sexta-feira, 20 de março de 2020

PROTAGONISTAS E COADJUVANTES DA HISTÓRIA NORDESTINA

Chiquinho de Barros e Dom Juvêncio de Britto

Por Junior Almeida

Quem gosta de história e vive a pesquisar, vez por outra tem a grata satisfação de encontrar em suas leituras alguns personagens que no passado participaram de grandes façanhas ou mesmo que cruzaram o caminho de protagonistas de conhecidos fatos históricos. Na região de Garanhuns, Pernambuco, por exemplo, dois homens se encaixam nessa descrição, pois, viram a morte de perto, quando estiveram frente a frente com famosos assassinos.

O primeiro, um simples agricultor, Francisco Pereira de Barros, conhecido por Chiquinho de Barros, em julho de 1935 teve sua casa arrombada a chutes e coices de fuzil, num assalto praticado por Lampião e seus cabras. Do lado de fora da residência, no Sítio Queimada do André, hoje município emancipado de Paranatama, mas na época, distrito de Garanhuns, os cangaceiros mataram a punhaladas e tiros seu sogro, o idoso Zé Gomes, enquanto ele, sua esposa Quitéria Correia Gomes e o resto da família ficaram como reféns do Rei do Cangaço dentro da casa, enquanto essa era saqueada.

No decorrer da ação criminosa, Lampião mandou Chiquinho lhe trazer um cavalo que estava em um curral em frente da casa. Acompanhado por dois cangaceiros, ele foi buscar o animal, que estava bem agitado com a movimentação atípica e por isso não aceitou sela. Um dos bandidos com raiva golpeou a cabeça de Chiquinho de Barros com uma coronhada de rifle. O agricultor caiu com um corte na cabeça, tendo o ferimento sangrado muito, encharcando toda a sua roupa e, Chiquinho voltou para onde Lampião estava sem o cavalo. Virgulino com certa ironia, perguntou aos seus meninos por que fizeram aquilo com o homem e a Chiquinho perguntou se ele bebia pinga.

Completamente dominado, humilhado, supostamente sabendo que seu sogro e o outro homem já tinham sido mortos, Chiquinho não tinha perspectivas, apenas disse que sim, que bebia. Lampião mandou trazer um copo com cachaça, colocou pólvora dentro e misturou, mexendo com um punhal. Chiquinho bebeu um bocado e com o resto lavou o ferimento da cabeça. Menos mal que a súcia foi embora “apenas” levando seus pertences, no entanto, sem levar a sua vida.


 Dom Juvêncio de Britto, 4º Bispo de Garanhuns, 
e Chiquinho Barros, no início da década de 1950.

Outro que também escapou de ter um trágico destino foi o quarto Bispo de Garanhuns, Dom Juvêncio de Britto, pois este religioso foi agredido por pelo menos três vezes pelo mundialmente famoso Padre Hosana de Siqueira, assassino do Bispo Dom Expedito Lopes, um dos três casos do mundo em que um religioso matou outro, em toda história da Igreja.

Frei Francisco Fernando da Silva, o Frei Chico, canonista e que trabalha nas causas de beatificação de Dom Vital, Frei Damião e Dom Expedito, conta-nos em seu “Vida de Dom Expedito Lopes; Bispo Mártir de Garanhuns”, que o Padre Hosana antes de matar a tiros o seu superior hierárquico, Dom Expedito, já tinha arrumado um monte de confusões por onde tinha passado, inclusive, tendo em Panelas, matado a tiros uma égua, por que seu cavalo “se engraçou” com ela, e um cachorro, que latiu ao estranhar a sua batina. Sobre as agressões do indisciplinado e desequilibrado Padre Hosana a Dom de Juvêncio de Britto, Frei Chico colocou no papel o depoimento em juízo do Padre Otoniel, colega do padre homicida. Disse o religioso:

No tempo de Dom Juvêncio ele (Padre Hosana) foi transferido para Quipapá, fazendo as maiores promessas de paz. Tanto foi que na primeira visita pastoral em 1948 ainda mereceu elogios do Bispo. Mas logo começaram as questões. A primeira briga com Dom Juvêncio foi num retiro. No último dia ele chamava cada padre para conversar e dizia se ele voltava à paróquia ou se não. Ele chamou Padre Hosana e eu fiquei de tocaia. Quando ouvi os gritos, corri, chamei o Monsenhor Callou e Padre Tarcísio. E nós defendemos o Bispo.

Outra vez Dom Juvêncio marcou crisma para Angelim. Os redentoristas participaram da missão.

O bispo estava confessando e Hosana para falar-lhe. O Bispo, inexperiente, chamou Hosana para o quarto onde ele estava hospedado. Nós ficamos na janela, eu e Padre Carlos, com cuidado no Hosana. Daqui a pouco ouvimos vozes alteradas e Padre Carlos disse: “Vai Otoniel, entra!” Fui até a porta e fingi que procurava o bispo. Este nos contou que Hosana tentara agredi-lo. Havia pegado na abertura do Bispo, por cima da cruz peitoral e tinha sacudido o Bispo para agredir o mesmo. Quando me viu procurando o Bispo tentou despistar. Dom Juvêncio foi agredido mais três vezes por ele e não quis resolver o problema. As acusações de mulheres, especialmente a Maria José, quando Dom Juvêncio morreu em 1954, já fazia cinco anos ou mais que ele estava com ela. Mas faltou coragem em Dom Juvêncio e ele foi tolerando assim como de outros.

 Padre Hosana em entrevista para revista O Cruzeiro na época do crime

Todo mundo tinha medo porque ele andava sempre armado. Trazia sempre um coxim para forrar a sela e na bolsa do coxim um revólver. Essa conversa que ele pegou o revólver empresado para o crime é besteira. Com o que atirou em um cachorro e em um cavalo em Panelas? Com o que enfrentou o delegado de Tabira? Não cansava de mostrar a calça em baixo da batina e dizer que era homem para tudo.

Como podemos perceber nos dois fatos, tanto Chiquinho Barros quanto Dom Juvêncio, estiveram diante de homens que não hesitariam nem um pouco em os matar. O primeiro ainda perdeu seu sogro, covardemente assassinado pelos cabras de Lampião, levou uma coronhada na cabeça e bebeu na marra cachaça com pólvora, o segundo, um bispo, mesmo com toda sua autoridade, deve ter tido a consciência do perigo que passou. Não era vivo quando o Padre Hosana matou Dom Expedito em julho de 1957, mas se fosse, certamente veria que o que o colega que o sucedeu na Diocese de Garanhuns teve um fim, que poderia perfeitamente ser o dele.

Nenhum comentário: