indicaram
que a construção foi consequência de uma promessa pela salvação dos
proprietários locais junto a passagem dos cangaceiros, outros indicaram
que ela seria anterior a 1927 e outros apontaram que ela seria posterior
a essa data.
Foi
perceptível a necessidade de ampliar as pesquisas sobre o local.
A Cruz dos Canelas – Depois de passarem por
Lucrécia, os cangaceiros atacaram uma propriedade rural e sequestraram
um fazendeiro bastante conhecido e querido na região. A notícia se
espalhou entre vários parentes e amigos e logo um grupo decide com
extrema coragem sair em busca do povoado de Gavião, atual cidade de
Umarizal, onde pudessem levantar a quantia estipulada por Lampião para
soltar o popular fazendeiro.
O grupo
era pequeno, com um número que aparentemente chega a quatorze e só quatro
deles, membros de uma família conhecido como “Canelas”, eram os únicos que os
pesquisadores do assunto apontam como possuidores de armas de fogo com alguma
potência. Esse grupo conhecia os caminhos e provavelmente confiaram no fato de
ser período de lua cheia. Onde essa condição facilitaria o trajeto.
Enquanto se desenrolava esta situação, na região do sítio Caboré,
cansados pelo deslocamento, esgotado pelas ações e pelo consumo de
bebidas, o bando de cangaceiros decidiu descansar nas terras do Caboré.
Por volta das três da manhã o grupo de amigos chegou ao Caboré em busca
de informações. Não sabiam que um cangaceiro, facilitado pelo luar,
vigiava os movimentos do grupo. No local conhecido como “Serrote da
Jurema” foi armada uma emboscada pelo bando de experientes combatentes.
Logo abriram fogo contra a incipiente tropa e três deles tombaram e o
resto fugiu em franca debandada. Segundo os laudos cadavéricos a
vingança do bando de Lampião nos corpos dos amigos do fazendeiro
sequestrado foi terrível.
Apesar de
todo empenho em buscar ajudar o amigo detido, o que o grupo de resgate não
sabia era que a sua ação era totalmente inútil. Algum tempo antes, no bivaque
armado pelos bandidos, em meio ao cansaço generalizado da tropa de Lampião, o
sequestrado conseguiu fugir para o meio do mato.
Atualmente,
as margens da rodovia estadual RN-072, na comunidade Caboré, se encontra uma
cruz conhecido como “A cruz dos três heróis”, aonde o povo de Lucrécia e da
região vêm homenagear àqueles que agora são conhecidos apenas como “Os Canelas”,
ou os “Heróis de Caboré”. No local muitos rezam e pagam promessas e acendem
velas em honra desses homens.
MOSSORÓ
Caso da Igreja de São Vicente de
Paula e a questão do túmulo do Cangaceiro Jararaca.
A notícia de que Lampião avançava na direção de Mossoró chegou aos
ouvidos dos moradores de Mossoró em abril de 1927. À época, a Capital do
Oeste Potiguar, como seus habitantes ainda gostam de intitulá-la, já
era um dos municípios mais importantes do interior nordestino. Com 20
mil habitantes, localizada no meio do caminho entre duas capitais –
Natal e Fortaleza –, em nada se assemelhava às pequenas cidades onde
Lampião e seu bando atacava e saqueava o comércio.
No dia 13 de junho de 1927, após dizer não
a Lampião, que cobrou 400 contos de reis (em moeda da época
400 milhões de reis – atualmente uns 20 milhões de reais) para não
invadir a cidade, começava um tiroteio entre moradores da cidade e os
cangaceiros. A igreja de São Vicente de Paula foi o local principal da
resistência. Lampião costumava dizer que “cidade com mais de uma
torre de igreja não é lugar para cangaceiro”. Não se tratava de superstição,
mas de raciocínio lógico – municípios com tal característica eram maiores e,
portanto, mais difíceis de dominar. Os ocupantes das trincheiras no alto da
Igreja de São Vicente e da casa do intendente tinham visão privilegiada do
avanço das tropas. Tão logo o grupo surgiu no horizonte, iniciaram-se os
disparos. Os cangaceiros, acostumados a desfilar nos povoados sem serem
incomodados, foram surpreendidos.
Findando com a expulsão dos cangaceiros, a morte de alguns deles e a
prisão do temível José Leite de Santana, vulgo Jararaca, enterrado vivo
no cemitério da cidade, após cavar sua própria cova.
A Jararaca é atribuída todas as crueldades. A mais famosa consistia
em arremessar crianças para o alto e apará-las com a ponta do punhal.
Trespassados pela lâmina, garotinhos leves o bastante para serem lançados na
direção do sol morriam lenta e dolorosamente, em meio aos gritos dos pais – e
às gargalhadas do cangaceiro.
O interessante é que hoje é visto como santo pelo povo, devido a
crueldade com que foi morto. Recebendo o seu túmulo visita de milhares
de pessoas em dias de finado e ao longo de todo ano. Na verdade mais
prestigiado que o túmulo de muitos políticos famosos da cidade,
enterrados no mesmo cemitério e esquecidos de todos. Mostrando que nem
sempre o séquito que em vida rodeia os poderosos permanece uma vez
morto. Ironicamente ao contrário do cangaceiro.
O famoso chefe cangaceiro deveria ter pensado duas vezes
antes de tentar invadir e ser expulso de forma humilhante, assim historicamente
a cidade ligou seu nome ao famoso personagem Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião. Anualmente, em frente à igreja que funcionou como
trincheira é encenada um musical chamado: Chuva de bala no país de Mossoró, que
remonta todo o fato histórico e mantém viva a memória.
Os heróis da resistência de Mossoró, de toda forma foram
bravos sim!
Mas por que o santificado é um cangaceiro e não um dos
resistentes?
Por que não santificaram o prefeito de Mossoró que liderou a
resistência? Por que as fotos dos heróis da resistência são tão
pequenas e a dos cangaceiros estão expostos em painéis enormes? Parece
até que o povo de Mossoró não se identificou muito com os heróis da
resistência!
A história por trás do túmulo de Jararaca se confunde muito
com o misticismo, com a conduta cultural de um povo. Jararaca apenas foi
consagrado, por conta de sua bravura. O povo sempre busca o menor para
enaltecê-lo. É perceptível essa situação no próprio cemitério, quando o túmulo
de Rodolfo Fernandes não recebe o mesmo número de visitas correspondentes ao
túmulo onde está Jararaca.
Estamos em Brejo Santo - CE, início da década de 1990. O presente documentário traz o maior coiteiro do Rei do Cangaço em terras cearenses. Antônio Teixeira Leite, mais conhecido como Antônio da Piçarra.
Em seu sítio Piçarra, em Porteiras - CE, aconteceu o famoso episódio do cangaço denominado o "Fogo da Piçarra" em 27 de março de 1928 e a morte do cabra "Sabino das Abóboras", homem de confiança de Lampião, onde em março de 1926 teria recebido a patente de Segundo-tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro.
Esse registro pertence aos descendentes de Antonio da Piçarra, gentilmente nos cedido pelo pesquisador e escritor Luís Bento de Sousa, o Luís Carolino, de Jati - CE.
A primeira parte deste documentário foi dirigido por Rosemberg Caryri;
Apresentação: Tom Cavalcante
Música: Pingo de Fortaleza
Narração: Tom Barros