Por Adriana Martins
REPÓRTER/Diário do Nordeste
Ângelo Osmiro, em foto de Manoel Severo. |
Nem só de Lampião se fez o cangaço. Foi dessa premissa que partiu o historiador Ângelo Osmiro Barreto, para escrever o livro "Assim era Lampião e outras histórias", cujo lançamento aconteceu na última terça-feira 18. A partir de pesquisa bibliográfica e de campo, Barreto percorre o rico universo do sertão nordestino entre meados do século 19 até os anos 1930 - período em que a região padeceu sob os conflitos entre coronéis e cangaceiros, alimentados pela ausência do poder público.
A delimitação temporal adotada por Barreto toma como referência, em parte, a morte de Lampião, assassinado junto com integrantes do seu bando em 1938, em uma fazenda no sertão de Sergipe. "Embora não tenha sido o único personagem do cangaço, é um dos principais, o que mais percorreu Estados e que, por isso, o que mais deixou miséria pelo que fez", justifica o historiador.
O raciocínio de Barreto vai na contramão da romantização empreendida por muitos dos produtos culturais sobre o cangaço - desde músicas até filmes, livros, cordéis e outros. "Lampião não foi um herói que lutou contra os coronéis, assim como nenhum outro cangaceiro", frisa ele.
No texto de abertura do livro, o autor complementa a argumentação: "A violência com certeza é inerente ao cangaço, naquele período a lei do mais forte imperava, onde o Estado pouco ou nada contribuía para a melhoria de vida das pessoas, o poder do coronel representado pelo tamanho de suas terras e o número de seus jagunços era de fato a lei".
Exatamente pelo fator da violência, Barreto acredita serem importantes as pesquisas sobre o cangaço - tema que precisou justificar repetidas vezes frente aos olhares e comentários de desmerecimento lançados por alguns amigos e até por colegas acadêmicos.
Para ele, no entanto, pesquisar o cangaço não significa endossar, mascarar ou romantizar a violência característica desse universo. "Deve-se estudar o cangaço assim como outros períodos e episódios de nossa história, que nos ajudam a entender o Nordeste e o Brasil. Ao mesmo tempo, as pesquisas permitem corrigir as distorções sobre as figuras desse universo, a exemplo do ´heroísmo´. Por fim, entender o cangaço ajuda a evitar que se cometam os mesmos erros", explica.
A paixão pelo cangaço vem desde a adolescência, graças, em parte, à coleção de livros formada em casa pelo pai professor - entre eles, alguns volumes sobre o tema. "Depois de me afastar por um tempo, retomei as leituras sobre o assunto e me interessei em conhecer os locais onde ocorreram os episódios", conta.
Foi essa paixão que levou Barreto à presidência do Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará (GECC); antes, também foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC).
Continuação
As pesquisas para "Assim era Lampião e outras histórias" são, na verdade, uma continuação daquela iniciada para o primeiro livro de Barreto, "Curiosidades do Cangaço" (2002). "Após um intervalo que se segue ao lançamento, volta-se a coletar informações e entrevistas, a viajar. É um trabalho contínuo", esclarece.
Entre essas viagens estão passagens por locais onde aconteceram episódios relevantes ou onde nasceram, morreram ou ainda residem personagens relacionados ao cangaço. "Fomos, por exemplo, em Angico, hoje uma fazenda no interior de Sergipe, onde ocorreu a chacina do bando de Lampião", cita Barreto.
"Lá conversamos com ex-policiais, inclusive com a pessoa que arrumou as cabeças degoladas dos integrantes do bando na escadaria da Prefeitura de Piranha, cidade alagoana localizada na divisa com Sergipe. À época, esse indivíduo contava com mais de noventa anos. Faleceu 2010", recorda o historiador.
A lista de entrevistados inclui ainda ex-cangaceiros, ex-soldados volantes (como se chamavam as tropas que combatiam cangaceiros) e sertanejos em geral, "os que mais sofriam pela situação, fosse com a polícia, fosse com os cangaceiros", lamenta. A variedade de personagens enfatiza a percepção sobre a pluralidade do cangaço, "que não é só Lampião. Para entender o tema é preciso explorar a religiosidade, a política e outros aspectos, a partir de personagens como Padre Cícero, coronéis e outros", ressalta Barreto.
Essa mesma pluralidade também garante o interesse do público geral pelo livro, não apenas de outros pesquisadores, historiadores e profissionais da área. "Embora seja um trabalho mais aprofundado que o primeiro, não chega a mergulhar fundo em todos os aspectos do cangaço, mesmo porque isso não caberia em um único livro", destaca o autor. Um exemplo de "personagem-satélite" é Zé Saturnino, inimigo de Lampião. "Nos anos 1990 conheci Luiz Cazuza, que morreu em 2011, quase com 101 anos, porém lúcido.
Ele era sobrinho de Saturnino, no livro conto um pouco de sua trajetória no período do cangaço, de seu contato direto com Lampião", comenta Barreto.
No Ceará, o autor visitou Limoeiro do Norte e Juazeiro do Norte - foi nessa última que, em 1926, Lampião recebeu do batalhão patriótico a patente de capitão, além de armas e munição, sob pretexto de combater a Coluna Prestes. "Mas ele nunca fez isso", adverte o autor. "A partir desse momento ganhou a alcunha de capitão Virgulino Ferreira da Silva". Em Juazeiro, porém, as pesquisas foram feitas em livros e documentos no Arquivo Público, ou com pessoas quer conheceram outras que estiveram entre os conflitos. "Daqui para frente essa será a regra. Indivíduos que tenham vivido naquela época estão morrendo por conta da idade. Ficam os descendentes", observa Barreto.
"Assim era Lampião e outras histórias"
Ângelo Osmiro Barreto
LC Gráfica e Editora
2012, 238 páginas
R$ 35 (com frete incluso)
Contato para aquisição
Email : angelosmirio@zipmail.com.br
Fone : (85) 9987 1646
Matéria do Diário do Nordeste enviada pelo Coroné Osmiro
Estive no lançamento do excelente livro da lavra do amigo Angelo Osmiro. Uma festa bonita, para muitos amigos presentes. Valeu amigo, literatura de primeira.
ResponderExcluirAbraços. Prof. Pereira
Parabéns Pres. Mais um trabalho de folego e competência para guiarmos nas pesquisas do cangaço.
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