quinta-feira, 6 de junho de 2019

Caravana funesta

Cabeças dos cangaceiros chegam a Maceió em 1938

Com a morte de Lampião e de parte do seu bando na madrugada do dia 28 de julho de 1938, na grota de Angicos, em Sergipe, os cangaceiros foram decapitados e suas cabeças transportadas para Maceió onde foram necropsiadas.

Antes de chegar à capital, um verdadeiro cortejo macabro foi realizado com as cabeças, que percorreram cidades e vilarejos, sendo expostas para visitação pública. Em Santana do Ipanema, por exemplo, as cabeças foram colocadas na calçada da igreja.


Muita gente foi para Santana do Ipanema 
esperar a chegada das cabeças dos cangaceiros.



Segundo o perito criminal Ailton Vilanova, o guardião das cabeças foi um militar conhecido como 'Azogado'. Foi ele quem pôs sal nas cabeças para mantê-las conservadas durante todo tempo em que foram exibidas como troféus.

Em Maceió, as cabeças foram levadas para a Praça da Cadeia, em frente ao Quartel da Polícia Militar. Uma verdadeira multidão ocorreu ao local nos dias 30 e 31 de julho.

Milhares de pessoas de todas as classes sociais viram o espetáculo grotesco de cabeças de cangaceiros em decomposição. Mesmo quando as cabeças foram levadas para o necrotério da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, às 22 horas do dia 31 de julho, a multidão insistiu em acompanhar de perto os trabalhos dos legistas. Toda a área teve que ser isolada pela polícia diante das ameaças de invasão.

 Multidão tenta invadir a Santa Casa de Misericórdia 
de Maceió para ver as cabeças dos cangaceiros.


A necropsia ficou a encargo do médico-legista da Polícia, Dr. José Lages Filho auxiliado por José Aristeu, que acumulava a função de necropsista com a de motorista do veiculo que transportava cadáveres, segundo informações de Ailton Vilanova.

Devido ao péssimo estado de conservação após cinco dias de exposições, somente a cabeça de Lampião pôde ser aproveitada para os estudos científicos.

Sobre a cabeça do Rei do Cangaço, o Dr. José Lages Filho informou que ela havia perdido toda a massa encefálica em virtude das extensas e múltiplas perda de material ósseo. Isso impossibilitava os estudos sobre possíveis anomalias cerebrais do cangaceiro.

Sobre o estudo antropológico, necessário para identificar o criminoso nato segundo as teorias de Lombroso – muito em voga na época –, o legista disse que os únicos sinais de degenerescência eram a assimetria das orelhas, microdontia e a forma ogival da abóbada palatina.


Praça da Cadeia, local onde as cabeças foram expostas 
em Maceió.


Para Lampião ser um criminoso nato faltavam, ainda segundo o legista, os indícios de pragmatismo maxilar, deformações cranianas e outras características do perfil da Escola Lombrosiana.

A conclusão do laudo foi: “Todavia, nem por isso os dados anatômicos e antropométricos assinalados perdem sua valia pelas sugestões que oferecem na apreciação da natureza delinquencial do famoso cangaceiro nordestino. – (a.) Dr. José Lages Filho, médico-legista da Polícia”.

Estes estudos eram tão importantes na época, que o governo de Alagoas recebeu um pedido do professor F. A. Nóbrega, de Curitiba, que pretendia enviar as cabeças dos cangaceiros para estudos no Instituto Guilherme II em Berlim. O governo negou.


 Professor Ezechias da Rocha, chefe da Clínica da Santa Casa, 
jornalista Melchiades da Rocha e Dr. Lages Filho.


Depois dos estudos em Maceió, os restos mortais dos cangaceiros foram levados para Salvador, onde ficaram expostos do Museu Antropológico Estácio de Lima, localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.

Foi Dadá, companheira de Corisco – que passou a viver em Salvador -, que exigiu o sepultamento dos restos mortais dos cangaceiros, em cumprimento da legislação que assegura o respeito aos mortos.

Somente no dia 6 de fevereiro de 1969, no governo Luiz Viana Filho, foi que os restos mortais dos cangaceiros puderam ser inumados definitivamente. Antes, o Museu fez moldes para reproduzir as cabeças e continuar a expô-las como provas materiais da morte destes homens e mulheres.

Fonte: Livro Bandoleiros das Catingas, de Melchiades da Rocha.

Pescado em História de Alagoas

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