quinta-feira, 28 de maio de 2009

Memórias do cangaço em Sergipe

Nossa Senhora da Glória
Por Caio César Santos Gomes

Entre fins do século XIX até meados da década de 1940, o sertão brasileiro serviu de palco para um movimento de caráter social que aterrorizou populações e deixou profundas marcas na memória dos indivíduos, que vão além de prejuízos materiais e mortes. Os bandos independentes que originaram o movimento do cangaço tiveram como figura principal o cangaceiro, sendo Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o mais famoso e temido por todo o sertão. Em meio às andanças pelos sertões do Nordeste brasileiro, Lampião e seu bando percorreram vários estados, inclusive Sergipe.

Em 22 de abril de 1929, o Jornal Gazeta de Sergipe, na edição de número 424, noticiou a entrada de Lampião em Sergipe pela região do atual município de Canindé de São Francisco, de onde seguiu para Poço Redondo, vindo posteriormente para Nossa Senhora da Glória, em 20 de abril de 1929. Essa passagem de Lampião pela cidade de Nossa Senhora da Glória, ocorrida em um sábado, dia da feira local, provocou uma onda de pânico na população que temia saques e derramamento de sangue.

Alguns dos atores sociais que vivenciaram a data, como é o caso de Gerino Tavares, que na época tinha 24 anos de idade, relembram como foi o 20 de abril de 1929 em Nossa Senhora da Glória. De acordo com o depoente, a passagem de Lampião e os cangaceiros pela localidade ocorreu de forma “tranqüila”, uma vez que em Nossa Senhora da Glória, o capitão do sertão agiu de forma diferente, contrariando a expectativa da população local, que temia uma passagem violenta. Outros entrevistados confirmam a passagem tranqüila, como é o caso de Maria Gerovina Aragão, que relembra:

Eles ficaram e almoçaram e depois que almoçaram saíram. Saíram e ficaram na rua olhando isso e aquilo outro, mas não mataram nem nada, só fizeram medo e acabou”,

referindo-se ao comportamento dos cangaceiros na cidade após almoço que ela ajudou a preparar na casa do seu padrinho, o intendente João Francisco de Souza.

Em uma publicação sobre a história da cidade, da década de 1980, produzida pelo Banco do Nordeste, encontramos o depoimento de Maria Nila de Almeida, que ratifica a informação da passagem tranqüila e ainda aponta atos de generosidade praticados por Lampião na cidade, distribuindo moedas entre as crianças, inclusive a própria, que na época “já era uma franguinha de moça”. Nesta mesma publicação o senhor Manoel Messias relembra como foi ver Lampião em sua frente, quando este foi fazer a barba com Zé Bisonho. Segundo Manoel Messias, Lampião deixou dois cangaceiros na porta da barbearia para impedir que a multidão curiosa invadisse o local.

Além da passagem dos cangaceiros pela sede do município, de acordo com o testemunho oral, Lampião e seu bando circulavam pelos povoados da região, deixando marcas da sua passagem. Para Maria Eurides Santos, a passagem de Lampião pela sua casa, no povoado Lagoa Grande, deixou um registro de medo em sua memória, uma vez que o cangaceiro em meio a ameaças mandou seus pais encherem de mantimentos uns bornais que eles carregavam. Após o ocorrido, Maria Eurides lembra que Lampião ordenou que uma vizinha sua apagasse as pegadas deixadas no chão a fim de evitar que alguma volante os seguisse pelo rastro deixado. As marcas do chão foram apagadas, mas as da memória da depoente permanecem até hoje.

Um outro dado da historiografia sobre o cangaço em Nossa senhora da Glória revela a passagem da volante baiana de Zé Rufino pela fazenda Malhada, em direção à Poço Redondo em busca de informações sobre o paradeiro de Lampião. A caçada ao cangaceiro fez com que Zé Rufino e sua volante se tornassem alvos de coiteiros e espiões. Por isso, em sua caminhada rumo a Poço Redondo, sabendo do risco que corria Zé Rufino e seu grupo, mudaram de rumo e seguiram para Nossa Senhora da Glória, onde acampou na Fazenda Malhada e ali foi informado que a volante sergipana de Zé Luís tinha estado na região à procura dos cangaceiros.

No ano em que a morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros na chacina de Angicos, em Poço Redondo, completa 70 anos e a cidade de Nossa Senhora da Glória festeja 80 anos de emancipação política, informações como estas revelam um lado pouco conhecido da história local e a relação com o cangaço. A passagem de Lampião e seu bando pela cidade já é conhecida pela população, porém esses detalhes que somente os testemunhos de quem viveu a época podem revelar, mostram um lado ainda desconhecido do fato, mas que tornam a história não só mais rica, mas também mais viva e comovente.

Publicado originalmente no JORNAL DA CIDADE / Aracaju em 10/08/2008  

4 comentários:

  1. Olá Kiko Monteiro, sou Caio César, autor do artigo publicado neste blog. Gostaria de parabenizá-lo pela iniciativa de criar um blog sobre o cangaço e também agradeçer pela divulgação do meu trabalho.

    Atenciosamente:

    Caio César S. Gomes
    Prof./Tutor - Curso de História - CESAD/UFS/UAB.

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  2. Prezadso Caio César

    Nós é quem agradecemos por vosso texto, até ontem um capítulo com detalhes desconhecidos, hoje completo e pertinente por conta de vossa pesquisa. Obrigado pela atenção ao nosso espaço! e sempre que produzir outras laudas com referencia ao cangaço especialmente em Sergipe nos envie para novas publicações.

    Abraço fraterno
    Kiko Monteiro.

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  3. Olá, Kiko, venho acompanhando seu blog há algum tempo e gostaria de parabenizá-lo pela iniciativa de reunir, online, com fácil acesso para todos, tão rico acervo de informações sobre o cangaço e Lampião. Gostaria também de dar minha humilde contribuição: Escrevi, no ano passado, um folheto de cordel em homenagem à história de minha cidade, Nossa Senhora da Glória - SE, e nele há algumas estrofes sobre a passagem de Lampião em Glória. Caso queira conhecer, acesse:

    http://poetajorge.blogspot.com/2008/08/um-banho-de-cultura-popular.html

    Você pode também fazer o download do cordel, gratuitamente, em:

    http://www.scribd.com/doc/6387717/Gloria-Cantada-em-Versos

    Um abraço.

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  4. Jorge será um prazer contar com seu trabalho em nosso espaço, farei o download, porém o formato não permite copia para facilitar a publicação, por gentileza envie o texto de word ou bloco de notas para nosso email coracoesementes@infonet.com.br

    Abraçando!

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