quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Marcas da Passagem de Lampião pelo RN

A História da Capela de São Sebastião

Por Rostand Medeiros
rostandmedeiros@gmail.com

Recentemente tive a oportunidade de concluir um amplo trabalho de catalogação sobre o que ficou em termos de memória e de patrimônio histórico, relativo à passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande do Norte, entre os dias 10 e 14 de junho de 1927, cujo principal objetivo era o ataque a cidade de Mossoró.


Apoiado pelo SEBRAE-RN, este trabalho é parte integrante do "Território Sertão Apodi - Nas Pegadas de Lampião", onde o âmago deste projeto está focado na idéia do desenvolvimento territorial de diversos municípios potiguares. Sua fonte de inspiração gravita na estética do cangaço e do sertão, onde o projeto busca criar novos produtos e oportunidades de negócios com base na idéia de "culturalização" da economia, do turismo e do artesanato, ou seja, usar a cultura para agregar valor aos negócios e às atividades econômicas. Como é normal por parte do SEBRAE-RN busca igualmente desenvolver a região por meio do estímulo ao empreendedorismo, à capacitação, à qualificação e à gestão dos negócios, sempre valorizando as vocações e atividades já existentes no território.

No meu caso especifico, a minha participação neste projeto foi buscar de todas as formas percorrer o mesmo caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros. Para traçar esta rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes nos arquivos do Rio Grande do Norte Paraíba e de Pernambuco.

Outro recurso para traçar esta rota foi a utilização de mapas elaborados pelo Exército Brasileiro na década de 1960, em escala de 1:100.000, que tinham como principal valor, apontarem as velhas rotas entre as propriedades rurais. Buscamos as informações existentes neste material mais antigo, com a utilização de sistema G.P.S - Global Position Systen,. Isso tudo sem desprezar as informações das populações destas localidades, que parecem já terem nascido com um G.P.S. enbutido na cabeça, mesmo em muitos casos ainda utilizando como medida de distância a velha e boa "légua". Após esta fase, partimos para os contatos com órgãos municipais, em busca de apoio e iniciamos o trabalho de campo.

Após seis meses, foram percorridos, entre idas e vindas, mais de 4.000 quilômetros, onde visitamos 82 sítios, fazendas, comunidades e cidades. Foram entrevistadas 123 pessoas e obtidas mais de 2.185 fotografias. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar estes distantes locais.

Os resultados foram extremamente satisfatórios. Apontamos em nosso relatório para o SEBRAE-RN a existência do patrimônio histórico (casas atacadas, locais de combates, etc.), de locais utilizados em prol da memória relativa a estes fatos e os apontamentos transmitidos pelos descendentes daqueles que vivenciaram estes episódios, tentando conhecer o que ficou da passagem de Lampião.

Um dos aspectos mais interessantes não aponta apenas para os relatos de lutas, resistências, arroubos de valentia, covardias, ou sobre o alivio em relação à fuga dos cangaceiros. Foi possível encontrar em alguns locais, interessantes situações originadas pelo medo da passagem de Lampião, que geraram manifestações que se perpetuam até hoje.



Comento especificamente sobre uma ermida encontrada no alto de um promontório denominado Serra da Veneza, próximo ao sítio Garrota Morta, na fronteira entre os municípios de Antônio Martins e Pilões. Nesta elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela passagem do bando.


Primeiramente havíamos recebido uma informação que este pequeno templo fora erguida pelo fazendeiro Manoel Barreto Leite, conhecido na região como "Seu Leite", proprietário de um sítio conhecido como Veneza e localizado próximo a esta serra. Esta informação dava conta que todos os anos, a família do proprietário rural mandava rezar uma missa como forma de marcar mais um aniversário da libertação de Barreto do julgo do bando. Tanto a construção da capela como a missa rezada anualmente eram parte de uma promessa que devia ser cumprida pela família Leite.


Na tarde do dia 11 de junho de 1927, um sábado, quando empreendia uma viagem, na altura do sítio Corredor, a cerca de dez quilômetros de sua propriedade, o fazendeiro Manoel Barreto Leite, foi capturado pela fração do bando comandado por Sabino. Sua libertação foi orçada em cinqüenta contos de réis. O mesmo só foi libertado em Limoeiro, atual Limoeiro do Norte, no Ceará, após a derrota do bando em Mossoró.

Manoel Leite era um homem conhecido na região, que possuía bons recursos financeiros e extremamente respeitado, por esta razão a existência da capelinha branca no alto da serra homônima de sua propriedade, ficou associada a uma promessa feita pelo fazendeiro sequestrado.

Mas conforme seguíamos o trajeto, ao perguntarmos sobre este caso, percebemos o desconhecimento das pessoas da região em relação a esta versão. Buscamos apurar os fatos e no sítio Garrota Morta localizado nas proximidades desta serra, encontramos uma senhora chamada Maria Eugenia de Oliveira (Foto) que esclareceu a verdade sobre esta capela.

Esta senhora, pequena na estatura, mas é forte, voluntariosa, possui uma voz firma e olha direto no olho do interlocutor. Maria Eugenia na é daquelas de ficar em casa vendo novelas, já está na faixa dos cinqüenta anos, mas todo santo dia trabalha voluntariamente como animadora da congregação católica local. Participando ainda como catequista e ministra da eucaristia. Há alguns anos atrás, por sua própria iniciativa, em meio a este trabalho religioso ela iniciou uma pesquisa histórica com as pessoas mais idosas da sua região, onde apurou entre outras coisas a origem dos nomes dos logradouros, as histórias relativas as famílias da região e os fatos históricos mais representativos do lugar. Mesmo anotando estas informações em um caderno simples, através de sua louvável e comovente iniciativa foi possível conseguir as informações sobre a origem desta capela.


Segundo Maria Eugenia foram as idosas moradoras conhecidas como "Francisca do Uru" e "Francisca da Garrota Morta", que lhe narraram os fatos que a comunidade local considera um verdadeiro milagre.

Na noite de 10 de junho de 1927, quando Lampião e seu bando se aproximavam da fazenda Caricé, a cerca de oito quilômetros da Garrota Morta, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias eram comandadas respectivamente por Manoel Joaquim de Queiroz, proprietário do sítio Garrota Morta, Vicente Antônio, do sítio Cardoso e Francisco Felix, que habitava na pequena zona urbana que formava a Vila de Boa Esperança, atual cidade de Antônio Martins.

Durante o período que lá permaneceram, as três famílias não se encontraram e sequer se viram em nenhum momento. Em meio a aflição, estes homens solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros.

No dia posterior o bando chegou próximo a Serra da Veneza. Os cangaceiros ainda palmilharam algumas casas edificadas dentro dos limites da propriedade Garrota Morta, mas não chegaram próximo aos esconderijos no pé da serra.

Em meio ao sentimento de alivio que crescia, as três famílias que não se viam choravam de alegria e rezavam agradecendo. O mais interessante, segundo Maria Eugenia, mesmo sem existir nenhuma espécie de combinação, os três homens elegeram a mesma penitência; galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra a São Sebastião.

Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança a treze quilometros da serra. Como muitos moradores da região, eles foram agradecer na capela do lugarejo, edificada em honra a Santo Antônio, o fato de nada de pior haver ocorrido. Neste local os três homens se encontraram, eram amigo, e logo debatiam sobre os fatos vividos. Para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas idéias e os mesmos pensamentos.

Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza, para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região. Outros penitentes passaram a subir a serra para pagar promessas. Mais algum tempo a comunidade da Garrota Morta já organizava uma singela procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios.

Em 1948, vinte e um anos após a passagem de Lampião e seu bando e do pretenso milagre, treze famílias da comunidade ergueram treze cruzes, formando uma via sacra entre a base da serra e o local do oratório. Cada uma destas cruzes tinha dois metros de altura e continha uma placa da família doadora. Percebendo o crescimento desta manifestação, conjuntamente estas pessoas deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização.

A capela foi construída em um ponto mais abaixo em relação à posição original do antigo oratório. Uma nova imagem de São Sebastião foi levada em procissão e se uniu a que ali havia sido colocada primeiramente.


Atualmente a participação popular só cresce. A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra. Em meio a um intenso foguetório, sempre as primeiras horas da manhã, um público que atualmente gira entre 400 e 500 pessoas, comparece ao sítio Garrota Morta e com a tradicional fé característica do nordestino, sobrem a serra.

O sítio Garrota Morta esta localizado na área territorial do município de Antônio Martins, as margens da estrada que liga as cidades de Pilões e Serrinha dos Pintos. O dia da nossa visita a região estava particularmente quente, em meio a uma região já bem quente. Além do mais eram uma hora da tarde e nosso tempo era curto. Mas sei que vou voltar e subir esta serra.

4 comentários:

  1. Pois é, realmente essas três familhas ficaram no pé do Serrote da Veneza, até saberem que o perigo havia passado. A comida acabou e só havia agua, farinha e rapadura. Sou neta de Manoel Joaquim de Queiroz da Garrota Mota. Obrigada por ver a foto da capela da minha infância, com a porta virada para Garrota Morta. São Sebastião era retirado de lá e ficava na nossa casa (para não ser roubado), só voltava para capela para a festa. Sou filha de Francisco Geraldo da Costa e Mariana Fernandes de Queiroz (da Costa, já falecidos.
    socorrocosta@hotmail.com

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    1. Oi Socorro,meu bisavô morava por aí por prrtp acho nessa época, ele era do sítio corredor,o nome dele era Porfírio e ele era Queiroz também,a esposa dele minha bisavo se chamava Idalina,minha avó me contava do psvor que a população passou nesse período ai. Eu sou maranhense, meus avós vieram embora pro Maranhão recém casados,mas ainda tenho muitos parentes por essa região aí.Em 2016 fui conhecer o RN, fiquei na casa de uns parentes em Pai dos Ferros

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  2. Dona Maria do Socorro,

    Primeiramente peço desculpas pela demora, mais que atrasada em lhe responder.
    De toda forma quero muito lhe agradecer pela mensagem e dizer que a sua região tem uma história maravilhosa e rica.
    Muito obrigado.

    Rostand

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  3. É já ouvi minha muito minha avó(Francisca do Urú ) contar esta história . Ela conta com riqueza de detalhes .

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