Oitenta anos da maior manifestação de insurgência do mandonismo local
(*) Por José Romero Araújo Cardoso
Eita Pau Pereira que em Princesa já roncou,
Eita Paraíba mulher macho sim senhor,
Eita Pau Pereira meu bodoque não quebrou!”
(Paraíba – Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga)
A indicação de Epitácio Pessoa para que o sobrinho do poderoso oligarca de nome João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (Foto à direita) presidisse o Estado da Paraíba teve raízes na faina corrupta que grassou a unidade federativa quando o renomado político assumiu a gestão executiva brasileira entre os anos de 1919 a 1921.
O boom econômico originado com a demanda externa por matérias-primas após a primeira guerra mundial motivou a elaboração de políticas públicas que tinham nas obras de açudagem o principal carro-chefe.
Para evitar fuga de divisas para os Estados vizinhos, Epitácio Pessoa pensou em dotar a capital paraibana de um porto com infraestrutura impecável que pudesse sanar velho problema que prejudicava inexoravelmente as finanças do Estado no qual expressava a figura maior do mandonismo local. Não conseguiu, pois o dinheiro para a construção do porto foi parar nos bolsos dos seus aliados.
Nessa época, a porção setentrional paraibana mantinha laços econômicos muito fortes com Mossoró, enquanto a meridional era ligada ao Recife, onde se destacava a família Pessoa de Queiroz como principal agente econômico do processo de exportação da produção gerada no semiárido.
A barreira orográfica representada pelo planalto da Borborema auxiliava bastante nas decisões dos produtores sertanejos de buscar outros pólos econômicos a fim de realizar negócios lucrativos, tendo em vista a deficiência de meios de transportes eficazes, pois geralmente os deslocamentos eram feitos com tropas de burros.
Quando assumiu a presidência paraibana, João Pessoa declarou guerra tributária que atingiu frontalmente a elite sertaneja agropastoril. A taxação sobre a produção, sobretudo a cotonicultura, fez com que a margem de lucros dos produtores caísse consideravelmente.
Porteiras foram colocadas em pontos estratégicos para que a taxação sobre os produtos fosse realizada. Dessa forma logo os cofres do Estado foram abarrotados de dinheiro oriundo de majorações exorbitantes.
Em contrapartida, a situação social e econômica sertaneja foi se tornando periclitante, com a alta generalizada dos preços aliada à seca que teve início em 1926 com pequeno intervalo em 1929. Nesse ano a situação tornou-se ainda mais alarmante, pois foi deflagrada a grande crise na bolsa de valores Novayorquina, onde eram comercializadas as matérias-primas indispensáveis à reconstrução européia depois da primeira guerra mundial.
Na guerra sem trégua ao mandonismo local, João Pessoa passou a agir de forma impensada sobre as bases do Epitacismo. Destituía ou transferia sem a menor cerimônia pessoas importantes do esquema oligárquico, como chefes de mesas-de-renda.
O Estado da Paraíba ficou conhecido como a “Suíça Brasileira”, graças à mão-de-ferro do Presidente que restabeleceu as finanças públicas, extremamente combalidas com a fase aguda de corrupção que marcou as gestões de Sólon de Lucena (1920-1924) e de João Urbano de Vasconcelos Suassuna (1924-1928).
João Pessoa foi convidado pelos governos gaúcho e mineiro para compor a chapa da Aliança Liberal, em vista que havia sido desmanchada a política do café com leite quando da indicação de Júlio Prestes para suceder Washington Luís. Dessa formas, como candidato a vice-presidente, o chefe do executivo paraibano chegou a Princesa, reduto do “Coronel” José Pereira Lima, (Foto abaixo) principal município prejudicado pelas ousadas políticas públicas adotadas pelo sobrinho do poderoso Epitácio Pessoa.
João Pessoa e comitiva foram bem recebidos. Princesa, localizada no cordão de serras que divisa o Estado da Paraíba do Estado de Pernambuco, estava toda enfeitada com bandeiras vermelhas, símbolo da Aliança Liberal, pois era o representante do Epitacismo que se encontrava no território que devia vassalagem à expressão maior da política de compromissos que caracterizava a República Velha.
Quando João Pessoa mostrou a chapa da Aliança Liberal, a qual excluía o nome de João Suassuna, estava sendo selado o rompimento do “Coronel” José Pereira com as bases da orientação política que até então seguia.
A confirmação veio quando o presidente chegou à capital e recebeu telegrama do chefe político Princesense em tom desafiador, no qual informava seguir rumo próprio em companhia de correligionários espalhados pelo Estado. Trocas de telegramas cada vez mais acintosos não deixaram margem a nenhuma dúvida, pois João Pessoa escudando-se na defesa da ordem em razão do pleito eleitoral a ser realizado em 28 de fevereiro de 1930 decidiu de forma intransigente enviar tropas para o sertão, sendo declarada neste dia a guerra de Princesa.
Conforme o brioso oficial paraibano Ademar Naziazene, em livro sobre a história da polícia militar paraibana, o número total do contingente a disposição do presidente João Pessoa era 890 combatentes. A primeira investida foi sobre a vila do Teixeira, reduto da família Dantas, invadida pela tropa comandada pelo Tenente
Ascendino Feitosa que aprisionou vários membros deste clã sertanejo.
À disposição do “Coronel” José Pereira foi formado verdadeiro exército composto de mais de 2.800 homens, armados e municiados principalmente com rifles winchester calibre 44. Depoimentos prestados pelo Coronel Manuel Arruda de Assis ao NDIHR/UFPB registraram que as armas estavam ainda encaixotadas com o selo da importadora Matarazzo.
A Polícia Militar paraibana lutava com armas obsoletas, com munição vencida, impossível de ser usada de forma adequada. Para tentar contornar a situação dramática, o governo gaúcho montou esquema de contrabando em barris de sebo, tendo em vista que a alfândega, enquanto órgão federal, era controlada pelo perrepistas.
Zé Pereira enviou cerca de 500 homens, comandados por Lindu e Luiz do Triângulo, para soltar os Dantas que se encontravam aprisionados e ameaçados de ser sangrados. O movimento armorial, liderado por Ariano Suassuna, reconheceu o gesto heróico, concedendo título de nobreza ao último comandante supracitado, em obra por título “O Romance da Pedra do Reino”.
Foram quase cinco meses de combates inenarráveis, quando se destacaram nomes como Marcolino Pereira Diniz, Manuel Lopes Diniz, Cícero Bezerra, Sinhô Salviano, João Paulino, Caixa de Fósforo, entre outros, do lado do “Coronel” José Pereira, enquanto combatentes fiéis a João Pessoa se destacaram Coronel Elísio Sobreira, Raimundo Nonato, Clementino Quelé (Foto abaixo), Jacob Franz, gaúcho que saiu do Rio Grande do Sul para servir à causa da Aliança Liberal, entre muitos outros, comandados pelo Secretário de Interior e Justiça José Américo de Almeida.
Com total apoio do Palácio do Catete, Zé Pereira conseguiu que Princesa se tornasse território livre e independente, com constituição própria, hino e bandeira próprios, exército próprio, enfim, legalmente separada do Estado da Paraíba. A família Pessoa de Queiroz, com quem o chefe princesense mantinha laços econômicos e pessoais estreitos e marcantes, manteve-se impávida ao lado das oligarquias insurgentes durante toda a luta, não obstante a proximidade familiar com o Presidente João Pessoa.
Sobre Princesa, Ruy Facó destacou em Cangaceiros e Fanáticos que o território transformou-se em fortaleza inexpugnável s que sobre seus muros vacilavam as tropas regulares. Com certeza, pois a cidadela insurgente e seus arredores foram fortificados e defendidos com unhas e dentes na maior demonstração de rebeldia do mandonismo local na República Velha.
Em 26 de julho de 1930, após constatar a ausência de ética ensejada pelas batalhas, quando diário e cartas íntimas foram publicadas na imprensa oficial paraibana, o advogado João Duarte Dantas foi à caça do Presidente João Pessoa pelas ruas do Recife, encontrando-o na companhia de amigos na confeitaria Glória. Os tiros que mataram João Pessoa puseram fim à luta e a uma era, pois em outubro de 1930 foi deflagrada a revolução que iria gradativamente cercear o poder dos “Coronéis” e instituir nova ordem abalizada na ênfase ao nacional-populismo que caracterizou o período Varguista.
(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
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