sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Prazer em conhecer

Lampião Aceso entrevistou o pesquisador e escritor Leandro Cardoso Fernandes

Sua “entrada” no cangaço deu-se quando tinha 12 anos. Seria a "síndrome de Volta Seca"?

Na época recebeu de presente do avô o livro “Lampião, Cangaço e Nordeste”, da Aglae Lima de Oliveira. O livro, que é ricamente ilustrado e o impressionou sobremaneira. A partir daí vestiu a camisa e entrou em campo. Começou a comprar livros e lê-los com voracidade.

Em 1991, foi estudar Medicina em Recife. Aproveitou o tempo em Pernambuco para investigar o que havia à disposição sobre o cangaço. Visitou museus, inclusive o Museu da Polícia Militar, que mostrava roupas das volantes e armas usadas na guerra contra o cangaço. Este local infelizmente encontra desativado e as peças têm paradeiro ignorado como relatou o escritor Geraldo Ferraz em sua entrevista.

Teve seus primeiros contatos com ex-cangaceiros, ex-volantes e com gente que conheceu protagonistas. Conheceu Drª. Laís Vieira, médica e, na época, tenente da Polícia Militar, que conviveu com o lendário Manoel Neto (inclusive foi para o seu enterro). Ela lhe deu informações interessantes sobre como vivia o ex-caçador de cangaceiros, como por exemplo, que o coronel Mané Neto só andava armado e desconfiava de todo mundo.

Ainda em Recife, precisamente em 1996, teve a oportunidade de conhecer na Fundação Joaquim Nabuco o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, já havia ficado impressionado com as suas obras “Guerreiros do Sol” e “Quem Foi Lampião”.

Em 1998 foi parar na Selva de Pedra. Em São Paulo, de cara, seu volume de livros aumentou, pois não saía dos sebos do bairro da Liberdade e o da Maristela Kalil, próximo à Praça da República, sempre em busca de cangaço.

Dos livros de Amaury, ele destaca particularmente “Lampião: As Mulheres e o Cangaço”, que segundo sua opinião ainda é a melhor obra já publicada sobre o universo feminino no cangaço; e o “Assim Morreu Lampião”, uma reportagem emocionante sobre o dia fatídico do Angico,

Leandro lembra que “Assim Morreu Lampião” inclusive foi o embrião para o primeiro Globo Repórter (O Último Dia de Lampião, de Maurice Capovilla). Estes dois livros do Amaury lhe causaram grande impacto e começou a nutrir a vontade de conhecer o autor pessoalmente, uma vez que já o admirava a partir da honestidade com que escrevia.

Um belo dia recebe o telefonema de Dr. Napoleão, seu sogro, lhe avisando que dois "cangaceirólogos" iriam procurá-lo: Adivinhe Quem? Dr. Antonio Amaury e Dr. Melquíades Pinto Paiva.
Amaury telefonou; marcaram um encontro em sua casa, e pronto: todos os finais de semana (e muitas vezes as suas tardes de folga) eram na casa dele, falando de... Cangaço.
Dr. Leandro nos faz lembrar tal sensação de um músico que é fã de determinado artista e que de repente alem de conhecê-lo cria uma amizade cumplicidade que proporciona uma parceria em um novo trabalho, o que veremos em outro parágrafo. 
Os cavalheiros conviveram semanalmente por nove anos. Quando Dr. Melquíades - que reside no Rio - estava em São Paulo, os três almoçavam juntos falando de... Cangaço. Dr. Melquíades, diga-se de passagem, é detentor da maior biblioteca sobre cangaço do mundo!

Em 2002, Leandro Cardoso, Carlos Eduardo Gomes (confrade carioca), Dr. Benedito Denardi, Dr. William White, Dr. Mozart Pinho e Dr. Antonio Amaury empreenderam uma grande jornada pelos cenários “lampiônicos”: Piranhas, Poço Redondo (ocasião em que conheceu Durval e Alcino Costa), a localidade Mucambo, local onde o cadáver de Nenê de Luis Pedro ficou exposto aos curiosos; a fazenda Jacoca, onde Corisco foi apelidado de Diabo Loiro; visitaram Água branca (AL); Canindé do São Francisco (SE); Pinhão (SE) palco da batalha entre soldados e os sobreviventes de Angicos e também do combate de Lampião com o tenente Menezes em 1929.
Visitaram a Fazenda Patos e seu famoso curral de pedra, onde Corisco degolou os membros da família Ventura, em 1938. Tiveram também a oportunidade de conversar com o único irmão vivo da cangaceira Lídia, nos escombros da casa onde ela nasceu. E ainda deram uma esticada até o cenário do combate da Maranduba, um dos mais intensos da história do cangaço.

 William White, Dr. Amaury, eu e Dr. Benedito Denardi na casa da Baronesa de Água Branca.

 Com Dr. Amaury no local do combate da Maranduba. As cruzes mostram onde os soldados foram enterrados.

Em Angico

 Dr. Benedito, Jairo Luiz, Dr. Amaury, William White, eu e Carlos Eduardo Gomes, no famoso curral de pedra onde Corisco degolou os membros da família Ventura, na fazenda Patos.

 Jairo, eu, Dr. Amaury, o irmão de Lídia e o Dr. Benedito Denardi, na casa velha da fazenda Pedra D'água à poucos metros de onde teve o combate da Lagoa de Domingos João.

Em Aracaju, Leandro foi recebido por Expedita Ferreira e Vera Ferreira (filha e neta do rei do cangaço). Na ocasião, Vera estava de posse das cabeças de Lampião e Maria Bonita, que haviam sido recolhidas de Salvador (por problemas no cemitério que sofreu danos pelo inverno abundante). Como estava escrevendo um livro especifico sobre medicina e cangaço, aproveitou para examinar estas peças, que estavam bastante avariadas.
Relatando esta oportunidade que poucos tiveram, lembra nosso entrevistado de que um dos contatos mais prazerosos que teve durante estes anos foi com o médico baiano Lamartine Lima, que foi assistente do Prof. Estácio de Lima.
Prof. Lamartine relatou-lhe aspectos médico-legais das cabeças, trechos de entrevistas que colheu, como por exemplo, o soldado que matou o cangaceiro Azulão, que, após acertá-lo na coluna deixando-o tetraplégico, degolou-o vivo (vide foto no livro do Estácio), dentre muitas outras passagens curiosas.

Então apresente suas crias!
- Junto com o Dr. Antonio Amaury, “Lampião a medicina e o cangaço, aspectos médicos do cangaceirismo”. Publicamos o livro em 2005 e viemos lançá-lo no Salão do Livro do Piauí.

O livro foi feito com intenção de preencher algumas lacunas da historiografia do cangaço, como por exemplo, a questão do olho direito do Rei do Cangaço. Até então não havia estudo sobre a mais provável causa da cegueira direita de Lampião: ficava-se a especulação sobre glaucoma congênito, catarata congênita, espinho, sem que o assunto fosse submetido realmente a uma análise mais criteriosa.


Nesta ocasião também lancei o cordel “Sinhô Pereira, o Homem que Chefiou Lampião”, prefaciado por Dr. Antonio Amaury. Muito pouco se escreve sobre Sinhô Pereira, seja em prosa ou em verso.


Escrevi um capítulo no livro “Caatinga”, de Almeida Cortez e colaboradores, intitulado “Caatinga, Cangaço e o Raso da Catarina”, e recentemente colaborei com o cineasta Wolney Oliveira, com relação ao apoio histórico, no filme “Os Últimos Cangaceiros”, que aborda a vida de Moreno e Durvinha, a ser lançado brevemente.





  

Livro Preferido?
- Colocarei dois: “Assim Morreu Lampião”, do Antonio Amaury, e “Lampião e o Estado Maior do Cangaço”, do Magérbio de Lucena e Hilário Lucetti. Ao terminar de ler estas duas obras, a minha sensação era de que acabara de fazer um curso, tal era quantidade de novas informações adquirida.

Qual é o primeiro título recomendado para um calouro?
- "Lampião, entre a Espada e a Lei", de Sérgio Augusto de Souza Dantas. Uma biografia impecável de Lampião, inclusive com análise jurídica dos crimes.

Com quantos personagens desta história você teve contato?
- Através de Dr. Amaury, travei contato com diversos ex-cangaceiros, ex-coiteiros e seus descendentes: Vou enumerar aleatoriamente os que me venham na lembrança: Leônidas Fernandes... quase um xará... Filho de dona Delfina, a única mulher a ter sido presa por ser coiteira de Lampião, era proprietária da fazenda pedra D’água em Canindé/SE. Leônidas foi quem cuidou dos braços varados de bala do cangaceiro Novo Tempo, após o combate da Lagoa de Domingos João em 1937, e foi o pivô da morte do cangaceiro Juriti, pelo Sargento Deluz.

 
Dona Delfina

 
Leônidas
  

Através de Leônidas conheci também Zé Cícero, (cujo pai trabalhava com couro no sertão alagoano e baiano e certa vez foi ameaçado pelo Tenente Douradinho que intimou-lhe a fazer um chapéu para um de seus comandados. Ele o fez, mas o soldado não foi buscar e Zé Cícero me presenteou com o mesmo). Joãozinho de Donana ex-coiteiro de Corisco e Zé Baiano, que inclusive criou uma das filhas de Corisco e Dadá, e foi testemunha ocular do combate entre Lampião e o Tenente “Meneis” (Manoel Campos de Menezes) nas ruas de Pinhão (SE) em 1929.  


 Eu, Joãozinho de Donana, Dr. Mozart Pinho e, atrás, Dr. Benedito Denardi.

Sila de Zé Sereno, (que ainda acompanhei como médico no Hospital São Paulo, onde ela ia submeter-se a uma cirurgia). Dona Mocinha irmã de Lampião ainda viva e seu filho Expedito (que conheceu, também, pessoalmente Lampião), e me disse que ao chegar ao coito, por sinal muito próximo à rua de Pedra de Delmiro (onde estava morando com os pais), observou muito bem Lampião e me disse que o chapéu que ele estava usando não era de couro, mas sim de feltro.  


 Com dona Maria Ferreira Queiroz, a Mocinha, última irmã viva de Lampião

Moreno e Durvinha; mestre Pedro Batista, que foi o último remanescente dos batalhões patrióticos de Juazeiro (faleceu há uns dois anos em Barbalha-CE), inclusive andou com o tenente Chagas que foi levar o convite a Lampião para que este se apresentasse em Juazeiro. Esse encontro aconteceu na fazenda em São José do Belmonte/PE, divisa com o Ceará (fazenda Malhada Grande). Ele por ser um soldado raso naturalmente não sabia o teor da conversa, mas lembra de ter conhecido Manuel Pereira Lins o famoso “Né da Carnaúba”. Mestre Pedro trabalhava com manutenção de engenhos de rapadura de cana.


 Moreno

Durvinha... 
Saliente hein doutor? Nem notou quem os espreitava

O mestre Pedro
Também estive com Dulce companheira do cangaceiro Criança, em São Paulo, mas não foi uma entrevista formal... (Necessário ressaltar que ainda está ainda viva,). Por intermédio de Dr. Amaury, ainda conversei com Antonio Jacó “o Mané Veio” que matou o cangaceiro Luis Pedro entre outros, mas ele estava com a audição muito ruim, o que muito prejudicou as perguntas e respostas. Ex cangaceiro Candeeiro, ainda vivo, que reside em Buique, onde o conheci, quando eu ainda estava na faculdade em Recife, em 1996; nesta mesma ocasião conheci o ex-volante de Nazaré tenente João Gomes de Lira, na pequenina Carqueja (PE). Apertei a mão de David Gomes Jurubeba, levado por um colega de turma que era da família Pereira, mas infelizmente não pude entrevistá-lo, pois na ocasião estava doente. Durval Rodrigues Rosa, como já citei acima que conheci por volta de 1998, quando da minha primeira ida a Poço Redondo; a cangaceira Maria de Juriti eu apenas vi, pois os familiares não permitiram nossa aproximação para entrevistá-la. E saindo das hostes de Lampião conheci um descendente de um dos moradores da Fazenda Pedreira, no sertão paraibano, palco de combate de Antonio Silvino em 1901, o meu amigo Jota Nóbrega, que me relatou pormenores desse fatídico dia, que ouvira de seu avô, então adolescente naquela ocasião. Ele arrumou para transporte os soldados mortos e encontrou como despojos do combate, um punhal e uma Winchester que provavelmente pertencia aos cangaceiros de Silvino.

Qual destes foi o mais difícil?
- Não diria difícil, mas incompleto foi justamente a visita a Maria de Juriti que se resumiu em um cumprimento, de longe, pois a família era avessa ao assunto cangaço.

Pois é, não foi somente meu primo que perdeu a viagem! 
Essa mesma informação é passada por João de Sousa em sua entrevista que realizamos anteriormente. Povinho egoísta ! Brincadeiras a parte vamos pensar quantas famílias não tiveram a mesma atitude e outros ex cangaceiros foram esquecidos para sempre. Quem sabe a história precisou destes depoimentos que foram enterrados com seus antigos Vulgos. 


Com quem gostaria de ter conversado?
- Gostaria de ter conversado com Manoel Neto, com o cangaceiro Luis Pedro e com Juriti. Esses três, como personagens de proa da saga do cangaço, teriam informações muito interessantes sobre os diversos aspectos, principalmente a rotina do grupo.

Qual o contato que não foi possível e lhe deixou de certo modo frustrado?
- Antonia de Gato e Manoel Tubiba. Meu amigo, assim que eu soube que Antonia de Gato havia sido descoberta pelo João de Sousa Lima eu fiquei assanhado para conhecê-la lá na região de Paulo Afonso, mas infelizmente tive que adiar e quando pensei que poderia concretizar soube que ela já havia falecido. E o Manoel Tubiba, cangaceiro velho, que andou com Lampião nos primórdios e que estava nas barbas dos pesquisadores, sem que ninguém soubesse. É uma pena que não se tenha colhido seu depoimento, pois quando descoberto ele já havia falecido. A sua descoberta também cabe ao nosso maior caçador de cangaceiros nos dias atuais: João de Sousa Lima.

Qual é o seu capitulo preferido?
- Um episódio de acho interessante é o da morte de João de Clemente no sertão baiano, ocorrido aí no início dos anos 30, perto de Riacho Seco, imediações de Glória, por ali. Porque, neste episódio, pode-se vislumbrar, em meio à moral distorcida de Lampião, algum lampejo de “humanidade”. O Rei do Cangaço demonstrou muito remorso em ter assassinado o João de Clemente, dizendo textualmente a várias testemunhas (entre elas Dadá), que o rapaz nada tinha lhe feito e que se arrependia de tê-lo matado.


Eu visitei o local em que ele foi enterrado e tirei algumas fotos em companhia de Dr. Amaury.


Eis um resumo do episódio: Os cangaceiros entraram na fazenda do Seu Clemente justamente no momento em que o João (de Clemente) estava encourado (com os apetrechos de vaqueiro) para ir buscar o gado na malhada. E, na hora que avista a cabroeira, se assusta, monta no cavalo e sai apressadamente. Lampião à frente do grupo grita para o João parar e apear, exigindo que ele retorne. Diante da recusa o que acontece... Lampião atira de ponto e mata o jovem João. Os cabras vão se aproximando do terreiro da casa da fazenda, ao tempo que Seu Clemente, pai de João, vem saindo para acercar-se do que fora aquele disparo. Ao perceber o filho morto, seu João, desesperado, puxa o facão da cintura e parte para cima do Rei do Cangaço, e os cangaceiros (incluindo aí Ângelo Roque) apontam os fuzis para o velho, para matá-lo. Lampião imediatamente intervém: - Pára! Pára!Ninguém atira! Tira o facão do velho, que ele está no direito de pai. Ou seja: ele matou alguém nada lhe tinha feito, e poupou a vida do velho que veio para matá-lo de facão em punho. São as contradições do cangaço, na cabeça de referenciais éticos distorcidos de Lampião. O arrependimento pela morte de João de Clemente, ele confessou para vários de seus companheiros como Dadá e também Zé Sereno, dizendo que aquela foi uma morte que ele se arrependia de ter feito.

Um cangaceiro (a)?
- Luis Pedro.

Um volante?
- Manoel Neto e Arlindo Rocha.

Um coadjuvante?
- Eronides de Carvalho. Foi um grande colaborador e fez algo inusitado para a época, que muita gente desconhece. Uma vez que Lampião era dado a algumas sofisticações, na visita a fazenda Jaramataia um dos cabras estava sofrendo de dor de dente, e o Dr. Eronides, como médico, oferece uma aspirina para ele. O cabra, desconfiado, aguarda a aprovação do capitão... Que de pronto autoriza, então o cangaceiro toma o medicamento, e melhora da dor de dente. Destaco Eronides também pelas belíssimas fotos que ele que ele fez de Lampião e seu bando. Excelentes registros de Mariano, Zé Baiano, Calais, Arvoredo e outros. Este homem, que abrigou Lampião em sua fazenda e o presenteou, inclusive com perneiras do Exército. Filho de Antonio “Caixeiro” de Carvalho, grande protetor de Lampião em terras sergipanas em 1937, é nomeado Interventor de Sergipe, no Estado Novo de Vargas. A partir daí ele aparece na imprensa condenando o cangaço e os seus colaboradores, e até cobrando um fim para esse flagelo. Me lembrou muito os nossos políticos de hoje, que, mesmo flagrados na ilegalidade, na primeira oportunidade pregam a moral e os bons costumes.


Uma personagem secundária? Queria ter bom papel, mas não passou de figurante
- Durval Rosa. Durval era um rapazinho e sua importância no episódio da morte de Lampião é hipertrofiada. A sua real importância na história do cangaço deve ao fato de ter estado com Lampião naqueles dias, e ter reconhecido o mesmo após sua morte, sendo mais uma testemunha ocular em Angico, ou seja: vacina contra novas teorias mirabolantes. Acredito que naquelas horas que antecederam o combate de Angico, Pedro de Cândido tinha ido buscá-lo até por que sozinho não conseguiria guiar as três volantes envolvidas e também por que provavelmente queria ganhar tempo, até que Lampião percebesse a aproximação dos soldados, ou então que os soldados deixassem o cerco para a manhã seguinte quando – isso ele sabia muito bem - Lampião já teria deixado o Angico.

Geralmente todo pesquisador é colecionador qual é o foco de sua coleção?
- Alem de livros, punhais que consegui por doação, sendo que alguns são originais, e outros são réplicas. Um dos punhais que mais gosto é um que foi feito por Paulo Pereira, filho de José Pereira, o homem que fazia punhais para Lampião no Crato, sob encomenda de Júlio Pereira, genro do Coronel Santana. Tenho algumas peças feitas pelo cangaceiro Balão (um chapéu, bornais, alpercatas, cartucheiras para bala de revólver e fuzil), o chapéu que foi encomendado a um volante, que nunca foi usado, e um anel presente de Durvinha, que, apesar de ser posterior ao cangaço, foi um presente muito especial.


Entre as peças tem alguma relíquia? 
- Consegui, no Cariri cearense, algumas preciosidades, como uma das armas trazidas aos batalhões patrióticos e que foi presenteada por Antonio da Piçarra a um coronel da região (não revelarei o nome); e que me foi presenteada por seus descendentes. Também consegui uma arma de um dos cangaceiros de Lampião, que, após ter recebido um mosquetão em Juazeiro, para combate à Coluna Prestes, presenteou sua antiga arma para uma pessoa que residia em Barbalha, a qual seu neto me presenteou.

Nós que gostaríamos de ver um filme que retratasse um cangaço autêntico, fiel aos fatos, sem licença poética, erro primário enfim sem exagero da ficção lamentamos a eterna necessidade de se ter finalmente uma produção digna da saga, de preferência um épico ou uma trilogia, enquanto isto não foi possível qual a película mais lhe agradou?
- Como representação histórica eu cito “Corisco, o diabo loiro”. Apesar da caracterização do ator de Corisco (Maurício do Valle) não ser das melhores, mas as indumentárias e a historia como um todo ficou bem representada neste filme. Também pudera: o roteiro tinha a colaboração do Amaury e a indumentária foi toda feita por Dadá. Já como filme emblemático eu elejo “O Cangaceiro” de Lima Barreto. Eu conheci em São Paulo, em companhia do Dr. Antonio Amaury e do Wolney Oliveira, o Galileu Garcia que, além de assistente de direção do Lima Barreto, também atuou no papel de assistente do chefe da volante. Segundo Galileu nos contou este o filme rendeu proporcionalmente mais que o americano Titanic. Mas a Vera Cruz não viu a cor do dinheiro e faliu anos depois.

Eleja a pérola mais absurda que já leu sobre Lampião?
- Tem várias. Mas vou ficar com a estória da indumentária, que alguns autores e jornalistas escreveram no passado, afirmando que era feita para camuflar o cangaceiro na caatinga. Ora, meus amigos, o traje do cangaceiro mais parece uma fantasia de carnaval: estrelas no chapéu, lenço colorido, perfumes exagerados misturados com suor, moedas na testeira do chapéu e na bandoleira do rifle... ou seja: quando o sol batia em cima do bandido, de longe se via o brilho e o reflexo. Na minha opinião, o traje era uma maneira de o cangaceiro se impor perante seus interlocutores. Era um traje adptado ao seu meio de vida. Nada ali é superfluo, mas dizer que era pra camuflar o cangaceiro, é demais!

Diante de tantas polêmicas surgidas posteriormente a tragédia em Angico alguma chegou a fazer sentido, levando-o a dar atenção especial ex.: “Ezequiel não morreu e reaparece anos mais tarde”, “João Peitudo, filho de Lampião”, “O Lampião de Buritis” e “a paternidade de Ananias”?
- Em São Paulo, também tive a oportunidade de conhecer e até conviver com o Ananias (Pretão) e o Arlindo, ambos pretensos irmãos de Maria Bonita. Visitei o Arlindo em Osasco (SP) e o Ananias na zona leste da capital. Quando digo pretensos irmãos de Maria Bonita é por que não vi o resultado do exame de DNA realizado. Na minha opinião, qualquer um deles pode, circunstancialmente, ser filho de Lampião e Maria.


Eu, apesar de não entender muito de genética, mas como profissional tenho alguns rudimentos, e conheço algumas condições que são necessárias para se obter um resultado confiável. Como já disse, não vi o resultado do que foi feito.


Quando se mexe com ciência, tenta-se mostrar onde provavelmente está a verdade. E pra isso existe um grau de certeza. Se o resultado é positivo ou negativo temos ver o grau de certeza disso, ou seja, o intervalo de confiança onde está provavelmente a verdade (é verdadeiro positivo? Falso positivo? Verdadeiro negativo? Ou falso negativo?). O que dificulta o resultado deste exame especificamente é que nós não temos descendentes de Lampião que sejam do sexo masculino, pra comparar o cromossomo Y. Não há mais irmãos homens, nem filhos homens de Lampião. Então, fica a cargo dos geneticistas fazerem com que o exame tenha um padrão seguro de certeza para se poder afiançar a verdade.


Quanto ao Ezequiel eu, particularmente, acho que ele morreu de bala, na Lagoa do Mel.

Dr. Leandro já nos responde esta pergunta em seu sublime texto “As verdades de Angico”, mas vamos carimbar a resposta novamente: Lampião morreu baleado ou envenenado?
- Lampião morreu baleado. Tiros no tórax e no baixo ventre. E, depois de caído (talvez até morto), deram-lhe um tiro na cabeça. Esta história de veneno é ficção científica.

Não precisa detalhar, mas em que assunto ou personagem está trabalhando ou qual gostaria de estudar para a publicação desta pesquisa. Enfim qual a próxima novidade que teremos em nossas estantes?
- Depois de passar uma chuva em São Paulo (nove anos e meio) e agora, como costumo dizer, “venci a lei da gravidade”, voltei pra minha terra, Teresina, no Piauí. E tenho a intenção de resgatar alguns fatos ligados ao cangaço no território piauiense. Apesar de Lampião não ter agido no Piauí, há muita coisa interessante a ser pesquisada. Um exemplo é a epopeia de Sinhô Pereira em 1919, quando ele foi rechaçado pela volante do tenente Zeca Rubens, na região de Caracol (PI). Nesta ocasião morreu o célebre cangaceiro Cacheado.


Existem relatos sobre um cangaceiro chamado Vicente Bezerra da Costa que tinha um pequeno bando e agia nos limite da Serra da Ibiapaba, hostilizando principalmente fazendeiros portugueses na época da independência do Brasil, inclusive com vários casos de sequestros e assassinatos.


Tem um episódio muito interessante que culminou com verdadeira guerra entre os coronéis Ângelo Gomes Lima o “Ângelo da Jia”, de Tacaratu (PE), famoso coiteiro de Lampião, e o Coronel Aureliano Augusto Dias, de Caracol (PI). Brigaram por conta da exploração de maniçobais no interior do Piauí. Foi guerra sangrenta com grande aporte de jagunços e cangaceiros da Bahia e Pernambuco, principalmente capitaneados pelo famoso Coronel baiano Franklin Albuquerque. Os subsídios para este futuro trabalho em parte já foram colhidos na época do lançamento de meu livro em parceria com Antonio Amaury “Lampião: A medicina e o cangaço”. Naquela ocasião nós conversamos com o Dr. William Palha Dias, neto do Coronel Aureliano. Inclusive tem um detalhe interessante: o avô dele recebeu Sinhô Pereira quando de sua passagem para Goiás em 1922. Desta visita ele nos relatou alguns pormenores, como, por exemplo, a companhia feminina do ex-chefe de Virgulino, que se chamava Alina e que rumou com ele para Goiás...


...Vamos ver o que vai dar.

*A foto de Eronides foi pescada no Blog Fontes da História de Sergipe

8 comentários:

  1. Amigo Leandro, tem um ditado que diz: 'filho de peixe, peixinho é'. O amigo não é filho, porém está ligado por laços de afetividade com o imbatível Dr. Napoleão Tavares. Então, o que posso dizer mais? Você, com a sua serenidade e simplicidade, vem dizendo para que veio... Uma nota de 0 a 10 pela sua entrevista? Dou 11.

    ADERBAL NOGUEIRA

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  2. IVANILDO A. SILVEIRA8 de outubro de 2010 às 18:25

    PARABÉNS AO DR. LEANDRO PELA EXCELENTE ENTREVISTA, BEM COMO PELA BRILHANTE EXPOSIÇÃO DE SEUS PROFUNDOS CONHECIMENTOS SOBRE O CANGAÇO E ALGUNS DE SEUS PERSONAGENS.ESSA ENTREVISTA É CONTAGIANTE !!!

    A NARRATIVA QUE O MESMO FEZ, NOS TRAZ IMPORTANTES INFORMAÇÕES SOBRE SEUS ESTUDOS CANGACEIRISTAS, E AS PERSPECTIVAS DE UM FUTURO TRABALHO, NESSE SENTIDO, DESTA FEITA, DANDO ENFOQUE A ENTREVEROS OCORRIDOS NO ESTADO DO PIAUI.

    PARABÉNS AO DR.LEANDRO, MAIS UMA VEZ, E AO KIKO PELO EXCELENTE NÍVEL DE INFORMAÇÕES, AQUI PRESTADAS.

    Abraço a todos.
    IVANILDO ALVES SILVEIRA
    Colecionador do cangaço
    Natal/RN

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  3. Dr. Leandro,

    Sua pesquisa séria e suas análises profundas sobre o cangaço o torna um dos jovens pesquisadores e escritores do tema, merecedor de nosso respeito e admiração. Seu trabalho é digno de constar em toda bibliografia que venha a ser pesquisada.
    Para minha honra tive a apresentação do livro de Moreno e Durvinha feita por Dr. Leandro e tive o privilégio de o acompanhar em alguns momentos de pesquisas e entrevistas. Enfim, sua amizade é algo precioso, parabéns por tudo e grande abraço.

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  4. Meu Deus, ele vai chafurdar até canganceiro no Piauí. Nós piauienses estamos em todas!
    Um abraço, querido amigo.
    Silvia.

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  5. Alguém pode me dizer quem aínda hoje faz cópias fiéis dos punhais dos cangaceiros, e quanto custa? essa família do Crato aínda tralha com isso? obrigado pessoal, um abraço a todos!

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  6. João!
    O Cuteleiro do Crato já é falecido. Outro leitor pode indicar outro especialista mas recentemente estive visitando o escritor e amigo João de Sousa Lima e soube através do mesmo que existe um cuteleiro desta cidade que fabrica punhais sob encomenda. Contato com João através de joaoarquivo44@bol.com.br
    ou (75) 8807-4138 www.joaodesousalima.blogspot.com

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  7. Amigo Kiko Monteiro:
    Lendo a sua solicitação aos demais leitores do Cariri Cangaço, que quem souber notícia de um bom fabricante de punhal (cuteleiro), lembrei-me que aqui no Rio Grande do Norte, na cidade de São Rafael, os melhores ferreiros estão lá.
    Não os conheço, mas são famosos em trabalhos artesãos feitos de ferro. Não posso lhe garantir que os ferreiros são os mesmos de antes, apesar da cidade não ser tão longe de Mossoró, eu não a conheço. Mas o que me consta é o admirável trabalho feito por estes artistas de São Rafael.
    Sei que o pulo de Crato para o Rio Grande do Norte, não é tão fácil, mas essa é a minha informação, já que você pede que o informe um cuteleiro.

    José Mendes Pereira - Mossoró-Rn.

    José Mendes Pereira – Mossoró-Rn.

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  8. Obrigado amigo Mendes fica ai mais uma dica para o Sr João que está buscando o artigo em questão.

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