sábado, 28 de outubro de 2023

O cangaço...

E os mensageiros
 

Por Luis Bento       

Lampião foi capaz de arregimentar uma legião de colaboradores, uma malha  informantes e mensageiros, numa época em que a telefonia ainda engatinhava no Brasil, principalmente no nordeste. Assim construiu uma rede de comunicação tão grande que nenhum outro homem da região foi capaz.
          

No então distrito Macapá atual Jati-CE, morava Joaquim Aureliano Pereira da Silva, "Quinca Pereira" irmão do cangaceiro Sebastião Pereira da Silva, senhor Pereira. No ano de 1919, ele foi procurado pelo padre Cícero Romão Batista a levar uma carta ao irmão. A carta constava o seguinte teor. " Era um pedido ou uma ordem, que o cangaceiro suspendesse as armas, abandonasse as questões entre as famílias: Pereira, Carvalho e fosse se refugiar-se em terras distantes ".

          

Quinca Pereira

Manoel Cunha Moura, Neco Cunha, outro mensageiro do distrito Macapá atual Jati-CE. No dia 2 de março do ano ano de 1926, Lampião passará pelo então distrito com destino a cidade de Juazeiro do padre Cícero. Neco Cunha, pediu a Lampião que a sair do distrito passasse em sua residência, tinha uma correspondência a lhe entregar, uma uma carta de seu ex-chefe Senhor Pereira que já se encontrava refugiado no estado de Goiás. 

A carta tinha o seguinte teor. "era uma carta convite, convidando Lampião a abandonar as armas e  se refugiar-se em Goiás ".
          

 

Neco Cunha

O mensageiro, foi de suma importância na historiografia do cangaço, Lampião tinha muito respeito por todos, além das correspondências ser preservadas no mais absoluto segredo, ainda contava com excelentes redes de informações.
          

*Luís Bento é Diretor de Cultura.

A Noite " edição de 14 de Dezembro de 1932

Informes confusos sobre as mortes de alguns cangaceiros

Por Helton Araújo-  Cangaço Eterno

Na matéria do jornal " A Noite " edição de 14 de Dezembro de 1932 ", o periódico traz o seguinte título : " O BANDITISMO NO NORDESTE ", com o subtítulo " A campanha vae ser feita por mais de tres mil soldados - " Antônio de Engracia " morreu mesmo, e foi comido pelos corvos (seguindo a escrita da época).

 


Apesar da péssima resolução da matéria, vou passar para vocês um resumo da publicação e fazer algumas observações em seus principais tópicos.

A matéria tem início informando que a campanha contra o banditismo está na região tranquilizando a população que vem sofrendo com as incursões de Lampião e seu bando nas regiões do sertão baiano e sergipano.

O periódico informa que há poucos dias a volante comandada pelo tenente Justiniano travou ríspido combate contra o bando de Lampião, nas proximidades de Juá, em Santo Antônio da Glória, nessa ocasião foi morto o cangaceiro Baliza e presa a sua companheira. Aqui fazemos nossa primeira observação, o periódico não informa o que a tradição oral diz sobre a história de Baliza, que o mesmo teria sido surpreendido por Justiniano e seus homens, no momento em que estava em relações sexuais com sua companheira.

A Tradição oral ainda diz que o tenente Santinho ( Ladislau Reis ) quando se encontrou com a volante do " cabo " Justiniano ( o jornal diz tenente ) solicitou ao mesmo por ter a patente maior a condução e recambiamento do cangaceiro. Daí popularmente sabemos o que aconteceu com Baliza, que foi torturado e morto em uma fogueira por Santinho e seus homens.

Fica claro que o periódico não apresenta essas informações, destaco ainda, que na tradição oral a data do acontecimento seria março de 1933, mas o jornal relata que o fato se deu em dezembro de 1932, ficando aí a inconsistência.

Cabe aos pesquisadores buscarem mais informações se de fato Santinho torturou e matou Baliza ou se essa história é mais uma entre tantas outras que caiu nos contos e folclores populares sobre o cangaço.

A matéria segue com mais uma excelente informação, segundo o jornal, as colunas volantes descobriram que de fato o cangaceiro Antônio de Engrácia estava morto, cujo acontecimento deixava dúvidas sobre a veracidade da morte do cangaceiro.

Um coiteiro de Chorrochó preso, disse que Antônio foi gravemente ferido pelo contratado Hermógenes, sobrinho do fazendeiro sergipano José Ribeiro. Segundo o coiteiro, Antônio veio a falecer em decorrência de seus ferimentos em sua própria residência, ainda segundo o coiteiro, seu corpo ficou insepulto, vindo a ser devorado pelos "corvos".

Ele prossegue informando que as ossadas do cangaceiro foram levadas até Jeremoabo ( não informando quem a levou ), onde ficou em exposição. Aqui faço mais uma observação, o jornal fala de Antônio de Engrácia, porém segundo as informações que temos nas pesquisas do cangaço, quem teria sido morto por Hermógenes, seria o cangaceiro "Antônio de Seu Naro", sendo assim, acredito eu, que houve apenas uma confusão de informações, pois Antônio de Seu Naro também era um Engrácia e também lhe caberia a apresentação como Antônio de Engrácia.

Diante dos fatos, creio eu que a matéria refere-se ao cangaceiro Antônio de Seu Naro e não de seu parente Antônio de Engrácia. Nos tempos atuais, aqueles que fazem pesquisas, se não cruzarem as informações podem fazer uma grande confusão histórica entre os fatos acontecidos e seus personagens.

Gostaria de associar essa informação das ossadas levadas para Jeremoabo com aquela matéria que também roda por aí, dos ossos e crânios dos cangaceiros " Antônio de Engrácia " e Ponto Fino (Ezequiel Ferreira), diante dessa matéria, acredito que aquelas ossadas sejam de fato Antônio de Seu Naro e do suposto Ponto Fino.

A matéria traz mais algumas ótimas informações, a primeira é que o sertão baiano contará com o reforço de mais de 3 mil soldados na campanha contra o banditismo.

A segunda, o Capitão João Miguel conseguiu auxílio mensal de 20 contos de réis para ajudar os flagelados da seca. Além de mandar construir estradas de rodagem por vários locais da região.
 

Vale lembrar que isso contradiz o que a tradição oral conta sobre a ação do capitão João Miguel, o mesmo teria mandado os sertanejos abandonarem suas casas em uma tática irresponsável na tentativa de dificultar as ações dos cangaceiros na região, Isso não só favoreceu os cangaceiros como causou mais sofrimento para os pobres sertanejos, esse fato relatado ficou conhecido como " A seca de João Miguel "

E para finalizar, a matéria relata que foi aprendido na casa de um coiteiro a metralhadora que Lampião conseguiu no confronto no Tanque do Touro (onde supostamente teria morrido Ezequiel Ferreira) contra a volante comandadas pelo tenente Arsênio Alves, além de outros armamentos e muitas munições.

Encerro esse texto sem querer desmerecer o trabalho de nenhum dos companheiros de pesquisa, pelo contrário, reafirmo aqui meu respeito a cada um, meu intuito com essa postagem é apenas elevar a história ao mais próximo possível da realidade. Deixo claro também, que não sou dono da verdade e que posso estar errado em minhas observações, mas fica aí o material para confrontação de informações e esclarecimentos e dúvidas.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

101 anos depois

Processo de 1922 revela tocaia de Lampião para matar delator de seu pai

Por Carlos Madeiro Portal UOL


Eram por volta das 19h do dia 14 de agosto de 1922, quando Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, dois irmãos e mais um grupo de cangaceiros foram até Água Branca, no sertão alagoano, fazer uma tocaia e cumprir uma missão que juraram a si mesmos.

Eles esperavam a passagem de um homem: Manoel Cipriano de Souza, que foi morto com três tiros, um dado por cada um dos irmãos Ferreira.

Revelação importante

    
Segundo Lampião, foi ele quem delatou o local onde estava seu pai, José Ferreira dos Santos, no dia 18 de maio de 1921. Nessa data, ele foi morto pelo tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, em Mata Grande, sertão de Alagoas.

A morte do pai de Lampião é um episódio marcante para o cangaço. A história conta que os irmãos Ferreira resolveram entrar na vida do crime para vingar os ataques que o pai sofria de um vizinho — que virou inimigo — chamado Zé Saturnino. A morte do pai foi o estopim para eles entrarem no cangaço.
Justiça acha processo

O processo judicial que denunciou Lampião e mais quatro cangaceiros pelo crime estava guardado no Fórum de Maceió. Ele traz detalhes que eram desconhecidos do crime.

O documento foi encontrado recentemente, junto com outros processos, pelo juiz e historiador Claudemiro Avelino. Todas são denúncias que acusam Lampião ou cangaceiros do seu bando por crimes de mortes, roubos e estupros.

No assassinato do suposto delator Cipriano foram denunciadas cinco pessoas

 - Lampião
- Livino Ferreira, irmão de Lampião
- Antônio Ferreira, conhecido como Esperança e também irmão de Lampião
- Antônio Rozendo, conhecido como Antônio Gelo
- Antônio Bagaço (abaixo)


Antônio Augusto (Feitosa ou Correia), Antonio Bagaço


Em depoimento à polícia, a testemunha Manoel Pedro de Alcântara narrou tudo que houve naquela noite. Diz que ele e Manoel Cipriano estavam cruzando a cancela do Mané, vindos da feira de Água Branca, quando homens armados com rifles o abordaram.

Lampião mandou eles descerem dos cavalos e perguntou o nome deles. Cipriano, o primeiro a responder, recebeu logo uma resposta do chefe: "É esse mesmo que estamos esperando."

Ao reconhecer seu alvo, ele mandou que a testemunha se afastasse e não saísse até ele dar uma "ordem expressa."

Cipriano foi então arrastado para um local ao lado do cavalo em que estava, quando Lampião perguntou sobre o dinheiro que ele levava. Ele tinha apenas 10 mil contos de reis, pouco para a época.

Tortura e morte

Outra testemunha do crime, Silvino Antônio dos Santos afirmou à polícia que Cipriano ainda perguntou o que Lampião queria, e disse que "ele daria para salvar a vida."

A frase dita por Cipriano, segundo testemunhas que depuseram, foi:

"Lampião, não me mate. Deixe eu criar minha família", clamou Manoel Cipriano.

Não adiantou. Lampião ainda "judiou" de Cipriano (não há detalhes de como) e o sentenciou em seguida.

"Agora você conhece Lampião. Foi você quem indicou onde meu pai estava para o matarem. Agora você é quem vai pagar.


Lampião então se afasta para trás e dá o primeiro tiro. Os dois irmãos de Lampião que o acompanhavam deram mais dois em seguida.

Foram três tiros; no segundo tiro ele caiu por terra.
Manoel Pedro de Alcântara, testemunha.

 

Processo está guardado no Fórum de Maceió.

Após os tiros, e vendo a vítima no chão, um do cangaceiros disse: "Basta, vamos embora." Foi quando outros integrantes do bando saíram do meio do mato, onde estavam na espreita para dar segurança aos irmãos Ferreira. Na fuga, um dos cangaceiros montou e levou o cavalo da vítima.

A morte não foi a única vingança dos irmãos. Após matarem, eles foram até a casa onde morava Cipriano. Ao chegarem, um filho da vítima perguntou aos cangaceiros o que eles queriam e o que tinham sido os tiros na cancela. Lampião então respondeu: "Vá lá examinar."

As testemunhas narram que eles em seguida empurraram o filho e entraram na casa, onde quebraram portas, baús, celas, móveis e roubaram "tudo que puderam". Logo depois, fugiram em cavalos.

Lampião e mais quatro denunciados

A promotoria pública de Alagoas, após os depoimentos, denunciou Lampião e outros quatro cangaceiros identificados pelas testemunhas no dia 9 de outubro de 1922. Cinco dias depois, o juiz da comarca de Água Branca acolheu e pronunciou (mandou a julgamento) os réus.

 

Parte dos autos em que a promotoria denuncia Lampião

Só que o processo nunca andou, e ninguém foi julgado.

Foram dadas várias ordens de intimação dos réus, mas sempre falavam que não os achavam, ou creio que não iam atrás para notificar. Naturalmente, todos tinham medo de Lampião
Claudemiro Avelino, historiador e juiz

Nenhum dos cangaceiros foi levado a julgamento em nenhuma das denúncias encontradas até aqui em Alagoas.

Em 1939, um ano após Lampião ser morto na grota do Angico, em Sergipe, um dos processos foi declarado extinto. "Nós demais processos não achamos isso essa extinção, mas talvez tenha havido uma ordem para que todos fossem arquivados, mas não encontramos", diz.

Esse e os outros processos achados fazem parte da pesquisa de Claudemiro, que vai render um livro sobre o cangaço. A obra está em fase final de seleção de imagens para publicação…

Todos também serão digitalizados aos poucos e colocados para acesso público.

Esses documentos são essenciais, porque sobre o cangaço há muita fantasia e folclore. O processo é um documento primário, original. Ele serve para espantar todas as dúvidas.


Juiz Claudemiro no acervo histórico do TJ de Alagoas.

Historiador, ele fez um curso de restauração de documentos antigos e passou a analisar cada um deles. O conhecimento sobre o tema o levou a ser chamado para ajudar na montagem do Museu do STF.

Também foi ele responsável pelo museu no TJ (Tribunal de Justiça) de Alagoas.Em Alagoas, diz, será montado um laboratório de restauração de documentos históricos.


Fonte: Portal UOL

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Pias das Panelas

Um dos cenários mais tristes da saga lampiônica

Texto e fotos Kiko Monteiro

Guiados pelo confrade Manoel Belarmino, No ultimo domingo, 22  de outubro de 2023, eu, junto com o companheiro de expedições Marcelo Rocha, pudemos finalmente conhecer as “Pias das Panelas”. Um pequeno lajedo às margens do Riacho do Quatarvo, antigo território da histórica Fazenda Paus Pretos de Antônio Caixeiro na zona rural de Poço Redondo, Alto Sertão Sergipano.
 
 

Nos anos 30 este local passou a ser um dos muitos coitos de Lampião 
e seus subgrupos naquela região. 
 

 
 
Como bem preveniu o saudoso mestre Alcino Costa, um lugar fúnebre, lúgubre, pois fora palco de tragédias e virou morada eterna de pelo menos 5 almas identificadas. Uma coincidência macabra entre as vítimas que jazem ali é que todas foram mortas pelos seus próprios “parceiros”.
 
 

Esta formação de pedras, embaixo de um velho umbuzeiro, marca a sepultura da cangaceira Lídia. Acusada de adultério, foi morta pelo seu marido, “Zé Baiano” em julho de 1934.
 
Após o veredito de Lampião, Zé deixou-a amarrada naquela mesma árvore durante toda a madrugada. Ao amanhecer, aquela que foi considerada a mais bela das cangaceiras, foi morta a pauladas.
 

 
O delator da traição, o cangaceiro “Coqueiro II”, pensou que teria a gratidão do bando, mas tombou sob a mira do colega “Gato” e por ali mesmo foi enterrado.
 
A história não esquece de Preta de Maria das Virgens. Nativa daquela mesma região que foi assassinada pelo seu namorado, Zé Paulo. Este, após descobrir que engravidara a moça, para não ser obrigado a casar com a pobre sertaneja, aplaca seu tormento com uma pedra, esmagando a sua cabeça e deixando-a ali. Localizada, é enterrada às margens do Riacho.
 
Também em um ponto atualmente impreciso, em 1937, foi morta e sepultada a cangaceira Rosinha, viúva do cangaceiro “Mariano”. Executada pelo seu colega “Pó-Corante” a mando de Lampião, só porque desejava voltar pra casa dos pais… Mas no cangaço, como em qualquer outra organização criminosa, aquilo era considerado uma deserção. Ela sabia demais e assim foi efetuada a queima de arquivo. 
 

 
E a sentença do vaqueiro e coiteiro “Zé dos Paus Pretos”
 
Aquele que em finais de 1937 acreditou ter matado o cangaceiro “Novo Tempo”, depois de encontrá-lo moribundo nas matas ao redor da Fazenda que devia ser rancho seguro dos cabras de Lampião. Mesmo baleado na cabeça “Novo Tempo” conseguiu fugir. Recuperado, relatou a traição do colaborador. Zé foi queimado vivo em uma coivara. Dias depois os vaqueiros da região encontram o corpo já em estado avançado de decomposição e o enterram-no ali mesmo nas proximidades das Pias das Panelas.
 

 
Gratidão pela atenção e companhia deste confrade que é grande conhecedor dos fatos que envolvem o Cangaço em Poço Redondo e em toda aquela região.
 
Manoel Belarmino, Marcelo Rocha e o autor.
 

 
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terça-feira, 10 de outubro de 2023

Lampião no Rio Grande do Norte

 A história do esconderijo da Caverna da Carrapateira


Rostand Medeiros – IHGRN

A zona rural do município de Felipe Guerra impressiona tanto os espeleólogos como os habitantes locais. No tocante a quantidade e a qualidade das cavernas. Há tempos que esse município se mostra como uma das mais promissoras áreas no estado do Rio Grande do Norte e com ótimas possibilidades para o desenvolvimento do turismo espeleológico.

Entrda da caverna da Carrapateira, zona rural de Felipe Guerra, Rio Grande do Norte – Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Mas além do seu conjunto de belas cavidades naturais, a região de Felipe Guerra mantém, mesmo passados quase 95 anos, as memórias e as lembranças das agruras sofridas com a passagem do bando do cangaceiro Lampião, em seu ataque a cidade de Mossoró.

Dessas lembranças ficou o registro do medo e as mudanças que os mais antigos sofreram em suas vidas, com os acontecimentos ocorridos em junho de 1927. Uma época em que o trabuco falava mais alto que a força da justiça. Até hoje a tradição oral é transmitida dos que ouviram dos seus familiares, trazendo para os mais jovens os acontecimentos de um momento triste da história do sertão potiguar e o interessante em Felipe Guerra é que muitos possuem uma ou mais história sobre esses acontecimentos.

E a maioria da sua população sabe da existência destas cavernas através dos acontecimentos da época do cangaço, pois foi em uma destas cavidades que alguns habitantes conseguiram um abrigo prático para os terríveis eventos que ocorriam nas proximidades das suas casas e deixou na lembrança das pessoas do lugar um respeito muito grande por este tipo de ambientes natural.

Lampião em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwJ3ojyvXP

Esta é a história daqueles dias incertos e da caverna que ajudou os moradores do lugar.

A Pedra de Abelha

Em 1927 Felipe Guerra era um pequeno arruado conhecido como Pedra de Abelha, fincado às margens do Rio Apodi, onde a vida seguia tranquila, para seus pouco menos de 1.000 habitantes. Eles sobreviviam da cera de carnaúba, da pequena agricultura e da pecuária. Na época dos invernos mais fortes, a pequena vila sofria as enchentes provocadas pelo Rio Apodi, como foi o caso das cheias de 1912, 1917 e a de 1924.

Por esta época Pedra de Abelha era um ponto de passagem de viajantes, tropas de burros, vendedores, vaqueiros e outros andarilhos que seguiam a estrada entre a pulsante e rica cidade de Mossoró e a progressista Apodi.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Havia uma pequena feira que crescia a cada ano, sempre em ordem e em paz, pronunciando uma tendência de progresso para o pequeno lugar. Outra lembrança de boas perspectivas foi a passagem de alguns homens, de língua enrolada, que se diziam engenheiros, faziam medições e coletavam pedras no lajedo do Rosário, na região da Passagem Funda, um lugarejo a oito quilômetros de Pedra de Abelha. Logo se espalhou a notícia que o lugar seria transformado em uma grande barragem, que haveria muitos empregos, que seria maior que a barragem de Pau dos Ferros e que a vida em Pedra de Abelha iria mudar para melhor. Mas a barragem não veio e a vida seguiu tranquila.

Junto com os primeiros dias de maio de 1927 chegaram notícias de que a região oeste do estado do Rio Grande do Norte iria conhecer e sofrer.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

No dia 10, pela madrugada, o cangaceiro paraibano Massilon Leite e mais vinte bandidos atacaram Apodi, depois seguiram para Gavião (atual Umarizal) e na sequência, pilharam a pequena vila de Itaú. Os relatos comentavam que apenas um cangaceiro foi preso próximo à cidade serrana de Martins.

Para a ordeira população de Pedra de Abelha, ficou o pensamento de que, se os cangaceiros haviam atacado Itaú, uma vila praticamente do mesmo tamanho do seu lugar, por que não atacariam o pequeno povoado à beira do Rio Apodi?

Passou então a existir no seio da população uma forte intranquilidade.

Não que os moradores de Pedra de Abelha não soubessem o que era violência. Já haviam ocorrido casos de criminosos assaltando viajantes, pistoleiros contratados por coronéis para impor suas ordens, a realização de tocaias e o flagelo da vingança. Um dever sagrado entre os sertanejos. Um dever que filhos de qualquer pai assassinado herdaram. E seria vergonhoso, seria desonra inominável em uma família enlutada pelo homicídio, se não aparecesse um vingador um “cabra macho” para cumprir a sina.

Realmente violência não era novidade naquele recanto perdido do sertão, mas um grande grupo de cangaceiros era um problema novo por aqueles lados.

Lampião – Fonte – lounge.obviousmag.org

No Cangaço

Os nomes de cangaceiros antigos como Lucas da Feira e Jesuíno Brilhante, e de facínoras mais novos (para 1927) como Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Luís Padre, eram muito comentados pelos habitantes mais idosos e pelos viajantes que procediam da Paraíba, Ceará e Pernambuco. Mas nos últimos tempos o nome mais comentado, temido e respeitado era o do famoso Lampião.

O Pernambucano natural de Vila Bela, atual Serra Talhada, com pouco menos de 30 anos em 1927, já era uma lenda e o seu nome impunha respeito e terror em grande parte do Nordeste.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Nascido em 4 de junho de 1898, Virgulino Ferreira da Silva vinha de uma família humilde, mais proprietária de uma pequena fazenda. Seu pai, José Ferreira, trabalhava como condutor de tropas de burros que transportavam mercadorias pelos sertões de Pernambuco e Alagoas. Nessas viagens, Virgulino e seus irmãos passaram a conhecer aqueles caminhos e mantiveram contatos que seriam preciosos no futuro.

Em 1915, inicia-se um problema com o vizinho José Saturnino, envolvendo o desaparecimento de animais de criação. Estas desavenças dariam início à metamorfose de Virgulino em Lampião.

Devido a perseguições, em um prazo de três anos, a família Ferreira vê-se na contingência de realizar várias mudanças, sendo obrigados a vender as suas terras e a viver como empregados pelas pressões sofridas. Devido aos fatos, a mãe de Virgulino acabou falecendo, aparentemente de um ataque cardíaco. Já seu pai foi assassinado por uma tropa da polícia alagoana que perseguia os irmãos Ferreira.

Lampião

É impossível não observar que uma das razões da entrada dos irmãos Ferreira no cangaço, foi à falta de justiça pelas contínuas perseguições sofridas, criando uma reação armada que abalou o Nordeste do Brasil ao longo de vinte anos.

No início, a atuação de Lampião foi em outros bandos, finalmente assumiu o comando de seus “cabras” em 1922, nesse mesmo ano assaltaram o casarão da Baronesa de Água Branca, em Alagoas, fazendo aumentar a sua terrível fama. Em 1924, seus cangaceiros, em conjunto com o paraibano Francisco Pereira Dantas, o conhecido Chico Pereira, atacam a progressista cidade de Sousa, no oeste da Paraíba. Em 25 de maio de 1925 Lampião e seu bando

Lampião

Lampião era um guerrilheiro nato, produto de um meio quase selvagem e atrasado. Possuía a capacidade de articular ataques, fugas mirabolantes, alianças escusas e uma perícia na manivela e no gatilho do rifle que parecia “alumiar” à noite, daí o seu famoso apelido.

Em 1926 uma coluna de homens que percorriam o país com a intenção de derrubar o governo do presidente Arthur Bernardes, comandados por Miguel Costa e Luís Carlos Prestes, se aproximou e entrou em território cearense, Para fazer frente a essa situação foi criada uma frente de defesa contra os chamados Revoltosos na cidade de Juazeiro do Norte, onde o principal líder político e religioso do lugar, o Padre Cícero, mandou convocar o chefe cangaceiro que aterrorizava o sertão nordestino para combater aquele grupo, que entraria para a História do Brasil conhecido como Coluna Prestes.

Foto dos líderes do grupo insurgente conhecido como Coluna Prestes. Esse grupo foi liderado pelo coronel da Polícia do Estado de São Paulo Miguel Costa e pelo capitão do Exército brasileiro Luís Carlos Prestes, que lutou contra a estrutura de governo que existia no Brasil na segunda metade da década de 1920 – Fonte – http://rotadosolce.blogspot.com.br

No dia 5 de março, Lampião, à frente de 50 cangaceiros, entra em Juazeiro. Ele se encontra com o Padre Cícero, recebe uniformes, armamentos modernos e a sua propalada patente de capitão dos Batalhões Patrióticos. Ao sair de Juazeiro e seguir para Pernambuco, Lampião é perseguido pela polícia local. Desapontado, aparentemente decide voltar para Juazeiro para falar com o Padre Cícero, mas este não o recebe e Lampião encerra a sua breve carreira de defensor público.

Passagem dos Cangaceiros

Voltando à pacata Pedra de Abelha na metade de 1927.

Os habitantes do singelo lugar ficaram bem apavorados quando chega a notícia que em 10 de junho, incentivado por Massilon Leite, Lampião cruzou a fronteira da Paraíba e entrou no estado Potiguar com cerca de 60 cangaceiros (número que gera muita polêmica até hoje) montados em cavalos e burros, todos seguindo em direção a Mossoró.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Avançando para o norte, promoveram um verdadeiro bacanal de destruição, rapinagem e terror. Roubaram, tocaram fogo em diversas fazendas, assassinaram os que reagiam, entraram em confronto com a polícia e fizeram alguns prisioneiros, do qual só libertaram mediante resgate. Lampião e seus cangaceiros realizam os primeiros sequestros conhecidos no Rio Grande do Norte. A passagem de Lampião e seu bando durou apenas cinco dias, mas a região oeste potiguar nunca esqueceu este episódio.

O bando passou ao lado da povoação de Gavião (atual Umarizal) e continuou depredando as propriedades como Campos, Arção, Xique-Xique e Apanha Peixe e nesta última propriedade, para a sorte da população de Pedra de Abelha, o bando foi dividido.

Às sete da noite de 12 de junho de 1927 seguiu o cangaceiro Massilon Leite para assaltar pela segunda vez a cidade de Apodi, enquanto Lampião seguia para Mossoró. Em Apodi houve resistência da população, obrigando Massilon a fugir. Devido a esta divisão, Lampião seguiu adiante por outra estrada, passando paralelo ao povoado de Pedra de Abelha. Realmente foi por pouco que a pequena comunidade não foi invadida. 

Na zona rural do município de Umarizal visitamos uma das mais belas e bem preservadas propriedades rurais existentes no trajeto da passagem do bando de Lampião no Rio Grande do Norte, a Fazenda Campos, que foi invadida na manhã de 12 de junho de 1927 – Foto – Rostand Medeiros.

Mas se não foi invadida, esse caminho fez o bando cruzar com o comerciante e fazendeiro Antônio Gurgel do Amaral, proprietário de uma moderna fazenda em Pedra de Abelha, às margens do Rio Apodi, no atual Distrito do Brejo. Nesta propriedade foram empregadas muitas pessoas.

Até recentemente o local possuía uma estrutura muito moderna para a época, inclusive com eletricidade e mecanização. Antônio Gurgel havia acabado de chegar de uma viagem da Europa, onde buscava trazer matrizes de novas raças bovinas para desenvolverem-se na sua região.

Assim que soube do avanço dos cangaceiros, seguiu de Mossoró para a sua fazenda e proteger seus familiares e seus bens. No meio do caminho, na localidade chamada Santana, foi preso por membros do bando. Era o dia 12 de junho e somente no dia 25, Gurgel seria libertado no Ceará, juntamente com outra refém. Por ser Gurgel um homem inteligente, de boa conversa, índole calma e que sempre procurou a tranquilidade junto aos bandidos, ele nada sofreu.

Durante sua convivência forçada, escreveu um diário que é tido como o mais completo documento sobre a vida e o dia a dia entre estes cangaceiros. Lampião lhe deu duas moedas de ouro para serem presenteadas a sua neta e, como pagamento de uma promessa feita pela sua liberdade, sua mulher construiu uma capela na Fazenda Santana, que infelizmente foi demolida, bem como a sede de sua fazenda em Felipe Guerra.

Antônio Gurgel do Amaral – Fonte – http://www.blogdogemaia.com/detalhes.php?not=1032

A Caverna da Carrapateira 

Antes até da prisão do coronel Gurgel, com a chegada das notícias cada vez mais assustadoras, a população de Pedra de Abelha tratou de procurar refúgio onde houvesse condições. Muitos seguiram para a fronteira do Ceará, outros foram para propriedades de parentes mais distantes e outros que conheciam melhor a região, buscaram o abrigo das cavernas.

É bem verdade que a população do sertão possui um medo respeitoso em relação às cavernas, mais naquele momento, este medo foi deixado de lado e a escuridão da caverna passou a ser um abrigo mais acolhedor do que a incerteza da luz do dia e a presença de cangaceiros na região.

A caverna da Carrapateira fica localizada no Lajedo do Rosário, próximo ao atual distrito de Passagem Funda e a pouco mais de mil metros da margem esquerda do Rio Apodi. Entre as várias cavernas deste lajedo, essa é a que apresenta a maior facilidade de penetração.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Sua entrada tem formato oval, com quatro metros de altura e possui desenvolvimento horizontal, no seu início encontram-se alguns blocos caídos e deslocados, também presentes localmente no interior da caverna.

Chama a atenção a forma como a natureza moldou o túnel principal, sendo muito largo e alto para os padrões das cavernas nas proximidades. Sua sinuosidade apresenta contornos de fluxo d’água, marcados nas paredes bastante lisas, lavradas, de rocha calcária limpa e de cor amarelada, com níveis de sedimentação à mostra. Os espeleotemas, as famosas formações rochosas que ocorrem tipicamente no interior de cavernas como resultado da sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na água, criando muitas vezes materiais de rara beleza, são encontrados nessa cavidade. São escorrimentos de calcita, cortinas, algumas estalactites e estalagmites. Na parte posterior do corredor principal, aparecem outros tipos de espeleotema muito comum nas cavidades da região: o couve-flor.

Conforme adentramos a caverna da Carrapateira, o chão vai apresentando uma menor continuidade, mostrando reentrâncias, blocos rolados, até desembocar em uma bifurcação, de onde a caverna segue para salões mais apertados, seguindo por condutos menores. Neste setor, tem-se uma clarabóia de poucos metros de altura, aproximadamente três metros. Por ela pode-se sair do interior com facilidade.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Pelas dimensões do seu interior, pela proximidade com o rio e como na região encontram-se diversas provas da passagem de grupos de caçadores e de coletores, entre 5.000 e 2.000 anos atrás, essa caverna é a que melhor poderia sugerir a possibilidade de algum indício arqueológico. Contudo, não foram vistos pinturas ou evidências nesse sentido. Sua litologia é o calcário e até anos recentes não apresenta nenhuma depredação.

Durante nossas visitas à caverna da Carrapateira não foram encontrados vestígios da ocupação dos habitantes de Pedra de Abelha na caverna.

Quando das nossas visitas à região, ouvimos repetidas vezes relatos de pessoas cujos avós e outros familiares buscaram abrigo nesse local. Entretanto o tempo, o Senhor de tudo e de todos, chegou à nossa frente, pois aqueles que buscaram esse local como abrigo já não estavam mais nesse plano. Mas percebi que o número de pessoas que buscaram esse abrigo foi pequeno. Além disso, foi possível observar que, diferentemente de outras pessoas que guardam na memória relatos daqueles que tiveram experiências com cangaceiros na região, os poucos parentes daqueles que buscaram abrigo na caverna da Carrapateira, pouco tem a comentar. 

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Como, para a sorte dos refugiados escondidos na caverna da Carrapateira, não houve nenhum tipo de contato com os cangaceiros e quase certamente os que buscaram esse abrigo em 1927 foram poucos, ao longo do tempo esse tema caiu no esquecimento. Pois no final das contas, sobreviver naquela região é parte da rotina diária.

Fim Do Ato

Lampião seguiu seu caminho.

Foto – Solón Rodrigues Almeida Netto.

Na Segunda-feira, 13 de junho de 1927, dia de São Francisco, às 16:30 da tarde, com o céu nublado, os cangaceiros, divididos em três colunas, atacaram a maior cidade do interior do Rio Grande do Norte. O seu Prefeito, Rodolfo Fernandes, sem ajuda do governo do estado, conseguiu reunir desde advogados, dentistas, comerciantes, padres e pessoas comuns, entrincheirando-os em vários locais.

Os cangaceiros foram derrotados depois de uma hora de combate, não mataram ninguém e perderam um cangaceiro na hora e outro, o temível Jararaca, foi ferido e capturado no outro dia. Acabou assassinado pela polícia local no dia 20 de junho e o mais incrível é que seu túmulo se tornou um local de peregrinação religiosa popular.

Lampião sofreu a sua mais terrível derrota, comentou que “Cidade com mais de quatro torres de igreja não é para cangaceiro”. Sem conhecer o seu tamanho e a sua capacidade de defesa, acabou enganado pela promessa de Massilon de pouca resistência e muito dinheiro.

O seu ataque a Mossoró causou repercussão em todo país, sendo noticiado em muitos jornais. Foi um verdadeiro choque, que impulsionou ainda mais a sua fama. Foi a partir deste episódio que o seu nome ficou muito conhecido no sul do país.

Após fugir do Rio Grande do Norte, para onde nunca mais voltou, o bando seguiu para o Ceará, onde pensavam que estariam protegidos e foram implacavelmente perseguidos. O mesmo ocorreu na Paraíba e em Pernambuco. Em 1928 cruzou o Rio São Francisco e conseguiu uma sobrevida de mais dez anos, praticando atrocidades na Bahia, Alagoas e Sergipe, onde foi morto, com a sua companheira Maria Bonita, na Grota do Angico.

Para a população de Pedra de Abelha, sempre que as notícias sobre Lampião surgiam, voltava as lembranças dos medos e aflições de junho de 1927. Com a sua morte (1938) e o desbaratamento do cangaço (1940), passa a existir um alívio. Com o passar dos anos, ocorre o natural desaparecimento das vítimas sobreviventes dos atos cruéis dos cangaceiros e muitos dos descendentes destas vítimas deixam a região, emigrando para grandes centros. Falar sobre os fatos da época do cangaço deixou de ser um tabu.

A partir dos anos 1960, o mito deste cangaceiro o torna um dos personagens históricos mais famosos da cultura popular brasileira, onde em muitos lugares do país a figura de Lampião é encarada como símbolo de nacionalidade e o Cangaço como um expoente da luta da cultura e do povo nordestino.


FERNANDES, Raul, A MARCHA DE LAMPIÃO, ASSALTO A MOSSORÓ. 3 ed. Natal, Editora Universitária, 1985.

NONATO, Raimundo, LAMPIÃO EM MOSSORÓ. 5 ed. Mossoró, Coleção Mossoroense, Fundação Vingt-Un-Rosado, 1998.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira, HISTÓRIA DO CANGAÇO, 4 ed. São Paulo, Global Editora, 1991.

CHANDLER, Billy Jaynes, LAMPIÃO, O REI DOS CANGACEIROS, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1980.

FACÓ Rui, CANGACEIROS E FANÁTICOS, GÊNESE E LUTAS, 7 Ed. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1983.

PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico, QUEM FOI LAMPIÃO, Recife, Editora Stahli, 1993.

DELLA CAVA, Ralph, MILAGRE EM JUAZEIRO, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1976. 


Pescado no Tok de História

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Jornais

 A Noite (RJ) - 23 de Abril de 1934

O jornal noticiava a morte do cangaceiro Manoel Victor, após 7 anos de estripulias. 


Manoel é considerado por alguns pesquisadores como o único cangaceiro comunista, pois teria se aliado ao partido comunista em 1934. Caso queiram saber mais sobre a história desse bandido que não era do bando de Lampião, pelo contrário, tinha inimizade com ele, basta pesquisar vídeos de canais sérios no youtube que contam a sua biografia. 

 

Na foto estão, da esquerda para direita: Soldado Toinho Rocha, o cangaceiro Manoel Victor já morto, escorado para foto e o soldado Gerôncio Calaça.

 

Créditos: Guilherme Velame Wenzinger (Facebook Lampião Cangaço e Nordeste)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Anjo Roque na justiça

Labareda foi julgado em Jeremoabo?

 

´Anjo´ Roque "Labareda" no xadrez

    Era alta madrugada do dia 8 de julho de 1939 quando um grupo de homens fortemente armados chega a uma modesta casa onde viviam os habitantes da fazenda Curral dos Altos, no município de Bebedouro (Hoje Coronel João Sá – Ba), os bandidos invadem a residência com facilidade, rendem os ocupantes do imóvel e iniciam a execução de um terrível plano de vingança.

            Logo, tiros de parabélum ecoam pela caatinga imersa na escuridão da noite, três corpos caem mortos, são Olegário Bispo, filho da dona da fazenda e dois viajantes, que seguiam para Paripiranga-BA e tomaram a infeliz decisão de pernoitar ali, foram friamente mortos, eram Antônio Elias e Nonato Terêncio.

            O bando segue a sua romaria de crimes, viajam até a fazenda Logradouro, no mesmo município, e lá assassinam Jovina Maria de Jesus para logo em seguida, atear fogo em sua residência, deixando para trás uma noite de crimes, uma cena digna dos momentos finais do cangaço, atuada pelo bando de Ângelo Roque como uma vingança a uma suposta delação cometida por Josefa Bispo, que resultou na morte de três integrantes do grupo, inclusive a companheiro do chefe, Mariquinha.

            A descrição que você acaba de ler, foi relatada nos autos do processo contra Ângelo Roque, Benício Alves dos Santos (Saracura) e Domingos Gregório (Deus-te-Guie), os cangaceiros que se entregaram em Paripiranga em abril de 1940 e seguiram para Salvador onde cumpriram pena pelos seus crimes.

            Uma vez estabelecido o roteiro dos crimes que levaram à condenação dos três cangaceiros acima citados, me dedicarei a narrar os eventos posteriores, mais especificamente, os episódios ligados ao julgamento desses, tendo como base os processos de ambos.

            O primeiro e mais polêmico elemento a ser analisado é o local da realização do julgamento, visto que, no processo, consta claramente que o julgamento em si, depoimento de testemunhas, condenação e sentença, ocorreu na cidade de Jeremoabo entre 1940 e o final de 1942, como indicado no trecho a seguir: “Sala da sessão do tribunal do júri em Jeremoabo, aos cinco dias de novembro de 1942”, ou, ao finalizar um ato, o escrivão registra: “Dada e passada nesta cidade de Jeremoabo aos 12 dias de novembro de 1942”, conforme imagem abaixo:

Fonte: APEB

            Existem outras referências no texto que dão margem ao entendimento de que o julgamento em questão tenha sido realizado, de fato, na famosa cidade de Jeremoabo, contudo, existem alguns detalhes que precisam ser analisados antes de se chegar a qualquer conclusão. O primeiro deles, com efeito, é o fato de esse evento, se realizado em Jeremoabo como consta do processo, não ter deixado nenhuma outra evidência, nem fotos ou registros em jornais da época nem mesmo ter sido rememorado pela memória popular.

             Pensando por esse viés, percebemos o quão problemático é o ofício de contar a história, posto que a fonte para esse trabalho é um documento oficial, assinado por autoridades conhecidas como, para ficar em um exemplo, o juiz Antônio Ferreira de Brito.

            A cronologia dos fatos indica que no dia 04 de fevereiro do mesmo ano é emitida a Carta de Guia com uma condenação de 30 anos de prisão, é esse documento que define o número do interno Ângelo Roque da Costa como 1522.

No dia 04 de novembro de 1942 sai a condenação pelo assassinato de Olegário Bispo da Conceição, Antônio Elias e Nonato Terêncio, no dia seguinte, 05 de novembro, sai a sentença de mais 30 anos pelo assassinato de Jovina Maria de Jesus, na fazenda logradouro e incendiado à casa dela.

Em 12 de novembro de 1942, o Juiz Antônio Ferreira de Brito, decide determinar que o réu cumpra os 30 anos de prisão apenas por esse homicídio seguido de incêndio, nesse mesmo dia o escrivão, Manoel Luiz Gonzaga, finaliza o manuscrito

É sabido que em 1941, pelo menos, esses homens já estavam presos em salvador e é possível que o julgamento em questão tenha sido realizado lá e registrado como tendo ocorrido em Jeremoabo, mas a hipótese, a meu ver, mais plausível, é que o júri tenha se reunido de fato em Jeremoabo sem a presença dos réus.

A inconclusão do tema, todavia, não invalida a importância histórica do documento de posse do Arquivo Público do Estado da Bahia pois, através deste, foi possível reunir muitas informações acerca dos procedimentos envolvendo os ex-cangaceiros enquanto estiveram na capital baiana.

Sabe-se que os 30 anos de prisão a que foram condenados não foram cumpridos por nenhum dos três cangaceiros citados, contudo, o que era desconhecido até o presente momento, era o documento de comutação das penas, emitido pelo gabinete do presidente Eurico Gaspar Dutra a 18 de setembro de 1947:

Fonte: APEB
         

  Conforme se lê no fragmento acima, o presidente do conselho penitenciário, Estácio de Lima, emitiu relatório favorável à comutação das penas, relatório utilizado como base para a decisão de comutar as penas dos internos.


 

A conversão das penas vai surpreender o leitor, visto que o chefe do bando, Ângelo Roque, teve sua pena de 30 anos reduzida para 10 anos, ao passo que seus dois ex-comandados, Saracura e Deus-te-guie, de acordo com o mesmo documento, tiveram suas sentenças reduzidas para 12 anos cada, pegando dois anos a mais que o antigo chefe.

 

Por Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 21 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista e da HQ Histórias do Cangaço e dos livros Fátima: Traços da sua Histórias e O Embaixador da Paz.

 

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