"A canga ", que é uma peça de madeira trabalhada, apropriada para o pescoço dos bois de carro, tanto para um como para dois, formando uma parelha ou junta, o que duplica a força de tração do animal para qualquer trabalho de arrasto e, provavelmente, porque restringe a liberdade do animal, é também vista pelo povo como um símbolo de pressão e de coação contra o homem.
Ainda hoje, é muito comum ouvir-se dizer lá pelo sertão que determinada pessoa está com a " canga no pescoço", isto é, está sem condições morais ou econômicas para se tornar independente do jugo do patrão.
Uma espécie de escravidão forçada pela necessidade.
Antigamente, este simbolismo de " canga", numa época em que não se falava ainda em justiça social, em que o direito provinha da força própria de cada um, muito, mas muito de verdade, este simbolismo, que tem a sua origem na realidade nua e crua dos fatos deve ter contribuido para o nascimento e proliferação do " Cangaço," de tão triste memória, sobretudo no nordeste.
Aquele problema, gravíssimo, que por tantos anos a fio desafiou a capacidade dos governos de então, cujo fundamento principal chamava-se questão social, da qual ele, o " Cangaço ", não foi senão uma mera consequência, resultante de fatores vários, dentre os quais, se sobressaíam o monopólio da terra e a exploração injusta do homem do trabalho pelo senhor do latifúndio, mandão absoluto e protetor declarado da violência e do crime.
Naquelas circunstâncias, enquanto o caboclo da roça permaneceu com a "Canga" no pescoço, o que vale dizer, analfabeto e ignorante, explorado e faminto, perseguido e humilhado, não houve governo, por mais forte e mais bem armado que fosse, que triunfasse sobre o Cangaço - hidra de sete cabeças -tão logo desaparecido do cenário das secas com a diminuição dos abusos e a reparação parcial da injustiça.
Ainda agora, não tanto quanto antigamente, que, graças a Deus, os tempos estão mudados para melhor, a " Canga" continua fustigando o cangote do meeiro e do assalariado do campo.
Há bem pouco tempo, coisa de cinco ou seis anos atrás, em Patos/PB, numa fazenda, à sombra de um juazeiro, na beirada de um açude, em conversa com um dos antigos moradores daquela fazenda, uma das maiores do município, ele, depois de me dizer que pagava “meia” ao patrão de tudo o que colhia na sua roça e que era mais obrigado a vender a sua parte ao dito patrão, não raro, por um preço vil, inferior ao corrente no mercado, exclamou:
— Ah, seu Zé, se eu um dia pudesse tirá a "Canga" do meu pescoço! Ah, se eu pudesse!!!Eu, que conheço bem tudo aquilo, sabendo o que ele queria dizer, todavia, me fiz de desentendido:
— Canga, Seu Vicente?! E que canga é esta que o senhor diz que tem no seu pescoço e eu olho e não a vejo?
— Num é coisa pra se vê, não, seu Zé. É coisa só pra gente sintí. E, pra o sinhô vê, ela é mais pesada ainda qui a do boi. A do boi todo dia se tira pra butá ele no cercado e a da gente passa a vida intêra de corrêa amarrada, sem afroxá um instantim!E, logo em seguida, como que resumindo tudo, definiu:
— É a canga da sujeição!
—Tenha paciência, seu Vicente, que os governos já estão olhando para o problema do homem do campo, de vocês trabalhadores rurais.
— Se fosse cuma no tempo antigo e eu fosse mais moço, seu Zé, eu num esperava pelo governo, não, quem resolvia era eu mermo...
— Como, então, seu Vicente?
— Eu já tava no cangaço...É isso, a " canga" só dá mesmo certa em pescoço de boi, de gente, não.
( * ) Texto extraído do livro: “Bicho do cão: Canga, Cangaço, Cangaceiro” – Autor: José Cavalcanti
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OBS: Para a maioria dos autores/pesquisadores lampiônicos, o termo Cangaço, é derivado da palavra Canga, ou seja, os homens por carregarem os rifles e objetos, ao longo do pescoço/costas, viviam sob o cangaço (meio de vida). É por ai...
Um abraço a todos
Ivanildo Alves Silveira
Colecionador do cangaço
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