O amor comanda o cangaço
Daniel Schenker
Especial para o Jornal do Brasil
Daniel Schenker
Especial para o Jornal do Brasil
Com o projeto do documentário O altar do cangaço, Wolney Oliveira faz um duplo resgate. O primeiro é referente ao cinema centrado no universo do cangaço, lembrado nos últimos anos apenas através de produções esparsas. O segundo diz respeito a dois personagens do filme – o casal formado por Moreno e Durvinha, remanescentes do bando de Lampião, que passaram 66 anos escondidos com medo de serem mortos.
Wolney Oliveira |
Wolney Oliveira começou a registrar toda essa história em 2006. Contou com a ajuda do pesquisador João de Souza Lima (autor do livro Moreno & Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço), que localizou cangaceiros, volantes (os patrulheiros que caçavam os fora-da-lei) e coiteiros (que davam abrigo aos cangaceiros). O levantamento das informações trouxe constatações interessantes.
– O homem humilde do campo tinha poucas opções: enveredar pelo cangaço, tornar-se volante ou viver na dependência de algum coronel. Vários viraram cangaceiros motivados por uma necessidade de vingança pessoal, já que a justiça não resolvia – explica Wolney, citando como exemplo o caso de Moreno.
– Ele foi injustamente acusado de ter roubado um carneiro na época em que morava em Brejo Santo e levou uma surra. Durvinha entrou para o cangaço aos 14 anos, depois de se apaixonar pelo cangaceiro Virgínio. Ele morreu e ela passou a viver com Moreno, com quem teve um filho, Inácio, no final da década de 30.
Perseguidos, entregaram o bebê (com apenas 29 dias de vida) para ser criado pelo padre Frederico, em Tacaratu, sertão de Pernambuco. Seguiram viagem e se estabeleceram em Augusto de Lima, interior de Minas Gerais, e depois partiram para Belo Horizonte. Tiveram mais cinco filhos e adotaram nomes falsos. E só reviram Inácio muitos anos depois, em 2005. Não foi um reencontro fácil. Inácio e uma de suas irmãs, Neli, não mediram esforços para viabilizá-lo.
Perseguidos, entregaram o bebê (com apenas 29 dias de vida) para ser criado pelo padre Frederico, em Tacaratu, sertão de Pernambuco. Seguiram viagem e se estabeleceram em Augusto de Lima, interior de Minas Gerais, e depois partiram para Belo Horizonte. Tiveram mais cinco filhos e adotaram nomes falsos. E só reviram Inácio muitos anos depois, em 2005. Não foi um reencontro fácil. Inácio e uma de suas irmãs, Neli, não mediram esforços para viabilizá-lo.
– Mandei cartas para o programa Porta da esperança, do Silvio Santos, mas nunca consegui que colocassem minha história no ar. Neli ligou para Tacaratu, mas eu morava no Rio de Janeiro desde 1956 – lembra Inácio.
Depois de alguns desencontros, Inácio foi localizado. Apresentou-se à própria família por telefone. E marcou de ir até Belo Horizonte encontrar pais e irmãos em 10 dias. Mas não aguentou a ansiedade e antecipou a viagem. Levou receios na bagagem.
– Eu pensava: “Será que vão me aceitar como irmão? Como meu pai, cangaceiro, reagirá ao fato de eu ser policial?” – enumera Inácio, que embarcou rumo à capital mineira com o filho, Eudse, também policial.
Felizmente, os temores logo se dissolveram.
Felizmente, os temores logo se dissolveram.
– Fui muito bem recebido. Quiseram, inclusive, que fosse morar com eles. Até tenho vontade de ter um espaço por lá. Mas fiz minha vida aqui no Rio – diz Inácio, que, além de Eudse, é pai de Marilane.
Moreno está com 99 anos. Durvinha morreu ano passado, aos 93. Inácio não se envergonha de ser filho de cangaceiros.
Moreno está com 99 anos. Durvinha morreu ano passado, aos 93. Inácio não se envergonha de ser filho de cangaceiros.
– Não tenho culpa do que os meus pais foram. O passado deles não me importa – sublinha, explicando que não foi registrado com o nome de Durval Gomes de Sá, escolha de seus pais, mas como Inácio Carvalho de Oliveira, em homenagem a Santo Inácio de Loyola. Os sobrenomes são do padre Frederico e de dona Senhora, a governanta que ajudou a criá-lo.
Com planos de lançar o filme em 2010, Wolney Oliveira pretende viajar para Paris. Afinal, O cangaceiro (1953), de Lima Barreto, saiu vitorioso do Festival de Cannes, onde foi representado pela atriz Vanja Orico. A partir daí, o cangaço se tornou um gênero à parte.
Com planos de lançar o filme em 2010, Wolney Oliveira pretende viajar para Paris. Afinal, O cangaceiro (1953), de Lima Barreto, saiu vitorioso do Festival de Cannes, onde foi representado pela atriz Vanja Orico. A partir daí, o cangaço se tornou um gênero à parte.
– A febre começou no fim dos anos 50. A década de 60 foi marcada pelo chamado nordestern, espécie de faroeste nordestino cuja matriz é o western americano – destaca a jornalista Maria do Rosário Caetano, responsável pela organização do livro Cangaço – O nordestern no cinema brasileiro. – Glauber Rocha despontou como uma exceção neste contexto. Em seus filmes, a figura do cangaceiro é quase metafísica – complementa.
Maria do Rosário chama a atenção, porém, para a diluição dos filmes de cangaço nas décadas seguintes.
Maria do Rosário chama a atenção, porém, para a diluição dos filmes de cangaço nas décadas seguintes.
– Nos anos 70, surgiram as pornochanchadas baseadas no cangaço. No entanto, houve algo digno de nota: a experiência de diretores no Globo repórter. É o caso de Hermano Penna, que assinou A mulher no cangaço, mostrando como jovens encontravam no cangaço a sensação de libertação de contextos familiares opressores. Nos anos 80, a produção nacional quase abandona a vertente. E, de acordo com Rosário, há poucos destaques no cinema da retomada.
– Baile perfumado revitaliza a tradição, ao mostrar o cangaceiro aburguesado – elogia, referindo-se ao filme de Paulo Caldas e Lírio Ferreira.
FONTE: JBonline
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