sábado, 15 de setembro de 2012

O Cangaço em Apodi, RN

Um relatório oficial

Por Marcos Pinto - historiador apodiense.


Tenente Jacinto Tavares Ferreira.

Ao  receber  o  despacho  exarado  pelo  diretor,  datado  de  20 de Setembro de 1928, logo  no  dia  seguinte  o  Capitão  Jacinto  datilografou  o  seguinte  documento, que  hoje  faz  parte  do  acervo  do  Arquivo  Público  Estadual:                                                           

Departamento  da  segurança  Pública.  
                                                                                               
Informação. 

Ao  Exmo. Sr. Dr. Diretor  Geral  da  Segurança  Pública.
Cumprindo  o  despacho de  V. Excia, exarado  na  petição  de  Tilon  Gurgel, que  a  esta  acompanha, tenho  a  dizer  que  é  em  parte  inexacta  a  narrativa  do  facto  dela  constante, como  passo  a  expor.                                                                                  

Permita-me, porém, V. Excia, ligeira  digressão  sobre  antecedentes:  Ao  ser  nomeado  para  o cargo  de  Delegado  Especial  de  Polícia  em  Apody,  disse-me  o  Exmo. Dr. Governador  confiar-me  a  missão  mais  árdua  da  polícia, no  interior, pois  se  tratava  de  extirpar  o  cangaceirismo  que  alí  se  estava  implantando.  

De  facto, chegando  ao  Apody, encontrei  a  população  alarmada  com as  ocorrências  delictuosas que  se  vinham  sucedendo, praticadas  por  um  grupo  de  maus  indivíduos  chefiados  por  Benedicto  Saldanha  e  Décio  Sebastião  de  Albuquerque, vulgo  Décio  Holanda, genro  e  amigo  de  Tilon, que  por  meio  do cangaço  esperava  ser  um  dos  chefes  políticos  do  Apody. 

Verifiquei ser  a  residência  do  Tilon,  em  Pedra  de  Abelhas, um  dos  antros  onde se  reuniam  os  bandoleiros  para  combinar, com  o placet  deste,  as  desordens  que deviam  cometer.

Residencia de Tilon Gurgel em Pedra de Abelhas, atual Felipe Guerra.

Assim, após  múltiplas  peripécias,  em  que  Tilon, seu  genro  Décio  e  apaniguados   tudo  fizeram  para  amesquinhar as  autoridades  e  o  governo, achava-me  naquela  cidade,  quando, na  noite  de  26 de  Dezembro  de  1925, compareceram  à  Delegacia  Especial  dois  indivíduos  armados  de  rifles e  apresentaram-me  Manuel  Delfino, preso  à  ordem  de  Tilon  Gurgel  que  mandara  trazê-lo   ao  Dr. Juiz  de  Direito  e  ante  a  ausência  deste  foram  entregá-lo  ao  Delegado.  Interrogados, declararam  em presença  de  diversas  pessoas  que  Manuel  Delfino  nenhum  crime  ou  desordem   cometera:  Que  Tilon  lhes  dera  os  rifles  municiados, que traziam, e  mandar  prender  a  Manuel  Delfino  e  que,  chegando  à  casa  deste,  encontraram-no  calmo, no  convívio  dos  seus, ficando surpreso  ao  receber a  ordem  de   prisão.

Tilon Gurgel do Amaral, (1881 - 1968)

Efecctivamente  nada  autorizava  esse  facto.  Não  era  possível  homologasse  a  polícia  actos  abusivos  de  quem  quer  que  fosse, menos  ainda  de  quem  notoriamente  se  conhecia  como  fomentador  de  ataques  de  cangaceiros  e  procurava  sobrepor-se  pelas  armas,  às  auctoridades  constituídas, das  quais  assim  menoscabava,  aparentando  interesse  na  repressão  a  um  delicto  imaginário.

Videnciado  o facto, a  improcedência  da  prisão, não  tive  dúvidas  como  auctoridade, em  desarmar  aqueles  indivíduos  portadores  de  armas  proibidas, e, assim, contraventores  do disposto  no  artigo  377  do  Cód. Pen. da  República.                      

Feita  a  apreensão  e  lavrado  o termo  respectivo, remetí-os  a  auctoridade  judiciária  local,  para  os  fins  de  direito. Algum tempo  depois, fiz entrega  à  Repartição  Central  da  Polícia, nesta  capital, das  mencionadas  armas, o que, de  certo, constará  do  livro  competente, salvo  equívoco,  no  mês  de  Junho  de  1926. 

É  o que  me  cumpre  informar  a  V.  Excia. Julgo, entretanto, conveniente, acrescentar  que  dias  depois, fazia-se  notório em  Apody,  que  a  indébita  prisão  de  Manuel  Delfino  se  fizera  porque  procurava  mudar-se da  propriedade  do seu  acusador, Tilon  Gurgel, por tentar  este  seduzir  pessoa  de  sua  família,  em  cuja  defesa  resolvera  tomar  essa  atitude, reveladora  de  dignidade e  de  prudência.

Como  vê  V.  Excia,  nenhum  fundamento  tem  a   pretensão  do  requerente, cujas  informações  não  correspondem  a  verdade  dos  factos.

Natal,  21  de  Setembro  de  1928.

Jacinto  Tavares  Ferreira.
Capitão  -  Polícia  Militar.".

Pesquei no blog Potyline

Um comentário:

aderbal disse...

Amigos. Tenho um depoimento gravado a aproximadamente 18 anos atras de uma testemunha do ataque a Apodi.
Vou tentar encontrar e tão logo o encontre mando para o blog.