Transcrevo mais um excelente e utilíssimo tópico da comunidade Lampião, Grande rei do sertão. Aqui nosso confrade Geziel Moura após a leitura de um texto sobre Lucas da Feira dirigiu um questionamento, aos demais participantes e via email para o ilustre pesquisador Potiguar Sérgio Augusto Souza Dantas.
O texto enviado por Sérgio Dantas como bem destacado por nosso amigo Ivanildo Silveira foi uma "aula" digna de méritos na história do cangaço, livre de quaisquer dúvidas, totalmente encontrada em tempo e lugar. Confiram, copiem que é matéria nobre.
A Pergunta de Geziel:
É imperioso que se busque localizar no tempo e no espaço os episódios históricos, para que se possa contextualizá-los a outros momentos históricos para uma melhor compreensão do fenômeno estudado de forma global, o cangaço não fica fora desta análise e portanto perguntaria aos especialistas e estudantes desta comuna:
Como podemos de maneira razoável (Reconheço a complexidade que a pergunta pode trazer), estabelecer uma marco para o início do cangaço? Quais seus primeiros personagens?Será que o movimento acabou mesmo com Corisco?Quais as prováveis motivações?
Como podemos de maneira razoável (Reconheço a complexidade que a pergunta pode trazer), estabelecer uma marco para o início do cangaço? Quais seus primeiros personagens?Será que o movimento acabou mesmo com Corisco?Quais as prováveis motivações?
A resposta de Sérgio:
Amigo, é praticamente impossível em razão da falta de registros.Frederico Pernambucano faz algumas referências a um holandês (cujo nome não recordo), que já atuava com um pequeno bando de salteadores. Mas entendo que isso não é ainda cangaço.
Há referências também, encontradas por mim no Arquivo Público de Pernambuco, onde o Governador da então Capitania, Duarte Coelho, escrevia ao rei pedindo um melhor processo seletivo em relação aos colonos que aqui eram enviados, pois os que vinham, em maioria, se ocupavam de viver ocultos pelos canaviais para saquear quem bem lhes aprouvesse.
Assim, é complexo definir data. Com característica de cangaceiro, somente o famoso ‘Cabeleira’, que já andava em bando, praticando crimes diversos. E se acabou com Corisco, o meu entendimento é sim, pois banditismo rural não é cangaço como ‘modo de vida’, com indumentarias próprias, modo de agir específico, etc.
Houve tentativas de retorno, como você pode ver no próprio Guerreiros do Sol, mas não vingaram.
2ª mensagem:
Ainda complementando o e-mail que enviei, disse que existiram algumas tentativas frustradas de retomada do cangaço, mas que não vingaram. Não declinei nomes porque estava de saída , mas acho importante acrescentar o seguinte: Pelo menos dois nomes ficaram famosos como espécies de cangaceiros ‘pós-Lampiônicos’.Um deles, ANTÔNIO DE DINA, proveniente da Bahia em fins da década de 40, foi para Pernambuco e ali arregimentou alguns sertanejos broncos e violentos, sob promessa de conseguirem dinheiro fácil em trabalho de ‘empreitada’. A turma poderia ser bronca, mas não era burra. Em pouco tempo, a matutada percebeu que o cidadão era sanguinário e extorquia dinheiro sob ameaça. Alguns deixaram o grupo e outros o assassinaram, desaparecendo pela caatinga. Há um inquérito que apura a morte do mesmo, porém não se há referência a qualquer nome, a não ser apelidos, mesmo assim de forma imprecisa.
Um outro, classificado temerariamente por alguns de ‘cangaceiro’ seria FLORO GOMES, que atuou já em fins da década de 50 e início de 1960. Não teve mais que 5 homens sob seu comando e se restringiu a área da bacia do rio Ipanema (Pernambuco e Alagoas). Na verdade, usou o mesmo pretexto de Lampião (a morte do pai), para cometer crimes os mais diversos, mas sua briga principal era com a família Vieira, de Olivença, Alagoas, terra natal da estudiosa e escritora Luitgarde Oliveira. É verdade que o cabra usava bornais e chapéu de couro (não no estilo dos homens da época de Lampião), mas esteve longe de ser o ‘cangaceiro’ pela definição clássica. Floro morreu assassinado em 1971, bem depois de ter dissolvido sua pequena falange de bandidos comuns.
Se for se considerar, no meu entender, qualquer grupo de bandidos que saqueia, rouba bancos ou mata por encomenda pelo vasto sertão brasileiro, teremos, então, cangaço até hoje. Isso é uma generalização perigosa.O cangaço foi fruto da ignorância e da ausência de Estado, o qual abandonou miseravelmente o sertão. Hoje a realidade é diferente. O banditismo rural de hoje baseia-se em esquemas organizados, não são ligados a vinganças pessoais e há brigas constantes entre facções rivais (isso não havia na época de Lampião, um aglutinador por natureza).
Assim é preciso estabelecer ‘linhas’ que definem o cangaço tradicional, senão, qualquer salteador de hoje, desde que atue no sertão nordestino, pode ser considerado como tal. Por isso acho que o fim do esquema tradicional, baseado (mesmo que muitas vezes de forma fictícia) em um ideal de VINGANÇA, deu-se mesmo com a morte de Corisco.
Abraço.
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