Por Gabriela Moncau
O historiador Luiz Bernardo Pericás autor do livro Os cangaceiros, ensaio de interpretação histórica pela Boitempo Editorial traçando uma rica análise do fenômeno do cangaço, perpassando a estrutura econômica brasileira da época, o coronelismo, a questão racial e de gênero, a relação com o comunismo, entre outros aspectos. A obra será lançada dia 17 em Brasília e dia 22 em São Paulo.
O também historiador Lincoln Secco, na orelha do livro, aponta a importância do estudo do fenômeno, “o cangaço apareceu como a forma pela qual se moviam as contradições típicas de uma sociedade formada por populações errantes, pobres e vitimadas pelo mandonismo local e marcada pela instabilidade”.
Em entrevista à Caros Amigos, Pericás desmistifica impressões pré estabelecidas a respeito do cangaço e explicita a importância de um registro detalhado dessa peça da história do nordeste brasileiro, nos dias de hoje.
Da onde surgiu o seu interesse em redigir um livro sobre o cangaço?
O cangaço é um tema que sempre me fascinou. Na verdade, a maioria dos brasileiros de uma forma ou de outra já ouviu falar de nomes como Antônio Silvino, Lampião e Corisco, mesmo que a partir de “causos” ou versões romantizadas de suas vidas. O cangaceirismo ainda é, em grande medida, pouco estudado (pelo menos de forma sistemática) em nosso país. Em outras palavras, o que se conhece, em geral, são “lendas”, narradas oralmente, por meio de literatura de cordel ou por meio de biografias. Mas ainda há um campo muito grande para pesquisas nesta área, mesmo sabendo da existência de muitas obras sérias, de estudos sofisticados, como aqueles produzidos por Frederico Pernambucano de Mello, Billy Jaynes Chandler, Linda Lewin, Gregg Narber e Jorge Mattar Villela, por exemplo.
Há vários anos decidi ler com maior atenção o que havia sido escrito sobre o assunto, fui me embrenhando na bibliografia e acabei me envolvendo com o tema. Fiz viagens para o agreste e sertão do Nordeste, conversei com várias pessoas, estudiosos de áreas diferentes e fui juntando publicações de circulação restrita naquela região. Também fiquei um ano como Visiting Scholar na Universidade do Texas, em Austin, que tem uma das mais importantes bibliotecas de temas latino-americanos dos Estados Unidos. Lá também pesquisei bastante. Percebi, portanto, que havia condições para escrever um ensaio que fosse essencialmente interpretativo, que pudesse trazer alguns questionamentos interessantes e provocadores, e que, em última instância, pudesse abrir novas possibilidades de discussões.
O que você entende por “banditismo social”?
Muitos autores desenvolveram o conceito de “banditismo social”, em diferentes países, com algumas variantes. Talvez o mais conhecido deles seja o historiador britânico Eric Hobsbawm. Para ele, os bandidos sociais rurais permaneceriam dentro da sociedade “camponesa” e em tese, seriam admirados e respeitados pela população pobre, que os consideraria, quiçá, “heróis”, “vingadores”, “justiceiros” ou até “líderes de sua libertação”. Esses bandidos, portanto, lutariam contra os “inimigos de classe” dos camponeses: o Estado e os “senhores”, ou seja, os potentados rurais. E representariam também uma espécie de protesto social de caráter pré-político e inconsciente.
O banditismo social não apresentaria organização ou ideologia, seria inadaptável aos modernos movimentos sociais, teria uma visão retrógrada, voltada ao passado, e tinha por objetivo reconstituir uma ordem social tradicional. Já Carmen Vivanco Lara diria que este seria um fenômeno social por meio do qual a classe dominada expressaria seu descontentamento e reivindicação concreta contra o sistema político, jurídico, econômico e social; por falta de uma consciência “superior”, seria “apenas” um protesto contra a superexploração e contra os abusos e excessos não permitidos pela tradição e pelas leis; seria uma organização grupal; um movimento “corporativo”; teria como elemento nutriente o descontentamento popular; seria ligado à ideias como fidelidade e honra; seria uma resposta econômica à situação concreta; e também uma resposta “ideológica”, que tomaria a forma de luta popular. Essas são, em linhas muito gerais, algumas das facetas do banditismo social.
O que você acha da interpretação de que esse tipo de banditismo surgiu como uma resposta organizada à injustiça da estrutura social, econômica e agrária do nordeste, quase como que um embrião de guerrilhas sociais dos meios rurais (inconsciente ou consciente)?
Desde a década de 1930 (e até mesmo antes) havia quem acreditasse que os cangaceiros eram “rebeldes sociais”, que lutavam, mesmo que inconscientemente, contra a opressão e injustiças dos “coronéis” do sertão nordestino, e que estes bandoleiros poderiam, quem sabe, ser influenciados por forças progressistas externas e cooptados para a luta “socialista”. É só ver todas as discussões do Partido Comunista do Brasil na época, a constituição de grupos denominados “bandoleiros vermelhos”, as diretivas da ALN e do PCB sobre a criação de guerrilhas e sua aproximação com bandos de cangaceiros. Muitos anos mais tarde, autores como Rui Facó ou Christina Matta Machado também seguiriam (de forma mais sistematizada, em diferentes artigos e livros) premissas similares. Eram certamente trabalhos honestos, pioneiros em vários sentidos, inspirados no marxismo em voga na época, mas que, por outro lado, traziam simplificações e deixavam muitas lacunas abertas.
O que se pode dizer, na prática, é que os cangaceiros eram “bandidos” e que não tinham quaisquer interesses ou vínculos com projetos de mudanças sociais. Eles lutavam, na verdade, por seus “próprios” interesses. E isso significava, inclusive, fazer alianças com vários “coronéis”, políticos e até militares. Seu objetivo básico era obter ganhos econômicos com a atividade criminosa. Aparentemente, de acordo com Frederico Pernambucano de Mello, apenas “um” cangaceiro ingressou no Partido Comunista, um indivíduo sem maior destaque. Por outro lado, é fato notório que Lampião aceitou participar como “capitão” de um Batalhão Patriótico para lutar contra a Coluna Prestes, o que é algo emblemático. Afinal, o “rei” dos cangaceiros, naquela circunstância, estaria se aliando ao governo (ou seja, ao “establishment”) e supostamente iria combater Prestes, este sim um líder que representava a luta contra o regime constituído e que queria promover mudanças no país.
Como era a participação das mulheres no cangaço? E a relação dos cangaceiros com as mulheres em geral?
As mulheres só começarão a ingressar de forma orgânica em bandos de cangaceiros a partir do começo da década de 1930. Ou seja, já no final do cangaço independente. Há quem diga que naquela década, entre casadas e amantes, havia em torno de 40 mulheres. Ou seja, elas eram minoria nos grupos e não participavam de combates (ainda que andassem armadas). Por outro lado, elas ajudaram a compor uma “imagem” e uma “estética” para o cangaço: usavam cabelos curtos, saias que batiam nos joelhos e roupas mais ousadas, em termos de estilo, que os da maioria das mulheres sertanejas.
Elas provavelmente viam no cangaço a possibilidade de uma vida diferente, mais dinâmica, que se distanciasse da rotina muitas vezes entediante e previsível dentro das comunidades sertanejas tradicionais, onde seu papel já estava definido desde que eram meninas. Mas a participação delas nos bandos, ainda assim (se comparada, é claro, ao papel predominante dos homens) era secundária. Mas há muitos relatos de verdadeiros casos de amor entre casais naqueles grupos de bandoleiros e uniões que duraram a vida inteira.
Para você, qual a importância de um livro como esse?
Como disse antes, acho que o livro abre a possibilidade de ampliar as discussões sobre o tema, criar interesse nos estudos sobre o cangaço, instigar pesquisas que refutem ou reforcem as teses apresentadas e quem sabe, estimular a produção de novos trabalhos.
(*) Entrevista publicada originalmente no sítio da Caros Amigos.
Quanto a mim, pesquei no site: Fazendo Média
Por favor, vocês têm o email do Luiz Bernardo Pericás?
ResponderExcluirHugo tente pelo IEB
ResponderExcluirEndereço
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