segunda-feira, 30 de março de 2020

Um senhor documentário

Alpercata de rabicho - O xaxado em Pernambuco (1999)


 David Gomes Jurubeba

Trabalho pioneiro nos sertões, o documentário Alpercata de Rabicho de Petrônio Lorena é um documento essencial da cultura no Pajeú.

Depoimentos históricos de David Jurubeba, "Senhor da Beleza", Marilourdes Ferraz e Frederico Pernambucano de Mello.



Pescado no canal de Camilo Melo

domingo, 29 de março de 2020

Diário de Pernambuco, 10 de maio de 1959

"A vida do Rei do Cangaço esteve em minhas mãos

Por Valdir José Nogueira de Moura

Assim declarou o belmontense “Sinhozinho Alencar” durante entrevista que o mesmo concedeu ao “Diário de Pernambuco”, e que foi publicada na edição de número 00106, que circulou no Domingo, 10 de maio de 1959, pág. 31.

Nascido no dia 13 de março de 1892 na Fazenda Várzea, em São José do Belmonte, o Coronel José Alencar de Carvalho Pires, tratado carinhosamente pelos seus parentes e amigos como “Sinhozinho”, oficial reformado da Polícia Militar de Pernambuco, durante dez anos, percorreu o interior nordestino, enfrentando o cangaceiro Lampião, em combates violentos, arrojados e memoráveis.

Seu depoimento espontâneo, inédito e corajoso, é de um valor extraordinário para quantos se debruçam nos estudos do polêmico tema “Cangaço”.

COM O DEDO NO GATILHO:

A volante comandada pelo sargento Alencar corta rios e caatingas, no rastro do bandoleiro.

Lampião, segue para a Vila de Nazaré, distrito de Floresta. Vai assistir o casamento de uma prima.
Terminada a cerimônia, ao ter início o baile de homenagem aos noivos, começa o tiroteio. Os cabras avistaram os soldados.

Lampião oculta-se numa casa da vila, e dali, com gritos insultuosos, dirige à reação. Portas e janelas se fecham e o fuzilar das balas é impressionante.

O sargento Alencar, avança debaixo do fogo, indo esconder-se no oitão do casebre. Desafia Virgulino a lutar em campo aberto. Escuta então quando o bandido grita:

- Vou pular pro meio da rua prá brigar, almofadinha, pras moças ver!



 Volante de Sinhõzinho Alencar em São José do Belmonte, PE 1927
Acervo do autor

O sargento Alencar aguarda, com o dedo no gatilho. Vê Lampião como um gato, pular a janela e cair em frente da casa. Exatamente atrás, o olho na pontaria visa as costas de Virgulino. Vai atirar. Puxa o gatilho, e a arma nega fogo. O cartucho falhou.

Lampião sente o perigo. Pula novamente para dentro da casa. E logo mais, abrindo violentamente a porta dos fundos, precipita-se de rua afora. Corre a toda velocidade. O cano do fuzil voltado para a retaguarda.

Atirando sem parar.

O sargento Alencar faz nova pontaria. A mira, nas costas do bandoleiro. Puxa o gatilho mais uma vez. E a arma falha novamente.


- A vida de Lampião esteve nas minhas mãos. Mas o destino não quis que eu o matasse.”

 Coronel José Alencar de Carvalho Pires "Sinhozinho Alencar".
Herói do combate de Belmonte contra o bando de Lampião, Tiburtino Inácio e outros cangaceiros, na época em que chefiava volantes pelo interior de Pernambuco.


Adendo Lampião Aceso
O episódio descrito acima se passa em 1º de agosto de 1923.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Pra baixar, ler ou imprimir

Estácio de Lima - Volta Seca e o estranho Mundo dos Cangaceiros

Estácio de Lima, o antigo catedrático de Medicina Legal da Universidade da Bahia escreveu, na metade do século passado, uma obra fundamental para compreensão do cangaço. 



Aqui aparecem duas breves narrativas do autor que, por si mesmas, comprovam que estamos diante de um cientista e ao mesmo tempo de um escritor com notável domínio da sua arte de contar uma boa história. Uma mulher e um menino são os personagens principais dos dois textos escolhidos. Personagens não muito comuns entre os integrantes dos bandos guerreiros. Org., introdução e notas de Cid Seixas. 

Coleção E-Poket.

 Clique aqui para acessar

Um presente que ganhamos do Cumpadi Joel Reis (Via Cognitiva) e dividimos com vocês

A pisada em Alagoas

Cangaço lampiônico em Pão de Açúcar 

 Por Hélio Fialho

Particularmente, no município de Pão de Açúcar, os cangaceiros escondiam-se em fazendas da chamada Região de Cima, principalmente em coitos localizados em Novo Gosto, Emendadas, Bom Nome, Beleza e outras, cujos proprietários eram fiéis protetores  e, por esta razão, os coitos eram bastante frequentados pelos grupos de Lampião e Corisco.

Em razão da permanência desses cangaceiros no município de Pão de Açúcar muito fatos ocorreram, sendo alguns destes registrados em livros publicados e outros apenas narrados por pessoas idosas que presenciaram ou ouviram de pessoas da família, as quais já faleceram.

A nível de Pão de Açúcar, os livros “Histórias e Efemérides” e “Um lugar no Passado”, dos respectivos autores pão-de-açucarenses  Aldemar de Mendonça e Gervásio Francisco dos Santos, são obras que narram um pouco da história da passagem dos cangaceiros por Pão de Açúcar, sendo a invasão de Lampião ao Povoado Meirus a que mais se destaca, principalmente pelo teor de violência praticada pelos cangaceiros quando abateu 102 cabeças de gado, incendiou fazendas e também uma unidade de beneficiamento de algodão.


Aspecto de Pão de Açúcar em 1910
In História de Alagaoas



Segundo narra o livro Um Lugar no Passado,  o que provocou a ira de Lampião foi uma carta escrita pelos senhores Mário Soares Vieira, José Alves Feitosa (Juca) e Manoel Campos, em que em um de seus trechos tinha o teor seguinte:

“Se quisesse tirar raça de homem valente, mandasse a mãe dele aqui para Pão de Açúcar”.

Esta célebre carta foi escrita em resposta a duas cartas enviadas por Lampião aos senhores Luiz Gonzaga e Luiz Henrique, nas quais o Rei do Cangaço exigia a importância de quatro contos de réis.

Outro fato bastante relevante foi o nascimento de Silvio Bulhões, um dos filhos dos cangaceiros Corisco e Dadá, que nasceu em uma fazenda localizada no Sítio Novo Gosto e, em seguida, foi dado para criar ao Padre Bulhões, naquela época, pároco de Santana do Ipanema. Este filho do casal de cangaceiros é considerado hoje um dos maiores historiadores do cangaço no estado de Alagoas.

Fotografias tiradas naquela época, hoje mostram o incêndio praticado por Lampião à casa de beneficiar algodão, localizada no Povoado Meirus e pertencente ao senhor João Pereira de Mello, conhecido como “ Seu Pereirinha”, no dia 15 de janeiro de 1927.





Histórias narradas por alguns moradores dos povoados Meirus e Rua Nova, a exemplo da Mestra Dadá, confirmam a passagem por estas localidades do grupo de cangaceiros comandados por Corisco, inclusive com práticas de sequestro de um morador (fato ocorrido no Povoado Meirus), espancamento de uma mulher por ter cortado os cabelos (fato ocorrido na estrada que liga Rua Nova a Boqueirão) e a extorsão ao fazendeiro Lucilo de Carvalho Mello, cuja fazenda ficava localizada no Povoado Rua Nova.

Outros registros históricos em livros, jornais, etc. confirmam a passagem dos cangaceiros Lampião e Corisco pelas fazendas Emendadas, Novo Gosto, Bom Nome e Beleza, pois nestas propriedades eles contavam com a proteção de seus proprietários, os quais eram considerados fiéis coiteiros.

Pescado Portal Minuto Sertão

quinta-feira, 26 de março de 2020

1921

Os primórdios da Saga de Lampião 

Por Rostand Medeiros


AINDA VIVE O HOME M QUE EM 1921 SEPULTOU O PAI DE LAMPIÃO
Diário de Pernambuco , 29 de março de 1973, Terceiro Caderno, Página 3.
Pesquisa – Tadeu Rocha / Fotos José Valdério
Diário de Pernambuco, 29 de março de 1973, 
Terceiro Caderno, Página 3.
Num velho casarão alpendrado de uma fazenda sertaneja, em plena caatinga pernambucana do Município de Itaíba reside o ancião Maurício Vieira de Barros, que em maio de 1921 sepultou o pai de Lampião, morto por uma força volante da Policia alagoana. Nos seus bem vividos e muito sofridos 86 anos de idade, ele viu e também fez muita coisa, por esse Nordeste das caatingas e das secas, dos beatos e dos cangaceiros, dos soldados de verdade e dos coronéis da extinta Guarda Nacional.
O Sr. Maurício Vieira de Barros nasceu em 2 de abril de 1886, Na casa dos seus 30 anos, foi Subcomissário de Polícia no Estado de Alagoas e, na dos 40, chegou ao posto de Sargento na Polícia Militar de Pernambuco. Depois, respondeu a dois júris por excesso de autoridade e, desde 1955, está vivendo uma velhice descansada no Sítio dos Meios, em companhia de sua filha Dona Jocelina Cavalcanti de Barros Freire.

Se não fossem as ouças, que já estão fracas, o velho Maurício não aparentaria os seus quase 87 anos, pois ainda caminha com passo firme e guarda boa lembrança dos fatos de sua mocidade e maturidade. 

Ele é, agora, a derradeira testemunha viva do início de uma tragédia sertaneja: a transformação do cangaceiro manso Virgulino Ferreira em bandido profissional que convulsionaria os sertões nordestinos durante 17 anos.
Casa do Sítio do Meio em 1973.
UM ATOR NO PROSCÊNIO

A primeira indicação do Sr. Maurício Vieira de Barros como a autoridade policial que sepultou o pai de Lampião nos foi dada, há mais de 20 anos, pelo Major Optato Gueiros, no segundo capítulo do seu livro sobre Virgulino Ferreira. 

O autor das “Memórias de um oficial ex-comandante de forças volantes” ouviu o relato da morte de José Ferreira da boca do próprio Virgulino, nos começos da década de 1920, quando Lampião ainda era um simples cabra de Sinhô Pereira. 

Optato Gueiros também informa que, anos mais tarde, Lampião poupou a vida de Maurício, no povoado de Mariana, em gratidão pelo sepultamento de seu pai.
Maurício Vieira de Barros sendo entrevistado pelo professor e escritor Tadeu Rocha e acompanhado de Bruno Rocha.
Nos meados de dezembro do ano passado, após concluirmos que não foi feito, absolutamente, o registro dos óbitos de Sinhô Fragoso e do pai de Lampião (mortos na primeira “diligência” da volante do Tenente Lucena), julgamos necessário ouvir o Sr. Maurício Vieira de Barros, que nos constou ainda estar vivo e residir para os lados das cidades de Águas Belas ou Buíque. Somente o antigo policial que sepultou os dois cadáveres poderia revelar-nos a data precisa da morte de José Ferreira.

NO RASTO DA TESTEMUNHA

Após consultarmos inúmeras pessoas sobre o paradeiro do ancião Maurício de Barros, afinal soubemos do Sr. Audálio Tenório de Albuquerque que esse seu compadre estava morando na fazenda Sítio dos Meios, no Município de Itaíba. Rumando para Águas Belas, entramos em contato com os nossos parentes do clã dos Cardosos, entre os quais fomos encontrar o jovem veterinário Ricardo Gueiros Cavalcanti, neto do velho Maurício, por parte de pai.
Notícia do ataque dos cangaceiro ao lugar Pariconha em 1921, 
hoje município alagoano distante 354 km de Maceió.
Na tarde quente do dia 17 de janeiro, em companhia do veterinário Ricardo Gueiros Cavalcanti, do fotógrafo José Valdério e do jovem estudante Bruno Rocha, deixamos a cidade de Águas Belas pela rodovia PE—300, na direção de Itaíba. Após cruzarmos o rio Ipanema e o riacho Craíbas. Pegamos uma estrada vicinal, por onde atingimos, dificilmente, o Sítio dos Meios, a uns 2.5 km de Águas Belas, a outros tantos de Itaíba e a 9 da cidade alagoana de Ouro Branco.

Fomos encontrar o velho Maurício no alpendre do casarão da fazenda de sua filha, jovialmente vestido de blusão de mangas compridas c calçado com sandálias havaianas. A presença do seu neto Ricardo e a delicadeza de sua filha Dona Jocelina permitiram-nos conversar longamente com o Sr. Maurício Vieira de Barros. O fotógrafo Jose Valdério documentou a nossa visita e o estudante Bruno Rocha gravou a nossa conversa.
Lampião nos primeiros anos.
SUBCOMISSÁRIO SEPULTA DOIS MORTOS

O Sr. Maurício Vieira de Barros  já exercia o cargo de Subcomissário de Polícia da cidade de Mata Grande, em maio de 1921, quando o Bacharel Augusto Galvão, Secretário do Interior e Justiça de Alagoas na segunda administração do Governador Fernandes Lima, enviou ao sertão uma força volante da Polícia, sob o comando do 2º Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, a fim de dar combate ao banditismo. Antes que essa força chegasse ao sertão, os cangaceiros saquearam o povoado de Pariconha, na tarde de 9 de maio. Logo que a volante do Tenente Lucena atingiu seu destino, cuidou de prender os participantes desse saque, entre os quais estavam os irmãos Fragoso e os irmãos Ferreira, residentes no lugar Engenho Velho. A volante cercou a casa dos Fragoso e do tiroteio resultou a morte de José Ferreira e Sinhô Fragoso, ficando baleado Zeca Fragoso e saindo ileso Luís Fragoso.

Avisado em Mata Grande das mortes ocorridas no Engenho Velho, o Subcomissário Maurício de Barros dirigiu-se a esse lugar e fez transportar, em redes, os dois cadáveres para a povoação de Santa Cruz do Deserto, em cujo o cemitério os sepultou. O fato de José Ferreira e Sinhô Fragoso terem sidos deixados mortos por uma “diligência” da Polícia Militar de Alagoas levou o Subcomissário de Mata Grande a enterrá-los no cemitério mais próximo.
DATA DA MORTE DO PAI DE LAMPIÃO

Na breve história de 17 anos, qual foi a do cangaceiro Virgulino Ferreira (que se fez bandido profissional em 1921 e foi eliminado em 1938), existem erros de datas de mais de um ano, como no caso da morte de seu pai pela volante do Tenente Lucena. Tem-se escrito que esse fato aconteceu em abril de 1920, o que não corresponde, em absoluto, à verdade histórica.

Ao que apuramos no Arquivo Público e Instituto Histórico de Alagoas, 2º Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão foi nomeado Comissário de Polícia da cidade alagoana de Viçosa em 10 de abril de 1920, assumiu o exercício do cargo logo no dia 15 e permaneceu nessa comissão até princípios de maio do ano seguinte. Ele ainda assinou ofício na qualidade de Comissário de Viçosa em 28 de abril de 1921. No dia 4 de maio esteve no Palácio do Governo, em Maceió. E no dia 10 desse mês, deixava Palmeira dos índios “com destino ao sertão”, estando “acompanhado de um contingente de 24 praças”, conforme registrou o seminário palmeirense O Índio, de 15 de maio, em seu número 16, página 3.
Nota sobre a volante do Tenente Lucena no seminário palmeirense O Índio, de 15 de maio, em seu número 16, página 3.
Viajando a pé, a volante do Tenente Lucena só alcançou o sertão ocidental de Alagoas uma semana mais tarde. Por isso mesmo, sua “diligência” no Engenho Velho somente pode ter ocorrido nos começos da segunda quinzena de maio de 1921. O Sr. Mauricio de Barros não se recorda mais da data do sepultamento dos mortos pela “diligência” no Engenho Velho. Lembra-se, porém, que foi numa quinta-feira. Ora, a primeira quinta-feira da segunda quinzena de maio de 1921 caiu no dia 19, o que permitiu ao Correio da Tarde, de Maceió, publicar no fim desse mês uma carta de Mata Grande, sobre os acontecimentos do Engenho Velho. A esse tempo, os estafetas do Correi levavam, a cavalo, três dias entre as cidades de Mata Grande e Quebrangulo, de onde as malas postais seguiam de trem para Maceió.  
Detalhe da carta enviada de Mata Grande e publicada no final do mês de maio de 1921 pelo jornal Correio da Tarde, de Maceió, sobre os acontecimentos do Engenho Velho.   
EPISÓDIO MUITO CONTROVERTIDO

Sempre foram muito controvertidas as circunstâncias da morte do pai de Lampião. Na primeira entrevista que concedeu a um jornal (o recifense Diário da Noite, de 3 de agosto de 1953), o Sr. João Ferreira, irmão de Virgulino, declarou o seguinte sobre a morte de seu pai: “Findo o tiroteio, seguido pelo abandono do local pela tropa, eu o fui encontrar sem vida, caído sobre um cesto, tendo às mãos uma espiga de milho, que estava debulhando, ao morrer”.

Por seu turno, parentes e amigos do Cel. José Lucena de Albuquerque Maranhão costumam dizer que o velho José Ferreira resistiu à Polícia, atirando de dentro da casa dos Fragoso. Parece-nos que há engano em ambas as versões, pois o Sr. Maurício Vieira de Barros nos disse que encontrou o cadáver do pai de Lampião no terreiro da casa dos Fragosos.
O Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, 
comandante da desastrada volante que matou o pai de Lampião.
Este depoimento se harmoniza com o informe que nos deu o Sargento reformado Euclides Calu, residente em Mata Grande, e a história que contava o velho Manoel Paulo dos Santos, Inspetor de Quarteirão no Engenho Velho, ao tempo da morte do pai de Lampião. História que nos foi transmitida por seu filho Gabriel Paulo dos Santos e pelo magistrado alagoano Dr. Dumouriez Monteiro Amaral.
O informe do velho Calu e a história contada pelo velho Manoel Paulo referem que José Ferreira foi morto durante o tiroteio do Engenho Velho, quando ia tirar leite em um curral. De fato, o cerco da casa da casa dos Fragosos foi feito ao amanhecer do dia 19 de maio de 1921. E o tiroteio que se seguiu e vitimou José Ferreira ocorreu “antes do café da manhã de um dia muito chuvoso”, como declarou, textualmente, João Ferreira, na citada entrevista a um jornal recifense. E não há dúvida que o Inspetor de Quarteirão Manoel Paulo dos Santos foi a testemunha mais isenta de paixões no episódio da morte do pai de Lampião.

Pescado no essencial Tok de História

Amaury em Documentário

As mulheres no cangaço

Através de depoimentos do grande decano da pesquisa, mestre Antonio Amaury; da ex-cangaceira "Sila", o universo feminino das mulheres dos grupos de Lampião e Corisco, são cantadas e decantadas neste documentário de 50 minutos, produzido há 20 anos pela Rede Sesc Senac de Televisão de São Paulo.

Apresentação de Rejane Marques e Eldo Mendes.
Produção: Branca Regina Rosa.
Realização: We Do Comunicações.
Direção de Dimas Oliveira Junior e Luis Felipe Harazim




Pescado no canal de Dimas Oliveira Jr.


quarta-feira, 25 de março de 2020

Tu ja tem em sua coleção?

De Junior Almeida, Lampião, o Cangaço e outros fatos do Agreste Pernambucano

Por Roberto Almeida

Com poucos mais de 40 anos de idade, Júnior Almeida lançou seu primeiro livro, “A Volta do Rei do Cangaço”, uma ficção com um toque de Quentin Tarantino, pois mostra Virgulino vivo nos tempos atuais, como vítima de uma espécie de maldição que o torna imortal e não o deixa envelhecer.

“Tarantino mudou a história matando Hitler num atentado, por que não posso ressuscitar Lampião? ”, explicou Júnior, ao comentar o romance, que teve boa acolhida na região e em outras partes do país, principalmente pelos intelectuais apaixonados pelo inesgotável tema do cangaço. Agora, o escritor volta ao tema, mas desta vez deixa de lado a ficção e nos apresenta um trabalho de uma minuciosa pesquisa de campo, livros, jornais antigos e documentários, mostrando como o cangaço esteve presente em algumas cidades do Agreste Meridional, na primeira metade do Século XX.



O livro registra as ligações de coiteiros, volantes e cangaceiros com o Agreste Meridional, nas cidades de Águas Belas, Garanhuns, Angelim, Capoeiras, São Bento do Una, Caetés, Canhotinho e Paranatama, e a passagem de Lampião e outros bandoleiros por algumas delas. Na sua pesquisa, Júnior descobriu fatos relacionados com os “fora da lei do Sertão”, nunca antes revelados e o que são agora, neste livro que representa uma contribuição para a História do Cangaço, do Agreste, de Pernambuco e do Brasil.

Um dos personagens que chama a atenção, no trabalho, é José Caetano, um dos maiores nomes no combate ao cangaço, militar que lutou contra as forças de Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião. O destemido volante morou em várias cidades de Pernambuco e terminou a vida em Angelim, a pouco mais de 20 km de Garanhuns, onde está sepultado. Dona Branca, de Paranatama, que viveu até os 103 anos de idade, foi entrevistada mais de uma vez pelo autor do livro e passou informações bem interessantes da passagem de Lampião por Paranatama, alguns anos antes do bandido ser assassinado pelas forças volantes, em 1938.

Capitão Virgulino Ferreira passou uma das maiores humilhações de sua vida no ataque a Paranatama, que à época se chamava Serrinha: sua companheira, Maria Bonita, levou um tiro na bunda e os cangaceiros tiveram de fugir pressas, levando a mulher nos braços. Lampião saiu cheio de ódio a Serrinha e prometeu voltar um dia para incendiar a vila e matar todo mundo que morava no lugar. Tudo isso e muito mais, num estilo seco, objetivo, você vai encontrar em “Lampião, o Cangaço e Outros Fatos no Agreste Pernambucano”. Vale a pena a leitura pelas informações inéditas, por esse novo olhar no fenômeno do cangaço e pela identificação do autor com a realidade de uma parte do Agreste de Pernambuco.

Júnior se interessou por História e está fazendo História, com seus livros que falam de bandoleiros conhecidos, que retratam a luta das forças do governo contra os pistoleiros da primeira metade do século passado, com violências praticadas pelos dois lados e o povo pobre sofrendo, vítima dos cangaceiros, dos coronéis do Agreste e Sertão, do próprio Governo, que ontem, como hoje, tende a servir aos poderosos.


O livro tem 319 pág. Valor: R$ 45,00 com frete incluso 
Como adquirir? Entre em contato com o autor pelo whatsapp (87) 99824-4582 ou pelo email euclidesalmeidaa@hotmail.com

A danação em Nazaré do Pico

O casamento de Licor (prima de Lampião)

Transcrição da Obra do Padre Fredercio Bezerra Maciel, por Raul Meneleu.

No arruado de Nazaré nos idos de 1923, era o cochicho entre os moradores, esse casamento e a vinda de Lampião para assistir esse evento. Contava Nazaré com uma capela, vinte e sete edificações ( casas, casebres e quartos) alinhadas em uma única rua, sendo doze do lado do riacho Ipueiras, dez no riacho Carqueja e cinco ao sul, de frente para a capela. Era assunto palpitante e preocupante.


 Nazaré do Pico em 1967

Como em todo lugar que junte gente, tinha ali naquela pequena povoação o ponto certo pra se ouvir as "urtimas" e esse é claro, era a barbearia de Manuel Flor que segundo o Padre Frederico, era o local onde "aviciados em conversas de toda versidade" reuniam-se para "sortar as premeras do dia".

- "Tem muita volante esgravetando esse sertão brabo na persiga de Lampião!"

E citavam seus comandantes, homens de têmpera de aço, a perseguir o famoso cangaceiro e seu bando.

- "Mas Lampião diz que gosta que persigam ele e açula pra briga de vera. O cabra é da peste!"

- "Nunca mais fartou volante aqui. É uma atrás da outra."

- "Inté se espera uma no casamento de Licô."

- E Lampião num vem mermo pru casamento da prima!"

- "Danega! Já tou vendo: vai ser bala quiném os trinta!"

Rapazes e meninotes não davam palpite. Apenas ouviam, aperuando.

Depois do banho de cuia no fim das lidas do dia, cheirando a folha de mato novo, ao mesmo tempo mesmo tempo que preparavam a ceia de coalhada adoçada com rapadura raspada, pão de milho e café, três cabrochas bisbilhoteiras tagarelavam:

— "Visse o vestido de Licô como está dolero?
— "Os apreparo da festa são grande mesmo!"
— "Pie só: sabe quem vem pra festa?
— "Lampião!"
— "Ele e os menino. Tem cada um da pontinha!..."
— "Eu acho Juriti e Antônio Rosa os mais bonito".
— "Dextá, o mais bonito é Lampião!"
— "Ah! isso é", — confirmaram as outras duas a uma só voz.
— "Açoita os mais todos!"
 
O noivo Enoque e Maria Licor
Acervo Lampião Aceso

Sá Leopoldina, cabocla escura e franzina, a cabeça enrolada com um regô, dona do único hotel local, resumido a uma latada, coberta de mato, em frente do chalezinho de taipa onde vivia. Servindo almoço a dois fregueses de passagem para o vilarejo de Santa Maria, comentava se rindo toda:

— "Lampião tem o coração muito bom para as fraqueza dos pobre. Inté ajuda com dinheiro e de-comer. Toda a vez que aparece pruraqui, compra muito pano nas loja de seu Zé Tiburtino, de seu Quinca e de seu Gominho e dá a pobreza. As irmãs de Mané Neto recebero bastante vestido".

Enquanto eram fritados os mandins que pescara num poço do riacho Ipueiras e aguardava os aficionados do jogo de que era aviciado, Raimundo do Pico, sentado num tamborete na calçada de sua casa e muito ancho na sua sanfona de oito baixos, tocava "Mulher Rendeira", dizendo para os passantes: — "Gosto dela! Foi Lampião que fez os verso e a musga se alembrando de sua avó, a Tia Jacosa, que criou ele e era rendeira. ."
O casamento de Licor foi o momento culminante do rompimento definitivo, que aos poucos vinha se processando, em desde 1919, através de tranças e atritos frequentes, entre os Ferreiras e nazarenos.

Maria Licor Ferreira de Lima, simplesmente Licor, era prima legítima de Lampião, cujas mães eram irmãs. Sabedor de seu casamento, chegou Lampião no dia marcado para sua realização, a 31 de julho de 1923. Ao sol ardente e faiscante do meio dia, penetraram, inesperadamente, na povoação, dezesseis cangaceiros na ativa, sob o comando de seu garboso e elegante chefe, Lampião.

Além de seus irmãos Antônio e Livino, tinha Meia Noite, Juriti I e seu irmão Batista, Manuel Tubiba, Chá Preto, o corneteiro Firmo, Caixa de Fósforo, Piloto... Antes, arredadas duas léguas para trás, deixara estrategicamente Lampião, perto da serra do Pico, na fazenda Enforcado, de seu amigo Pedro de Engrácia, um grupo tático de reserva: oito cangaceiros sob o mando de um cabra macho, Antônio Rosa.

Entre as armas, portavam os cangaceiros rifles papo amarelo e cruzeta, exceção de Lampião e de Chá Preto que conduziam mosquetões. Traziam, também, alguns chicotes de fio cortado da linha telegráfica.



O primo famoso em foto de 1922
Foto de Genésio Gonçalves

Postadas sentinelas em cada esquina da rua, espalharam-se os demais pelas casas, indo logo beber truaca e zinebra "Gato" nas vendas de João Ferreira e Enoque de Sá Menezes. Surpreendida, assustou-se a população. De logo correram boatos: que Lampião tinha vindo para ajustar contas... tirar forra de questões passadas... aquelas Peias eram para dar pisas...

O povo todo sabia que não era coisa do gosto de Lampião aquele casamento de sua prima com Enoque, um sujeito calabar, suspeito de informante à polícia dos movimentos do seu grupo. O destacamento policial local, de seis praças sob o comando do cabo João Cabecinha, cujo quartel era a casa-da-rua cedida por seu dono, Gomes, havia sido retirado pelo delegado de Floresta.

Certo de mesmo, a propalada vinda de forças volantes para aqueles dias.

Cerca das duas da tarde. Pela estrada, vindo de Vila Bela, chegara, com seis horas de viagem, o vigário da freguezia, Padre José Kehrle, ou somente Padre José, mais por simplificação do falar do que pela dificuldade da pronúncia do sobrenome alemão.

Montava a cavalo, guarda-pó branco revestindo-lhe a batina preta e grande chapéu de palha na cabeça e ensombrando-lhe o rosto vermelhão, onde pespegadas as duas bolas azuis de seus olhos buliçosos e vivos.

Lampião tocando na sanfona de Raimundo do Pico, debaixo da latada da feira no meio da rua. Os cabras por todos os lados. Com a chegada de seu vigário, os cangaceiros, nos seus alegramentos, soltaram foguetes, salvando seu estimado amigo e conselheiro. Com os papocos, o animal espantou-se muito, quase Derrubando o reverendo cavaleiro no chão.

Um dos cabras, porém, dominou a montada, segurando fortemente as rédeas abaixo da brida. Os outros se aproximaram, e pedindo a bença beijavam a mão do padre, que os abençoava e retribuía os cumprimentos, satisfeito e agradecido.

Costumava o bom vigário, nas desobrigas mensais em Nazaré, hospedar-se na casa de Antônio Gomes Jurubeba, ou simplesmente Gomes. Mas, este, logo da chegada dos cangaceiros, fugiu para sua fazenda, deixando a casa trancada. Ficou assim desarvorado o vigário, no meio da rua, por um momento sem a ter para onde ir. Não teve dúvidas João Ferreira, acolhendo-o, imediatamente e de muito gosto, em sua residência. atitude insólita de Gomes, taxada de "ignorância", porque não tirava as coisas por menos, e censurada até por amigos e parentes como "afrontosa" ao padre, acirrou ainda mais os ânimos desconfiados, arredios, prevenidos e recalcados de toda 'aquela gente. Aceso assim o estopim de uma explosão preparada e prestes a rebentar em consequências irreversíveis.

Confiado no apoio e no respeito que o vigário imprimia com sua presença na terra, Alfredo Ferreira de Lima, irmão da noiva, sentindo o ambiente tenso reinante, fora ter com Lampião, fazendo-lhe ver que não ficava bem, num dia de festa como aquele, a sua vinda com o bando assim solto, acintosamente armado, e, às bicadas em desde que chegaram.

Meio agastado, Lampião olhou-o a fito com olhar desafiador e o dedo nas fuças do primo:

— "Deixe de bestage! Eu sóstou você acolhendo bandido de gravata, bandido encapado..." Referia-se a certas autoridades que faziam muito pior do que os cangaceiros.

E, ainda puando: — "Nós também somos gente, podemos participar da festa". Nesse momento oportuno apareceu um homem de muito preceito e respeitado, Cândido Ferreira que, auxiliado pelo Padre José, pôs termo àquela discussão e convidou Lampião a ir à sua casa.

Na residência de Cândido começou Lampião a puxar o fole. Os cabras dançando com as moças... muita alegria... Cândido, de sobrosso, reclamou essa dança a modo de não se comprometer depois com as autoridades embuanceiras. Lampião, compreensivo e sem dizer nada, guardou a sanfona. Porém, seu irmão Livino, enticado com a atitude do tio estragando aquela gostosa e singela brincadeira, ficou com a goitana e disgranido ameaçou: — "Pois aqui ninguém dança mais, senão tudo se acabal..." Deu de mão de sua mausa e levantando-a para o alto, sortiu a sala com gritos repetidos: "... se acaba Nazaré!" E mais: — "Não tou esquecido da cicatriz no ombro! Quero todos os rifles de todo mundo agora, aqui, senão boto fogo nas propriedades".

Foi um tendéu danado... Padre José conseguiu a custo amoitar o ânimo exaltado dele, sob promessa de que não haveria dança. E aproveitou o ensejo para mandar os noivos se aprontarem logo.

Esperava Livino pelo tocador, Luís, de Andréza, gente de Zé Saturnino, contratado para a festa dos noivos. — "Quero dar uma pisa nele e rasgar a harmônica". Mas o tocador, sabendo em caminho, da presença de Lampião, no casamento, deixara-se, escabreado, ficar na fazenda Zé Dias, de Chico Flor, onde estava homiziado Luís Soriano, e dali mesmo se esgueirou, sumindo-se, que não era besta, não.

O cortejo

Às quatro horas da tarde, saiu o préstito nupcial para a igrejola, com muitos convidados fazendo par, braço dado, exibindo-a lordeza matuta e ladeados de alguns cangaceiros, respeitosos, chapéus na mão.

Nessa ocasião apareceu Davi Jurubeba com estranha idéia, que depois se deu o nome, mais estranho ainda, de "conspiração". Vendo os nazarenos perdidos, Davi teve a idéia de convidar Manuel e Euclides Flor para escolherem tantos nazarenos quantos dessem para cada um se encarregar de matar um cangaceiro. Os cangaceiros não estavam juntos, mas espalhados pelas casas de Cândido Ferreira, D. Joaninha Ferreira, João Ferreira, Anízia da Ipueira... o que facilitaria o "serviço". Essa "opinião de doído" teve imediata repulsa de João Flor: — ".É, vocês faz isto e eu vou morrer?» Significando que não dava certo e temia por sua sorte.


 Davi Jurubeba em 1978
Acervo Lampião Aceso

A noiva, como sempre, objeto máximo das atenções. Vestida de branco vuale suíço, comprido véu descendo da grinalda — um primor de capela com arranjos de flores de laranjeira de seda branca e botões de goma —, enfim toda linda, distribuindo sorrisos, uma graça de brejeirice... Na passagem do acompanhamento por frente da casa de Cândido, os que estavam sentados em cadeiras na calçada se levantaram, mas Antônio Ferreira ostensivamente virou as costas. Além de não simpatizar com o noivo, suspeito de falso e denunciante, curtia ele paixão arrecolhida, de penar e de tristeza, pela noiva, com quem, outrora, antes do cangaço, apiançava casar-se.

Após o casamento, a fim de desanuviar o ambiente, combinaram os parentes da noiva botar mesa, na casa dela própria, onde os cangaceiros, de apetite aceso, se serviriam juntamente com o Padre José. Durante a janta, tendo Lampião sentado a seu lado, o Padre José, que lhe tinha amizade e muito o admirava, persistente aconselhava: — "Deixe essa vida. Você não é para estar nesse bando. Você .não é ovelha negra, desgarrada..." — "Num tem jeito, não — respondia Lampião. Num quiseram assim? Mataram meus pais. Desmantelaram minha família e negócios. Querem me matar também. Vou até o fim... Ë o meu destino!"

A contrafesta

Terminada a janta, que foi lauta e de tudo o que o prato sertanejo dispõe, aos insistentes pedidos de seus tios Cândido e João, e de sua tia D. Joaninha, foi Lampião, com os seus, fazer arranchação na fazenda do velho preto Antônio do Campo Alegre, obra de menos de quinhentas braças do povoado, do outro lado do Ipueiras.

O bando passou a noite na casa de Sebastião Eusébio onde Livino, ferido, se refugiara, em 1919. À luz amarelenta e vacilante de cuviteiros fumacentos, uns Jogando bozó, outros dançando com cabrochas vindas da rua, outros versejando cantigas no improviso, a sanfona sempre roncando...

Aproveitando a ida de Lampião com seu grupo para Campo Alegre, saíram os nazarenos, nas caladas da noite, para se armarem. Entre eles, Davi Jurubeba, Manuel e Euclides Flor, Gomes Jurubeba, Manuel e Pedro Gomes... aos quais se juntaram Mais outros, ao amanhecer, num total de quinze. Intencionavam cedinho ocupar a 'dia e esperar pelos cangaceiros, mas acharam que eles, os nazarenos, eram "poucos".

Aos acordes animantes da "Mulher Rendeira", foi repisada com ovações a quadra sarcástica:

 "Os cabras de Nazaré
        Chorava que faz horror
             Com pena das muié
                 Que Lampião carregou".

O vilarejo, porém, afogado dentro duma noite desalegrada e de cruviana... Nenhum pé de pessoa na rua. Apenas o grugunhado de gente na casa da noiva, sob a luz dos pavios espevitados das placas.

O Carreiro de Santiago luminando lá na escurideza do infinito...
Cantos de galos tristes rasgando pela madrugada o silêncio da natureza...
No oco de um pau seco, caburés, frientos e arrepiados, piando, agoirentos... De vez em vez, e isto até o quebrar da barra, em revezo contínuo, chegava a Nazaré um cangaceiro.
Encontrando-se com dois deles, perguntou Cândido:

— "Que é que vocês estão fazendo aqui?"
— "A gente — repostou um deles — está jogando lá, e passa uma pessoa e diz: — "Vamos pra rua?" e a gente vai..." Mentira, a modo de ocultar que estavam boscando, inteirando se havia dança.

A Missa

Quando foi o rasgar do dia seguinte, 1° de agosto, chegaram mais dois cangaceiros na rua e foram logo se justificando diante de Cândido, atento a seus movimentos:

— "Passemos a noite inteira sonhando uma voz que mandava a gente ir pra Missa. A gente, também, é cristão, ninguém é cão, não".

A pouco e pouco os outros foram chegando até se completarem os dezesseis.

Da calçada da capela, adonde desarriaram o equipamento, ensarilhando as armas, em cujo entrançamento das bocas se dependuravam as cartucheiras, deitados no chão os bornais refertos e cobertos pelos chapéus de couro, os dezesseis assistiam, com toda a fé e respeito, à Missa, que foi cedo, às 7,00; porque seu vigário estava vexado, tinha de ir logo simbora. A pequena igreja estava dura de gente atochada. Gente do arruado e de toda a redondeza. O canto do Oficio da Imaculada Conceição se arrastava, dominantemente por vozes femininas, quiném querendo não chegar ao fim, numa latomia dolente característica da sofrida alma sertaneja:

— "Dai pressa Senhora
           Em favor do mundo,
                Pois vos reconhece
                     Como defensora".

Para sua breve prática, o padre tomou por tema o profeta Jeremias (17,8): — "O coração do homem é dissimulado e perverso". Depois da Missa, os cangaceiros retomaram o equipamento. maioria saiu para fazer restos de compras. — "Tudo correu bem, na santa paz, graças a Deus!" — dizia o vigário, a satisfação sublinhada nas faces cheias com um sorriso.

O segundo fogo

Lampião, com alguns, apenas aguardava, antes de partir, que o padre terminasse uns batizados a fim de se despedir e receber a bença dele. Nesse quando, coincidiu ser Lampião informado pelas sentinelas e ouvir, ao mesmo tempo, de alguém se aproximando:

— "Vigie! Que cumandita de gente, lá longe, na estrada! Será que vêm pra feira?"

Lampião, de detrás da casa de João Ferreira, mão em pala sobre a testa, buscando acomodar a vista, exclamou alteando as sobrancelhas.
— "É macaco!"

A disgraceira estava feita!

Nunca houve tanta gritaiage e correria do povo, que se esbandaiava por todos os lados, doidamente... Lampião, agindo com rapidez e eficiência, sempre se revelando autêntico comandante inteligente e seguro, imprimindo assim confiança aos seus, imediatamente apitou chamando seu pessoal.

Antônio Ferreira, com outros, estava na barbearia cortando o cabelo e fazendo a barba. Ajuntou, em menos de um sufragante, os homens diante de Lampião, que, calmo e firme, tracejou, com técnica, o cinturão defensivo, estabelecendo os pontos de operação fora da rua e dentro das casas e muros, distribuindo os piquetes de defesa, instruindo para não se perder munição à toa, sem objetivo.

Depois, pegou de um cavalo pombo-seleiro, ali amarrado no pé da quixabeira plantada mesmo defronte da casa de João Ferreira e pertencente a um amigo, e enviou nele um positivo, que num átimo avoou o corpo em cima da sela, para ver Antônio Rosa, no Enforcado, com instrução de dar uma retaguarda, para o que deveria tomar o caminho do outro lado, descendo pela margem direita do riacho da Ema.

De suas posições de combate dentro dos muros das casas, os cangaceiros furavam buracos enviezados na parede, formando assim "torneiras", onde enfiavam o cano dos rifles para atirar.

Livino Ferreira, esse esconjurado do medo, entrincheirou-se na casa de D. Anízia, mesmo em cima do fogo! A volante de mais de trinta praças, sob o comando do sargento Bento Senhorzinho Alencar, vinda em diligência da zona de Pajeú, fora notada logo ao irromper, em fila indiana, a sudoeste.

Ao topar com o riacho Carqueja, parte da soldadesca foi logo se entrincheirando ao longo das ribanceiras barrentas; outra parte vadeiou o leito seco e arenoso do mesmo riacho tomando posição de ataque pelo lado sul, agachando-se por trás da amontoeira de pedra do pequeno serrote que mirava de soslaio; a entrada da rua.

O cabo Manuel Amaro, nutrido na peba* e no gosto de contar pabulagem, temeramente se achegou mais para frente dessa linha de ataque, amalocando-se atrás de uma grande pedra arredondada.

* Cachaça. A denominada "peba" ou "rinchona" é fabricada no sertão e nos agrestes por processo sintético: mistura de álcool, açúcar preto e água. O açúcar preto era o de torrão, de forma, de bangué, o chamado pão-de-açúcar. Em sua substituição. usava-se o açúcar sumeno, mascavo ou demerara, cristalizado e de cor amarelo-queimado. O preparo dessa cachaça se faz em tachos. É, portanto, urna aguardente ordinária, ou cachaça. Um de seus sinônimos: "lasca-peito". Na zona canavieira da "Mata" ou do "Sul", a aguardente é extraída da cana-de,' açúcar ou do mel de cabaú, melaço ou mel de furo (escorrido do açúcar preto por, um furo no depósito). destilada em alambique (raro o de barro). A primeira destilada chama-se aguardente "de cabeça" a média, aguardente "boa"; a terceira, restante, fraca de teor alcoólico, mais água que álcool, denomina-se "caxixi".

Por volta das nove horas, rompeu o tiroteio e prosseguiu, cerrado e violento, trancando o mundo... Bonito que fazia gosto a fuzilaria seca no estrondo dos mosquetões e os estampidos fofos dos rifles! Vez por outra parava. Parecia que tinha acabado. As mu-lheres, dentro de casa suspiravam de alívio. Mas, era só um arejo de momentos, nas mudanças dos combatentes para melhores posições. Em seguida, recomeçava intenso, danasco, em rajadas tatalantes, debaixo de palavrões e insultos, o sangue cada vez mais esquentando.



Partido do meio da rua, ouvia-se o toque guerreiro da "Mulher Rendeira". Era Lampião, nos intervalos em que dirigia a luta e atirava também, com sua sanfona animando os cabras. Os nazarenos, conluiados por João Flor, aproveitaram a oportunidade para se levantarem em armas contra Lampião. Lá para as dez horas, articularam-se com a polícia, entrincheirando-se por trás da cerca de pau-a-pique do cercado da fazenda Campo Alegre, do lado de cá do Ipueiras.

Eram uns quinze homens armados, entre os quais João Flor com seus filhos Euclides e Manuel, os dois irmãos João Domingos e Luís Soriano, Pedro Gomes que portava pistola máuser FN, dois rapazes de fora e Gomes Jurubeba com o pessoal que trouxera para isto de sua fazenda Jenipapo.

Davi Jurubeba, que viera de mãos abanando, armou-se com o fuzil de Zé Preto, o único "aspençada" da volante. Este, chega ia que ia, todo entusiasmado, se protegendo por trás de uma quixabeira.

Divulgando-o, Lampião avisou a Chá Preto que combatia de dentro da barbearia. Atirando de ponto, com seguridade, Chá Preto gritou: — "Lá vai macaco da gota!" Atingindo-o no braço e avoando-o contrafeito de dor, fora de combate. O cangaceiro largou desadorada risadona de mangação. A polícia e os paisanos estabeleceram verdadeiro bolsão ou semi-cerco ao tomarem posições no flanco sul e parte do Poente e em toda a linha do flanco nascente.

Na Igreja

Desde o início do tumulto provocado pelo alarme, o padre José mandou fechar imediatamente as portas da capela pelo sacristão, Zé Rufino, o qual em seguida escapuliu, fugindo montado num cavalo em osso, em disparada louca, numa toada só, até esbarrar, cinco léguas adiante, na fazenda São Miguel.

O padre amparou-se na parede entre as duas portas da entrada. E mandou as pessoas, que ficaram dentro, deitarem-se no chão da nave. Passou o vigário o tempo todo suando, nervoso e pálido, com o rosário na mão, rezando por suas ovelhas desavindas. Poucos balaços alcançaram as paredes externas da capela. Quase meio-dia. A luta, com bem quatro horas de duração, continuava indecisa.

Lampião falou com Cândido para abrir um buraco na parede da casa dele a modo de estabelecer uma passagem para a casa de D. Joaninha. Cândido discordou e, aperriado com a insistência do sobrinho, foi tirar o padre da capela, assim mesmo, debaixo de todo o tiroteio, e levá-lo para a casa de João Ferreira.

A retirada
Ali, na casa do irmão, com muito pedido e imploração, obteve Cândido, com a ajuda do padre, que o opinioso Lampião se decidisse retirar da localidade, principalmente em atenção a seu vigário, que não podia ficar prejudicado diante de compromissos inadiáveis em Vila Bela.

Antes, porém, de se afastar, gritou Lampião para os adversários:

— "Cambada de macaco! Covardes! Vou sair, não por covardia, mas atendendo ao pedido de meus dois grandes amigos, Padre José e tio Cândido Ferreira".

Enquanto, a um sinal seu — a pistola descarregada ininterruptamente — ia se reunindo o grupo em frente à casa de João Ferreira, coincidiu, de novo, as sentinelas lhe avisarem o irrompimento de outra força, que avançava pelo flanco norte, podendo dar ataque de retaguarda e fechar o grupo em perigosíssmo cerco.
Era uma volante de mais de trinta praças, sob o comando do sargento João Francisco, de alcunha João Fininho, vinda das bandas de Vila Bela e, como a primeira, a chamado do próprio Enoque, o noivo, em carta secreta ao então ao comandante da polícia, ten.-cel. João Nunes.

Lampião compreendendo as posições inimigas, agora envolventes, com superioridade numérica e bélica, e temendo o esgotarnento de sua munição, ordenou impetuosa esfuziada, modo de, atarantando o inimigo e aproveitando o fumaceiro, - a retirada ficar facilitada e garantida.

"Cumpadre, foi tanto papoco no oco do mundo que -nunca vi! — o panavueiro cobriu tudo! Maldei que tinha chega o fim do mundo!..."

Pelo caminho, à tangente, lançado do oitão direito da capela, os cabras, todos ilesos, se retiraram, aos xingos e pilhérias, agachando-se e rebolando, correndo e sempre atirando.

Cruzaram o valado seco do riacho, subiram pela margem direita, mais adiante se encontrando com o grupo de Antônio Rosa, vindo à toda para o contra-ataque. Mas era tarde. Empalhara-se ele com a aproximação da segunda volante, que o aturdira, ficando sem saber que rumo tomar. E embrenharam-se todos os cangaceiros na caatinga...

A danação

Terminado o tiroteio de mais de três horas, os atacantes, desconfiados de alguma das indecifráveis ciladas do astucioso Lampião, demoraram bem meia hora para penetrar na rua, assim mesmo cautelosamente. Mas, quando entraram, deu de súbito uma doideira dos diabos naquela soldadesca, que começaram a lançar, assim na doida, disparate de balas nas paredes, portas, janelas, por toda parte, chegando mesmo os projéteis a pegar em quadros de santos pendurados nas paredes do interior de algumas casas momentaneamente abertas.

Desencadeou-se, então, novo pânico. Correrias, gritos, choros, portas e janelas aos baques se fechando outra vez. Incontinenti reclamou o Padre José ao sargento Senhorzinho aquela desordem, o qual, de pronto, ordenou que cessasse. Com mais pouco chegava a volante do sargento Fininho. A rua esborrava de soldado.

Dada por Fininho uma batida por perto, no derredor da povoação, para certeza do afastamento dos cangaceiros. Depois vieram os interrogatórios sobre quem ou não coitei-ro, as acusações fáceis, ameaças de toda sorte, ou sejam de pisa, de capar, de sangrar, de saquear, de incendiar... O terror! A vítima principal naturalmente tinha de ser a família Ferreira ali domiciliada.

Quem pôde, fugiu, no seu animal ou a pé, ou se escondeu. A situação agora pior do que a anterior, pois sob o guante da autoridade, despótica, absoluta, oficial.

E, lá vai o pobre do Padre José, pressuroso e amargurado, suando e exausto — anjo providencial da paz — defender de novo o povo e restituir-lhe a tranqüilidade.

Conformado, senão convencido, com as muitas explicações e justificativas do vigário, o sargento Senhorzinho saiu batendo naquelas portas ainda fechadas de medo:

— "Podem abrirem. Tá todo mundo agarantido".

De todo o jeito, porém, aquele povo, pobre e sacrificado, humilde e abandonado, teve de pagar, e muito caro, uma dívida estranha: almoço com bebida e tudo mais para tanto sol-dado!...

Guarnecendo o vilarejo contra uma daquelas possíveis e perigosas surtidas de Lampião, a soldadesca, refestelada e quente, de entusiasmo vibrante, cantava — coisa curiosa! — "Mulher Rendeira", como se fosse essa canção o hino comum daqueles sertões sangrentos! ...

Consumou-se nesse segundo tiroteio a intriga definitiva e gadal entre Lampião e os nazarenos.

A família Ferreira daí em diante sofreu os piores vexames, ao ponto de ter, mais tarde, de se retirar da localidade. Entretanto, essa família fora sempre a desvelada defensora e salvadora de Nazaré contra os propósitos e as investidas de Lampião. Logo nesse mesmo dia 19 de agosto, dois fatos lamentáveis:
a) O sargento Zé de Xanda, com um tiro, espatifou o grande e belo espelho de cristal da sala de visita da casa de D. Joaninha Ferreira.

b) Apareceu o tenente Senhorzinho Alencar querendo obrigar a mesma D. Joaninha a entregar os vestidos da primeira comunhão das meninas Josefa e Dulce, filhas de Antônio Matilde e que ela criava. Alegava o tenente que os vestidos pertenciam às filhas do finado Gonzaga. Exigia, também, as sapatinas e os trancelins. Chamados, à presença do tenente: o senhor João Cominho, da loja onde foi comprada a fazenda; a costureira D. Ernestina Correia Cruz; Tonheiro, o portador dos vestidos prontos; e René, outra testemunha de tudo. Genésio Ferreira, irmão da noiva Licor, procurou Davi Jurubeba Respondeu que ele obtivesse do tenente o nome da pessoa que lhe dera a informação falsa. respondeu o militar: — "De uma parenta da viúva de Gonzaga, aqui residente (e disse o nome)..."

A família Ferreira ainda hoje é muito grata a Davi Jurubeba e a Manuel Neto, os quais, apesar de inimigos figadais de Lampião e seus irmãos do cangaço, sempre respeitaram e até defenderam os outros membros da familia o seus bens.


O PADRE JOSÉ KEHRLE



Padre José Kehrle. Nascido em 1891, em Wurttemberg, Alemanha. Veio para o Brasil em 1909. Beneditino e veterinário. Sacerdote em 1914. Como padre secular desenvolveu, no sertão, intensa atividade apostólica, além da construção e reforma de igrejas. Ocupou altos cargos e missões na diocese de Pesqueira, ao mesmo tempo que, por infeliz contraste, chega às raias do incrível o que sofreu da parte de bispos. Vigário de Vila Bela (Serra Talhada) de 1922 a 1936, conheceu e acompanhou toda a trajetória de Lampião no cangaço.

Sua força moral sobre ele quase se igualava à do Padre Cícero. Porém, a esse superava no conhecimento do foro íntimo. Lampião era seu confidente. Diante do Padre Kehrle despia sua realeza cangaceiresca para se tornar simples ovelha, nem sempre dócil por motivações extrínsecas. Realmente, grande parte da vida de Lampião não pode ser escrita desligada desse virtuosissmo sacerdote, que chegou mesmo ao impossível de retirar cangaceiros do seu bando.

Em 1936, no sítio Guarda, da serra de Ororubá, perto de Cimbres, município de Pesqueira, testemunhou, com sérias averiguações, as aparições de Nossa Senhora dos Graças a uma humilde camponezinha, depois freira conversa. Nessa ocasião, indignou-se contra as medidas violentas usadas pelo bispo que se valeu da polícia para acabar com aquele "fanatismo", de qualquer modo, "mesmo debaixo de pau", o que, Lamentavelmente, aconteceu àquela pobre gente que, na simplicidade de sua fé, acorria ao local.

Muitos os episódios interessantíssimos em sua vida que merecia escrita para edificação espiritual, principalmente dos sacerdotes. Há anos vivia ele em Buíque (PE), carregando uma saudável velhice dentro um exuberante espírito, cada vez mais acentuando o traço predominante de sua alma — a caridade, quando a 4-8-1978 faleceu.

Pois bem, cabe a cada um ao ler sobre fatos como esse e outros para dizerem se Lampião era Herói ou Bandido. Uns chegam a dizer que ele era uma mistura dos dois adjetivos. Vemos em sua estadia no povoado de Nazaré, que ele estava ciente de sua situação, esta levada por intrigas que descambou para a violência. Lampião foi uma cria do sistema latifundiário brasileiro onde imperava o coronelismo.

Pescado em Caiçara dos Rios do ventos

sexta-feira, 20 de março de 2020

Novidade literária

Em livro, sociólogo apresenta uma nova data para o nascimento de dona Maria

O sociólogo Voldi Ribeiro lançou o livro “Lampião e o Nascimento de Maria Bonita”, sugerindo uma data correta para o nascimento da Rainha do Cangaço, que é 17 de...



O livro contém 196 páginas e com figuras de Maria Bonita e de Lampião que encontram colorizadas. A obra contém o prefácio e artigo de Frederico Pernambucano de Mello, referência na pesquisa do Cangaço. A pesquisa trata da área onde ela nasceu, Malhada da Caiçara que pertencia a Glória, atualmente pertence a Paulo Afonso–BA.

Na obra, o sociólogo discute o surgimento da data incorreta do nascimento de Maria Bonita que outros autores tinham como 8 de março de 1911. E apresenta ainda a composição da família dela, bem como alguns registros de irmãs suas.

Além disso aborda, finalmente, o encontro de Lampião com Maria Bonita, sua convivência de 1931 até 28 de julho de 1938, data das suas mortes, na grota do Angico, Sergipe.

Voldi de Moura Ribeiro é um pesquisador que reside em Paulo Afonso, Bahia. Ele estuda este tema há mais de 15 anos, também está produzindo um novo livro sobre a participação da mulher no Cangaço.

Valor: R$ 60 com frete incluso
Para adquirir entre em contato com o autor pelo zap (75) 99108-0409 ou pelo e-mail voldimribeiro@gmail.com

Com informações do leiajá

PROTAGONISTAS E COADJUVANTES DA HISTÓRIA NORDESTINA

Chiquinho de Barros e Dom Juvêncio de Britto

Por Junior Almeida

Quem gosta de história e vive a pesquisar, vez por outra tem a grata satisfação de encontrar em suas leituras alguns personagens que no passado participaram de grandes façanhas ou mesmo que cruzaram o caminho de protagonistas de conhecidos fatos históricos. Na região de Garanhuns, Pernambuco, por exemplo, dois homens se encaixam nessa descrição, pois, viram a morte de perto, quando estiveram frente a frente com famosos assassinos.

O primeiro, um simples agricultor, Francisco Pereira de Barros, conhecido por Chiquinho de Barros, em julho de 1935 teve sua casa arrombada a chutes e coices de fuzil, num assalto praticado por Lampião e seus cabras. Do lado de fora da residência, no Sítio Queimada do André, hoje município emancipado de Paranatama, mas na época, distrito de Garanhuns, os cangaceiros mataram a punhaladas e tiros seu sogro, o idoso Zé Gomes, enquanto ele, sua esposa Quitéria Correia Gomes e o resto da família ficaram como reféns do Rei do Cangaço dentro da casa, enquanto essa era saqueada.

No decorrer da ação criminosa, Lampião mandou Chiquinho lhe trazer um cavalo que estava em um curral em frente da casa. Acompanhado por dois cangaceiros, ele foi buscar o animal, que estava bem agitado com a movimentação atípica e por isso não aceitou sela. Um dos bandidos com raiva golpeou a cabeça de Chiquinho de Barros com uma coronhada de rifle. O agricultor caiu com um corte na cabeça, tendo o ferimento sangrado muito, encharcando toda a sua roupa e, Chiquinho voltou para onde Lampião estava sem o cavalo. Virgulino com certa ironia, perguntou aos seus meninos por que fizeram aquilo com o homem e a Chiquinho perguntou se ele bebia pinga.

Completamente dominado, humilhado, supostamente sabendo que seu sogro e o outro homem já tinham sido mortos, Chiquinho não tinha perspectivas, apenas disse que sim, que bebia. Lampião mandou trazer um copo com cachaça, colocou pólvora dentro e misturou, mexendo com um punhal. Chiquinho bebeu um bocado e com o resto lavou o ferimento da cabeça. Menos mal que a súcia foi embora “apenas” levando seus pertences, no entanto, sem levar a sua vida.


 Dom Juvêncio de Britto, 4º Bispo de Garanhuns, 
e Chiquinho Barros, no início da década de 1950.

Outro que também escapou de ter um trágico destino foi o quarto Bispo de Garanhuns, Dom Juvêncio de Britto, pois este religioso foi agredido por pelo menos três vezes pelo mundialmente famoso Padre Hosana de Siqueira, assassino do Bispo Dom Expedito Lopes, um dos três casos do mundo em que um religioso matou outro, em toda história da Igreja.

Frei Francisco Fernando da Silva, o Frei Chico, canonista e que trabalha nas causas de beatificação de Dom Vital, Frei Damião e Dom Expedito, conta-nos em seu “Vida de Dom Expedito Lopes; Bispo Mártir de Garanhuns”, que o Padre Hosana antes de matar a tiros o seu superior hierárquico, Dom Expedito, já tinha arrumado um monte de confusões por onde tinha passado, inclusive, tendo em Panelas, matado a tiros uma égua, por que seu cavalo “se engraçou” com ela, e um cachorro, que latiu ao estranhar a sua batina. Sobre as agressões do indisciplinado e desequilibrado Padre Hosana a Dom de Juvêncio de Britto, Frei Chico colocou no papel o depoimento em juízo do Padre Otoniel, colega do padre homicida. Disse o religioso:

No tempo de Dom Juvêncio ele (Padre Hosana) foi transferido para Quipapá, fazendo as maiores promessas de paz. Tanto foi que na primeira visita pastoral em 1948 ainda mereceu elogios do Bispo. Mas logo começaram as questões. A primeira briga com Dom Juvêncio foi num retiro. No último dia ele chamava cada padre para conversar e dizia se ele voltava à paróquia ou se não. Ele chamou Padre Hosana e eu fiquei de tocaia. Quando ouvi os gritos, corri, chamei o Monsenhor Callou e Padre Tarcísio. E nós defendemos o Bispo.

Outra vez Dom Juvêncio marcou crisma para Angelim. Os redentoristas participaram da missão.

O bispo estava confessando e Hosana para falar-lhe. O Bispo, inexperiente, chamou Hosana para o quarto onde ele estava hospedado. Nós ficamos na janela, eu e Padre Carlos, com cuidado no Hosana. Daqui a pouco ouvimos vozes alteradas e Padre Carlos disse: “Vai Otoniel, entra!” Fui até a porta e fingi que procurava o bispo. Este nos contou que Hosana tentara agredi-lo. Havia pegado na abertura do Bispo, por cima da cruz peitoral e tinha sacudido o Bispo para agredir o mesmo. Quando me viu procurando o Bispo tentou despistar. Dom Juvêncio foi agredido mais três vezes por ele e não quis resolver o problema. As acusações de mulheres, especialmente a Maria José, quando Dom Juvêncio morreu em 1954, já fazia cinco anos ou mais que ele estava com ela. Mas faltou coragem em Dom Juvêncio e ele foi tolerando assim como de outros.

 Padre Hosana em entrevista para revista O Cruzeiro na época do crime

Todo mundo tinha medo porque ele andava sempre armado. Trazia sempre um coxim para forrar a sela e na bolsa do coxim um revólver. Essa conversa que ele pegou o revólver empresado para o crime é besteira. Com o que atirou em um cachorro e em um cavalo em Panelas? Com o que enfrentou o delegado de Tabira? Não cansava de mostrar a calça em baixo da batina e dizer que era homem para tudo.

Como podemos perceber nos dois fatos, tanto Chiquinho Barros quanto Dom Juvêncio, estiveram diante de homens que não hesitariam nem um pouco em os matar. O primeiro ainda perdeu seu sogro, covardemente assassinado pelos cabras de Lampião, levou uma coronhada na cabeça e bebeu na marra cachaça com pólvora, o segundo, um bispo, mesmo com toda sua autoridade, deve ter tido a consciência do perigo que passou. Não era vivo quando o Padre Hosana matou Dom Expedito em julho de 1957, mas se fosse, certamente veria que o que o colega que o sucedeu na Diocese de Garanhuns teve um fim, que poderia perfeitamente ser o dele.

quinta-feira, 19 de março de 2020

O JORNAL (RJ), de 12 de setembro de 1926

O terrível facínora, terror do Nordeste, prepara o assalto a *Rio Branco, PE

Transcrição de Antonio Corrêa Sobrinho

As populações alarmadas defendem de arma na mão a vida e a propriedade

Notícias de Rio Branco, no sertão de Pernambuco, trazem informes da situação de pavor em que se encontra aquela vila, sob a ameaça de ataque dos facínoras dirigidos por Lampião, que se tornou em toda a zona sertaneja do Nordeste um nome mais temido do que foi anos atrás o famoso Antonio Silvino.

 O aspecto de Rio Branco em 1932
IN: tatiannetfb.blogspot


As notas, que temos à mão, pintam-nos uma situação de pavor, não entrando na sua composição nenhuma expressão de exagero.

Há o relato simples de atrocidades e, sobretudo, vivamente reproduzida, à sombria impressão que a aproximação do bandoleiro determina no espírito timorato das populações.

O bandido faz-se anunciar por uma série de assaltos, roubos, mortes, desrespeito à propriedade alheia e à individualidade das senhoras, bastando a encher de maus augúrios todos quantos se julgam sob a ameaça da sua presença incomoda.


Antiga Estação Ferroviária
IN: tatiannetfb.blogspot

O povo sertanejo é de natural simplório e dado à crendice, de sorte que os feitos desses vultos sinistros crescem facilmente e se distendem na sua imaginativa, tomando proporções de horrores.
Não fosse, assim, formada a sua alma, entretanto, e o pânico seria fatalmente o mesmo, porque Lampião, agindo sob a discreta proteção de alguns fazendeiros e autoridades, que desvirtuam dessa maneira o seu papel, enche facilmente o espírito daquele povo com o relato que o precede das incríveis truculências e barbaridades praticadas todos os dias e já hoje tornadas lendárias, numa imensa zona do Brasil interior.


 
 Capela do Livramento
IN: tatiannetfb.blogspot

A noite de 17 para 18 de agosto, por exemplo, foi de sinistros presságios para o povo de Rio Branco. O vilório sabia que Lampião, conduzindo perto de 100 facínoras, bem municiados e bem montados, aproximava-se da vila, pronto a assaltá-la, para se fazer em campo na manhã seguinte.

Foi, pois, uma noite passada em claro, sob a impressão de que o bando sinistro se achava a oito léguas de distância.

A população de Rio Branco pegou em armas, desde o mais humilde cidadão às pessoas de maior destaque da localidade, empenhadas na defesa do lar e da vida. O médico Dr. Luiz Coelho, o juiz de direito da comarca de Buíque, Dr. Roma, ali a passeio, o gerente do banco, o tenente coronel Justino, o capitão José Bezerra da Silva, todas pessoas as mais influentes da vila, tomaram a frente dos homens que se puseram à sua defesa, a fim de encorajar a população alarmada.


Resistência armada dos bravos de Rio Branco
IN O Jornal

E parece que essa resistência impressionou o bandoleiro, porque apesar de estar a oito léguas do Rio Branco, Lampião não se encorajou a atacá-la, prosseguindo noutra direção os seus crimes. Entretanto, essa resolução pouco serviu a Rio Branco, porque, alarmado como estava, o povo preferiu continuar militarizado, temendo a cada momento um assalto que apenas, no seu julgamento, fora, por circunstâncias momentâneas transferido.

Assim pensando, é fácil avaliar os prejuízos advindos para o pequeno comércio local e toda a vida, em suma, do lugarejo rústico, que permanecia até os últimos dias de agosto inteiramente suspensa, na ameaça de que os bandoleiros a qualquer momento repontassem.

________

*Salvo melhor informação, Rio Branco é o atual município de Arcoverde.