sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Tenente Ladislau Reis de Souza

O famoso 'Santinho'

Transcrição: Sálvio Siqueira

"O comandante era mais perverso do que Lampião e Corisco, juntos. Gato, Zé Baiano e Sabino foram ‘fichinhas’ diante da ‘dureza’ do tenente. Talvez tenha sido nessa época que começou a ser usado a expressão " o cancão vai piar"

O suplício do cangaceiro Baliza

Em dias quentes, quando o ‘Astro Rei’, sem dó nem piedade, calcina as terras sertanejas, os animais e aves da caatinga procuram refugiarem-se do abrasador calor, popularmente conhecido como ‘maiá’, nos mais diversos lugares possíveis.

O cangaceiro conhecido pela alcunha de “Baliza”, que na verdade tratava-se de Venceslau Xavier, junto com sua companheira Antônia Maria, em princípios de 1933, estão a aninharem-se na beira de um barreiro, mais ou menos ao meio dia, do dia 19 de março do ano que corria. Ali, juntinhos e abraçados estão, no silêncio da mata, pois tudo que tem vida, respeita a força do poder do clima no Sertão.

A ‘coisa’ estava pegando fogo igual ao calor do sol do meio dia, tão boa e gostosa que, mesmo naquele total silêncio, não notaram a aproximação da volante que os cercavam.

Tratava-se da volante comandada pelo cabo Justiniano. Os soldados volantes os cercam e dão ordem de prisão. Após serem amarrados, o casal de cangaceiros é levado para um povoado próximo.

Ficando preso naquela localidade, servindo de atração para aqueles de maior curiosidade em conhecer um cangaceiro de perto, como que fossem ‘coisa de outro mundo’. Esquecia que eram gente igual a todos, menos seus atos, isso, os fazia diferentes.

Depois de vários dias detidos naquele pequeno povoado, vem a ordem para que o cabo escolte o prisioneiro para a cidade de Santo Antônio da Glória. O cabo manda que entre em forma seu pequeno contingente e seguem, em cortejo, com o prisioneiro entre duas fileiras humanas, rumo à localidade designada.

Havia naquela região um comandante de volante, Ladislau Reis, que tinha sua fama propagada por toda ribeira. As atrocidades comandadas pelo tenente foram tantas que, mesmo diante de tão horrendas histórias, o sertanejo, sem nunca perder a inspiração, dão-lhe o apelido de “Tenente Santinho”. Quando algum lavrador escutava que o ‘tenente Santinho’ estava pela redondeza, seu coração disparava, seu corpo, involuntariamente, reagia como que o repugnando, e seus pelos, todos, arrepiavam-se, descendo uma corrente elétrica do ‘talo’ do pescoço ao osso do ‘mucumbu’.

Tenente Ladislau Reis


O dito comandante era mais perverso do que Lampião e Corisco, juntos. Gato, Zé Baiano e Sabino foram ‘fichinhas’ diante da ‘dureza’ do tenente.

Seguindo pelas estradas tortuosas do longo caminho, o cabo, seus homens e o prisioneiro, a certa altura, encontra-se com uma volante que estava de passagem por aquela várzea... E era, justamente, a volante comandada pelo “Tenente Santinho”.

Tendo a patente superior a do cabo, o tenente ordena que seja lhe entregue a guarda do prisioneiro. O cabo, tremendo mais que vara verde, apressadamente entrega o prisioneiro ao superior. Ladislau diz que levará o mesmo para a cidade designada pela ordem escrita e que o cabo poderia retornar para sua cidade com seus comandados.

Depois de assumir a custódia do prisioneiro, o tenente Santinho imediatamente ‘ordena’ a seus homens que comessem a dar um ‘trato’ no cabra Baliza.

A seção de tortura inicia-se ali mesmo. O ‘cacete come solto’ de tal forma, que em pouco tempo, em vez de ver-se um rosto, via-se um acúmulo de sangue e edemas os quais desfiguraram totalmente a cara do prisioneiro.

 Tenente Ladislau de Sousa da polícia Baiana, chegando em Jeremoabo, 
após 15 dias nas caatingas a procura de Lampião, em 1933.

Por horas, os soldados da volante aplicam inimagináveis atos torturantes naquele corpo, que mais parecia uma peneira de tantas perfurações de pontas de punhais e facas peixeiras. E segue aquela sessão horrível aplicada ao corpo de Venceslau Xavier.

Em determinado momento, os soldados do tenente Santinho, acatando suas ordens, o amarram em uma árvore. O laço da corda de fibras de agave, sisal, e colocado na altura dos tornozelos do cangaceiro. Arrastam-no como se arrasta um tronco de madeira e amarram-no de cabeça para baixo num galho de uma árvore próxima.

Após estar dependurado, é colocado pedaços de madeira bem perto da sua cabeça. Uma fogueira estava arrumada, a qual, logo, logo, estaria acesa, pelo próprio tenente Santinho.

O prisioneiro debate-se, gira para um lado, depois para o outro... Contorcendo-se feito uma cobra na areia quente, na tentativa vã de esquivar-se das chamas que consumiam seu corpo, Venceslau Xavier, tenta amenizar as dores causadas pelo calor das labaredas que assam, no sentido próprio da palavra, seu corpo.

No princípio, ouvem-se gritos horripilantes saídos das cordas vocais do cangaceiro Baliza, acompanhado do odor de cabelos chamuscados, para em seguida, a fumaça levar um cheiro de carne assada pelos campos sertanejos. Por fim, o suplício tem seu término, Baliza está morto.

Santinho não deixa nem o fogo apagar-se totalmente, puxa da bainha seu facão e corta o pescoço daquele corpo, chamuscado, queimado, assado...

Deixando o corpo naquela posição, o tenente Ladislau leva seu troféu macabro para Santo Antônio da Glória, e lá o mostra a população, exibindo, com orgulho e satisfação, o ‘produto’ de seu ato de selvageria.


Santinho em idade avançada


Fonte “Corisco - A Sombra de Lampião”- DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. Página 145. 1ª edição, editora Polyprint Ltda, Natal-RN, 2015.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Em N. S. da Glória, SE

Dona Nair viu Lampião

Por Antonio Correia Sobrinho

Toda vez que boto os pés em Nossa Senhora da Glória, cidade do sertão sergipano, lembro que ela foi visitada por Lampião e asseclas em 1929, e fico a imaginar, em cima do que nos conta a história, como isso se deu.

Estou de novo na antiga Boca da Mata, e agora lembrei da matéria que há dois anos aqui publiquei, sobre a entrada de Lampião nesta, à época, minúscula localidade do sertão sergipano, hoje cidade progressista e porta de entrada do nosso sertão.


 N S. da Glória, provavelmente na década de 50 mantendo o 
mesmo aspecto das décadas de 20/30.
Acervo de Airles Almeida dos Santos

Leiam o texto até o fim, para saberem de dona Nair, a senhora que me disse que viu Lampião; ela que já se aproxima de um século de vida.

Em busca de Lampião

Demorar um pouco mais na sertaneja e progressista cidade sergipana de Nossa Senhora da Glória, antiga Borda da Mata, onde estou nestes dias, a trabalho, foi a disponibilidade de tempo que eu precisava para ir a lugares que Lampião e seus asseclas Luiz Pedro, Volta Seca, Quinta Feira, Ezequiel (Ponto Fino), Virgínio (Moderno), Corisco, Arvoredo, Ângelo Roque (Labareda), Mariano, Delicado e Zé Fortaleza (Fortaleza II), no dia 20 de abril de 1929, nesta cidade estiveram em razia.

Fui ao local da feira, onde Lampião e os seus amigos cangaceiros fizeram-se presentes, até assistiram à morte de um bode, ali mesmo, na feira; feira onde ele, quieto, tranquilo e bem humorado, deu esmolas, agradou a crianças, conversou com pessoas. Tirei foto onde funcionava o salão de Zé Besouro, onde Lampião fez a barba.

Também da Intendência, hoje a Prefeitura, cujo gestor João Francisco de Souza (Joãozinho), também comerciante de tecidos, tratou Lampião muito bem e atendeu a todas às suas reivindicações: bom dinheiro, lauto almoço e animais de montaria. E a Cadeia, segundo consta, xadrez sujo e fedido, onde ficaram presos enquanto Lampião agia, sem antes entregarem as armas, o sargento Alfredo e os soldados Osório, João e Zé Rodrigues.

Nada, porém, foi mais interessante do que o encontro que eu tive com a senhora Nair Aragão Feitosa, de 95 anos, viúva do ex-escrivão Pedro Alves Feitosa, ofício que ela também exerceu; dona Nair que foi uma das centenas de pessoas que naquele dia, estiveram a mercê do mais temível bandoleiro das terras sertanejas.

Embora convalescendo de uma cirurgia ortopédica, mas lúcida como poucos na sua idade, dona Nair me disse coisas a respeito desta presença de Lampião, confirmando o que disseram os pesquisadores. Informações que, considerando a sua pouquíssima idade em 1929, ela, em boa parte, deve ter obtido de terceiros, no correr dos seus anos.

Porém, o que eu mais queria dela, era saber se ela realmente viu Lampião.

Quando lhe fiz a pergunta, ela respondeu imediatamente, sem pestanejar, que sim.



 Nair Aragão Feitosa
Acervo do autor


Disse dona Nair que naquela manhã estava em casa, uma edificação situada na praça da feira, e ouviu quando o seu pai bradou: “Lampião entrou, Lampião entrou!” Portas e janelas foram fechadas, e de uma fresta na janela, a uns 20 metros de distância, ela com alguns da família viram claramente quatro cangaceiros, juntos, em pé, parados, segurando o fuzil fora de posição, na vertical, cano pra cima, coronha no chão. Tinham chapéus grandes na cabeça, que brilhavam muito, reluziam, contou ela.
Num momento, seu pai lhe disse: “Lampião é aquele mais alto, o de óculos”.
Ela voltou a dizer, também com gestos de mãos, sem eu perguntar: Os chapéus deles brilhavam muito...

Perguntei se seu pai teve medo. Ela disse que não.


 Policiais diante da antiga delegacia
Acervo de Airles Almeida dos Santos

Nossa conversa durou pouco, não quis cansá-la, em razão de sua idade e de seu estado de saúde, mas o suficiente para, atento às suas palavras, ao tom de sua voz e, principalmente, ao seu olhar que parecia vivenciar aquele inesquecível instante, aquele misto de medo, apreensão, curiosidade e expectativa, eu saí transbordante de satisfação. Agora eu posso dizer que estive com alguém que, muito provavelmente, viu Lampião, o rei do cangaço, este que fez dona Nair recordar e contar essa história durante toda a sua vida.

Nossa Senhora da Glória/SE, 22/01/2015.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Seu Zezé X Cangaceiro Lavandeira

E o poder das orações sertanejas



Este foi o senhor José Antônio de Araújo "seu Zezé" oriundo do povoado Salgadinho, zona rural de Paulo Afonso, BA que teve sua vida quase ceifada pelo cangaceiro "Lavandeira", durante uma tentativa do cangaceiro raptar sua irmã,

Sabendo do intuito do mesmo, a sua família resolveu casar a moça com seu vizinho as pressas e levar o casal embora pra longe dessa ameaça. Todavia o cangaceiro quando soube que a tal moça estava longe de cair nas suas garras jurou ao jovem Zezé que ele cairia na mira do seu fuzil,

Todos ficaram sabendo e ficaram sob alerta. Sua mãe então passou a pedir que seu filho participasse com ela das rezas antes de sair de casa para ir a lida, sendo que numa dessas o encontro foi inevitável,

Vendo o cangaceiro apontar o fuzil em sua direção ele lembrou da reza que sua mãe sempre entoava

Meu Jesus onipotente, Filho da Virgem Maria, me guardai por esta noite e amanhã, por todo dia. Nem meu corpo será preso, nem meu sangue derramado, nem minha alma será perdida.

Salvo estou, salvo estarei, assim como Jesus Cristo se batizou, salvo foi salvo veio. Assim embarco Eu .... na barquinha de Noé, com a chave do senhor São Pedro, dia me tranco na paz, na guia. Me acompanhe Deus e a virgem Maria e meu Jesus de Nazaré.

E o que aconteceu em seguida foi sobrenatural o cangaceiro aperta o gatilho do seu fuzil, apertou muitas vezes e nada de deflagrar o tiro. A arma simplesmente não funcionou, Lavandeira ficou estático com o que houve, seu fuzil nunca tinha falhado antes

Nesse momento o jovem Zezé puxou seu facão e e mirou o rosto de Lavandeira e ordenou que ele baixasse a arma. O cangaceiro sem acreditar no que havia acontecido acatou a fala e o jovem Zezé seguiu seu caminho


Capítulo do livro "Lampião em Paulo Afonso", de João de Souza Lima, transcrito por Marcos Santos.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Arlindo Rocha

Uma entrevista com o matador do cangaceiro Sabino Gomes

Por:José Tavares de Araújo Neto

Retrato artístico de Arlindo Rocha
Acervo Denis Carvalho

Arlindo Rocha, (nascido em 23 de março de 1883 e falecido em 07 de outubro de 1956), na condição de delegado da cidade de Salgueiro, Pernambuco, tinha sob sua guarda o indivíduo conhecido por Antonio Padre, suspeito de ter cometido um crime na região. Inocentado, Antonio Padre roga um emprego ao delegado, que o leva para trabalhar em uma de suas fazendas de nome Barrocas, onde reside com sua família. Nessa relação próxima à família, nasce em Antonio Padre uma forte paixão por uma das filhas de patrão, que chega a propor que a jovem fuja com ele. Ao ter conhecimento da intenção do seu empregado, Arlindo o expulsa imediatamente de sua propriedade.

Injuriado pela humilhação a que foi submetido, Antonio Padre declara guerra ao seu ex-patrão, e vai em busca de proteção junto ao coiteiro Francisco Pereira de Lucena, o temível e poderoso Chico Chicote, proprietário da fazenda Guaribas, no município Brejo dos Santos (hoje Brejo Santo), localizado no cariri cearense, na divisa com Pernambuco e Paraíba.

Antonio Padre, vez por outra, enviava bilhetes extorsivos e recado ameaçadores dizendo que além de roubar a filha, iria “partir a MELANCIA, aterrar as BARROCAS e derrubar as CAEIRAS”, referências as três propriedades de Arlindo Rocha. Diante dessas ameaças, Arlindo Rocha forma um grupo armado, com pessoas de sua extrema confiança, constituído por parentes e agregados, pois sabia da alta periculosidade do seu antigo empregado, agora um afamado bandoleiro do bando do famigerado Lampião.

Em meados de 1924, Arlindo articula uma bem-sucedida emboscada contra o subgrupo de Antonio Padre, ocorrendo uma forte troca de tiros, no episódio que ficou conhecido como o “Fogo de Pilões”, que resultou nas mortes de Antonio Padre e Gavião. Em 26 de novembro de 1926, já promovido tenente, Arlindo Rocha participa da sangrenta Batalha de Serra Grande, considerada a mais importante vitória de Lampião sob as forças volantes.

Nesta batalha, que havia dito que os cangaceiros iriam comer bala, foi acertado por disparo na boca que quase lhe destruiu a mandíbula, que lhe trouxe problemas de mastigação e cicatriz pelo resto da vida, sendo então chamado pelos cangaceiros pelo apelido pejorativo de “Queixo de prata”. Em fevereiro de 1927, Arlindo comanda uma as das volantes no histórico cerco a Fazenda de Chico Chicote, evento que ficou conhecido como o “Fogo de Guaribas”, no qual é morto o temível fazendeiro e coiteiro cearense.

Em 13 de março de 1928, três forças volantes, comandadas pelos tenentes Arlindo e Eurico Rocha e o bravo sargento nazareno Manoel Neto, intensificam o cerco ao bando de Lampião no cariri cearense, precisamente no município de Macapá, atual Jati, na fazenda Jati, do fazendeiro Antonio Teixeira Leite, o celebre coiteiro Antonio da Piçarra. Já era tarde da noite, sob forte chuva, o céu entrecortado por raios e trovões, que um dos soldados da volante de Arlindo Rocha deflagrou um tiro certeiro no vulto de uma pessoa que atravessava um passadiço, pondo fim a vida do célebre Sabino Gomes, o mais importante cangaceiro do bando de Lampião, que, em entrevista em Juazeiro/CE, já o havia apontado como seu potencial sucessor.

 Capitão Arlindo Rocha e seu filho Edmar
Cortesia de Otavio Cardoso

Após a malfadada tentativa de Lampião de atacar a cidade de Mossoró, no oeste potiguar, ocorrida em 13 de junho de 1927, os governos do Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Pernambuco, uniram esforços no intento de eliminar definitivamente o cangaço dos seus territórios. A bem-sucedida “Campanha de 1927”, comandada pelo oficial cearense major Moisés de Figueiredo, em solo cearense, mas que também contava com contingentes policiais militares advindos do Rio Grande do Norte e da Paraíba, promoveu baixas, forçou deserções e fugas de cangaceiros rumo ao Estado Pernambuco. Em 21 de agosto de 1928, Lampião e seu bando, reduzido a apenas seis componentes (Ele; Ezequiel, seu irmão; Virgínio, seu cunhado; Luiz Pedro; Mariano e Mergulhão), em fuga, atravessam o Rio São Francisco e vão se homiziar na Bahia.

Em 20 de outubro de 1929, o Jornal Pequeno, de Recife/PE, veiculou uma entrevista concedida pelo tenente Arlindo Rocha, que reveste-se de importante documento para se entender melhor o mundo do cangaço.

Segue abaixo a transcrição integral da entrevista:

O tenente Arlindo Rocha, anteontem chamado ao Recife, é atualmente o comandante da forças pernambucanas no sertão.

Vimo-lo ontem, à noite, na chefatura, conferenciando demoradamente com o dr. Eurico de Sousa Leão. As indicações que se prestava, no mapa todo assinalado da Repartição Central da Polícia, e o justo renome que usufrui aquele policial em todo o sertão nordestino, levaram-nos a procurá-lo no intuito de conseguirmos um testemunho seguro da situação do cangaceirismo, afora o prazer natural de ouvir um homem que, anos a fio, dia e noite, tem batido cerrados e caatingas numa luta de vida e morte contra os mais ferozes bandoleiros. O tenente Arlindo Rocha é um homem moreno, alto e magro, muito tímido e que não fala nunca; tem que ser provocado então. Na face esquerda ostenta uma cicatriz profunda: uma bala de rifle em pleno rosto, às duas e meia da tarde, no dia 26 de novembro de 1926, no combate de Serra Grande.

 

 Arlindo no centro, sentados Theophanes Torres e 
Eurico de Souza Leão.
S. José do Belmonte, 1928.

Onde foi esse combate? Perguntamos logo, com nossa curiosidade despertada!

_ Serra Grande fica perto de Custódia. Comandava as forças o bravo tenente Hygino José Belarmino. Foi o início da campanha do atual governo estando no poder o saudoso Júlio de Melo contra Lampião. Este tinha, ao tempo, sob seu comando 125 homens. Estavam todos entrincheirados no alto da serra. A brigada começou as 8 da manhã e terminou as 6 horas da tarde. Nós tínhamos duas metralhadoras que Antonio Ferreira, irmão de Lampião, procurou cercar três vezes e gritava: _ Hoje tomo uma costureira dessa.

E tomou?

_ Não. Parece que tomou foi uma bala, pois morreu três dias depois do tiroteio. Os bandidos fugiram e desde então começou a debandada. O grupo fragmentou-se em quadrilhas que operavam em zonas diferentes. Ferido, nesta luta, acrescentou o tenente Arlindo, só escapei devido a meu irmão que me amparou. Os cangaceiros me alvejaram a pouco passos de distância, no momento em que eu chamava por Manoel Neto, ocupado em botar uma retaguarda.

Mas foi esse, tenente, o seu primeiro encontro com Lampião?

O tenente Arlindo riu e respondeu, a voz pausada:
_ Não. Eu já tinha brigado há tempos. Desde em que era subdelegado em Salgueiro, quando fui atacado e procurei tomar desforra. Mas isso no tempo em que, no sertão, cada qual se defendia por si mesmo. Eu e meus parentes demos uma brigada em Pilões. Brigada boa, aquela. Morreram de Lampião dois cangaceiros dispostos: Gavião e Antonio Padre. De lá p´ra cá tem sido essa marcha. Mas, de verdade, só melhorou a coisa com os drs. Estácio de Coimbra e Eurico de Sousa Leão. Foram eles quem me ajudaram, fizeram minha carreira militar; e é pór isso também que venho combatendo satisfeito sempre.

_ O sr. pode alto e bom som, disse o tenente Arlindo Rocha, que o sertão do Pernambuco está livre de cangaceiros. Pode acrescentar mais: os crimes de sangue e os assaltos a fortuna alheia se acabaram de vez.

E Lampião, tenente?
_ Lampião é, agora apenas, uma lembrança dos outros tempos. Dos tempos em que fora o rei do cangaço, dominando de Vila Bela a Salgueiro, do Ceará às margens do São Francisco. Avalie que eu mesmo, de uma feita, ao sair de Vila Bela com 12 homens, fui atacado na estrada pelos cangaceiros. Eram 26. Foi uma emboscada que me deu trabalho. Agora, no atual governo, jamais se viu Lampião procurar as forças para lutar.

Sempre na emboscada?

_ Nunca. É a fuga pela caatinga. O trabalho dos contingentes é todo para alcançá-lo e dar-lhe combate. Agora devemos argumentar com deficiência de comunicações, de aviso, de transporte e de víveres, etc. Entra-se pela caatinga adentro cinco, dez dias, um mês inteiro sem descanso. A comida é fruta e garapa de açúcar. E a cama é de pedra – um pedaço de jurema ou angico como travesseiro.

Mas onde anda Lampião? Inventam tantas coisas, às vezes ...

_ Bem sei, dr. Mas há muita mentira. O sr. argumente pelo pelos fatos da capital. Dá-se um conflito ali na esquina e na outra rua os mortos e feridos já estão triplicados. Basta notar o seguinte: seis meses atrás, Lampião com seis homens, pretendeu atravessar Pernambuco com direção ao Ceará. Não o pode fazer. Perseguimos o reduzido grupo um mês em Alagoas com o concurso esforçado e leal das forças daquele Estado. Encurralado, o bandido fez uma coisa que sempre se arreceara:

Atravessou o São Francisco, rumo à Bahia. As nossas fronteiras, de acordo com o plano traçado pelo dr. Chefe de Polícia, se acham inteiramente resguardadas de um impossível retorno dos bandoleiros. O próprio Lampião, por onde passa, diz que em nosso Estado não poderia mais viver. Na Bahia mesmo, a perseguição lhe foi terrível. Nossas forças como as daquele Estado, lhe moveram uma guerra tenaz. Na última corrida que lhe demos fomos pelo alto sertão baiano botá-lo a uma distância de mais de 100 léguas além de Juazeiro.

_ Quando Estive em Juazeiro da Bahia, contou-nos o tenente Arlindo, o prefeito perguntou-me porque sendo eu um homem doente e Lampião já em completa fuga, não mandava eu os meus homens em perseguição do bandoleiro e me arriscava aos percalços da caatinga. Respondi-lhe: É um entusiasmo que tenho pelo meu governo; quero ajudá-lo, assim de perto, cumprindo o meu dever. Lampião só tem cinco cangaceiros, segundo corre pelos sertões baianos, o seu objetivo é alcançar Goiás. E diz que não se entregou às nossas forças porque não tinha certeza se o trataríamos bem.

 

 Arlindo Rocha (esq.) e sua volante

Sabe quais os cangaceiros que vão com ele?
_ Sei. Ezequiel Ferreira, seu irmão; Virgínio Fortunato, seu cunhado; Mariano; Menino Oliveira e Luiz Pedro do Retiro.

E o famigerado Sabino?
_ Afirmam que morreu em Piçarra, no Ceará, num combate com minhas forças. O choque foi a meia noite. Debaixo de muita chuva e muita trovoada. Era um velho inimigo meu, o terrível Sabino. Lembro-me que num tiroteio ele gritava pra mim: “Arlindo das Barrocas, já te arranquei um queixo, quero levar o resto”.

Mas não levou, tenente ...
_ Não. Nem se cumpriram as promessas de Lampião, que me mandava dizer nos seus tempos folgados:

_ ”Quando passar na tua casa só deixo o chão molhado.”

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Armas

A lenda do "Beijo quente"

Por Fábio Carvalho

Como costumo dizer não sou versado em cangaço como muitos dos confrades. Entendo um pouco sobre armas de fogo, e só.

Estes dias vi uma postagem sobre a metralhadora Hotchkiss, e vi que algumas lendas (ou “Fake News” pra usar um termo moderno), ainda persistem no meio dos estudiosos do cangaço (que como discutia estes com o amigo Geraldo Antônio De Souza Junior, são especialistas em cangaço, não em armas, daí algumas incorreções).

Mas sobe a metralhadora Hotchkiss há uma incorreção que beira a “heresia” para um estudioso de armamentos. Não sei de onde alguém tirou que Hotchkiss, na verdade um nome próprio, significaria “beijo quente”. Jamais ouvi falar de tal nomenclatura ou apelido nos meios de colecionadores ou militares. Certamente usou da pronuncia fonética e deduziu tal sandice.

As armas Hotchkiss eram fabricadas pela Société Anonyme des Anciens Etablissements Hotchkiss et Cie, fundada por Benjamin B. Hotchkiss, cidadão americano que inicialmente fabricou nos EUA, tendo se mudado para a França funcionando sua indústria inicialmente em Viviez em 1867, e depois em Saint-Denis a partir de 1875.


Esta importante fábrica iniciou a fabricação de armamento automático comprando uma patente do Barão Adolf Odkolek Von Újezd, um oficial do exército austro-húngaro. A patente dele era para uma arma automática refrigerada a ar, operando com o princípio de pistão a gás, e serviu de base para as metralhadoras Hotchkiss Mle 1897, Mle 1900, e Hotchkiss Mle 1914 (foto abaixo), armas que foram usadas maciçamente por muitos exércitos. O modelo 1914 foi adotado como metralhadora pesada pelo Exército do Brasil, e usada até os anos 60.

Depois se adotaram aqui os outros modelos da Hotchkiss, a metralhadora leve (ou fuzil-metralhador segundo outros) Hotchkiss Benet-Mercier 1909, que aqui foi chamado de Fz Mtr M921 A1 (“Tipo II"), já aparecendo num manual do EB de 1925 classificadas para “Metralhadora Leve Hotchkiss”, estas eram armas problemáticas de mecanismo complicado. E os posteriores FMH (Fuzil Metralhador Hotchkiss 1922), estes bem usados nos episódios do combate ao cangaço.




A Etablissements Hotchkiss et Cie, também fabricou automóveis.

Sei que a lenda da “metralhadora beijo quente” não desaparecerá fácil, pois já escrevi sobre isso antes, mas espero ter levado alguma informação sobre esta importante fábrica.

sábado, 23 de novembro de 2019

Paulo Britto

Filho do comandante da volante que matou Lampião participa do Cangaço Campina

O escritor Paulo Britto, filho do tenente João Bezerra, estará no evento “Cangaço Campina 2019” que acontecerá nos dias 22, 23 e 24 de novembro na Vila Sítio São João em Campina Grande.

O tenente João Bezerra foi comandante da volante que no dia 28 de julho de 1938 saiu de Piranhas, cidade localizada nas margens do Rio São Francisco em Alagoas, rumo ao esconderijo de Lampião, Maria Bonita e seu bando na outra margem do rio, na grota de Angicos, já no estado de Sergipe.

Paulo Britto tem se dedicado a defender a memória do pai e refutar obras literárias sobre o Cangaço que, segundo ele, destorcem os fatos de forma irresponsável. “A censura é incabível, antipática e reprovável, mas a liberalidade desmedida e caluniadora desvirtua os valores morais”. Argumentou Britto em coluna escrita para o blog Cariri Cangaço.

Paulo Britto relata que no combate de Angicos, João Bezerra como Primeiro Tenente, já havia; participado de 03 (três) expedições de guerra fora do Estado de Alagoas, nas revoluções de 1925, 1930 e 1932; nomeado 09 (nove) vezes delegado; recebido 09 (nove) elogios e louvores em boletins da corporação; exercido o cargo de Prefeito Interventor na Cidade de Piranhas/AL; cumprido várias missões especiais; e travado vários combates com cangaceiros, inclusive Lampião.

Coronel João Bezerra
Acervo Lampião Aceso.

Em Campina Grande, Paulo Britto irá receber a comenda Paulo Gastão, em homenagem a um dos maiores pesquisadores do Ciclo do Cangaço no Brasil.

O evento “Cangaço Campina 2019” trará à Campina Grande as maiores autoridades do Brasil sobre a temática ‘Cangaço’.

A palestra de abertura ficará por conta escritora Vera Ferreira, neta de Lampião, e contará com as presenças de Paulo Britto, filho do Coronel João Bezerra; Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita; Eliza Dantas, filha do cangaceiro Candeeiro; Jaqueline Rodrigues, neta de Chiquinho Rodrigues; e Patricia Gastão, filha do historiador e pesquisador Paulo Gastão.


Fonte MaisPB

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Fogo da Abóbora - 90 anos

Policiais mortos em combate a Lampião e seu bando são homenageados pela PM 

A Policia Militar do Estado da Bahia, através do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças - CFAP, do 3º Batalhão de Ensino Instrução e Capacitação de Juazeiro, realizaram na manhã desta sexta feira (15/11), feriado da Proclamação da República, no distrito de Abóbora, zona rural de Juazeiro, um evento em homenagem aos 90 anos da morte de dois policiais militares componentes de uma volante que travaram uma troca de tiros naquele distrito no dia 7 de janeiro de 1929, no combate um cangaceiro do bando de Lampião também morreu.



O evento que iniciou pontualmente as 9h, com a entoação da canção Força Invicta - Hino Oficial da PMBA, executada pela Banda de Música Maestro Wanderley da PM Juazeiro, em seguida o historiador e Major da PM Raimundo José Rocha Marins, realizou uma explanação do episodio ocorrido no distrito, contou ao público presente que na data acima citada, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo "Lampião", Maria Bonita, outras mulheres de cangaceiros e seu grupo, em fuga do estado de Pernambuco, chegou a Bahia, faminto, cansado, porém com muito dinheiro na mochila, invadiram o distrito de Abóbora.

O embate ocorreu quando a volante chegou e os cangaceiros dançavam em uma casa, num forró, a causa do forró, na verdade, era alheia ao bando, eles participavam da festa em beneficio da construção de um Galpão na Praça da feira, quando chegou a "Força Volante de Juazeiro" e começou o tiroteio, ao cessar a troca de tiros morreram os soldados José Rodrigues e Manoel Nascimento e o cangaceiro Antonio Juvenal da Silva, vulgo "Mergulhão II".

O Mergulhão II, quando posou para Alcides Fraga, 
em 17/12/ 1928, em Ribeira do Pombal/BA.
Acervo Lampião Aceso

Dando continuidade ao evento a aluna a Soldado do CFAP, Fabrícia Souza conduziu uma coroa de flores em memoria aos dois policiais que deram seu sangue no "Combate de Abóbora", e entregou ao Comandante do 3º BEIC o Ten. Cel. José Carlos Soares Mariano e ao Diretor do CFAP o Cel. Carlos Alberto Neves da Silva, na sequência o corneteiro da Banda de Música Maestro Wanderley executou o toque de silêncio, posteriormente a turma de alunos a Soldado desfilaram na Rua principal do distrito. O evento foi finalizado com descerramento de uma placa na praça defronte a Igreja para materializar o ato em homenagem aos policiais mortos, e ao som da Banda da PM e fogos.

Na oportunidade o Diretor do CFAP o Coronel Carlos Alberto Neves da Silva falou a reportagem do Portal Jaguarari, sobre o evento, e aproveitou para abraçar a população de Jaguarari, bem como toda a região norte e destacando o papel do policial e que a população continue confiando nesta instituição.


"Estamos hoje aqui em Abóbora para rememorar, para homenagear os policiais que bravamente defenderam a sociedade e a paz social no combate ao banditismo de Lampião, então a Policia Militar com a justa homenagem através do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças o CFAP, está rendendo essa homenagem aos policiais, e também para que as novas gerações, os novos policiais  tenham a mesma noção e missão que é servir e proteger, e na nossa formatura o juramento é defender a sociedade com risco da própria vida e foi isso que eles fizeram a 90 anos, estamos aqui rememorando, todo esse evento, toda a passagem histórica de Lampião, então o Comandante Geral da Policia Militar o Coronel Anselmo Brandão e todos que compõe a nossa corporação temos a honra e a satisfação de estar aqui hoje em Abóbora para fazer essa justa homenagem aos policiais que tombaram no combate ao bando de Lampião.

Mando aqui um abraço a toda população de Jaguarari, eu que sou natural de Senhor do Bonfim, sou da região, e dizer que a população continue confiando na Policia Militar, que nos temos essa missão de servir e proteger a sociedade, então hoje estamos aqui homenageando esses policiais por isso, para que mostre também a comunidade, a população da importância da nossa Policia Militar, na defesa do cidadão, na defesa das leis e das instituições, então um abraço a todos os policiais que compõe o Comando Regional Norte, que Jaguarari também está inserido deixo aqui meu abraço, felicidades, e espero que esse evento continue que no próximo ano, que a prefeitura juntamente com a Policia Militar que retorne a Abóbora  para que se faça esta homenagem aos nossos guerreiros policias, abraço a todos e felicidades", disse o Coronel Neves do CFAP.


Segundo o vaqueiro Raimundo Bonfim de 87 anos, que relatou ao PJ, quando garoto contavam a ele sobre o "Combate de Abóbora". "Os policiais chegaram e Lampião e seu bando dançavam forró quando começou o tiroteio, e o cangaceiro Mergulhão mesmo ferido, todo baleado e ainda 'tava' com o pulso cortado e sangrando muito, continuou indo pra cima e atirando contra os policiais e acabou morrendo, o resto do bando fugiu e a população enterrou ele (Mergulhão) no meio do mato, e os policiais foram enterrados no antigo cemitério", disse.

Ainda segundo o Sr. Raimundo o distrito foi crescendo e removeram o cemitério do centro de Abóbora que hoje serve de posto policial e construíram outro a uns 2 km do distrito, e os corpos dos policias foram exumados e levados para um outro local desconhecido.

Assista ao vídeo com um compacto do evento produzido pelo Canal de João Carvalho



Fonte: Portal Jaguarari
Fotos: Jair Paulo, Werick Lima

Novidades na Praça

"Vida e morte de Isaías Arruda - Sangue dos Paulinos, abrigo de Lampião"

O historiador, pesquisador e professor cearense de Aurora, João Tavares Calixto Júnior, está lançando no próximo dia 29/11 o seu mais novo livro "Vida e morte de Isaías Arruda - Sangue dos Paulinos, abrigo de Lampião".



Trata-se de um trabalho de cinco anos de pesquisa, resultante da compilação de informações extraídas de entrevistas, revisão de bibliografia, textos de jornais, fotografias raras e processos originais.

O livro tem 421 páginas, que traz na capa e no corpo do texto 12 ilustrações do artista goiano Ronald Guimarães, e é composta por duas partes, sendo nove capítulos distribuídos na primeira, que fala da vida de Isaías Arruda e outros três capítulos na segunda parte sobre a morte do chefe da ribeira do Salgado.

Ainda de acordo com João Calixto Jr., será uma boa oportunidade para quem deseja conhecer um pouco mais sobre a história social da região do Cariri cearense, sobretudo do cangaceirismo e coronelismo na década de 1920, época de atuação deste marcante personagem sertanejo, tão comentado, mas até então, não estudado.


Interessado? 

Você não precisa esperar pelo lançamento, peça o seu agora, através do professor Pereira! Via e-mail franpelima@bol.com.br ou WhatsApp (83) 99911-8286

Valor? R$ 60.00 (Sessenta reais) com frete incluso para qualquer canto do país.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cangaço Campina

UEPB consolida apoio ao evento



O reitor Rangel Junior recebeu no Gabinete da Reitoria da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no Campus de Bodocongó, em Campina Grande, a visita da comissão organizadora do evento “Cangaço Campina 2019 – História & Cultura Nordestina”, com os quais discutiu sobre a iniciativa e o apoio da Instituição para a realização da atividade cultural.

Foto: Ítalo Vilarim

A reunião contou com as presenças do vice-reitor da UEPB, Flávio Romero Guimarães; do pesquisador do cangaço e vereador João Dantas; do publicitário e comunicador Celino Neto; do publicitário Kennyo Alex e do jornalista e coordenador de Comunicação Institucional da UEPB, Hipólito Lucena.

“Cangaço Campina 2019” é uma realização da Vila Sítio São João e será realizado entre os dias 22 e 24 de novembro, trazendo para a Rainha da Borborema as maiores autoridades do Brasil sobre a temática do cangaço. A palestra de abertura será ministrada pela escritora Vera Ferreira, neta de Lampião, e contará com as presenças de Paulo Brito, filho do Coronel João Bezerra; Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita; Eliza Dantas, filha do cangaceiro Candeeiro; Jaqueline Rodrigues, neta de Chiquinho Rodrigues; e Patricia Gastão, filha do historiador e pesquisador Paulo Gastão.

O reitor Rangel Junior parabenizou os organizadores do evento pela iniciativa e confirmou o apoio da Universidade na logística do evento, ao tempo em que incentivou a participação da comunidade acadêmica, sobretudo dos cursos de História, Comunicação Social, Sociologia e outros cursos das Ciências Sociais e Humanas que possam se interessar pelo tema. Rangel ressaltou ainda que o evento contará como carga horária complementar para os alunos que precisam cumprir tal requisito obrigatório para Colação de Grau.

Para João Dantas, pesquisador do cangaço e consultor do evento, o apoio da Universidade Estadual da Paraíba é de extrema importância, tendo em vista que a comunidade acadêmica precisa estar envolvida em um momento como este onde as maiores referências sobre a era lampiônica estarão reunidas em Campina Grande. “Os alunos e professores das Ciências Sociais e Humanas terão uma oportunidade única de desfrutar do conhecimento das maiores autoridades da temática do cangaço e ainda terão oportunidade de conhecer filhos e netos dos principais personagens desta saga sertaneja”, ressaltou.

Os interessados em participar do evento devem efetuar inscrição, gratuitamente, através do link https://www.sympla.com.br/cangaco-campina-2019—historia–cultura-nordestina__696620. Outras informações sobre o evento podem ser conferidas no perfil do evento no Instagram (@cangacocampina).

Confira a programação completa do evento:



Dia 22 de novembro – Sexta

19h – Apresentação cultural

19h30 – Abertura, com as presenças de Paulo Brito, filho do Coronel João Bezerra e de D. Cyra Brito Bezerra; Expedita Ferreira e Vera Ferreira, filha e neta de Lampião e Maria Bonita; Eliza Dantas, filha do cangaceiro Candeeiro; Jaqueline Rodrigues, neta de Chiquinho Rodrigues; e Patricia Gastão, filha do historiador e pesquisador Paulo Gastão

20h – Palestra com Vera Ferreira

Dia 23 de novembro – Sábado

8h – Palestra “As mulheres e o Cangaço”, com João de Sousa Lima

8h30 – Exibição do documentário “Os Últimos dias do Rei do Cangaço”, do jornalista João Marcos Carvalho, seguida de debate com os palestrantes

14h – Palestra “O Cangaço e o turismo”, com Jairo Luiz

14h30 – Palestra “Angico – Morte de Lampião. Uma abordagem Crítica”, com Ivanildo Silveira, seguida de debate com os palestrantes

19h30 – Palestra “Vida e Morte do Capitão Corisco”, com Sérgio Dantas

20h – Exibição do documentário “Angicos 80 anos depois”, de Aderbal Nogueira, seguida de debate com os palestrantes

Dia 24 de novembro – Domingo

8h – Palestra “Maria Bonita – Período Maria Deano”, com Wanessa Campos

8h30 – Palestra “A construção da imagem pública de Lampião na imprensa entre 1922 a 1940”, com Wescley Dutra

9h – Palestra “O Cangaço na Paraíba”, com Bismarck Martins

9h30 – Apresentação e entrega da Comenda Paulo Gastão aos convidados especiais e palestrantes

10h – Encerramento

Texto: André Gomes (Assessoria Cangaço Campina 2019) com edição de Tatiana Brandão


Publicado originalmente no Portal da Universidade Estadual da Paraíba

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Vem ai 'Lampião, o Governador do Sertão'

Filmagens do documentário desbravam o Cariri cearense

Por *Antonio Laudenir

Novo filme de Wolney Oliveira investiga a influência do cangaço na cultura brasileira e internacional. Além da Região Sul do Estado, equipe vai percorrer Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL), Bezerros (PE) e Recife (PE)

Assis, Alex, Rogério, Wolney, Boni e Léo: artesanato, poesia e som
Rogério Rezende

Encontro Wolney Oliveira no Aeroporto Pinto Martins. Voo rápido rumo a Juazeiro do Norte. Guardo lembranças de ter ido ainda criança. Espiava naqueles monóculos fotos da família no Horto. Gente feliz. Padim Ciço. Parecia um pequeno filme. Tecnicamente é a primeira vez no Cariri.

O intuito é acompanhar, com exclusividade, quatro dias de filmagem do documentário "Lampião, o Governador do Sertão". A empreitada é ambição antiga do cineasta cearense. Explica-se. Por volta de 2006, o filme estava engatilhado e já contava com um bom número de entrevistas gravadas.

A pólvora explodiu no telefonema do amigo e pesquisador João de Sousa Lima. Direto de Paulo Afonso (BA), o contato afirmava que dois remanescentes do famoso bando de Lampião (1898-1938) foram identificados. "Wolney, achei Durvinha e Moreno", alertou a fonte.

Eram as alcunhas de Antônio Ignácio da Silva e Durvalina Gomes de Sá. O trabalho ganhou rumos. "Precisava contar a história de quem estava vivo. Quem estava morto podia esperar um pouco mais", resgata o diretor. O contato com os ex-cangaceiros durou felizes quatro anos. Nascia, assim, "Os últimos Cangaceiros" (2011).

Entre outros projetos, como o recente "Os Soldados da Borracha" (2019), Wolney percebeu a necessidade de voltar ao encalço de Lampião. Tudo começou com uma carta. Corria 1926 e a missiva endereçada ao então mandatário de Pernambuco, Júlio de Melo, evocava assunto dos mais urgentes.

"Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco". As linhas de Virgulino continuavam: "E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife".

Atrevimento ou desejo de paz, de certo, as palavras do Capitão seguem reverberando 90 anos depois. A missão do documentário é decifrar as influências do cangaço na produção cultural brasileira e mundial. No avião, o diretor da Casa Amarela Eusélio Oliveira e do Cine Ceará encara a janela e suspira. "Cara, imagina. Lampião reinou 20 anos e naquela época, andava isso tudo, às vezes carregando 40 quilos em arma, joia, o caramba".

Além das raízes familiares e do apreço pelo caldeirão artístico do Cariri, o território foi palco do primeiro longa de Wolney, "Milagre em Juazeiro" (1999). Nos anos 1990, nas muitas idas, um carro deu o "prego" no caminho. "Levamos 24 horas pra chegar", resgata.

Dos cinco filmes guiados por Wolney, três iluminam a região. "Filmei 11 romarias. Não digo que fiz um filme. Me tornei um devoto", brinca. Em 2018, o "Português" (alcunha dada por Durvinha) voltou à trilha investigativa interrompida anos antes. O intervalo rendeu novos personagens e cenários. Explicar o fenômeno de Virgulino e Maria Bonita (1911-1938) passa pelo mergulho no artesanato, culinária, moda, literatura e obviamente o cinema. Nesse último, a obra "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto (1906-82), tratou de unir dois continentes.

Após rodar cenas na Grota de Angicos, em Sergipe, durante missa pelos 80 anos da morte do Capitão, em 2018, Wolney foi a Paris colher o depoimento de dois críticos de cinema. Eles assistiram, na infância, ao clássico de Lima Barreto (1906-1982), vencedor do prêmio de "Melhor filme de aventura" e "Melhor trilha sonora" no Festival de Cannes.

Sob os auspícios do Padim, os muitos relatos de uma gente brava e cheia de fé.
Antonio Laudenir

Agora, entre o fim de outubro e novembro, o realizador lidera um grupo comprometido a percorrer estradas que atravessam o Ceará, Bahia, Alagoas e Pernambuco. As primeiras visitas contemplam Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. O time é formado por Alex Meira (assistente de câmera), Assis Ceará (eletricista), Dayane Oliveira (produtora), Evair Moura (motorista), Léo Oliveira (som direto), Raimundo Neto (motorista) e Rogério Rezende (diretor de fotografia).

Inicialmente, a reconstrução do passado exige o entendimento de vozes do presente. Nas rádios locais, Wolney convoca alunos de escolas públicas a escreverem textos que abordem o cangaço. Jovens de 12 a 17 anos podem participar do filme e serão agraciados com um cachê simbólico.

Som, câmera...

À tarde de quinta-feira (31) marcou o encontro com a arte de Lusyennir Lacerda e Demóstenes Fidélis. No bairro Santo Antônio, em Juazeiro, o casal desenvolve delicados tabuleiros de xadrez, nos quais são reproduzidos cenários e expressões populares. As temáticas Canudos, cangaço e reisado são recriadas em massa feita à base de fécula de mandioca. O colorido entrega poesia ao cenário de guerra entre volantes e cangaceiros.

Embate sertanejo na delicada criação de Demóstenes e Lusyennir
Rogério Rezende

A arte da dupla agora divide espaço com fios, lâmpadas, câmeras e toda uma parafernália quase alienígena. Aos poucos, o convívio no set improvisado vai deixando Demóstenes e Lusyennir à vontade. O tempo auxilia a abordagem pretendida. O casal confecciona as peças. O apelo da cena revela a silenciosa cumplicidade envolvida entre os dois artistas.

Chega o novembro

José Bonieck é historiador, artesão e sanfoneiro. A lida envolve o entalhe da imburana. Desde pequeno as cores do cangaço lhe despertavam interesse. Padre Cícero e Lampião foram as primeiras produções. Da manipulação da madeira, cria representações de figuras populares. Cita Mestre Noza (1897-1983) com profunda reverência e brilho nos olhos.

A assinatura Boni também demanda os esforços da companheira Débora Raquel. Se o jovem artista é hábil no processo de moldar peças simpáticas e repletas de cor, a parceira atua na área da divulgação e venda. Além do coração, dividem o afeto pela leitura e música. A oficina se mistura com a pequena casa. Ferramentas dividem espaço com fotografias e outras obras experimentais.

O espaço para os visitantes montarem o equipamento é ainda mais compacto e exige atenção das lentes comandadas por Rogério Rezende e Alex Meira. Por sua vez, Wolney é só alegria com a fala embasada e respeitosa de Boni. É quando o realizador interage com um sinal de positivo nas mãos. Ouvir é o segredo.

Dali o destino é o lar do pesquisador Margébio de Lucena. Cuidadoso nas respostas e firme nos dados apontados, o oftalmologista divide uma verdadeira aula com os presentes. Durante uma tarde inteira, resgata as muitas conversas feitas com ex-cangaceiros e o contato fiel com registros históricos.

Tarde de causos e pesquisas histórias do Cangaço com Margébio de Lucena
Antonio Laudenir

Bandido ou herói, Lampião e seus asseclas deixaram marca indelével. A participação do estudioso contribui para as muitas perspectivas do tema a serem enfrentadas por Wolney. É momento de descansar. O Dia de Finados, no sábado, exigiria ainda mais da equipe.

A colina do Horto é tomada por romeiros de diferentes estados nordestinos. O volume de visitantes inspirou a produção a criar um totem com as imagens de Lampião e Maria Bonita. O traço do cartunista Klévisson Viana amplia o tom idílico da intervenção.A proposta é simples. Quem quiser pode chegar e tirar uma foto. A única exigência é fitar a câmera e falar do cangaço. Naturalmente os participantes se aproximam, e o bom humor invade a filmagem.


Formação do time no Horto: Em pé (Wolney, Assis e Léo). Agachados Kaika Silva (produtor cultural do Crato), Evair, Dayane e Alex. O fotógrafo Rogério Rezende filmava tomadas áreas e não participou do retrato.
Antonio Laudenir

Ao meio-dia o destino é a Missa do Chapéu, no Centro. Cinema é uma rotina exaustiva, braçal e somente possível com ação em equipe. O respeito ao cronograma é fundamental para que o trabalho se desenvolva. A produtora Dayane Oliveira é total atenção ao entorno do set. Sempre atenta a qualquer ruído que atrapalhe a captação das imagens. Cuida da alimentação ao uso do protetor solar.

É perceptível a interação dos envolvidos. Quando uma boa conversa é registrada, todos desfilam um largo sorriso. Pouco importa as condições da locação. "Para trabalhar com cinema, deve fazer porque gosta", observa o motorista Evair.

Nas poucas horas vagas, geralmente no intervalo entre as cidades e nas paradas de alimentação, os assuntos mais puxados envolvem o mercado de cinema. O assunto família é outra manifestação recorrente. Alguns trabalham juntos por mais de 20 anos.

Conhecem muitos palmos de chão cearense e os bastidores do criar cinema no Estado. A política Federal de censura e os cortes no setor cinematográfico preocupam. A proposta de redação do Enem, que fala de democratização do acesso ao cinema no Brasil, movimentou debates.

O domingo trouxe Barbalha e a arte de Wilton Santos. Areia, arame e papelão alicerçam as esculturas. É capaz de recriar episódios violentos, a exemplo da cena das cabeças cortadas de Lampião e seu bando. Em paralelo, é suave na composição de divindades e personagens folclóricos.

Uma das peças desenvolvidas pelo artesão Wilton Silva
Rogério Rezende

A última noite na companhia da equipe faz refletir a experiência. Impossível não questionar o ano de 2019. Período dado ao extermínio e descrença da cultura e ciência. Felizmente, no mesmo gomo temos outros sabores. Bem mais felizes.

Foi ano de "Pacarrete". Allan, Marcélia e Gramado. Rosemberg e "Notícias do Fim do Mundo". "Greta", de Armando Praça. "Clube dos Canibais" assinado por Guto Parente. "Bate Coração". "Soldados da Borracha". "Marie" produzido por Arthur Leite. Cannes. Karim. "A Vida Invisível". "Bacurau" com Fabíola Liper, Uirá dos Reis e o "Velho Menino" Rodger Rogério. Lembro de Fernanda Montenegro lendo a carta na abertura do Cine Ceará.

Quem enxergava aquela terra apenas pela recordação do monóculo, agora guarda outras leituras. Encarei beleza. Inocência. Contradições. Bondade. Empatia. Desejo por dias melhores. Testemunhos das muitas crenças. Injustiças, violência e resignação.

Vi trabalhadores dedicados ao ofício. O fazer cinema é sinônimo de sobrevivência para inúmeras famílias. Todos ganham quando um filme é produzido. O grupo seguirá as pegadas do cangaço por Nova Olinda (CE), Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL), Bezerros (PE) e Recife (PE). Isso, se novas descobertas não mudarem os destinos da saga.

ENTREVISTA: Garimpeiro de histórias

Para o longa, Wolney e equipe registraram os encantos do Raso da Catarina (BA)
Léo Oliveira

Verso: Quais as suas motivações pessoais para contar a história de "Lampião, Governador do Sertão"?

Wolney Oliveira: Lampião sempre foi um assunto que me apaixonou. Meu pai, Eusélio Oliveira me influenciou no tema. Era um apaixonado pela história e o primeiro livro que li sobre cangaço foi presente dele. Escrito por Paulo Gil Soares, sobre cangaço, provavelmente tinha a ver com o filme "Memória do Cangaço" que é um clássico do Cinema Novo guiado por Soares. Quando li "Milagre em Joaseiro", de Ralph Della Cava, um dos livros mais importantes sobre o Padre Cícero ao lado da obra de Lira Neto. Existem mais de 220 livros sobre Cícero e mais de 300 sobre Lampião.

O texto de Ralph Della Cava fala da passagem de Lampião em 1926 por Juazeiro e isso ficou na minha memória. É uma coisa que está impregnada na cultura do Sertão e do Nordeste. Eu tenho essa mania, defeito ou vantagem que eu prefiro que sobre do que falte material. Eu filmei 180 horas entre 2006 e praticamente 2011, ano da estreia de "Os Últimos Cangaceiros". Entrevistei vários cangaceiros que não entraram no filme, volantes e ex-coiteiros. Por meio do tema, conheci muitos estados do Nordeste. Vários pontos belíssimos como Piranhas e o Raso da Catarina. Nosso País é muito grande e não conhecemos parte dele.

V: Como você explica a paixão pelo documentário?

W:Tive grandes influências. Eusélio Oliveira, meu pai e primeiro professor de cinema, era apaixonado pelo documentário. A outra grande motivação foi a escola de cinema de Cuba. Lá conheci grandes realizadores do gênero como Santiago Álvarez, Fernando Pérez, Gerardo Tirrona. Os dois últimos foram meus professores. Outra força é o meu querido mestre Eduardo Coutinho, que Deus ilumine e proteja. Vi praticamente tudo dele.

Em 1981, fui fazer um curso de cinema direto em Paris, fiquei três meses tendo aulas com discípulos de Jean Rouch. Entre as técnicas dele, envolve se aproximar do personagem, ficar amigo. Claro, nem sempre você pode fazer isso. É uma maneira de conseguir tirar o máximo de informação e sentimento dessas pessoas.

V: Seus trabalhos abordam vivências marginalizadas. Nesse sentido, qual é o compromisso do documentário?

W: Quem tem mais a ver com isso é o 'Soldados da Borracha'. Até hoje é um tema desconhecido por muita gente. Eu mesmo só fui saber quando tinha 40 anos. Inclusive, o maior acervo dos soldados está no Mauc da UFC. É uma história de pessoas marginalizadas, esquecidas, soterradas e menosprezadas. São histórias que o Brasil não quer ver, contar e sentir. Isso é um motivo a mais para fazer cinema documentário.

No "Milagre em Juazeiro", parto da beata que foi torturada e perseguida pela Igreja. Imagina um milagre acontecer na boca de uma negra 'pobre', 'feia', 'analfabeta', segundo os depoimentos de padres da época; e no interior do Ceará? Juazeiro do Norte? Se fosse em Paris a Igreja teria acatado. Como foi aqui não aceitou e até hoje não oficializou ainda. Não beatificou Padre Cícero.

Cercado da arte de Boni, trilha do cineasta mostra cangaço unindo continentes, causos e vivências
Rogério Rezende

V: O Cine Ceará chega a 30 edições em 2020 e o que você projeta para o próximo ano?

W: Superar a 29ª edição é a mesma tarefa de tentar ir além de "Os Últimos Cangaceiros". É um dos meus filmes prediletos. É o mais maduro. Já estamos trabalhando no festival. Vamos lançar um livro sobre os 30 anos do Cine Ceará. Vamos fazer em setembro de 2020. Ninguém sabe como vai estar a situação política e econômica do País. Posso dizer que das 29 edições das quais produzi e dirigi, 27 não teve nenhuma fácil. 2019 foi a mais difícil, mas também a de maior sucesso em relação a todas as outras. A 30ª edição também é um desafio.

V: Já pensou na aposentadoria ou é algo que não passa por sua cabeça? Quais trabalhos você imagina se dedicar nos próximos anos?

W: Nunca pensei em me aposentar. Óbvio, penso em relação à Casa Amarela é à Universidade. Parar enquanto cineasta, não. Meu espelho e objetivo é Luiz Carlos Barreto, um dos grandes nomes do cinema brasileiro e nordestino. Barretão é de Sobral e no auge dos seus 91 aninhos estava numa audiência pública no Supremo. Enquanto eu tiver forças, vou continuar filmando. A projeção é que em quatro anos, eu me aposente da UFC e da Casa. Daí vou fazer meus filmes que é o maior prazer da minha sina cinematográfica.

Além do "Lampião, o Governador do Sertão", estamos finalizando "Vozão, Coração do meu Povão", sobre o time do Ceará. Dirijo com o Joe Pimentel e deve sair em 2020. Estou filmando "Memórias da Chuva", longa documentário sobre Jaguaribara, que foi coberta pela água do Castanhão, maior açude da América Latina. Tem a cidade de Guassussê que foi coberta pelas águas do Orós. Outro filme sobre futebol é "Clássico Rei", que além do Joe inclui o Valdo Siqueira. Vai contar os 100 anos do confronto entre os rivais.

V: Se não fosse o cinema, o que existiria para você?

W: Quando eu tinha por volta de 20 anos, minha avó, por parte de mãe, colocou na minha cabeça que eu tinha que ser bancário. Até embarquei na onda dela, mas vi que não tinha nada a ver. Minha paixão era cinema. Nessa época eu era fotógrafo de still. Comecei fotografando casamento, batizado, aniversário e depois mais na área do fotojornalismo e vídeo. Não me imagino em nenhuma outra ocupação que não seja o cinema. Acho que minha vida não seria essa aventura que é fazer cinema.

*O repórter viajou a convite da produção do filme "Lampião, o Governador do Sertão"


Publicado originalmente no Diário do Nordeste

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Dos feitos em Aquidabã, SE

Zé do papel e Lampião

Por Archimedes Marques*

Em meados de outubro de 1930 quando o bando de Lampião entrou na cidade de Aquidabã, em Sergipe, o ínfimo contingente policial fugiu às pressas deixando as pessoas totalmente desprotegidas e nas garras dos cangaceiros. Aquele era o retrato da força policial sergipana do governador Eronides de Carvalho, filho de Antônio Caixeiro, sem dúvidas, dos maiores coiteiros que o famigerado Lampião teve na sua vida bandida por cerca de 20 anos no nordeste brasileiro.

Aquidabã na década de 40
Fonte Governo Municipal

José Custódio de Oliveira, o Zé do Papel, em virtude de ser uma pessoa aparentemente de classe privilegiada, de classe média para rica, um pecuarista e proprietário da Fazenda Pai Joaquim, fora abordado por Lampião e dentro da sua residência na cidade de Aquidabã, além de certa quantidade de dinheiro, fora encontrado dez balas de fuzil em uma cômoda, sendo daí interpelado para contar onde estava a arma, pois pela lógica, havendo munição haveria a consequente arma, oportunidade em que o trêmulo cidadão afirmou ter emprestado o mosquetão para o juiz de direito daquela comarca, Dr. Juarez Figueiredo.
Tal fato, provavelmente incutiu na mente de Lampião que a arma fora passada ao juiz, justamente para que ele se defendesse do seu bando, daí, enraivecido com o fato, o chefe do cangaço, irracional e impiedosamente arrastou Zé do Papel ruas acima e em frente a um armazém próximo da praça principal da cidade decepou à golpe de faca a sua orelha, depois do bando ter praticado saques no comércio local e tantos outros crimes de torturas contra pessoas amedrontadas, dentre os quais o assassinato de um débil mental de nome Souza de Manoel do Norte, mais conhecido por Abestalhado, que se fez de corajoso na sua insanidade sacando um pequeno canivete com o qual cortava fumo de corda para fazer seu cigarro de palha e com tal arma teria desafiado os cangaceiros. 
Diante do fato, o sanguinário Zé Baiano partiu em verdadeira fúria contra o pobre do doido ceifando a sua vida a golpes do seu longo e afilhadismo punhal de 70 centímetros, em luta totalmente desigual de um ínfimo canivete em mãos de um doente mental contra um longo punhal em mãos de um feroz e impiedoso cangaceiro. Não satisfeito com o bárbaro assassinato, Zé Baiano abriu a barriga da pobre vítima para retirar gordura e untar as suas armas de fogo. Tal pratica era useira e vezeira quando os cangaceiros eliminavam as suas vítimas e queriam impressionar a população para serem mais respeitados ainda do que já eram.
Consta que Zé do Papel na agonia de sentir o sangue escorrendo pescoço abaixo ainda foi obrigado a beber um litro de cachaça que ao mesmo tempo era usada para estancar o seu ferimento e aliviar a sua dor. Em meio a esse místico de humilhação, crueldade, sangue e cachaça o endiabrado cangaceiro Zé Baiano pegou o roceiro Eduardo Melo e após espancá-lo com o coice do seu fuzil, também cortou a sua orelha seguindo o exemplo do seu chefe. Zé do Papel ainda viveu por muito tempo e viu o cangaço se acabar e seu carrasco morrer, entretanto, o Eduardo Melo não teve a mesma sorte e faleceu cerca de um mês depois da perversidade sofrida.


Assim, Aquidabã viveu o maior dia de terror da sua história. Assim Aquidabã fora vítima das atrocidades dos cangaceiros e para sempre pelos seus sucessores moradores aquele dia será lembrado.  Assim, Aquidabã fora vítima também do próprio Estado que deveria ser o protetor do povo, mas que estava ausente. Ausente pela covardia dos seus policiais que fugiram mato adentro sem esboçarem reação alguma. Ausente pela pouca ou nenhuma vontade política de verdadeiramente se combater o cangaço nas nossas terras.
De tudo isso, por incrível que pareça, a Justiça de Aquidabã, sequer abriu Processo Criminal contra Lampião e seu bando. Teria o juiz Juarez Figueiredo, o mesmo que estava com o fuzil emprestado de Zé do Papel, responsável indireto pelo decepamento da sua orelha se acovardado para não providenciar qualquer procedimento judicial contra Lampião?...
Por outro lado, em igual modo de impunidade falando, dizem – e a história de certo modo comprova –  que a polícia de Sergipe era uma polícia de “faz de conta”: Fazia de conta que caçava Lampião, e, Lampião por sua vez, fazia de conta que era caçado.

*(Delegado de Policia Civil no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

sábado, 2 de novembro de 2019

BANDIDO OU PATRIMÔNIO CULTURAL E TURÍSTICO?

A Repercussão do Plebiscito da estátua de Lampião em Serra Talhada em 1991

Rostand Medeiros – IHGRN
Sou de uma família que foi vítima da ação de cangaceiros, através de um assalto ocorrido no dia 1 de fevereiro de 1927, na zona rural do município de Acari, na região do Seridó do Rio Grande do Norte. Sou bisneto de Joaquim Paulino de Medeiros, o conhecido “Coronel Quincó da Ramada”, proprietário da gleba Rajada, atacada nesse dia pelo bando do paraibano Chico Pereira e seus homens.
Desde tenra idade esse tema foi algo muito presente em diálogos familiares e em momentos de recordações sobre a nossa história familiar. Mas em 1991 o meu conhecimento sobre o Cangaço, esse tema tão específico da história do Nordeste, se limitava a alguns filmes, matérias televisivas e alguns poucos livros, que até hoje se encontram na estante da minha casa.





Nessa época, como até hoje, eu buscava aprender mais sobre o Cangaço e tentava compreender porque meus antepassados foram atacados. Mas era então tudo muito limitado.
Foi quando em 1991 aconteceu algo que chamou muito a minha atenção – A notícia da ocorrência de um plebiscito na cidade pernambucana de Serra Talhada, onde a sua população deveria decidir sobre a colocação, ou não, de uma estátua para o cangaceiro Lampião, em uma área pública do município.


A Serra Vermelha, no caminho para a Passagem das Pedras , na zona rural de Serra Talhada, área onde nasceu Lampião– Foto – Rostand Medeiros
A ideia partiu de uma fundação local, que desejava com isso prestar uma homenagem ao maior bandoleiro nordestino, nascido na antiga Vila Bela, atual Serra Talhada. Mas as famílias das vítimas de Lampião, algumas delas das mais tradicionais da cidade, rejeitaram a proposta.
Com toda a polêmica que se seguiu, a prefeitura local buscou promover uma consulta pública para que a população decidisse sobre o caso.


Cangaço – História e cultura nordestina

Morando em Natal em uma época onde a internet ainda era limitada, tentei acompanhar da melhor maneira todo o desenrolar do processo, inclusive através dos jornais, TV e rádios. Mas as informações eram difíceis. Logo surgiu outra surpresa – O alcance da repercussão e de todas as polêmicas do caso junto à imprensa nacional!

Os principais jornais, revistas e emissoras de televisão no Brasil colocaram o tema na pauta e a cidade de Serra Talhada foi alçada as manchetes dos principais meios de comunicação.



No dia 7 de setembro de 1991 houve o processo de votação. Ao final a Justiça Eleitoral, que se envolveu no plebiscito, declarou que 76% dos eleitores votaram pelo “sim”, contra 22% do “não” e 0,8% de abstenções. Mas a estátua de Lampião, da forma como foi pensada em 1991, nunca foi construída.
Para alguns essa votação buscou criar o uso mercadológico da memória de Lampião e do Cangaço naquela cidade. Entretanto foi inegável que para alguém como eu, que vivo há quase 600 km de Serra Talhada, aquele processo despertou em mim um maior interesse por estudar e conhecer mais sobre esse tema. Desejava sair urgentemente da simplória questão “-Lampião foi herói, ou bandido?” Um amigo sociólogo já tinha me dito que “Para entender o Cangaço eu precisava fugir desse discurso rasteiro e polarizado e sair pelas estradas do sertão”. Tinha razão!


Casa de dona Jocosa. Na trilha do cangaço – o sertão que Lampião pisou. Márcio Vasconcelos. Reprodução
Não foi a toa que um dos primeiros lugares que viajei para fora do Rio Grande do Norte com esse intuito tenha sido a área de Serra Talhada e Triunfo. Lugares para onde voltei muitas vezes, continuo com vontade de retornar e fiz ótimas amizades. E nem me chateei quando descobri que toda essa onda de plebiscito para colocação da tal estátua, foi inicialmente uma ideia da fundação para vender turisticamente a cidade de Serra Talhada. Parece que os resultados positivos extrapolaram muito o que se desejou.
Nessa busca por conhecer mais e mais sobre o Cangaço eu não perdi nada. Acabei descobrindo muito além das polarizadas polêmicas que tratam das sangrentas lutas dos cangaceiros.


Junto ao Sr. Antônio Belo, do Sítio Tigre, no pé da Serra de São José, Luís Gomes-RN. Em agosto de 2009 esse Senhor me deu um fantástico depoimento sobre a passagem da Coluna Prestes na sua região em 1926 e sobre a entrada do bando de Lampião no Rio Grande do Norte em 1927.
Descobri as belezas e os problemas da minha região. Descobri a força da nossa gente, do colorido do Nordeste, bem como as histórias de Padre Cícero e de Leandro Gomes de Barros. Descobri Canudos, o belo Rio São Francisco, muito mais do Seridó e das minhas raízes. Descobri também Luiz Gonzaga e Exu, o Beato José Lourenço do Caldeirão, o Pajeú, o Piancó, a Missa do Vaqueiro de Serrita. Descobri Clementino Quelé, Jesuíno Brilhante e Patu, o Saco dos Caçulas em São José de Princesa, a rota de Lampião no Rio Grande do Norte para atacar Mossoró e muito mais.


No alto da Serra Grande, onde ocorreu o maior combate da história do Cangaço em 1926.
Independente das polêmicas envolvidas em 1991, do resultado final da votação, da ideia de quem ganhou e de quem perdeu com o pleito, ou se a imprensa manipulou negativamente o plebiscito, ou das consequências para a política local, para o turismo da região e para a identidade da cidade de Serra Talhada, eu acho que aquele evento eleitoral, que logo completará 30 anos, teve como maior mérito colocar toda uma comunidade nordestina debatendo sobre uma determinada figura histórica e sobre um período de sua história.


Foto colorizada de cangaceiros. Realizada a partir de um original em preto e branco, é uma arte do professor Rubens Antônio, que realiza um primoroso trabalho nesta área.
Não sei se esse tipo de situação ocorrida em Serra Talhada foi um episódio inédito no Nordeste e nem sei dizer se houve nessa parte do Brasil outros debates sobre temas históricos que tenham gerado tanta movimentação. Por isso acho que vale a pena comentar e recordar o que ocorreu no sertão de Pernambuco em 1991.


Fino trabalho de Mestre Aprígio, de Ouricuri, Pernambuco, fotografado na Loja do Vaqueiro, em Caruaru – PE – Foto – Sérgio Azol.
Concordo quando dizem que a memória de um lugar não é para se tornar mercadoria barata e nem ser mercantilizada de qualquer jeito. Mas não posso esquecer que não foi só na cidade de Serra Talhada que Lampião se transmutou de bandido para patrimônio cultural e turístico. Um exemplo está no meu Rio Grande do Norte. Mesmo sem plebiscito, a cidade potiguar de Mossoró também buscou uma utilização cultural e turística em relação a memória do ataque que sofreu do bando de Lampião em 13 de junho de 1927. Essa iniciativa até hoje é um sucesso!


Combatentes de Mossoró em junho de 1927.
Por esses dias, mexendo nos meus antigos, amarelados e preciosos papéis sobre história da minha região, encontrei uma página do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, que muito chamou a minha atenção na época. Adianto para os que conhecem mais sobre o tema Cangaço que a jornalista Letícia Lins cometeu deslizes em relação à história de Lampião. Mesmo assim eu decidi transcrever para os leitores do TOK DE HISTÓRIA esse texto, para trazer um pouco da efervescência que envolveu aquele plebiscito em 1991.
ESTÁTUA DE LAMPIÃO DESPERTA AMOR E ÓDIO NO SERTÃO
Texto – Letícia Lins
JORNAL DO BRASIL, domingo. 11 de agosto de 1991, 1º Caderno, página 17.


S E R R A T A L H A D A. PE — “Nem herói, nem bandido, é história. Diga sim a Lampião”. Petista, fã de Karl Marx. Che Guevara e Fidel Castro, o ator Anildomá Williams, autor da inscrição pichada nos principais muros de Serra Talhada, já decidiu: com roupa azul, adornada com lenço vermelho no colarinho, embornal, cartucheira, chapéu de couro e rústicas sandálias, vai fazer boca de urna para ninguém menos que Virgulino Ferreira, o famoso Lampião, em plebiscito no próximo dia 7 de setembro, nesta cidade sertaneja, a 497 quilômetros do Recife.
O plebiscito, coordenado pela Casa de Cultura de Serra Talhada, tem um objetivo simples: consultar a população para saber se Lampião, o filho mais polêmico da terra, tem direito a estátua em Praça Pública, na cidade de onde partiu quase menino para o cangaço e a fama. A iniciativa movimenta gente como Anildomá, divide os 100 mil habitantes de Serra Talhada, desperta controvérsias nas cidades vizinhas, provoca irados editoriais em jornais de Pernambuco, Bahia, Alagoas e fez chegar uma enxurrada de cartas à Casa de Cultura, algumas de estados distantes, como o Pará. Não é Para menos: agitador do início do século, homem destemido que enfrentou a polícia e os coronéis de sete estados nordestinos, entre caminhos trilhados a pé no meio dos espinhos da caatinga, Lampião ainda hoje desperta ódios e paixões. É tido como um justo pelos sertanejos, às vezes, como um demônio. Outras, como um deus.
Cinquenta e três anos após sua morte seus conterrâneos falam dele como uma lenda viva, e não escondem a expetativa diante do plebiscito, do resultado ainda imprevisível, com muita gente a favor, muitos contra e quase ninguém neutro. Pesquisa do jornal mensal Correio do Vale, na qual não foram computados os votos brancos nem nulos, mostrou que 55,06% da população se posicionam a favor da estátua, enquanto 4,94% se colocam contra. Não é preciso apelar para os números. Uma circulada pelo Fórum, igreja, praças e sítios mostra que a divisão está em todos os lugares, até mesmo na prefeitura. “Tenho oito secretários e só dois são contra a estátua, porque suas famílias foram perseguidas por Lampião”, diz o prefeito Ferdinando Feitosa (PFL), sem esconder um elogio rasgado ao cangaceiro: “Mais do que um bandido, ele foi um produto do seu tempo, espezinhado e maltratado por seus ricos vizinhos fazendeiros”. Ardoroso defensor da colocação da estátua em praça pública, o vice-prefeito Giovani Santos de Andrade Oliveira diz que os motivos que empurraram Lampião para o cangaço ainda hoje fomentam inimizades no Nordeste; “Terra e honra no sertão viram questão”, justifica. Os dois receberam sinal verde do principal líder político da cidade, deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE), para apoiar o pleito.





FOTO – Sérgio Azol.
De fuzil em punho — Lampião é história, só que fez a história de forma diferente, de fuzil em punho — afirma Tarcísio Rodrigues, presidente da Casa de Cultura e organizador do plebiscito. A consulta popular já despertou o protesto do juiz José Machado de Azevedo, que promete lavar as mãos; — Uma estátua de Lampião é uma apologia do crime. — Diz que sua atuação se limitará a fenecer urnas virgens para o pleito, de consequências imprevisíveis, segundo ele.
É ruim exaltá-lo numa terra onde andar com revólver na cintura ainda é simbolo de status e demonstração de machismo. 0 promotor Euclides Ribeiro de Moura Filho, um cearense que anda com uma cópia da certidão de nascimento de Lampião na bolsa, discorda do juiz: — Não se pode olhar a figura de Lampião apenas à luz do direito. É necessário considerar-se o momento histórico em que ele viveu, quando as volantes da polícia que desbravavam o sertão também despertavam o medo na população — encerra o representante do Ministério Público.


Um sertanejo nordestino, seu filho e seu jumentinho com os caçuás – Fonte -http://portaldoprofessor.mec.gov.br

Lampião – Da briga com os Nogueira ao cangaço
“Cabra macho, que merecia morrer na ponta do fuzil, e não na covardia”, para o ex-volante Luís Flor, que lutou contra o cangaço durante quatro anos; “menino bom. Mas doido”, para o padre Cícero Romão, e um “príncipe”, para Antônio Silvino, cangaceiro que durante quase duas décadas reinou absoluto no sertão, Virgulino Ferreira era o terceiro de uma prole de oito irmãos, cinco homens e três mulheres. Nasceu na localidade de Serra Vermelha, antigo município de Vila Bela, Hoje transformado em Serra Talhada.
Como todos os pequenos proprietários do sertão do Pajeú, o patriarca José Ferreira e sua mulher viviam do plantio de milho, feijão e de algumas cabeças de gado. A produção era alternada; colhia-se nos anos de bom inverno e se perdia tudo durante a seca. Mas isso não chegava a desanimar os Ferreira, principalmente Virgulino. Ao ver o roçado esturricado, ele juntava 14 burros e saia cortando as estradas poeirentas do sertão, vendendo mercadorias de cidade em cidade, voltava com os caçuás (cestos de cipó) vazios, mas de bolsos cheios. A profissão, ainda hoje, é conhecida no Sertão e tem dois nomes: tropeiro ou almocreve.
Por esse motivo, desde menino Lampião começou a chamar a atenção dos pais, dos vizinhos e dos sete irmãos. Pouco a pouco foi mostrando outras habilidades, não só de bom mercador. Confeccionava artesanato em couro, principalmente arreios de montaria, e vendia nas feiras. Foi um pequeno episódio, comum no sertão, onde qualquer besteira se transforma em questão de honra, que fez tudo mudar, segundo lembram, hoje, não só os Ferreira, como os Nogueira, o clã inimigo.


Zé Saturnino – Arquivo do autor
Chocalhos — Ferreira e Nogueira eram vizinhos. Um parente dos Nogueira, José Saturnino, se mostrou “despeitado” quando viu que o gado dos Ferreira andava na caatinga com uns chocalhos bonitos, dourados, comprados em Juazeiro do Norte, no Ceará. Até então, todos os chocalhos que chegavam à fazenda Serra Vermelha eram negros e sem graça. No sertão — onde o gado é criado sem cercado — o chocalho funciona como um meio de o vaqueiro localizar bois, vacas e cabras. Saturnino amassou o chocalho do gado dos Ferreira, que perderam bois e vacas. Para não ficar por baixo, os Ferreiras deram o troco, amassando chocalhos do seu gado. Saturnino não gostou; capou o cavalo de Virgulino. Virgulino cortou os rabos das vacas de Saturnino. A briga cresceu e o juiz de Vila Bela obrigou os Ferreira a se mudarem. Foram morar no distrito de Nazaré, hoje Carqueja, com uma condição; nem visitavam Serra Vermelha, nem Saturnino entrava em Carqueja. Saturnino quebrou o acordo e os Ferreira não gostaram.
Começaram a fazer arruaças em Carqueja. Foram obrigados a se mudar, desta vez para Alagoas, onde um amigo de Saturnino — a pedido deste — matou o pai de Virgulino e feriu um irmão. Virgulino decidiu vingar-se. Integrou-se ao bando do cangaceiro Sinhô Pereira e depois começou a agir por conta própria, com seu próprio bando. Seu poder cresceu, ele passou a ser temido até pelos governadores. Em 1926, chegou a propor ao governo de Pernambuco dividir o estado em dois: à capital caberia a administração do litoral, enquanto ele reinaria, sozinho, no Sertão. De cangaço em cangaço, Lampião terminou por ter a cabeça colocada a prêmio por 50 contos de réis. Em 1938, seu bando foi desarticulado, ele e seuscompanheiros foram degolados e suas cabeças exibidas em praça pública.


Voto a favor do compadre
Ela tem 92 anos, quase não anda, não gosta de falar muito, mas há um assunto que sempre a empolga e sobre o qual, dependendo da disposição e da saúde, discorre horas seguidas: a vida e morte do compadre Virgulino Ferreira, seu querido Lampião. Ela quer mais é ver a estátua dele na principal praça da cidade, ou no topo da montanha mais alta da serra que dá nome ao município.
— Não botaram a estátua do padre Cícero no Juazeiro? Por que não Lampião aqui? Ele não era tão bom quanto o padre Cícero — diz Especiosa Gomes de Luz, que nunca apareceu em jornal, revista, nem foi ouvida por sociólogos, antropólogos, que costumam derramar ciência e erudição sobre o Cangaço. Para ela, Lampião não passou de um justiceiro: “Ele tirava de quem tinha muito para dar a quem não tinha nem um pouco”. Conta que costumava costurar para o bandido e o bando, e que ele nunca se utilizou da amizade para pedir abatimento no preço das roupas: “Ele pagava muito e bem, e ainda dava os retalhos para fazer calções para os meninos”.


Lampião
Especiosa guarda boas recordações do Cangaço: “Quando Lampião chegava com seu bando, era uma festa, os pais confiavam, davam as moças para os rapazes dançarem com elas, e Lampião nunca descasou nenhuma”. Ela mostra que as volantes – forças policiais do governo que combatiam o cangaço – despertavam mais medo e eram mais violentas que cangaceiros; “Quando eles vinham, faziam incêndios, acabavam com tudo”. Relata que muitas vezes Lampião deu dinheiro a quem não tinha – Para festa de casamento, batizado e até compra de terra – e diz que não chorou quando soube da morte dele: “Já estava degolado, não adiantava chorar. Só fiz rezar por ele”.





Marca de bala depõe contra
Luís Alves Nogueira tem 86 anos, anda com dificuldade, com auxílio de UMA bengala, já não enxerga por um olho e tem alguns lapsos de memória. Mas há um fato que presenciou a 65 anos que ele recorda com a nitidez de um filme em cores; a invasão da Fazenda Serra Vermelha por Lampião e seu bando, quando os Nogueiras reagiram a tiros contra os cangaceiros, em uma luta sangrenta que durou sete horas.


 — Eles bandalharam tudo, queimaram a casa da fazenda, incendiaram o gado ficou tudo uma carniça só — conta, na casa grande da Fazenda Serra Vermelha, que ainda hoje ostenta nas paredes as perfurações de bala daquele tempo, e que guarda como troféus de resistência os torrões de barro que sobraram do ataque a fogo a sua residência. Domingos, filho de Luís, é contra a estátua de Lampião cm Serra Talhada: “Por que não a de padre Cícero? Indaga ele, que costuma visitar com o pai a cova do avô, morto por Lampião dia 26 de fevereiro de 1926.




Aquele foi o resultado da volta do cangaceiro às terras da qual praticamente havia sido expulso por influência do fazendeiro José Saturnino, na década de 10. O patriarca José Ferreira e os oito filhos foram obrigados a se mudar para a localidade de Nazaré hoje distrito de Carqueja, município de Floresta. Depois, mais vez foram tangidos para Alagoas, onde o tenente José Lucena – amigo de Saturnino – matou o pai e feriu um amigo de Lampião. Foi a gota d’água. Virgulino, que já havia se integrado ao bando de Sinhô Pereira, outro histórico cangaceiro, e jurado por ter a pistola como advogado — por não ter encontrado um que o defendesse nas questões de terra de Serra Talhada, resolveu se vingar.

Pescado no Tok de História