A Farmacopéia Cangaceira
por Aglae Lima de Oliveira
Lampião representava, no cangaço, o médico clínico, o cirurgião, o ginecologista, o parteiro, o cirurgião-dentista, o farmacêutico e adivinho do bando. Suas mezinhas enriqueceram a farmacopéia cangaceira e eram usadas por fazendeiros e moradores de casebres nas caatingas. Êle e os bandidos sabiam de curiosos remédios.
Eliminavam casos de piolhos com um processo interessante. Torravam sementes de pinha, formavam uma pasta, a que adicionavam óleo de piqui, untavam a cabeça e ficavam expostos ao sol por algum tempo. Os parasitas caíam todos. Para calvície, machucar môscas e untar a cabeça.
Dores de cabeça: Fôlhas de algodão aquecidas; mascar gengibre.
Doenças de olhos: Lavar os olhos com água na qual cozinhavam fôlhas de juàzeiros.
Espinhas: Estêrco de galinha, de preferência choca.
Amigdalite: Chá de formiga e cozimento de angico com sal (gargarejo)
Resfriado: Umbu verde cozido no leite. Primeiramente, cozinhava-se o umbu e deixava a leite esfriar; tomar quente.
Asma (puxado): Lambedor de cebola xexéu (cebola branca) . Uma colher de sopa de banha de ema.
Boqueira: Espuma de pau.
Verrugas: Leite de avelos e sangue de menstruação, sem que o doente saiba.
Dor de dentes: Inchados, estalecidos. Preparava-se um mingau com 7 ingredientes:
1 — água;
2 — pucumã (teia de aranha misturada com sujo de telhas) ;
3 — dente de alho;
4 — pimenta-do-reino;
5 — barrode (casa de besouro) ;
6 — sal;
7 — uma pitada de goma.
Raspavam-se também, troncos de goiabeiras, para tampões de furos de balas. Lavavam-se com fôlhas de quixaba e fumo. Usavam ainda estêrco de gado e cabelo de mocó.
Indigestão: Azeite de carrapato e vinagre com goma.
Tétano: O doente ficava incomunicável. Tomava apenas líquidos dados por uma só pessoa. Vestia uma roupa preta e ficava no quarto escuro, se possível pintado de prêto ou forrado com fazenda preta (os casos de tétano eram raros) .
Diabete: Chá de casca de biratanha. Conhecia-se o diabético porque no local onde ficava se juntava formiga ou êle sentia vontade de urinar freqüentemente e se alimentava bastante.
Para curar o vício da cachaça: Cinco gôtas de jurubeba do Pará na bebida.
Garrafada de carne verde. 5 pedaços de carne verde em infusão, sem que o viciado soubesse. Vomita e aborrece a bebida. Repetir 3 sextas-feiras com esta oração:
"Oh! Divino Redentor
Quando fulano beber
Êle há de se enjoar
A bebida há de feder.
Meu senhor, Meu Jesus Cristo,
Minha Santa Virgem Maria
Valei-me Padrinho Cícero
E a Sagrada Família.
Com a santa fôrça do credo
E o vosso santo poder
Tu hás de sentir a bebida
Nas tuas ventas feder."
Para incômodos das senhoras bandidas:
Cólicas: Água serenada.
Flôres Brancas: Chá de Ipepaconha branca com farinha serenada.
Lesões: Cavar um buraco no chão para fechá-lo devagar, usando a terra retirada. Colocar em cima um feixe de lenha. Não passar mais no local. Levar susto. Garrafa de vinagre com sal de pedra serenado.
Evitar pisar em rastro de côrno.
Avistar carne verde e mulher descascando mandioca.
Quedas: Purgante de cabacinho.
Ferimento de bala: Mata-pasto pisado com água.
Lesões pulmonares: Estira-se no chão duro.
Grandes ferimentos em tiroteios: Sumo de cipó de fôlha de carne e emplastro de pimenta malagueta pisada com casca de caroço.
Usava-se o chá de pinto. Lavava-se o ferimento com teia de aranha e pucumã com açúcar. Pegava-se um pinto, vivo de preferência, pedras, amarravam-se as pernas, colocavam-se as pernas dentro de um pilão, reduzia-se o pinto a uma pasta, na qual se misturava um cozimento de casca verde de quixaba. Coava-se num retalho de morim nôvo.
O doente bebia. Era necessário vomitar. O vômito significava resultado eficaz. Espalhava-se o sangue. Se o doente não vomitasse havia preocupação.
Quando defecava, preparava-se a mortalha. Se os intestinos foram perfurados, tratava-se de preparar a rêde para enterrar (fedeu a cocô, fede a defunto) .
Costurava-se o ventre com agulha de costurar couro. Proibia-se qualquer pessoa ao lado do doente, para não arruinar a ferida. Mulher não entrava no quarto, principalmente se estivesse menstruada.
Febre alta: Suador de semente de melancia, casca de angico em água serenada.
Fraqueza dos pulmões: Leite de jumento de manhã, de preferência da primeira cria.
Reumatismo: Garrafada de tipim, fricção de banha
de cobra cascavel, de veado e banha de ema.
Doença venérea:
Chá de carne-sêca de ema e sumo de limão serenado. Espremiam-se 12 ou mais limões, o suficiente para cobrir um ôvo com casca e tudo. Deixavam-se no sereno, dentro de um prato de barro virgem. 0 limão comia a casca, a clara e a gema, deixando apenas um caldo espêsso a que chamavam gosma. Bebia-se em jejum, antes de o sol nascer, e não se olhava para mato verde, nem mulher. Era proibido mergulhar nos açudes, porque ficava cego. Exigia dietas. Não se podia alimentar de frutas que tivéssem espinhos, nem de caça e de animais de bico.
Feridas de coceiras: Pó de enxôfre com óleo de piqui. Cobrir a ferida com fôlha de pimenta malagueta.
Dor de barriga: Chá de pai-Pedro (erva cidreira), sapirnanga, lôdo de pote.
Sarna: Raspar côco e misturar ao enxôfre, passando 8 dias sem molhar.
Prisão de ventre: Chá de raiz da gitirana, do lado em que nasce o sol.
Rins: Chá de côco catolé.
Engasgo ou sufocação por comida: Usavam-se tições. Levantar os dois braços.
Vermes intestinais: Lavagem de manipueira
Impotência sexual: Chá de velame, 6 dias sem sair de casa. Cabeça-de-negro em jejum (chá), água de arroz. À pimenta e ao caminho em jejum chamavam. "mingau levanta homem".
Para suspensão de regras: Infusão de grão e café na aguardente, durante 9 dias. Chá de pega-pinto e do casco do mulungu. Semente de manjiroba em infusão.
Casos de bexiga: Resolvia-se com o banho às escondidas, à meia-noite em ponto, no mesmo poço em que os cavalos se banhavam. Bebiam-se gar¬rafas de cachaças misturadas com pólvora inglêsa. Aguardente alemã e chá de jarrina.
Sangue pelo nariz, provocado pelo excesso do calor solar: cheirar algodão queimado.
Dores de ouvido: Tampões de fôlhas de algodão.
Pneumonia: Beberagem de quina; quina e sangria.
Torceduras — Luxações: Emplastro de clara de ôvo batida com breu. Untar a parte dolorida com banha de ema.
Purga da jalapa: Exigir dieta rigorosa 5 dias, dentro de um quarto, sem sair. Purga de velame: 3 dias para os homens enfraquecidos.
Falta de ar: Chá de trombetas. Conseguir um cancão e dar o resto da comida do doente ao pássaro, sem que o doente saiba.
Mordeduras de cobra: Para o sertanejo, o mês perigoso para cobras é Maio. Nesse mês elas se encontram em pleno cio. Geralmente os bandidos não eram atacados por cobras. Todos acreditavam na superstição, na cura do rastro. Entretanto, usavam medidas preventivas, como perneiras e tinham atenção nas caminhadas, cuidado em pôr as mãos no "ocos" das árvores. Ensinava-se queimar a parte picada imediatamente com um tição de fogo ou cortava-se com uma faca afiada. O paciente ficava bom, porém apresentava-se nervoso na fôrça da lua.
Empingem brava: Chá de raiz de inhame. Engasgo: Virar dois tições e levantar os braços.
Para combater o mau hálito: Mastigar olhos da goiabeira branca.
Erisipela: Amarrar a perna com fita vermelha e
Hemorragia: Suco de arnica .
Males do coração e tonturas: Chá de quiabo .
Doenças intestinais, fígado e baço: Maxixe cortado em rodelas, em água, num prato de barro virgem. Qualquer remédio que ficasse exposto ao sereno, pôsto no telhado da casa, exercia o poder da cura. Extraíam-se as balas a cru na ponta do punhal, à luz dos candeeiros. Para a sêde excessiva quando se sentia perder a visão, os lábios grossos, a bôca espumante, conseguida a água, deveria ser sorvida aos goles, misturada com rapadura . Se fôsse bebida com sofreguidão, não pararia no estômago. Por mais sêde que sentisse, o bandido vomitaria.
As bandidas tinham partos normais, sem nenhuma higiene. 0 umbigo do menino era cortado com as unhas e não contraíam tétano. Amamentavam bem. Essas mezinhas eram empregadas de fato. Lampião foi ferido em dezembro de 1927, na Serra das Panelas, pelas fôrças do tenente Teófanes Tôrres, ficando com o pé esquerdo apenas seguro pelos tendões .
Os bichos devoravam o pé do bandido e espalhavam-se por todo o corpo. Com as unhas êle os retirava dos olhos, dos ouvidos, do nariz e da bôca.
O sangue esguichou do profundo ferimento que absorveu duas cobertas. Conseguiu ocultar-se e ficou à espera de que passasse alguém. Os cabras estavam dispersos e se retiraram. Lampião resistiu ao sofrimento. Êle e seus companheiros, quando feridos, tomavam, como primeira medida a de evitar beber água. Quando foi socorrido, restabeleceu-se apenas com mezinhas. Passou 40 dias em tratamento.
Nem sempre os bandidos conseguiam, nas marchas incertas, a matéria-prima para a fabricação dêsses remédios, sabiam, porém, receitá-los e usá-los, quando abrigados.
Além das mezinhas, conduziam amuletos e rezas na parte doente de espinhela caída ou de desmentido do pé, como chamavam.
Naquela época, era comum nos grandes centros e no interior a sífilis e a tuberculose. Matavam como o câncer atualmente. O ar da natureza, serras e serrotes, impedia o registro de casos de tuberculose. Sómente alguns bandidos ficaram tuberculosos.
Praticavam extrações dentárias com pontas de punhais e alicates. Em seguida, bochechos de mandacaru. Raspa de juá evitava o aumento da cárie. Lampião, Zé Baiano, Labareda e Virgínio eram os cirurgiões do cangaço. Não ocorriam casos de doença de raiz (câncer) e, se se encontrava em algum lugar, medicavam com "água forte", calangros e sapos recém-mortos na parte afetada. A doença de raiz passaria a correr na carne em que se colocasse.
Usavam ainda:
Para reumatismo e puxado : Chá de osso de jumento.
Para tosse, ferimentos e panarício: Erva babosa e sumo de assa-peixe.
Erisipela e asma: Chá de perna de ema. Rouquidão: Chá de perna de siriema.
Epilepsia, ar de fora e vento maligno: Chá de perna de garça.
Ouvido estourado: Banha de traíra.
Juntas entrevadas: Banha de capivara.
Asma: Banha de ema.
Para hidrocele e hérnia: Banha de baiacu.
Reumatismo: Comer carne de cascável.
Tosse brava: Banhos de sândalo e alcaçuz.
Lombrigas: Erva de cruz.
Catarros e pedradas: Batata de purga.
Cabeça-de-negro: Para afinar o sangue.
Caspa: Casca de Juá
Constipação : Alecrim caseiro.
Sinusite: Alecrim salobro.
Dor de barriga e cãibras de sangue: Alecrim canelinha.
Diabete: Jucá.
Fígado e Rins: Castanha mineira.
Para quedas e frios: Quixaba.
Hemorróidas: Sentar no couro do animal conhecido por "papa-mel da preguiça".
Feridas crônicas na perna, conhecidas por perna santa: Couro de jacaré de papo amarelo : fazer o rapé e o chá.
Ventosidade: Chá de veado (couro) .
Asma: Couro de jacaré papo amarelo.
Fonte "Lampião: Cangaço e Nordeste" de Aglae Lima de Oliveira, pág. 131/139: Grafia original da obra.
Transcrito por
Ivanildo Silveira
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