Cangaceiro, Cangaço e Canga
Por: José Peixoto Júnior
Há na literatura cangaceira entendimento pacífico de que o termo cangaço, no sentido de banditismo, decorreu de a imagem do facínora conduzindo a arma de fogo de cano comprido atravessada sobre a nuca lembrar boi de canga.
“Esses bandidos independentes receberam o nome de cangaceiros. Palavra que se origina de canga, o conjunto de arreios que amarra o boi ao carro.” “Levavam os clavinotes passados pelos ombros, tal qual um boi no jugo, isto é, na canga”.
O salteador pernambucano Cabeleira, enforcado em 1776, e o malfeitor baiano Lucas da Feira, enforcado em 1849, ambos comandantes de comparsas, não foram denominados cangaceiros.O termo cangaceiro “bandido do sertão nordestino brasileiro” teve o seu primeiro registro em 1899, porém cangaço “já em 1834 se dizia de certos indivíduos que eles ‘andavam debaixo do cangaço.’
Ora, caçador com a sua espingarda de ouvido ao ombro, também roceiro com a sua enxada no caminho da roça às vezes as seguram sobre o pescoço; o aguadeiro com seu jogo de latas pendentes nas pontas de um pedaço de pau as conduzem com esse pau de través no pescoço; nem por isso a caçadores, roceiros, carregadores de água chamam-nos de cangaceiros. Os próprios bois de carro, de arado, de engenho nunca foram conhecidos por bois cangaceiros, e sim bois mansos. Ademais, a canga é suportada por dois bois, e não por um boi só, o que parece tornar mais afastada a comparação. Canga em bicho unitário só em porco ou miunça para não invadir roça. Essa canga é triangular.
Cangaço é termo independente de canga, respeitada a raiz morfológica “cang”, não é, como pode parecer, o aumentativo sintético de canga.Cangaço é esqueleto, ossada de animal ainda não desarticulada. No cangaço dos animais o arco de curvatura dos ossos das costelas destacam o esqueleto oferecendo visão macabra. Nas grandes secas tinham-se essas visões marcantes amiúde, marcantes não apenas por expressar prejuízo, também por espelhar a morte. Às vezes, via-se no bojo da caixa torácica de um cangaço urubu a bicá-la.
O bandido usava cartucheira à cintura e a tiracolo. Esse artefato de couro atravessado de lado do pescoço para a outra banda do corpo, se cartucheira dupla, encruzava-se no peito. Arqueava-se e, tendo em vista o encostelado dos cartuchos com suas reentrâncias e saliências, projetava a imagem estereotipada de costelas. Ora, costelas destacadas sem carne aderente são costelas de esqueleto, costelas de cangaço. Acrescente-se a essa imagem o medo provocado pelos usuários.
Por alusão, a expressão “andar debaixo do cangaço” guardava a figura do urubu na caixa torácica da carniça, dentro do cangaço.A meu ver, a palavra cangaceiro vem de cangaço, porém cangaço carniça.Quanto a expressão “debaixo de canga”, usada por coronéis de barranco relativamente a agregados, não remete à peça atreladora de bois, mas à canga instrumento de suplício, figurativo de sujeição dia e noite. A canga dos bois é instrumento de trabalho, só de trabalho.
José Peixoto Júnior, escritor
Brasília DF
Texto gentilmente enviado por Ângelo Osmiro escritor presidente da SBEC -Sociedade brasileira de estudos do cangaço.
Foto pescada no açude de compadre Severo Cariri Cangaço
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