Fico muito feliz em saber que estamos desenvolvendo jogos criativos e bem divertidos no Brasil. Além disso, projetos como o do game “Xilo” dão um gás nos ânimos de quem não levava muita fé na produção nacional de jogos independentes.
É por isso que o Girls of War faz questão de apoiar a galera indie brazuca e, sempre que rola algum jogo legal no cenário brasileiro, procuramos falar com o pessoal por trás da produção. Isso além de ajudar a divulgar o suado trabalho da equipe fazendo valer toda a dedicação, também pode servir como inspiração para quem quer começar a fazer jogos e não sabe como dar início a um projeto, ou mesmo que já está fazendo um pode tirar dúvidas.
Recentemente conversei com a galera lá da Paraíba (terrinha de meu papai psycho, que um dia ainda vou visitar), responsável pelo desenvolvimento do jogo “Xilo”, que como o próprio nome já deixa implícito, é todo baseado na arte popularizada no Nordeste do Cordel e da Xilogravura.
Bom, vou deixar o pessoal de Campina Grande contar esse “causo” melhor para vocês. A voz da equipe na entrevista foi Rodrigo Motta – responsável pelo Game Design, Direção de Arte, Personagens e Level Design do jogo:
1) Gostaria que me contasse um pouco sobre como se formou a equipe do jogo e de onde partiu a inspiração para o desenvolvimento de Xilo?
Rodrigo Motta - Todos nós somos de Campina Grande, Paraíba, uma região muito rica em termos de histórias de fantasia e folclore. Desde sempre me interessei pelas histórias que os mais velhos contavam e sempre pesquisei sobre essas lendas. Então, a inspiração para o Xilo já estava enraizada e só esperando o momento para nascer. Durante um bom tempo fiz um registro pessoal dessas lendas, além de imagens de referência e variações estéticas que poderiam fazer parte do jogo. E a Xilogravura (técnica de usar desenhos em madeira e depois carimbar em papel, muito popular na região) sempre se destacou e foi a escolha pra marcar o visual do jogo.
Três dos quatro membros da equipe do Xilo já se conheciam: eu, Trigueiro Junior e André Torres somos amigos de longa data, mas estávamos meio distantes devido ao corre-corre da vida. Daí nos reencontramos no Curso de Jogos Digitais da Facisa, eu como professor e eles como alunos. Conhecemos então o Diego Galiza e o grupo fechou. Com a possibilidade de participar do SBGames, faltando exatos 20 dias para a entrega do protótipo, apresentei a ideia e trabalhamos feito loucos durante estes 20 dias. Ah, é importante deixar claro que o Xilo tem a colaboração de outras pessoas: Banda Cabruêra, Vandré Paulo, Suênia Leôncio e Almyr Gabriel.
2) Percebe-se, claramente, que vocês quiseram dar um ar bem Cordel ao jogo – tanto no próprio nome “Xilo”, de xilogravura, até na arte do jogo. Qual foi a complexidade de adotar esse estilo? A equipe teve a ajuda de algum artista especializado nessa arte tipicamente nordestina?
Rodrigo - A resposta para esta pergunta pode ser: tenho Xilogravuras penduradas nas paredes da minha casa. :-) É uma arte que admiramos bastante. Faz parte da nossa cultura e tem uma carga estética muito forte: é simples e ao mesmo tempo muito dramática. Por acaso, tanto eu quanto o Trigueiro, que trabalhamos com design e publicidade, já havíamos feitos trabalhos envolvendo esta estética – o que facilitou bastante, mas passamos um bocado de tempo analisando o estilo, criando pincéis para Photoshop e utilizando efeitos para tentar simular a técnica. Analisamos algumas outras obras que utilizavam essa técnica e tentamos criar algo só nosso, adicionando um pouco de cor e alguns elementos no traço para facilitar a visualização dos personagens e animações do jogo.
3) Uma coisa que não ficou muito clara, pelo vídeo de divulgação, foi para qual ou quais plataformas o jogo está sendo desenvolvido. Onde e quando os jogadores poderão testar Xilo? Ele será gratuito ou pago?
Rodrigo - Uma coisa que gostaria muito de colocar no vídeo seria “disponível para todas as plataformas”. Mas existem algumas que são bem complicadas para lançamento de jogos independentes e precisaríamos de um publisher. De início, Xilo será um jogo para desktops Windows e MacOS, esse é o objetivo primordial e o foco da equipe principal.
No entanto, tenho trabalhado junto com mais duas pessoas para o desenvolvimento de Xilo para iPad e iPhone/iPod. A dificuldade maior para o porte para iOS não é nem técnica e sim conceitual. Não nos sentimos à vontade de lançar o Xilo para um aparelho multi-touch sem que ele tenha uma jogabilidade adequada a este tipo de gadget. A coisa tem que ser feita do jeito certo. Fora isso, provavelmente deve rolar uma versão web mais simples e existe grande possibilidade de fecharmos com outro estúdio para a produção de uma versão pra Xbox Live.
Já existem algumas pessoas jogando o protótipo de Xilo. E quem estiver no SBGames de 7 a 9 de novembro (em Salvador) também poderá jogar. Fora isso, decidimos não liberar para o público, pois nem todo mundo consegue separar o que é um projeto em andamento de um produto finalizado, então melhor que o público tenha contado com algo mais acabado, que pode ser uma versão demo em alguns meses.
Apesar de começar como um trabalho acadêmico, Xilo é um projeto comercial. Nossa intenção realmente é que ele traga retorno financeiro, mas o modelo de negócio ainda não está definido. Já recebemos cantadas de empresas com interesse em “comprar” o jogo e distribuí-lo de graça e pra nós isso seria ótimo. Queremos que todo mundo jogue Xilo. Essa parte de grana é complicada e depende muito de estratégias para cada plataforma.
4) Quais foram suas inspirações e fontes de pesquisa para compor o game design do jogo? Alguma influência de Limbo (pela atmosfera mais escura e com poucas variações de cores)?
Rodrigo - Em termos de ambientação, como já disse, foi a própria cultura nordestina e o folclore brasileiro como um todo. O roteiro tem alguns aspectos clássicos e algumas peculiaridades com base nas histórias contadas no interior do Nordeste. Muitas destas lendas brasileiras são caricaturizadas e tentamos nos aprofundar mais em cada uma delas, buscando aspectos que não são normalmente transmitidos ao grande público. E a história do Biliu, nosso herói, será uma grande aventura, cercada de muita ação e drama, como são as histórias no Nordeste. O vídeo, que todos tiveram acesso, não foi capaz de transmitir isso e todos irão se surpreender.
Mario, Limbo e Braid foram grandes inspirações pra nós. Mario, pois podemos dizer que é a grande referência de jogos 2D de plataforma. Mas quando vimos Braid e Limbo, pensamos “É isso!”. Não comparo Xilo com Braid pelo seguinte: considero a mecânica de volta/controle do tempo de Braid extremamente revolucionária. É um tapa na cara de quem “não respeita” jogos 2D/plataforma. Em Xilo queremos mecânicas divertidas sim, mas nada deste tipo. Teremos novos movimentos, armas, itens em cada level para dar dinâmica e ação ao jogo, mas dentro de uma linha mais tradicional.
O que também chamou atenção em Braid foi ver uma história “séria” ser contada através de imagens que não são realistas. No caso de Limbo, ele foi uma grande inspiração, mas não no sentido que todos falam “porque tem poucas cores”. Não é isso. Quem entende de arte vê que Limbo tem todo um lance de iluminação, de silhueta, partículas, etc. Não temos isso em Xilo. Temos a estética da Xilogravura “estilizada”. A grande inspiração pra nós com Limbo foi ver o jogo e pensar “caramba, olha só, é possível criar uma estética diferenciada e com ela trazer um conjunto de sentimentos, uma experiência, uma imersão neste tema que queremos transmitir”. Essa é a grande lição que tiramos de Limbo.
5) Acredito que a maioria dos jogos desenvolvidos no Brasil dificilmente usam a própria cultura do país como referência. Quais os principais desafios e barreiras que tiveram (ou ainda têm) que transpor para “convencer” as pessoas de que o Brasil também pode dar jogo e que pode sim ser legal?
Rodrigo - Se uma pessoa precisa ser “convencida” que a cultura do seu país é legal, temo em dizer que essa pessoa tem muito mais problemas pra resolver na vida. Principalmente num país-continente-multicultural como o Brasil. Se o desenvolvedor de jogos, ou o jogador, quiser desenvolver ou jogar o que estamos acostumados do exterior, não vejo problema nenhum com isso. E não posso dizer com certeza que temas nacionais sempre irão funcionar. Não existe um caso em que eu possa me basear. Mas eu acredito. É simples assim. Acredito porque sei que tudo o que é bom e feito com seriedade dá certo. Você acredita? Com o pouco do que mostramos com o Xilo, pude notar que muita gente acredita também. Temos o nosso objetivo e queremos alcançá-lo com honestidade, é simples.
A maior barreira, pelo que pude analisar, não é nem em relação à cultura brasileira… E sim o poder da cultura americana no mercado de jogos e nas nossas vidas. Sem notar, as pessoas se apegam aquele modo de agir, de pensar, aquela estética e o “estranho” passa a ser a nossa cultura. E não estou criticando o que vem de fora não, eu também gosto. E, por isso, quero ver minha cultura inserida nesse mercado. Lembro de um fato engraçado durante a produção do protótipo do Xilo: surgiu um conceito da Mula-sem-cabeça onde ela parecia um Colossi de Shadow of Colossus.
Nesse momento paramos tudo e conversamos… O que estamos fazendo aqui afinal? Chegamos à conclusão que é nos agarrando ao nosso conceito primordial, a nossa cultura, que poderemos entregar um produto honesto. Deste dia para frente o time trabalhou feito relógio suíço. E vou dizer: temos ideias para mais uns três jogos utilizando temas nacionais que todo mundo conhece, mas que, quando contamos da roupagem que queremos dar, as pessoas arregalam os olhos e se tremem todas.
Gostaria de agradecer a vocês meninas pela oportunidade aqui, dizer que acho bem legal o blog e tenho certeza que vocês estarão nessa com a gente.
- Girls of War responde: com certeza Rodrigo. Estamos 100% juntos com o pessoal determinado a produzir jogos no Brasil e podem sempre contar com a gente. Sucesso para vocês!
- Veja o trailer de Xilo, enviado para o SBGames 2011:
Conheça a equipe de Xilo:
Quem é quem da esquerda para direita: José Trigueiro JR, 30 anos (Animação, Personagens e Cenários); - Rodrigo Motta, 30 anos (Game Design, Direção de Arte, Personagens e Level Design); - André Torres, 30 anos (Mixagem e Efeitos Sonoros); - Diego Galiza, 26 anos (Programação).
Xilo deverá ser lançado durante as festividades do São João de 2012, para computadores e aparelhos móveis.
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