sábado, 9 de agosto de 2014

Um olhar francês sobre a vida de Lampião

Pesquisador Jack de Witte busca editora para publicar edição em português de sua biografia

Por Fellipe Torres - Diário de Pernambuco

O primeiro grande sucesso internacional do cinema brasileiro ganhou o mundo há 61 anos, em 1953. Trata-se de O cangaceiro, escrito por Lima Barreto (cineasta homônimo do autor de "Triste fim de Policarpo Quaresma)" em parceria com Rachel de Queiroz. Bastante premiado, inclusive no Festival de Cannes, o filme circulou por 80 países. Na França, onde passou cinco anos em cartaz, o longa-metragem inspirado na história de Lampião encantou muitos espectadores, e particularmente Jack François de Witte, na época adolescente.

O cenário de truculência e banditismo no Sertão nordestino permaneceu no imaginário do francês por toda a vida. Décadas mais tarde, já formado em engenharia eletrônica, morou três anos no Rio de Janeiro, quando teve a oportunidade de conhecer mais sobre a lenda por trás de ficção, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva. Ao se aposentar, intensificou a pesquisa em jornais das décadas de 1920 e 1930, além de montar biblioteca com 60 livros sobre o assunto. “Me tornei um apaixonado pelo cangaço”, diz.

Jack de Witte
(Foto Kiko Monteiro)

Munido de bastante informação, de Witte percorreu cidades nordestinas na tentativa de refazer os passos de Lampião. Visitou desde o local de nascimento, em Serra Talhada, no Sertão pernambucano, até onde foi morto, na fazenda Angico, em Sergipe. O resultado da imersão na história do cangaço rendeu o livro "Lampião VP - Sans toit , sans roi, sans loi" (em tradução livre, sem casa, sem lei, sem rei), lançado há seis anos em Paris. Agora, o escritor francês circula em busca de editora para publicar a obra em português.


A despeito de ter sido embasada em extenso levantamento, a narrativa é construída na primeira pessoa, do ponto de vista de Lampião. “Quis fazer uma abordagem meio literária, então associei notícias de jornal com essa nova maneira de contar a história”, explica Jack de Witte. No encadeamento de ideias, contudo, também há espaço para a imaginação e a subjetividade. O “VP” do título, vale ressaltar, é uma referência à comparação feita entre Virgulino e o traficante carioca Marcinho VP (protagonista de Abusado, de Caco Barcellos).

Na avaliação do pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello, o livro é um “romance histórico desafiador”, referindo-se à maneira peculiar de narração. “Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes... Mas o certo é que ele [o autor] cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro”. Pernambucano de Mello foi um dos que colaboraram com a pesquisa do francês. “Creio que cabe a tradução para o português. O assunto está vivendo efervescência máxima”, completa.

Sobre o interesse em editar a obra no Brasil, de Witte diz ter essa intenção desde o início da pesquisa.
 “Não escrevi o livro para os franceses, e sim para, de algum modo, fazer parte dessa história”.
E aproveita para explicar a pouca repercussão desde o lançamento em Paris.
“As pessoas na França são muito egocêntricas e etnocêntricas, não estão abertas para aprender a respeito de outros locais”.
Lampião, segundo estrangeiros

“Bandido social” (Visão britânica)

Eric Hobsbawn - Bandidos (Paz e terra, 254 páginas, R$ 55,00)

O historiador britânico Eric Hobsbawm traça perfis de vários “bandidos sociais” ao redor do mundo, entre eles, Lampião. No livro, ele aponta a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão para analisar como a ausência pode transformar criminosos em heróis. A análise rendeu muitas críticas, sobretudo por sugerir que essas figuras representavam a “reação dos excluídos” contra a opressão de alguns poderes centrados no campo. No caso particular de Lampião, Hobsbawm o considerava um “bandido social” com a ressalva de que havia nele uma ambiguidade. Era “meio nobre, meio monstro”.


Para adquirir este livro entre em contato com o Professor Pereira. franpelima@bol.com.br ou fplima1956@gmail.com

Bandido de origem social” (Visão Norte-americana)


Lampião: o rei dos cangaceiros (Paz e terra, 335 páginas, R$ 47,50), de Billy Jaynes Chandler

O norte-americano Billy Chandler é um dos críticos de Hobsbawm. Para ele, Lampião só se encaixa no conceito de “bandido social” por ter origem em ambiente injusto, e que seria exagero falar em justiça social por parte do cangaceiro. Na biografia de Virgulino, examina a trajetória desde a infância até o episódio de sua morte. Separa fatos da ficção e coloca o personagem no contexto do sertão, onde tornar-se cangaceiro era um ato natural e atrativo para o filho de um agricultor. Relatos atuais e da época, arquivos e entrevistas sustentam a análise sistemática sobre o cangaceiro.


 “Gênio do Marketing” (Visão francesa)

Lampião - Senhor do Sertão (Edusp, 392 páginas, R$ 200,00), de Élise Grunspan-Jasmin

A historiadora francesa fez vasto levantamento e comparou várias versões sobre a vida de Lampião. Também explica como a imagem do “mito” foi construída pela imprensa dos anos 1930, que embora criticasse a violência, ajudava a construir a lenda do herói invencível, de corpo fechado. Ela aponta as numerosas fotos publicadas na imprensa, e revela o enorme prazer de Virgulino em posar para fotógrafos e se ver nos jornais. Com grande senso de marketing, manipulava jornalistas para se promover. A “lenda” seria reforçada com a literatura de cordel, bonecos de barro, filmes e músicas.

 Para adquirir este livro entre em contato com o Professor Pereira. franpelima@bol.com.br ou fplima1956@gmail.com

Depoimento: Frederico Pernambucano de Mello

Frederico Pernambucano de Mello
Foto: Igo Bione/Jornal do Commercio

 “Conheci pessoalmente Jack de Witte em Paris, em 2004, quando fui fazer palestra sobre o cangaço. Alto, magro, contido, ares de jesuíta que largou a batina. No dia seguinte, à noite, nos avistamos demoradamente para um vinho em casa da também brasilianista do cangaço Élise Grunspan-Jasmin.

Jack estava cavando informações para escrever seu livro sobre Lampião, um romance histórico muito desafiador, vez que corre o risco de dar voz ao grande cangaceiro, fazendo com que este vá alimentando a narrativa com revelações sobre fatos e sobre motivos por trás desses fatos. Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes...

Mas o certo é que ele não se lançou ao risco a partir do vazio. Ao contrário,  cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro, detendo-se por anos no levantamento destas, o que confere respeitabilidade ao produto final. Li a versão em francês de seu livro, faz alguns anos, e creio que caiba a tradução para o português, com vistas ao nosso público. O assunto está vivendo efervescência máxima.

Jack de Witte está longe de ser um aventureiro. Cercou-se criteriosamente dos elementos necessários a nos dar a visão pessoal do que entende terem sido algumas das razões e propósitos do Capitão Virgulino Ferreira. Trata-se, por outro lado, de um enamorado do Nordeste do Brasil sem meios-termos, sobretudo dos sertões setentrionais. Que não deixa turvar seus estudos por essa paixão.”

Publicado originalmente in Diário de Pernambuco

Um comentário:

  1. Muito difícil e a peregrinação é grande - se se quer publicar por uma editora de renome.
    Vejam que não há uma única publicação sobre o tema cangaço pela "Companhia das Letras" ou pela "Globo"(salvo algum engano).
    Ou se banca ou se perde horas de saliva para se conseguir a publicação almejada. E na maioria das vezes os conselhos editoriais barram o projeto (dão prioridade a livros de autoajuda ou trabalhos de escritores que tenham de ótima a excelente projeção nacional).
    Devemos lembrar que, apesar de ser um assunto instigante, é de gosto de uma minoria(principalmente no Nordeste, pois é visto com muito preconceito por estas bandas).
    As próprias editoras universitárias, como o UFAL, por exemplo, não fazem. É preciso ser trabalho acadêmico, com todo aquele rebuscamento de termos, emparelhamento ideológico com o partido governamental e alguma tese mirabolante a defender. Senão, não sai (Para professores de alguma 'Federal' é mais fácil)
    De toda sorte, desejo sorte do 'Monsieur" De Witte.
    Sérgio Dantas.'. - NATAL

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