'Tamo inté' agora esperando? |
As gravações do curta-metragem Cangaceira, da cearense Iziane Mascarenhas, começaram no último domingo, ainda muito cedo, na Fazenda Salva-vidas, ao pé de um dos monólitos do Sertão Central cearense, a Pedra da Gaveta, no município de Quixeramobim.
O cenário montado era o de uma tragédia. À vista, os despojos de um ataque de cangaceiros a uma casa arrodeada de pés de tamarindo. Coronel, jagunços e mulheres mortos, e uma adolescente viva, de corpo exaurido, arrastada por dois cangaceiros em direção a Zé Baiano, um dos mais cruéis do bando de Lampião, interpretado no filme pelo ator baiano Lázaro Machado (Ó Paí ó e A Pedra do Reino). De cócoras, próximo a uma fogueira, o cangaceiro esquentava um ferro com suas iniciais (JB), moldadas para o serviço de ferrar mulheres, por vezes no rosto.
"Silêncio! Vai rodar!", gritou um, e todos ficaram assim assistindo, mal mexendo os pés. Os comandos de cena vinham do diretor de fotografia Antônio Luiz Mendes, marido de Iziane, que, entre seus mais de 30 longas-metragens, já assinou também produções cearenses como Lua Cambará - nas escadarias do palácio (2002), de Rosemberg Cariry. As cenas foram repetidas várias vezes. "É difícil, é difícil, uma filmagem. Complicado, porque a coisa tem que ser exata mesmo", comentou de voz baixa o agricultor Francisco Sátiro, 48 anos, vestido todo de cangaceiro, selecionado para figurar em algumas cenas do filme.
"O grito da menina foi pouco, tem bezerra que só falta morrer quando a gente marca", argumentou pela verossimilhança Ricardo Porto, proprietário da Fazenda Parelhas, ali perto, onde a maior parte da equipe de filmagem está hospedada. "Sim, mas se tu antes estuprar a bezerra por quatro ou cinco horas?", emendou firme Iziane Mascarenhas, 44 anos, atriz e diretora do curta, premiado pelo Governo do Estado do Ceará através do edital de Cinema e Vídeo de 2007. O filme ainda é um ensaio para um possível primeiro longa de Iziane, que já teve a produção do roteiro patrocinada pelo Ministério da Cultura.
A enredo do filme é a história da cangaceira, por opção, Lídia, executada depois de trair seu marido, o mesmo Zé Baiano, com um outro amor passado, o cangaceiro Bem-te-vi, que encontrou nas fileiras do bando de Corisco, sub-grupo de Lampião. Os dois amantes foram flagrados por outro cangaceiro, Coqueiro, que chantageou Lídia para não delatar: ou dá ou morre. Quando Lídia foi delatada na frente de todos, Lampião deu voz a ela, que não negou o ocorrido e acrescentou: Coqueiro não delatou por lealdade.
"Eu sempre me interessei por esse tema, porque minha avó dizia: 'Eu quase conheci Maria Bonita'. Ela contava que meu avô tinha alguns encontros com Lampião, não sei aonde, e ela pedia para conhecer Maria Bonita. Por três vezes quase foi", relembra Iziane a infância no Crato. "Lídia foi alguém que lutou racialmente pelo direito de existir. Nesse momento em que parece que tudo tá sendo negociado, eu sinto vontade de contar essa história, que também não é a história de uma santa", fala a diretora que também interpreta a protagonista.
Outros atores
Enquanto as câmeras se ocupavam na cena de Zé Baiano ferrando a adolescente no rosto, alguns recém atores aguardavam a vez. Quase todos agricultores da região selecionados nas últimas semanas para interpretar algum papel maior ou menor no Cangaceira. "Na minha família tem gente que toca na banda Mastruz com Leite. Vamo vê se essa oportunidade vinga", diz Francisco das Chagas, 53 anos, morador da Fazenda Gávia, no papel do coronel assassinado e pretenso ator profissional. A mãe, Dona Antônia, chegou a ir no set de filmagens para assistir a participação do filho: "Tô é com pena dele, será que ele já comeu?".
Francisco Valmir, 34 anos, também estava de olho na profissão de ser outros. "Já tinha participado do teatro da paixão de Pacatuba. Depois que descobriram que Quixeramobim dá pra fazer filme, não vai faltar oportunidade", disse esperançoso. A cidade, a 206 quilômetros de Fortaleza, foi escolhida como locação para dois outros filmes de diretores cearenses: Rifa-me, de Karim Ainouz), e Joaquim Bralhador, de Márcio Câmara.
"O que eu percebo em Quixeramobim é uma paisagem exuberante e não filmada, que tem que ser mostrada. É uma cidade também bem estruturada. E, ainda, muito mais interessante do que só receber, é haver as trocas. Nada impede, que depois, os próprios moradores de Quixeramobim passem a criar seus projetos", fala, crente numa utopia cinematográfica.
*A notícia foi publicada no jornal Cearense O POVO em 18 de Junho de 2008, até o momento não tomamos conhecimento da estreia ou divulgação deste trabalho.
Créditos: Geziel Moura, Belém - PA e comunidades do Orkut.
Como vcs lidam com a aparição de Lampião e seu bando nas religiões como Umbanda?
ResponderExcluirHá mais informações sobre isso?