Os Desvalidos
Francisco J. C. Dantas
221 p., Companhia das Letras.
São Paulo, 1996.
Falar de literatura é sempre prazeroso; ler Francisco Dantas é mais que isso - é viajar pela nossa história tomando parte dela. Assim, o mundo se rendeu ao trabalho desse ilustre escritor Sergipano, hoje citado até por Alfredo Bosi.
Os Desvalidos, romance regionalista, apresenta uma oralidade rara que resgata as tradições dos notáveis escritores sergipanos no âmbito nacional.
Trajetória de um povo renegado
Por Rusel Barroso
Aclamado pela crítica e lançado em nova edição pela Companhia das Letras, Os Desvalidos, de Francisco Dantas, escritor brasileiro premiado na Europa, revela a sina dos sertanejos que perambulam em meio à caatinga e carregam poucas expectativas em relação ao futuro. Neste livro, a condição de trabalho, a falta de instrução e a seca estorricante fazem do homem um mero sobrevivente, impotente diante da vontade de realizar seus sonhos e de guiar o seu próprio destino.
A intranqüilidade vaga por todo o romance na pessoa de Lampião – símbolo máximo do cangaço em nosso país. Trata-se de uma época em que o medo dos cangaceiros e da volante ronda os pensamentos de uma gente desafortunada e indefesa ante o poder destas duas forças. Felipe, Zerramo e Coriolano representam a face de um povo marcado pelos seus fracassos, medos e desesperanças.
A figura de Lampião se apresenta entre o bem e o mal – ora lembrado como justiceiro que tomava dinheiro dos mais ricos e soberbos, ora visto como bandido perverso e sanguinário. Capítulos inteiros são destinados a descrever a trajetória do rei do cangaço que narra suas próprias inquietudes e o seu zelo em relação à família, ao mesmo tempo em que aparece, mais adiante, com atitudes cruéis, a ponto de matar friamente, a punhaladas, Zerramo, compadre de Coriolano.
A personagem Coriolano faz menção à realidade de muitos dos infelizes que vagam pelo sertão em busca de sobrevivência. Sua vida se preenche de insucessos que o levam a altos e baixos, desde o mais fino trato como boticário, até a miséria como seleiro a vagar pelo mundo.
Além de fracasso, outra palavra que compete à descrição do nosso Coriolano é remorso. Ele fica ressentido pelo pai, cuja lembrança da morte, abandonado aos abutres, o atormentava e, também, pela separação e infelicidade de seu tio Felipe e da casta esposa Maria Melona, causadas pela calúnia do sobrinho inconseqüente ao ser influenciado pelos inimigos de seu tio.
O título do livro sintetiza o infortúnio, a pobreza e a apatia de seus personagens. Os desvalidos são aqueles marginalizados pela sociedade que os desdenha e se distancia
de qualquer responsabilidade pela situação de penúria no Brasil. A forma enigmática da apresentação gráfica do livro, que chama a atenção no primeiro contato, revela o lado negro de uma região sofrida num país cercado de riquezas. Trata-se de um trabalho em que forma e conteúdo se casam muito bem.
Ao se falar dessa obra é imprescindível citar a presença marcante de um regionalismo impregnado de termos intrínsecos à região Nordeste. Os adjetivos e as expressões típicas dão verossimilhança às reações das personagens naquele mundo hostil, e às descrições do ambiente traçadas pelo narrador. A textualização é o aspecto primordial da obra, vez que a linguagem é o seu ponto máximo.
Os lugarejos de Aribé e de Rio-das-paridas são os cenários principais deste romance fascinante. No entanto, não podemos nos esquecer do pano de fundo que permeia toda a trama e determina o próprio destino das personagens: a caatinga.
O tempo histórico do romance corresponde mais especificamente à década de 30, quando o país atravessava uma profunda crise econômica e política que favorecia o crescimento do cangaço e de outros movimentos de revolta por todo o país. Quanto ao tempo da narrativa, há uma interligação de memórias passadas pelo velho Coriolano e sua presente realidade. O tempo às vezes é psicológico, às vezes cronológico.
A narrativa é tipicamente regional e ocorre com a penetração do pensamento da personagem em seu desenrolar. O narrador, dessa forma, se utiliza do discurso indireto livre, com um fluxo de consciência entre narrador e personagem, como se vê no trecho abaixo:
(...). Toda parição é perigosa, e nela se ajuntam as forças inimigas, no bom entender do parteiro Virgulino, calejado de penar pela mulher algumas vezes mais morta do que viva. No ano trespassado mesmo – é outra vez a memória puxando pelo coitado – Santinha achou de perder água e ter a dor de parir no coice de um tiroteio vermelho como o diabo! Dividido num repente entre o posto de chefe-de-guerra e a obrigação de marido-parteiro, esse Virgulino, embora por um só momento, desmareou-se apavorado... (p. 188).
Neste excerto foram destacados dois pensamentos: o de Lampião, grafado em itálico, e o do narrador, em grafia normal. Este narrador viaja pelo tempo e pelo espaço,
enfocando as personagens, de maneira particular, em diversos momentos de suas trajetórias, mas tomando sempre como referência Coriolano.
Em suma, o trabalho desenvolvido pelo escritor Francisco Dantas vem mostrar a rudeza da vida no sertão nordestino, numa época em que os homens eram atormentados pelos fantasmas da fome, do cangaço e da ignorância, ao passo que lutavam para se manterem vivos à beira da loucura e da morte que os espreitavam.
Somente através de uma leitura cuidadosa é possível compreender a magnitude da obra Os Desvalidos, de Francisco José da Costa Dantas. Os elogios rasgados pela crítica endossam o valor irrefutável do conteúdo do seu texto, firmado pelo estilo envolvente da linguagem nele empregada.
Faço minhas as palavras de Antônio Medina, de O Estado de São Paulo, ao afirmar que “O vocabulário de Dantas, sem ser pedante, chega a ser prodigioso. Sua verbalidade mimetiza a poética do artesanato.”
Vale ressaltar que o título do filme CANTA MARIA seria "Os Desvalidos", o mesmo do livro o qual sua história é baseada. "Canta Maria", é uma referência à letra de uma canção composta por Daniela Mercury e Gabriel Povoas para o filme.
Fonte: Lagartonet
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