Por: Aderbal Nogueira
Companheiros estamos de volta!
E pra abrir em definitivo mais um ano de informações, divulgações, divagações, aglutinações, provocações etc transcrevemos mais um de inúmeros excelentes artigos lá do blog do Cariri Cangaço. Onde o confrade Aderbal Nogueira compartilha conosco as impressões de seu diário de viagens que lhe proporcionaram encontros históricos.
Em viagem recente com o amigo Severo ao Rio Grande do Norte, comentei com o colega Honório sobre um modesto trabalho que estou escrevendo, falando de depoimentos que me foram prestados por algumas pessoas ligadas ao cangaço e que para mim tem um enorme significado, pois faz parte do mais puro sentimento que as pessoas carregam consigo mesmas, mesmo sem perceberem. Tratam de coisas simples, sem importância para a longa e dura história do cangaço, mas que com certeza deixou marcas em quem as viveu, pois apesar de tudo não as esqueceram, mesmo tanto tempo depois. Vou narrar algumas para que os amigos que têm uma sensibilidade maior possam entender porque isso me marcou tanto.
Em uma viagem com Sila, na época em que estava fazendo o vídeo sobre a sua vida, em uma determinada estrada no sertão pernambucano, numa época de seca terrível, isso no lusco-fusco do fim de tarde, naquele horário em que o sol está se pondo e cai uma tristeza terrível com a noite que vai chegando no sertão, vinha eu dirigindo e ao olhar para o lado, Sila estava chorando. Perguntei o que ela tinha e ela não respondeu. Tornei a perguntar, aí ela disse: "- Aderbal, essa hora da tarde é a hora mais triste de minha vida, pois quando eu tava no mato acompanhada de Zé Sereno eu só pensava quando é que eu ia ver minha família de novo, se ainda ia tornar a vê-los, pensava quando era que eu ia comer feijão, arroz e tudo o mais que eu tinha antes, e pensava também se eu ia estar viva no dia seguinte." Vejam o que se passava na cabeça daquela menina de 13 anos. Coisas simplórias, comer arroz, comer feijão; somente quem viveu aquilo pode saber o significado daqueles desejos.
De outra feita vi o valor que um simples chapéu tinha para o homem nordestino. Ao gravar com o Tenente Pompeu Aristides de Moura, aquele que foi um dos responsáveis pela morte de Virgínio, cunhado de Lampião, ele me narrou o fato que em um tiroteio ele levou um açoite de bala que atirou longe o seu chapéu. Ele olhou para mim com uma cara de espanto e disse:
"- Nessa hora do tiroteio fugiu todos os companheiros, mas como era que eu ia fugir e ainda deixar o meu chapéu? O que é que os cangaceiros iam dizer de mim? Fugiu e ainda deixou o chapéu? Não, eu não podia deixar meu chapéu, pois eu pulei e o agarrei." Ou seja, fugiu, mas fugiu com honra levando o seu chapéu.Em outra oportunidade eu e o amigo Paulo Gastão estávamos a entrevistar o Senhor Francisco Rodrigues, um dos defensores de Piranhas no famigerado ataque de Gato àquela cidade para resgatar Inacinha. Quando Seu Chiquinho Rodrigues, ao narrar-nos o grande tiroteio, de repente para e diz: "- Olhe, foi a primeira vez que eu vi um homem sem chapéu, um rico senhor da cidade passou por mim sem chapéu, correndo para a margem do Rio São Francisco." Mais uma prova da importância do chapéu para o homem sertanejo daquela época, pois Seu Chiquinho ter parado o relato de um forte tiroteio para falar de um fato tão inusitado é porque aquilo o marcou muito.
Pois é, esse trabalho vai contar, entre outras coisas, de relatos como esses e muitos outros mais. Vai ser um trabalho sem a mínima pretensão, a começar que não vai ter fontes bibliográficas, pois todo ele será feito em cima de depoimentos gravados por mim ao longo de algum tempo. Espero também, quem sabe, colocar um dia todos eles em DVD's para que todos possam ver e ouvir os fatos narrados pelos próprios. Talvez não interesse a muita gente esse tipo de relato, mas se ao menos um companheiro gostar, já estarei satisfeito.
Abraços a todos que fazem parte do Cariri Cangaço. O cangaço não é só violência.
Aderbal Nogueira
Documentarista, Fortaleza,CE
Beba no açude do Coroné Severo e não deixe de comentar: Cariri Cangaço
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