quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Lampião em Mossoró

Quarta teoria: O ataque resultou de um plano político (Sexta parte)

Por Honório de Medeiros

Jerônimo Rosado

No que diz respeito à Mossoró e a Jerônimo Rosado, a historiografia é avara em relação a essa época, excetuando-se as obras de Raul Fernandes e Raimundo Nonato, que tratam apenas do episódio específico da invasão da cidade por Lampião.


Não há, como se pode constatar, mesmo quando consultamos “Notas e Documentos para a História de Mossoró”, de Luis da Câmara Cascudo, ou “História de Mossoró”, de Francisco Fausto de Souza, praticamente nada alusivo aos anos vinte.

Sabemos, entretanto, por textos esparsos, que o começo da ascendência dos Rosados em Mossoró nasce com o século XX, a partir de Jerônimo Rosado, paraibano de Pombal, que se casara com uma integrante da tradicional família Maia [1], enviuvara, desposara sua cunhada, e estava em Mossoró desde 1890 pelas mãos do líder político – já nos idos de 1917 - Coronel Francisco Pinheiro de Almeida Castro, casado com Dna. Yayá [2], da família Veras e Saldanha, parenta, portanto, de Benedito Saldanha.

Sob a liderança de Almeida Castro, Jerônimo Rosado  foi Presidente da Intendência Municipal de Mossoró entre 1917 – 1919 [3]:

Presidente [4] da Intendência: Jerônimo Rosado; Vice, doutor Antônio Soares Junior [5]. Intendentes: Sebastião Fernandes Gurgel, Francisco Xavier Filho, Francisco Borges de Andrade, Raimundo Leão de Moura e Camilo Porto de Figueiredo.

Em 1920-1922 Jerônimo Rosado seria, novamente, intendente (vereador). Muito amigo de Almeida Castro, chegando a ser, junto com Rafael Fernandes, um dos dois principais suportes de sua trajetória política, quando aquele, em 1921, seguiu para o Rio de Janeiro no intuito de assumir seu mandato de Deputado no Congresso Federal, Jerônimo Rosado foi designado, junto com Rafael Fernandes, para assumir a direção política do município, em carta aberta à população [6].

Mas em 20 de junho de 1922 morria Almeida Castro.

Poucos dias depois, no “O Mossoroense” de 15 de julho de 1922, em sua primeira página, é publicado um Edital do Partido Republicano Federal informando a população que a chefia política do Município ficaria sob os cuidados de um Diretório constituído por Raphael Fernandes, como Presidente; Cel. Manoel Cyrillo dos Santos, Vice; e Jerônimo Rosado, 1º Secretário, dentre outros.

Nesse mesmo “O Mossoroense” se informava que Raphael Fernandes fora indicado pelo Governador Ferreira Chaves para substituir Almeida Castro no Congresso Federal. Chegavam os Fernandes, assim, à chefia política da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, com forte influência em todo o Oeste e Alto Oeste potiguar.

Consequência dessa situação vai ocorrer logo em 1926, quando da escolha do novo Prefeito de Mossoró:

1926-1928: Presidente, Rodolpho Fernandes de Oliveira Martins; Vice, Hemetério Fernandes de Queiroz. Intendentes: Luís Colombo Ferreira Pinto, Francisco Clemente Freire, Antonio Teodoro Soares Frota, Manuel Amâncio Leite e Francisco Borges de Andrade [7]. Por qual razão Jerônimo Rosado foi preterido? Tanto o Presidente, quanto o Vice, eram ligados por laços familiares diretamente a Rafael Fernandes. Jerônimo Rosado foi, assim, escanteado das posições políticas que o falecido Almeida Castro para ele reservou ao longo de sua vida de liderança em Mossoró.

Não que Jerônimo Rosado, discreto, lamentasse publicamente o fato. Muito antes pelo contrário. Em Mossoró era pública e notória sua amizade com Raphael Fernandes. Mas não havia qualquer aproximação sua com o Coronel Rodolpho Fernandes. Ficou ele ressentido com seu alijamento do poder?

Por sua vez os coronéis Quincas e Benedito Saldanha, se de fato planejavam a hegemonia política na região, e para tal lutaram tão ferozmente contra o Partido Popular alguns anos depois, defendendo o Interventor Mário Câmara, contavam, portanto, com esses dois fatos, para tentar a ampliação de seu espaço de poder no Oeste potiguar: o desejo do Governador José Augusto de minar a liderança ascendente dos Fernandes e ressentimento de Jerônimo Rosado com seu alijamento do topo da política mossoroense pela ascensão do Coronel Rodolpho Fernandes.

Não que Jerônimo Rosado fosse homem de maquinações maquiavélicas na luta pelo poder, diga-se de antemão. Pelo menos até onde se sabe. Muito antes pelo contrário, é de se presumir. Sua conduta foi e é considerada irrepreensível até hoje.

Mas era uma liderança política inconteste e influente em Mossoró, respeitado política e empresarialmente, muito mais significativa, em termos de prestígio, que Antônio Soares, o “nome” da oposição e do Governador José Augusto em Mossoró. Se Almeida Castro, anos antes, rompera com os Maranhão [8], não seria estranho Jerônimo Rosado romper com os Fernandes e se aliar a José Augusto.

E os coronéis Quincas e Benedito Saldanha sabiam que graças aos laços familiares de Jerônimo Rosado, natural de Pombal, na Paraíba, casado duas vezes no seio da família Maia, tradicional aliada dos Saldanha, com o desaparecimento do Coronel Rodolpho Fernandes da política, a balança penderia a seu favor em Mossoró e Região.

Contra Jerônimo Rosado depõe sua estranha ausência na defesa da cidade que escolhera para si e sua família e que o recebera tão bem ao ponto de lhe guindar à participação concreta na sua elite dirigente. Não há registro, sequer, de sua participação nas reuniões promovidas pelo Coronel Rodolpho Fernandes, antes da invasão, para discuti-la.

Não é aceitável a desculpa, muitas vezes ouvida em Mossoró, de que Jerônimo Rosado fugiu da luta contra Lampião para preservar sua numerosa família.

O Coronel Rodolpho Fernandes, por exemplo, assim como outros, obrigou Raul Fernandes, seu filho, dezoito anos à época, a embarcar com sua esposa, filha e netos no trem que saiu da cidade conduzindo mulheres, crianças e idosos, mas contou sempre com a ajuda de seu filho mais velho [9] na trincheira do Palacete. Paulo Fernandes, seu outro filho, estava naquele ano no Rio de Janeiro, onde fazia medicina.

Rodolpho Fernandes [10]

Estamos, agora, em pleno 1927, e o Coronel Rodolpho Fernandes é o Prefeito de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte. Aos poucos vamos inter-relacionando Massilon, Quincas e Benedito Saldanha, José Augusto Bezerrra de Medeiros, Jerônimo Rosado, e Rodolpho Fernandes.

Mossoró rivaliza com Natal, a capital. Sua população, incluindo a do município, era, em 1927, de 20.300 habitantes. Natal alcançava 30.600, nos diz Raul Fernandes [11]. A ascensão ao poder do Coronel Rodolpho Fernandes revela o predomínio político que sua família, descendente do filho [12] de um português casado com uma filha do fundador de Martins, o português Francisco Martins Roriz, adquirira ao longo do tempo, e que se baseava, fundamentalmente, na exploração industrial da cultura do algodão e do sal.

Aqueles eram novos tempos, o Coronel Rodolpho Fernandes o pressentia. O Sertão, através de José Augusto Bezerra de Medeiros granjeara, para si, o poder que os Maranhão, ricos usineiros do açúcar, entregaram lentamente aos coronéis proprietários de terra onde o algodão brotava. Esse mesmo poder, entretanto, calcado na terra, cedia agora, por sua vez, espaço a uma burguesia que se firmava por intermédio da industrialização e do comércio em larga escala.

Os Fernandes estavam à frente desse processo de mudança e iriam viver seu apogeu logo mais, após a vitoriosa campanha do Partido Popular [13] contra o Interventor Mário Câmara, com a eleição do médico Rafael Fernandes para dirigir os destinos do Rio Grande do Norte.


Julieta Fernandes e seu esposo Nogueirinha
Foto jotamaria-imagemmossoro.blogspot.com/

Enquanto não se consolidava de vez o poder estadual nas mãos dos Fernandes, seguidores de José Augusto Bezerra de Medeiros, na capital, olhavam com preocupação o avanço político da família oestana em Mossoró, cidade de liderança inconteste do Oeste Potiguar, sob o comando do Coronel Rodolpho Fernandes.

No Alto Oeste, sua cidade principal, Pau dos Ferros, já era dominada pelo Coronel Adolpho Fernandes, parente e correligionário do Coronel Rodolpho Fernandes. De Mossoró para dentro, até a fronteira com a Paraíba e o Ceará, incluindo, portanto, Martins [14] e Luis Gomes, os Fernandes dominavam. Em Apodi, embora o Coronel Chico Pinto não fosse Fernandes, era correligionário, compadre, contraparente [15] e amigo pessoal do Prefeito de Mossoró.

Mas a oposição em Mossoró não descansava, era aguerrida e o eco dos seus passos chegava até os salões do Palácio do Governo, onde auxiliares diretos de José Augusto Bezerra de Medeiros o intrigavam junto ao Coronel Rodolpho Fernandes e vice-versa.


Em carta dirigida ao escritor Nertan Macedo [16], Paulo Fernandes, filho do Coronel Rodolpho Fernandes, enfatiza essa intriga entre os dois líderes políticos:

O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mossoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros [17] (...).


Continua...

[1] A família Maia era tradicional aliada dos Saldanha no Sertão paraibano. O Coronel Francisco Pinheiro de Almeida Castro, cearense, era casado com uma Saldanha. Jerônimo Rosado era, portanto, fortemente relacionado com os Maias e os Saldanhas.

[2] Dna. Francisca Veras Saldanha (1862-1909).

[3] “NOTAS E DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DE MOSSORÓ”; CASCUDO, Luis da Câmara; Fundação Vingt-Un Rosado; Coleção Mossoroense, Série “C”; Volume 849; Maio de 1986; 3ª. Edição; Co-edição com EFERN/UNED Mossoró e Petrobrás S.A.

[4] Presidente da Intendência, ou seja, da Câmara dos Vereadores.

[5] O mesmo Antônio Soares Junior que lideraria a oposição veemente contra o Coronel Rodolpho Fernandes na época da invasão de Lampião. Ligado a José Augusto Bezerra de Medeiros.

[6] “CONVERSA EM TEMPO DE MUTIRÃO SOBRE FRANCISCO PINHEIRO DE ALMEIDA CASTRO”; ROSADO, Tércio e Outros; Coleção Mossoroense; Série “C”; volume 1.080; 1999; Mossoró, RN.

[7] “NOTAS E DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DE MOSSORÓ”; CASCUDO, Luis da Câmara; Fundação Vingt-Un Rosado; Coleção Mossoroense, Série “C”; Volume 849; Maio de 1986; 3ª. Edição; Co-edição com EFERN/UNED Mossoró e Petrobrás S.A.

[8] “Almeida Castro fora Presidente da Intendência em outubro de 1891, na vaga de Manoel Benício de Melo, e elaborou o primeiro orçamento da Mossoró Republicana. O Dr. Miguel Joaquim de Almeida Castro, também cearense, seu primo, filho de Joaquim Felício, irmão do seu pai, eleito pelo Congresso, assumiu a presidência do Estado em setembro e foi deposto em novembro desse 1891. A Junta Governativa, amiga de Pedro Velho, adversário medular de Miguel Castro, demitiu Castro da presidência a 16 de novembro, nomeando Manoel Cirilo dos Santos. O demitido jamais esqueceu o golpe, jurando oposição a todos os governos da oligarquia Maranhão (“CONVERSA EM TEMPO DE MUTIRÃO SOBRE FRANCISCO PINHEIRO DE ALMEIDA CASTRO”; ROSADO, Tércio e Outros; Coleção Mossoroense; Série “C”; volume 1.080; 1999; Mossoró, RN.).

[9] José Rodolpho.

[10] Dizia-se em Mossoró que o Coronel Rodolpho Fernandes era bom de briga.

[11] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; Editora universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição; Natal, RN.

[12] Mathias Fernandes Ribeiro.

[13] Acerca dessa histórica campanha, ler “HISTÓRIA DE UMA CAMPANHA”, de Edgar Barbosa.

[14] O prefeito de Martins era Emídio Fernandes, parente seu.

[15] Conforme telegrama encaminhado pelo Coronel Francisco Pinto ao Coronel Rodolpho Fernandes em 16 de junho, com o seguinte texto: “Queira prezado parente aceitar e transmitir ao povo mossoroense meus sinceros parabéns” (PIMENTA, Antônio Filemon Rodrigues; “O CANGAÇO NA IMPRENSA MOSSOROENSE”; Tomo II; Coleção Mossoroense; Série “C”; nº 1.104; 1999; Mossoró).

[16] Autor de “LAMPIÃO”.

[17] “POLÍGONO – REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO – TOMO I – ANO I - Coleção Mossoroense; Série “C”; Volume 963; Co-edição ETFRN/UNED; Mossoró; 1997.

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