Os primórdios da Saga de Lampião
Por Rostand Medeiros
AINDA VIVE O HOME M QUE EM 1921 SEPULTOU O PAI DE LAMPIÃO
Diário de Pernambuco , 29 de março de 1973, Terceiro Caderno, Página 3.
Pesquisa – Tadeu Rocha / Fotos José Valdério
Num velho casarão alpendrado de uma
fazenda sertaneja, em plena caatinga pernambucana do Município de Itaíba
reside o ancião Maurício Vieira de Barros, que em maio de 1921 sepultou
o pai de Lampião, morto por uma força volante da Policia alagoana. Nos
seus bem vividos e muito sofridos 86 anos de idade, ele viu e também fez
muita coisa, por esse Nordeste das caatingas e das secas, dos beatos e
dos cangaceiros, dos soldados de verdade e dos coronéis da extinta
Guarda Nacional.
O Sr. Maurício Vieira de Barros nasceu em 2
de abril de 1886, Na casa dos seus 30 anos, foi Subcomissário de
Polícia no Estado de Alagoas e, na dos 40, chegou ao posto de Sargento
na Polícia Militar de Pernambuco. Depois, respondeu a dois júris por
excesso de autoridade e, desde 1955, está vivendo uma velhice descansada
no Sítio dos Meios, em companhia de sua filha Dona Jocelina Cavalcanti
de Barros Freire.
Se não fossem as ouças, que já estão
fracas, o velho Maurício não aparentaria os seus quase 87 anos, pois
ainda caminha com passo firme e guarda boa lembrança dos fatos de sua
mocidade e maturidade.
Ele é, agora, a derradeira testemunha viva do
início de uma tragédia sertaneja: a transformação do cangaceiro manso
Virgulino Ferreira em bandido profissional que convulsionaria os sertões
nordestinos durante 17 anos.
UM ATOR NO PROSCÊNIO
A primeira indicação do Sr. Maurício
Vieira de Barros como a autoridade policial que sepultou o pai de
Lampião nos foi dada, há mais de 20 anos, pelo Major Optato Gueiros, no
segundo capítulo do seu livro sobre Virgulino Ferreira.
O autor das
“Memórias de um oficial ex-comandante de forças volantes” ouviu o relato
da morte de José Ferreira da boca do próprio Virgulino, nos começos da
década de 1920, quando Lampião ainda era um simples cabra de Sinhô
Pereira.
Optato Gueiros também informa que, anos mais tarde, Lampião
poupou a vida de Maurício, no povoado de Mariana, em gratidão pelo
sepultamento de seu pai.
Nos meados de dezembro do ano passado,
após concluirmos que não foi feito, absolutamente, o registro dos óbitos
de Sinhô Fragoso e do pai de Lampião (mortos na primeira “diligência”
da volante do Tenente Lucena), julgamos necessário ouvir o Sr. Maurício
Vieira de Barros, que nos constou ainda estar vivo e residir para os
lados das cidades de Águas Belas ou Buíque. Somente o antigo policial
que sepultou os dois cadáveres poderia revelar-nos a data precisa da
morte de José Ferreira.
NO RASTO DA TESTEMUNHA
Após consultarmos inúmeras pessoas sobre o
paradeiro do ancião Maurício de Barros, afinal soubemos do Sr. Audálio
Tenório de Albuquerque que esse seu compadre estava morando na fazenda
Sítio dos Meios, no Município de Itaíba. Rumando para Águas Belas,
entramos em contato com os nossos parentes do clã dos Cardosos, entre os
quais fomos encontrar o jovem veterinário Ricardo Gueiros Cavalcanti,
neto do velho Maurício, por parte de pai.
Na tarde quente do dia 17 de janeiro, em
companhia do veterinário Ricardo Gueiros Cavalcanti, do fotógrafo José
Valdério e do jovem estudante Bruno Rocha, deixamos a cidade de Águas
Belas pela rodovia PE—300, na direção de Itaíba. Após cruzarmos o rio
Ipanema e o riacho Craíbas. Pegamos uma estrada vicinal, por onde
atingimos, dificilmente, o Sítio dos Meios, a uns 2.5 km de Águas Belas,
a outros tantos de Itaíba e a 9 da cidade alagoana de Ouro Branco.
Fomos encontrar o velho Maurício no
alpendre do casarão da fazenda de sua filha, jovialmente vestido de
blusão de mangas compridas c calçado com sandálias havaianas. A presença
do seu neto Ricardo e a delicadeza de sua filha Dona Jocelina
permitiram-nos conversar longamente com o Sr. Maurício Vieira de Barros.
O fotógrafo Jose Valdério documentou a nossa visita e o estudante Bruno
Rocha gravou a nossa conversa.
SUBCOMISSÁRIO SEPULTA DOIS MORTOS
O Sr. Maurício Vieira de Barros já
exercia o cargo de Subcomissário de Polícia da cidade de Mata Grande, em
maio de 1921, quando o Bacharel Augusto Galvão, Secretário do Interior e
Justiça de Alagoas na segunda administração do Governador Fernandes
Lima, enviou ao sertão uma força volante da Polícia, sob o comando do 2º
Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, a fim de dar combate ao
banditismo. Antes que essa força chegasse ao sertão, os cangaceiros
saquearam o povoado de Pariconha, na tarde de 9 de maio. Logo que a
volante do Tenente Lucena atingiu seu destino, cuidou de prender os
participantes desse saque, entre os quais estavam os irmãos Fragoso e os
irmãos Ferreira, residentes no lugar Engenho Velho. A volante cercou a
casa dos Fragoso e do tiroteio resultou a morte de José Ferreira e Sinhô
Fragoso, ficando baleado Zeca Fragoso e saindo ileso Luís Fragoso.
Avisado em Mata Grande das mortes
ocorridas no Engenho Velho, o Subcomissário Maurício de Barros
dirigiu-se a esse lugar e fez transportar, em redes, os dois cadáveres
para a povoação de Santa Cruz do Deserto, em cujo o cemitério os
sepultou. O fato de José Ferreira e Sinhô Fragoso terem sidos deixados
mortos por uma “diligência” da Polícia Militar de Alagoas levou o
Subcomissário de Mata Grande a enterrá-los no cemitério mais próximo.
DATA DA MORTE DO PAI DE LAMPIÃO
Na breve história de 17 anos, qual foi a
do cangaceiro Virgulino Ferreira (que se fez bandido profissional em
1921 e foi eliminado em 1938), existem erros de datas de mais de um ano,
como no caso da morte de seu pai pela volante do Tenente Lucena. Tem-se
escrito que esse fato aconteceu em abril de 1920, o que não
corresponde, em absoluto, à verdade histórica.
Ao que apuramos no Arquivo Público e
Instituto Histórico de Alagoas, 2º Tenente José Lucena de Albuquerque
Maranhão foi nomeado Comissário de Polícia da cidade alagoana de Viçosa
em 10 de abril de 1920, assumiu o exercício do cargo logo no dia 15 e
permaneceu nessa comissão até princípios de maio do ano seguinte. Ele
ainda assinou ofício na qualidade de Comissário de Viçosa em 28 de abril
de 1921. No dia 4 de maio esteve no Palácio do Governo, em Maceió. E no
dia 10 desse mês, deixava Palmeira dos índios “com destino ao sertão”,
estando “acompanhado de um contingente de 24 praças”, conforme registrou
o seminário palmeirense O Índio, de 15 de maio, em seu número 16, página 3.
Viajando a pé, a volante do Tenente Lucena
só alcançou o sertão ocidental de Alagoas uma semana mais tarde. Por
isso mesmo, sua “diligência” no Engenho Velho somente pode ter ocorrido
nos começos da segunda quinzena de maio de 1921. O Sr. Mauricio de
Barros não se recorda mais da data do sepultamento dos mortos pela
“diligência” no Engenho Velho. Lembra-se, porém, que foi numa
quinta-feira. Ora, a primeira quinta-feira da segunda quinzena de maio
de 1921 caiu no dia 19, o que permitiu ao Correio da Tarde, de
Maceió, publicar no fim desse mês uma carta de Mata Grande, sobre os
acontecimentos do Engenho Velho. A esse tempo, os estafetas do Correi
levavam, a cavalo, três dias entre as cidades de Mata Grande e
Quebrangulo, de onde as malas postais seguiam de trem para Maceió.
EPISÓDIO MUITO CONTROVERTIDO
Sempre foram muito controvertidas as circunstâncias da morte do pai de Lampião. Na primeira entrevista que
concedeu a um jornal (o recifense Diário da Noite, de 3 de
agosto de 1953), o Sr. João Ferreira, irmão de Virgulino, declarou o
seguinte sobre a morte de seu pai: “Findo o tiroteio, seguido pelo
abandono do local pela tropa, eu o fui encontrar sem vida, caído sobre
um cesto, tendo às mãos uma espiga de milho, que estava debulhando, ao
morrer”.
Por seu turno, parentes e amigos do Cel.
José Lucena de Albuquerque Maranhão costumam dizer que o velho José
Ferreira resistiu à Polícia, atirando de dentro da casa dos Fragoso.
Parece-nos que há engano em ambas as versões, pois o Sr. Maurício Vieira
de Barros nos disse que encontrou o cadáver do pai de Lampião no
terreiro da casa dos Fragosos.
Este depoimento se harmoniza com o informe
que nos deu o Sargento reformado Euclides Calu, residente em Mata
Grande, e a história que contava o velho Manoel Paulo dos Santos,
Inspetor de Quarteirão no Engenho Velho, ao tempo da morte do pai de
Lampião. História que nos foi transmitida por seu filho Gabriel Paulo
dos Santos e pelo magistrado alagoano Dr. Dumouriez Monteiro Amaral.
O informe do velho Calu e a história
contada pelo velho Manoel Paulo referem que José Ferreira foi morto
durante o tiroteio do Engenho Velho, quando ia tirar leite em um curral.
De fato, o cerco da casa da casa dos Fragosos foi feito ao amanhecer do
dia 19 de maio de 1921. E o tiroteio que se seguiu e vitimou José
Ferreira ocorreu “antes do café da manhã de um dia muito chuvoso”, como
declarou, textualmente, João Ferreira, na citada entrevista a um jornal
recifense. E não há dúvida que o Inspetor de Quarteirão Manoel Paulo dos
Santos foi a testemunha mais isenta de paixões no episódio da morte do
pai de Lampião.
Pescado no essencial Tok de História
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