A personalidade da “Rainha do Cangaço”, que completaria 100 anos neste 8 de março, ainda divide historiadores. Mas, ao romper as regras de uma época dominada pelo homem rude, o mito tem sua memória preservada na cultura popular.
Por: Guilherme Bryan
(Matéria da Revista do Brasil - Edição 57 - Março de 2011)
“Maria Bonita formou com Lampião o casal mais famoso de cangaceiros. Ela não defendia nenhuma causa específica, assim como não tinha inclinações políticas. Acompanhou o marido por paixão”, diz João de Sousa Lima, autor dos livros A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço e Moreno e Durvinha, Sangue, Amor e Fuga no Cangaço. Para Lima, membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), o simples fato de ela se juntar a um grupo de homens que viviam à margem da lei bastava para chocar a sociedade de então. “Ela não teve a intenção de se tornar exemplo para ninguém. Mesmo assim, quebrou todas as regras e parâmetros de uma época totalmente machista e dominada pelo homem rude, bravo, violento. Até os dias atuais buscamos entender o que passou pela cabeça daquela menina de apenas 18 anos”, acrescenta.
Aos 15 anos, Maria Bonita se casou com um sapateiro, com quem tinha constantes brigas. Três anos mais tarde, conheceu Lampião, então com 31 anos. No início, ela continuou morando na fazenda dos pais até ser chamada pelo novo marido para integrar o bando de cangaceiros liderado por ele. Ela permaneceria entre eles por oito anos, até que, junto com o marido e mais oito cangaceiros, foi assassinada numa emboscada da polícia armada oficial, na Grota de Angico, em Poço Redondo (SE), em 28 de julho de 1938. Lampião e Maria Bonita tiveram três filhos, Expedita Ferreira Nunes, a única ainda viva, e os gêmeos Arlindo e Ananias Gomes de Oliveira.
“Eu me sinto muito gratificada pelas homenagens prestadas a minha mãe, uma mulher de fibra que teve a coragem de entrar no cangaço muito jovem e que foi morta tão cedo. Hoje em dia, nenhum homem tem a coragem que ela e meu pai tiveram, tanto que eles nunca foram covardes como os homens engravatados de hoje que nunca são punidos”, diz Expedita. Aos 78 anos e vivendo em Aracaju (SE), ela conta que teve poucas vezes contato com os pais, apenas quando levada da fazenda onde morava ao esconderijo pelo pai de criação.Trajetória
Esse centenário é comemorado desde o início do ano passado e deve continuar por todo este ano em Paulo Afonso. Entre 23 e 26 deste mês, ocorrerá ali um seminário internacional, com apresentações folclóricas, peças, lançamentos de livros e exposições fotográficas e de pertences usados pelos cangaceiros. Um dos maiores escritores e pesquisadores do cangaço, o francês Jack Dewitte, participará do evento.
“Resolvemos comemorar essa data com o intuito de levar para as gerações vindouras os fatos acontecidos em nossa cidade. Foi aqui que Lampião arregimentou o maior número de cangaceiros, 47 homens e mulheres. Aqui ele também viu morrer em combate seu irmão mais jovem, Ezequiel Ferreira”, conta Lima.
Em Paulo Afonso fica a casa que pertenceu à família de Maria Bonita, transformada no Museu Casa de Maria Bonita, que tem como funcionária a sobrinha-neta da figura histórica, Adenilda Alves. Ali estão disponíveis fotografias tiradas entre 1935 e 1938. Outra opção de passeio é a denominada “Rota do Cangaço”, com quatro horas de duração, desde a travessia pelo leito natural do Rio São Francisco até Poço Redondo (SE), quando começa a trilha para a Grota de Angico.
Nem todos os pesquisadores concordam com o papel libertário e revolucionário exercido por Maria Bonita. O escritor Antônio Amaury Corrêa de Araújo, que se dedica ao tema há mais de 60 anos e já publicou dezenas de livros, está para lançar mais um, Maria Bonita, a Mulher de Lampião.
“A imagem que se traça das mulheres, Maria Bonita em especial, atirando, assaltando, cobrindo as fugas dos companheiros, é uma fantasia que escapa muito ao real. Trata-se de uma balela inadmissível para pesquisadores sérios”, afirma Araújo.O escritor faz uma ressalva para Dadá, mulher de Corisco, como única cangaceira, no sentido lato. As demais, incluindo Maria Bonita, seriam simplesmente a companhia feminina.
“Tanto é que, quando os cangaceiros participavam de tiroteios ou encontravam com a polícia, as mulheres eram colocadas num local seguro, sob a proteção de cinco homens. Jamais se envolviam em combate. A exceção foi Dadá”, conta.
Ainda há várias testemunhas vivas e capazes de relatar o que aconteceu de fato nesse momento tão retratado e folclorizado da história do Brasil. E, mesmo que algumas pessoas ainda vejam os cangaceiros como bandidos e detentores de má índole, há imagens de Maria Bonita, Lampião e os outros em praticamente todos os lugares do Nordeste. A história oral ainda é muito viva e latente.
“Podemos encontrar muitas pessoas que participaram ativamente do ciclo do cangaço. Por respeito ao nosso povo e suas raízes culturais, e aos seus laços de família envolvidos nesse contexto social, é que estamos comemorando essa data e incentivando o lançamento de obras literárias, xilogravuras, cordéis, danças, teatro e cinema”, ressalta Lima.
Açude :Revista do Brasil online
êita Kiko capacitado, tú és enorme meu caro, maior que tua própria sabedoria e bondade.
ResponderExcluirAmigo Kiko Monteiro:
ResponderExcluirJá que Lampião morreu, não faz mais medo a gente viver pensando em Maria Bonita.
Parabéns ao Guilherme Bryan, pela sua iniciativa bastante válida. Um excelente texto.
José Mendes Pereira - Mossoró-RN.