terça-feira, 21 de maio de 2024

José Kehrle

O padre alemão que fez história em Serra Talhada

 


O “Viagem ao Passado” resgata para os leitores um pouco da história Padre José Kehrle, um dos primeiros da família alemã a desembarcar no Brasil e a fincar raízes em Serra Talhada. O jovem padre chegou à cidade com 21 anos de idade e só foi em embora por perseguição política, as vésperas da decretação do Estado Novo, em 1936, aos 35 anos.

A foto em destaque foi doada à Paróquia de Nossa Senhora da Penha por uma de suas sobrinhas que reside em Serra Talhada, a Professora Emma Kehrle. Dona Emma que também doou um óculos de uso pessoal do padre, uma imagem do Menino Jesus que ficava em seu altar particular e uma lembrancinha do seu Jubileu de ordenação sacerdotal.

As relíquias foram conduzidas pelo jovem estudante de medicina, Matheus Magalhães, até o atual administrador da Paróquia. Ainda não se sabe onde as peças serão colocadas para serem expostas ao público. Vale registrar que o Padre José Kehrle foi o responsável pelo inicio das obras da atual Igreja Matriz da Penha.

A VIDA E A OBRA DE UM HISTÓRICO SACERDOTE

Os relatos abaixo resumem uma cronologia elaborada pelo próprio Pe. José Kehrle em carta datilografada para um sobrinho no ano de 1975. Nascido em 19 de maio de 1891, em Rheinstetten – Alemanha, o Padre José Kehrle chegou a cursar medicina na Universidade de Munique tendo desistido da carreira no último ano de faculdade para ingressar no seminário e tornar-se sacerdote.

Veio para o Brasil em 1909 e ordenou-se em 14 de março de 1914, em Olinda-PE tendo sido transferido no ano seguinte para Quixadá-CE onde chegou a ter contato com Pe. Cícero em Juazeiro. No ano seguinte, foi encarregado de assumir a secretaria do bispado de Floresta, onde ficou por quatro anos até, em 1919, se tornar o primeiro pároco de Rio Branco, atual Arcoverde. Nesta última cidade chegou a criar uma pequena banda e um “jornal falado”, com o intuído de gerar meios de distração para a população local.

Ainda em 1919 recebeu a ordem de retornar a Floresta junto a seu irmão, o também padre, Luiz Kehrle, onde foram incumbidos de construir uma nova catedral na cidade. Levantou-se uma discussão sobre o melhor local para erguer a construção e o padre José, por sugerir um plebiscito para a tomada da decisão, acabou sendo ameaçado pelo prefeito e seus jagunços tendo que se retirar da cidade no mesmo dia.

Nesta época, Pe. José Kehrle começou a sofrer diversas perseguições políticas tendo sido acusado de ser inimigo do Brasil (por ser Alemão) e de ser protetor de Lampião. Chegou inclusive a ser ameaçado de morte pelo chefe de polícia de Recife.

Em 1922 assume a paróquia de Nossa Senhora da Penha em Vila Bela (atual Serra Talhada) ficando também responsável pela paróquia de São José do Belmonte. Em Vila Bela deixou seu marco quando resolveu demolir a antiga igreja de duas torres (construção de traços muito rústicos e desarmoniosos para dar início à construção da atual Igreja matriz.

A construção seguiu até o ano de 1936 quando, por questões políticas, Pe. José foi transferido de volta ao secretariado da Diocese em Pesqueira. Na sede da diocese começou a presenciar diversas aparições de Nossa Senhora das Graças que lhe avisava de muitos fatos futuros de sua vida pessoal e sacerdotal (os relatos dessas aparições constam no livro: “Eu sou a Graça”, de Dom Rafael Maria Francisco da Silva).

Ainda em sua missão pelo Sertão pernambucano, o padre alemão passou pelas cidades de Venturosa, Afogados da Ingazeira, Brejo da Madre de Deus e Moxotó. Por fim, chegou em Buíque no ano de 1947, onde construiu sua casa e a Capela de Nossa Senhora das Graças, criou uma escola de educação agrícola e uma maternidade com recursos vindos da Alemanha, escreveu livros que foram censurados e atendia muitos pobres que vinham buscar remédios, esmolas e conforto espiritual.

José Kehrle faleceu em Buíque no ano de 1978, aos 87 anos. Sua grandiosa contribuição para a história do interior de Pernambuco ainda é pouco divulgada, mas seu pioneirismo e suas ideias inovadoras foram fundamentais para o crescimento e propagação da fé cristã pelo sertão do estado.

 

O Padre José Kehrle, o quarto da direita para esquerda, na farmácia do Dr. Lima Pachêco, na então cidade de Villa Bella, em agosto de 1928

 

O Padre José Kehrle, ao centro, na antiga Igreja de N. S. da Penha, construída em 1872 e demolida e 1925, o prédio ficava localizado no centro da Praça Sérgio Magalhães, no ponto onde atualmente fica o pé de catingueira metálico



 

Relíquias do Padre José Kehrle doadas pela sobrinha Emma Kehrle

Pescado em O Farol de notícias

 

Bônus: 

 

Imagem do Padre Kehrle e sua família, inédita na literatura


Em dois momentos com o célebre Frei Damião


 *Créditos das imagens Ana Ligia Lira

quarta-feira, 15 de maio de 2024

João Severo

O sapateiro de Lampião
 

Por Beto Rueda
 

Em meados de 1926, Lampião concebeu um plano para aniquilar o vilarejo de Nazaré, reduto dos seus inimigos. O plano consistia em isolá-lo do resto do mundo através da proibição da entrada ou saída de qualquer vivente, com o que acreditava levaria os moradores a total inanição, quando então daria o bote final.
 

João Severo, sapateiro conhecido, que fazia alpergatas para várias pessoas, inclusive ao chefe dos cangaceiros, foi acusado de levar e trazer mantimentos para a vila. Furioso, Lampião destacou Sabino para pegá-lo vivo ou morto.
 


 

Avisado com antecedência, João Severo mudou o seu itinerário, fracassando o célebre lugar tenente nas duas emboscadas que esse lhe preparou.
 

A partir de então, Sabino disse a Lampião que a maneira mais fácil de capturá-lo seria na festa de "renovação de santo, na casa de seu pai, na fazenda Cipó.
 

No dia da festa, João chegou a festa despreocupado e foi preso por dois cangaceiros que o levaram a Sabino e Antônio Ferreira. Era o seu fim.
 

Nesse momento, como por milagre, foi chegando o padre José Kherle (foto abaixo) que viera para rezar a renovação e intercedeu a favor do sapateiro, foi o que lhe salvou a vida.

 


O padre pediu pela presença de Lampião. Contrariado, Sabino mandou trancar o infeliz em um quarto, enquanto esperava a decisão final do chefe.
 

Sabino e Antônio Ferreira dançaram e beberam até o quebrar da barra. Lampião só chegou no clarear do dia.
 

Quando soube da prisão, Lampião mandou levar o sapateiro a sua presença e disse: "- Mas João, você como meu amigo, como pode ter me traído desse jeito?" 

Severo, sentindo o cheiro da morte ao seu redor, quase chorando, respondeu: "- Eu ando em Nazaré quase todo dia tratando dos meus negócios, compro uma solinha, os pregos e outras coisas para o meu serviço. Eu tenho família em Nazaré, não nego, como você também tem!
 

Satisfeito com a explicação do prisioneiro, Lampião ficou pensativo.
 

De repente, achegou-se Sabino de parabellum engatilhado, os olhos injetados de sangue, doido para matar. "- Como é compadre, vamos ou não vamos estourar os miolos desse infeliz?"
O rei do cangaço, sem nada responder, afastou Sabino para o lado e mandou que João Severo fosse embora em paz.
 

O sapateiro em felicidade comentou: "- Devo a minha vida em primeiro lugar ao padre José e em segundo a Lampião. Pelo gosto de Sabino, eu já era defunto a muito tempo.
Imagem: Foto de João Severo aos 93 anos, em 1995.
 

REFERÊNCIA:
LUCETTI, Hilário; DE LUCENA, Magérbio. Lampião e o estado maior do cangaço. Crato: Craturismo, 1995.