quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Anjo Roque na justiça

Labareda foi julgado em Jeremoabo?

 

´Anjo´ Roque "Labareda" no xadrez

    Era alta madrugada do dia 8 de julho de 1939 quando um grupo de homens fortemente armados chega a uma modesta casa onde viviam os habitantes da fazenda Curral dos Altos, no município de Bebedouro (Hoje Coronel João Sá – Ba), os bandidos invadem a residência com facilidade, rendem os ocupantes do imóvel e iniciam a execução de um terrível plano de vingança.

            Logo, tiros de parabélum ecoam pela caatinga imersa na escuridão da noite, três corpos caem mortos, são Olegário Bispo, filho da dona da fazenda e dois viajantes, que seguiam para Paripiranga-BA e tomaram a infeliz decisão de pernoitar ali, foram friamente mortos, eram Antônio Elias e Nonato Terêncio.

            O bando segue a sua romaria de crimes, viajam até a fazenda Logradouro, no mesmo município, e lá assassinam Jovina Maria de Jesus para logo em seguida, atear fogo em sua residência, deixando para trás uma noite de crimes, uma cena digna dos momentos finais do cangaço, atuada pelo bando de Ângelo Roque como uma vingança a uma suposta delação cometida por Josefa Bispo, que resultou na morte de três integrantes do grupo, inclusive a companheiro do chefe, Mariquinha.

            A descrição que você acaba de ler, foi relatada nos autos do processo contra Ângelo Roque, Benício Alves dos Santos (Saracura) e Domingos Gregório (Deus-te-Guie), os cangaceiros que se entregaram em Paripiranga em abril de 1940 e seguiram para Salvador onde cumpriram pena pelos seus crimes.

            Uma vez estabelecido o roteiro dos crimes que levaram à condenação dos três cangaceiros acima citados, me dedicarei a narrar os eventos posteriores, mais especificamente, os episódios ligados ao julgamento desses, tendo como base os processos de ambos.

            O primeiro e mais polêmico elemento a ser analisado é o local da realização do julgamento, visto que, no processo, consta claramente que o julgamento em si, depoimento de testemunhas, condenação e sentença, ocorreu na cidade de Jeremoabo entre 1940 e o final de 1942, como indicado no trecho a seguir: “Sala da sessão do tribunal do júri em Jeremoabo, aos cinco dias de novembro de 1942”, ou, ao finalizar um ato, o escrivão registra: “Dada e passada nesta cidade de Jeremoabo aos 12 dias de novembro de 1942”, conforme imagem abaixo:

Fonte: APEB

            Existem outras referências no texto que dão margem ao entendimento de que o julgamento em questão tenha sido realizado, de fato, na famosa cidade de Jeremoabo, contudo, existem alguns detalhes que precisam ser analisados antes de se chegar a qualquer conclusão. O primeiro deles, com efeito, é o fato de esse evento, se realizado em Jeremoabo como consta do processo, não ter deixado nenhuma outra evidência, nem fotos ou registros em jornais da época nem mesmo ter sido rememorado pela memória popular.

             Pensando por esse viés, percebemos o quão problemático é o ofício de contar a história, posto que a fonte para esse trabalho é um documento oficial, assinado por autoridades conhecidas como, para ficar em um exemplo, o juiz Antônio Ferreira de Brito.

            A cronologia dos fatos indica que no dia 04 de fevereiro do mesmo ano é emitida a Carta de Guia com uma condenação de 30 anos de prisão, é esse documento que define o número do interno Ângelo Roque da Costa como 1522.

No dia 04 de novembro de 1942 sai a condenação pelo assassinato de Olegário Bispo da Conceição, Antônio Elias e Nonato Terêncio, no dia seguinte, 05 de novembro, sai a sentença de mais 30 anos pelo assassinato de Jovina Maria de Jesus, na fazenda logradouro e incendiado à casa dela.

Em 12 de novembro de 1942, o Juiz Antônio Ferreira de Brito, decide determinar que o réu cumpra os 30 anos de prisão apenas por esse homicídio seguido de incêndio, nesse mesmo dia o escrivão, Manoel Luiz Gonzaga, finaliza o manuscrito

É sabido que em 1941, pelo menos, esses homens já estavam presos em salvador e é possível que o julgamento em questão tenha sido realizado lá e registrado como tendo ocorrido em Jeremoabo, mas a hipótese, a meu ver, mais plausível, é que o júri tenha se reunido de fato em Jeremoabo sem a presença dos réus.

A inconclusão do tema, todavia, não invalida a importância histórica do documento de posse do Arquivo Público do Estado da Bahia pois, através deste, foi possível reunir muitas informações acerca dos procedimentos envolvendo os ex-cangaceiros enquanto estiveram na capital baiana.

Sabe-se que os 30 anos de prisão a que foram condenados não foram cumpridos por nenhum dos três cangaceiros citados, contudo, o que era desconhecido até o presente momento, era o documento de comutação das penas, emitido pelo gabinete do presidente Eurico Gaspar Dutra a 18 de setembro de 1947:

Fonte: APEB
         

  Conforme se lê no fragmento acima, o presidente do conselho penitenciário, Estácio de Lima, emitiu relatório favorável à comutação das penas, relatório utilizado como base para a decisão de comutar as penas dos internos.


 

A conversão das penas vai surpreender o leitor, visto que o chefe do bando, Ângelo Roque, teve sua pena de 30 anos reduzida para 10 anos, ao passo que seus dois ex-comandados, Saracura e Deus-te-guie, de acordo com o mesmo documento, tiveram suas sentenças reduzidas para 12 anos cada, pegando dois anos a mais que o antigo chefe.

 

Por Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 21 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista e da HQ Histórias do Cangaço e dos livros Fátima: Traços da sua Histórias e O Embaixador da Paz.

 

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