Por Rangel Alves da Costa*
Gravação do filme "Aos Ventos Que Virão"
Um dos fenômenos mais marcantes da história de Poço Redondo diz respeito ao banditismo social, na sua vertente cangaço, que brotou no lugar numa profusão de raízes e frutificou impressionantes consequências. Mesmo tendo surgido em outros rincões nordestinos, foi na aridez poço-redondense que o cangaceirismo mostrou sua feição mais nítida, mais acabada, mais cruel e também a mais romântica.
Com efeito, como afirma Gilberto Cotrim (2001), a miséria, as injustiças dos coronéis-fazendeiros, a fome e as secas produziram no semi-árido no Nordeste um cenário favorável à formação de grupos armados conhecidos como cangaceiros, que, muitas vezes, praticavam crimes, assaltando fazendas e matando pessoas.
Diz ainda Cotrim que o tipo dos cangaceiros recebeu o nome de cangaço. Os pesquisadores divergem sobre o cangaço. Para alguns, ele foi uma forma pura e simples de banditismo e criminalidade. Para outros, uma forma de banditismo social, isto é, de revolta conhecida como legítima pelas pessoas que viviam oprimidas.
De qualquer modo, temos que o cangaço foi um fenômeno social ocorrido no Nordeste brasileiro, de fins do séc. XIX até 140, motivado pelas condições político-sociais peculiares da região, tais como a estrutura feudal da propriedade agrária e o atraso econômico. Caracterizou-se pelo aparecimento de grupos de bandoleiros errantes, que percorriam o sertão saqueando fazendas e cidades, fazendo justiça com as próprias mãos e lutando contra bandos rivais e a polícia. Entre os mais importantes bandos de cangaceiros destacaram-se o de Antônio Silvino e o de Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião.
Foi durante o reinado de Lampião que Poço Redondo experimentou a convivência e o medo com as ações cangaceiras. Foi palco de terríveis e sangrentas batalhas, foi lar e moradia para Lampião e seu bando, foi onde o inteligente capitão das caatingas fez amizades e criou inimigos, foi berço de mais de duas dezenas de cangaceiros e foi também leito de morte para o maior dos cangaceiros. Não se pode esquecer do fato que foi após deixar a vida errante com a morte do seu chefe, que o ex-cangaceiro Cajazeira se transformou no maior mito da história poço-redondense, como se verá adiante.
Sobre o relacionamento do Capitão Virgulino com Poço Redondo, em uma das minhas crônicas intitulada "Eu e Lampião" (blograngel-sertao.blogspot.com) cito a seguinte exemplificação:
"Quando estava nos arredores do lugarejo mandava logo um coiteiro avisar ao meu avô materno Teotônio Alves China, o China, um respeitado comerciante do lugarejo, que providenciasse comida que em tal dia e tal hora ele chegaria por lá. Se não confiasse, se não fosse realmente amigo, jamais mandaria avisar ode estava e quando faria uma visita.E Dona Marieta, coitada, minha avó, colocava as mãos na cabeça e ficava em tempo de endoidar. "Mai o que foi Marieta, só pruque o cumpade Lampião vem aqui você fica assim, e ói qui aqui ele nunca foi um estranho pra nóis não, pelo cuntraro. É nosso amigo e bom amigo. Entonce deixe de avexamento e vá arrumar os cabrito". Então minha avó respondia:
"Mai num é isso não China, o poblema é qui o Pade Artur vai tá aqui na merma data qui o Capitão chegar. E cuma vai ser, Deus e o diabo numa casa só?".Esse fato realmente aconteceu. Os livros relatam, mas nada se compara em ter ouvido essa passagem da boca dos meus avós. E contavam causos e causos, muitas coisas que na minha idade eu nem atinava sobre sua importância. E realmente o que não faltava era assunto sobre Lampião, pois o homem parece ter escolhido Poço Redondo como uma segunda casa sua. A primeira era a caatinga, com varanda de xiquexique e assento de mandacaru. Mas a família era grande, era muita, espalhada por todos os sertões nordestinos.
Desse misto de temor e reverência, aliado ao fato de que o homem sempre estava por ali desafiando as volantes, verdade é que mais de trinta filhos de Poço Redondo seguiram a trilha do bando de Lampião. Mocinhas muitas novinhas, ainda na adolescência, e se encantavam com os rapazes do bando e seguiam sertão adentro na vida de amor cangaceiro. Assim foi com Adília, Sila, Enedina, Rosinha e outras. Dentre os meninos de Poço Redondo estavam, por exemplo, Cajazeira, Canário, Elétrico, Mergulho, Novo Tempo e Zabelê".
Visão da mata ao redor de Angico trilha apartir da cidade.
Contudo, para se ter a verdadeira noção do que foi Lampião e o seu bando, o cangaço enfim, na vida poço-redondense há que se citar um artigo escrito por Alcino Alves Costa, indubitavelmente um dos maiores conhecedores da saga do capitão nordestino e da história de Poço Redondo, para se ter a verdadeira noção do que foi o cangaço na vida desse lugar. Intitulado "O cangaço na vida de Poço Redondo", foi publicado no Jornal da Cidade em 19/06/2008. Eis o texto de Alcino:
"Ao contrário dos que garantem e afirmam ser o cangaço um flagelo que teve seu início por volta de 1870, pode-se afirmar com segurança que ele surgiu nos campos do sertão nordestino desde os idos do Brasil Colonial.
O cangaço e as secas foram os grandes flagelos dos povos sertanejos. Todo o nordeste se rendeu aos horrores daquela tenebrosa sociedade do crime. A seca dizimava os campos e a vida pastoril. O cangaço fazia nascer e florescer brutais criminosos, mestres do bacamarte e do clavinote. Alguns desses sanguinários matadores se tornaram célebres personagens da história sertaneja. Estão nos livros as aventuras de Inocêncio Vermelho, João Calango, Jesuíno Brilhante, Né Dadu, Sinhô Pereira, Luiz Padre e aquele que foi a sua maior e mais luminosa estrela: Virgulino Ferreira da Silva – Lampião.
Em se estudando o cangaço não se pode desconhecer uma verdade pura e cristalina que é aquela de se verificar que essa epopéia nordestina legou o seu povo a um terrível sofrimento, uma provação sem precedente e que varou anos e mais anos, só vindo ter fim na histórica chacina de Angico, no Riacho do Tamanduá, conhecido famosamente como Riacho do Angico, em Poço Redondo, local onde morreram Lampião, Maria Bonita, e ainda, nove de seus companheiros.
Pode-se atestar, com toda convicção, que o cangaço, através da sanha perversa e homicida do cangaceiro, e até das volantes do governo, eram pestes que só traziam dores e sofrimentos para os povos catingueiros.
Nada neste mundo se compara ao sofrimento e agonia que viveu a nossa indefesa gente cabocla, vivendo, por tão longos anos, a mercê daquela turba sanguinolenta que sentia especial prazer em judiar, esfolar e matar as pobres, desvalidas e desafortunadas famílias caipiras.
Cangaceiro e soldado achavam-se os senhores da vida e da morte dos que habitavam as terras dos cafundós dos sertões.
Positivamente, cangaço e volante foram desgraças que enlutaram o povo sertanejo. Que os digam as 83 mortes acontecidas no Estado de Sergipe, sendo 69 delas acontecidas no Sertão do São Francisco. Infelizmente, o nosso sofrido e heróico Poço Redondo teve a desventura de ver suas terras empapadas pelo sangue de 55 pessoas assassinadas pelas armas bandoleiras e pelos soldados de volante.
Os tempos de Lampião causaram estragos irreparáveis na vida do homem do campo. O flagelo do cangaço foi o responsável pela perda total da tranqüilidade e paz do simplório campônio que viu estupefato e indefeso o seu mundo sertanejo preso, dominado, oprimido e torturado pelos senhores do crime e pelos senhores da lei, tão ferozes como aqueles.
O sangue sertanejo embebeu a terra cabocla de Poço Redondo. Desesperada e indefesa, a população do lugarzinho de China deixou suas casas e se jogou pelo mundo, não ficando uma só família, um só morador naquela abandonada e triste povoação. O êxodo foi total. Por duas vezes – 1932 e 1937 – essa diáspora do povo de Poço Redondo aconteceu. As ruas e praças ficaram abandonadas, nelas não se via um ser humano. As taperinhas com suas portas e janelas abertas e os animais silvestres descansando em seus telheiros, sem nenhum receio de serem atacados pelos caçadores. Os pebas e tatus faziam suas moradias nas salas, varandas, quartos e cozinhas das casas desertas. Quem visse Poço Redondo estava vendo um cenário de dor e infinita tristeza.
Fugindo da maldição daqueles terríveis tempos, os tempos do cangaceiro e das volantes, os habitantes de Poço Redondo deixaram o seu mundo amado e foram viver em outros lugares, principalmente Canhoba, Telha, Propriá e a então Serra Negra do tenente João Maria de Carvalho.
Essa comovente aventura conhecida como “As carreiras” é um marco glorioso na história de Poço Redondo que após a morte de Lampião viu seu povo retornar e refazer o seu lugarzinho tornando-o com o andejar dos anos um lugar de respeito e destaque em todo Sertão do São Francisco.
Filho do sofrimento e da pobreza, mesmo assim, a coragem e a fé dos filhos e habitantes de Poço Redondo fizeram-no um grande e considerado município que é um dos fortes pilares do Sertão do São Francisco e de Sergipe".
Como já salientado, Poço Redondo foi a povoação que mais teve jovens seguindo os passos do capitão das caatingas. Se por um lado muitas famílias corriam bastando ouvir que o bando estava nas redondezas, por outro lado os jovens ficavam encantados com aquilo tudo, com a vida perigosa, com o destino errante dos não têm sonhos ou sonham demais.
Muitos dos seguidores decidiram entrar no cangaço pelo fascínio e mística que transmitia Lampião; outros buscando sair da dura vida no sertão desolado pelas estiagens; ainda outros achando que se fortaleceriam em meio aos embates e depois voltariam para resolver rixas guardadas. Com as mulheres foi diferente, pois quase sempre seguiram a vida cangaceira porque atreladas ao coração de um cangaceiro, de um namorado que havia decido adentrar nos sertões sangrentos.
Colhendo ainda nas pesquisas de Alcino Alves Costa, temos os seguintes filhos de Poço Redondo que seguiram Lampião e seu bando, segundo seus apelidos e nomes:
Homens: Sabiá (João Preto), Canário (Rocha), Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel Marques da Silva), Delicado (João Mulatinho), Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (João Francisco do Nascimento – Zé de Julião), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antonio), Elétrico, Penedinho (Teodomiro), Bom de Vera (Luis Caibreiro), Beija Flor (Alfredo Quirino), Moeda (João), Alecrim (Zé Rosa), Sabonete (Manoel), Borboleta (João Rosa), Quina-Quina (Jonas), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos – Chico Inácio) e Azulão (Luis Maurício da Silva). Um total de 25 cangaceiros.
Mulheres: Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), Adília (mulher de Canário e irmã de Delicado), Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de Julião), Dinda (mulher de Delicado), Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher de Mané Moreno) e Adelaide (mulher de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea). Um total de 7 mulheres.
*Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
www.blograngel-sertao.blogspot.com
Amigo Rangel Alves da Costa:
ResponderExcluirValeu o seu texto. muito bom! Muito bom!
O texto do seu pai eu já havia lido em outra ocasão. É excelente!
Só tem um problema. Vou repassar o artigo do seu pai para o meu humilde blog.
José Mendes Pereira - Mossoró-RN.
Amigo Rangel
ResponderExcluirÉ sempre um prazer ler seus escritos.
Minha admiração por seu pai, Alcino, foi, aos poucos, indo ao seu encontro.
Um grande abraço e parabéns pelo belo texto.
so a título de informação ao caro amigo Rangel, não foi Poço rerdondo que deu mais cangaceiros para o bando de Lampião e sim a cidade de Paulo Afonso com 47 componentes entre homens e mulheres, todos devidamente cadastrados.
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