Há 91 anos Umarizal foi saqueada por um bando de cangaceiros
Por Rivanildo Alexandrino
11 de maio de 1927, aos primeiros raios do sol escaldante, um grupo de cangaceiros aproximava-se sorrateiramente do pequeno vilarejo de Gavião¹. O bando era formado por cerca de vinte homens, e o seu chefe era nada menos que o famoso cangaceiro Massilon Benevides Leite, que no dia anterior havia atacado a cidade de Apodi, e um mês depois, estaria integrado ao bando de Lampião no famoso ataque à cidade de Mossoró.
Próximo ao povoado, o chefe interrogou uma mulher que lavava roupas numa casa um pouco afastada de Gavião:
- Ali na rua tem “macaco”² do governo? - O que é macaco do governo? – inquiriu a mulher! - É polícia! - Tem não senhor! Só esses que estão chegando agora! ( pensava que os cangaceiros eram soldados ). - Esses não são macacos! São meus cabras! - E quem é o senhor? - Sou “Lampião”! ( mentiu ).
A mulher, que ao ouvir o nome de Lampião, ficou trêmula de medo, logo foi tranquilizada pelo chefe dos bandidos que disse que não a fariam mal.
Depois de saciarem a sede, os cangaceiros preparam-se pra invadirem o lugarejo. Para isso, Massilon usou inteligente estratagema, mandou que dois dos seus homens tirassem seus apetrechos característicos do cangaço e adentrassem no arruado, um corria a pé na frente, e o outro, montado em um burro em perseguição ao mesmo, gritava:
- Pega ladrão! Pega ladrão!!
E assim, chegaram em frente a matriz, onde os moradores aglomeraram-se para assistir a estranha cena. Aproveitando a situação, os cangaceiros entram de súbito em Gavião, cercaram e renderam todos que estavam no centro do lugar.
Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus
O autor em visita as ruínas de um lindo casarão do século 19. O mesmo fica no município de Umarizal, que na época chamava-se "Gavião".
Rendidos os habitantes, começaram a onda de saque. O comerciante José Abílio de Souza Martins foi um dos mais prejudicados. Teve seu estabelecimento comercial invadido e saqueado pelos cangaceiros que subtraíram grande quantidade de mercadorias e certa soma em dinheiro.
O coronel Cristino Leite, chefe político local, foi da mesma forma, preso e obrigado a pagar por sua liberdade. No entanto, pediu ao chefe que não molestassem os moradores, que o mesmo faria uma cota com a população pra arrecadar dinheiro e lhe entregar.
O chefe da horda assassina, exigiu 10 contos de réis, valor exorbitante para os padrões do lugar naquela época. Mas depois de feita a arrecadação, tudo que conseguiu-se foi a quantia de 2 contos e algumas armas. O próprio Massilon sabia que o valor que tinha pedido era muito elevado, sendo assim, aceitou de imediato a quantia que conseguiram.
Os cangaceiros ainda organizaram alegre baile no grupo escolar, mas como o chefe deu a palavra ao coronel Cristino Leite que respeitaria os moradores, as mulheres não foram obrigadas a participar, e os cabras dançaram uns com os outros ao som de um fole e sob efeito de bebidas alcoólicas.
Já na parte da tarde os cangaceiros deixavam Gavião e seguiram em direção ao povoado de Itaú, que da mesma forma foi saqueada.
NOTAS e REFERÊNCIAS (1) Nome primitivo da cidade de Umarizal, que depois foi chamada de Divinópolis e posteriormente, recebeu a denominação atual.
(2) Os cangaceiros chamavam os soldados de macacos.
Obs: A minha pesquisa baseia-se nas obras dos doutores: Sergio Dantas, Raul Fernandes e do professor Raimundo Nonato.
Chegou o volume 2 de 'Lampião e o Cangaço na historiografia Sergipana'
Recebi, ontem, o novo livro do escritor sergipano Archimedes Marques, 'Lampião e o cangaço na historiografia Sergipana'. Essa magnífica obra e, fiquei surpreso com o grande conteúdo e, novidades que o mesmo traz. São quase 400 páginas, com fatos novos, inclusive uma certidão do casamento da cangaceira Dulce, com o também, cangaceiro, Criança. Uma iconografia muito rica, que vale a pena ter em sua biblioteca.
Foto: TV Aperipê
Neste segundo volume passeamos sobre a estada, a passagem, a vida das cangaceiras naqueles inóspitos tempos, suas dores e seus amores nas guerras do cangaço e também após esse tempo para aquelas sobreviventes.
A história do município de Carira, seus arruaceiros, seus bandoleiros, seus pistoleiros, os cangaceiros e policiais que por ali atuaram, também é minuciada e melhor estudada com a participação inequívoca de historiadores locais de renome que remontam esse tempo.
A histórica e linda Laranjeiras dos amores e horrores, não poderia ficar de fora, pois além de tudo, há a grande possibilidade de Lampião ali ter pisado, até mais de uma vez, para tratamento do seu olho junto ao médico Dr. Antônio Militão de Bragança. Nesse sentido a história, a ficção e as suposições se misturam para melhor compreensão do leitor.
O autor a esquerda, na ocasião do coquetel de lançamento em Aracaju.
Fonte Site do Bareta.
Boas novidades também são apresentadas neste volume, uma com referência ao “desaparecido” Luiz Marinho, cunhado de Lampião, então casado com a sua irmã Virtuosa, outra referente ao casamento de um casal de cangaceiros ainda na constância desse fenômeno ocorrido em Porto da Folha, com a prova documental e, em especial o extraordinário fato novo relacionado a Maria Bonita em Propriá na sua segunda visita àquela cidade para tratamento médico.
Fotos inéditas também estão apostas neste volume, que acredito será bem aceito pelos pesquisadores do cangaço. A excelente obra pode ser adquirida diretamente com o autor, através do email: archimedes-marques@bol.com.br
Resenha e Transcrição de Volta Seca, administrador do grupo Lampião, Cangaço e Nordeste - Facebook.
Breve contenda entre os Ferreira e os Bezerras de São José de Princesa
Por: Charles Bezerra Cabral
Segundo depoimentos do saudoso Joaquim Bezerra Leite (Joaquim de Santo Bezerra), (*10/05/1910 - +05/12/2005), pegos pelo autor desse blog, seu neto, o mesmo contava que os Bezerras e os Ferreiras, Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) e seus irmãos, eram almocreves tangendo tropas de burros nas mesmas rotas comerciais no início do século 20.
Viajavam com frequência para as cidades de Campina Grande na paraíba, Rio Branco, hoje Arcoverde em Pernambuco, Araripina no Pernambuco, Juazeiro no Ceará, entre outras cidades desses mesmos estados.
Numa dessas viagens entre 1915 e 1917, ele não sabia precisar o ano, num acampamento de estrada para tropeiros que existiam as margens das estradas dessas rotas, houve uma contenda entre os Bezerras, Antonio Bezerra Leite o Patriarca e seus filhos com os Ferreiras, Virgolino Ferreira da Silva (Lampião) e seus irmãos.
No calor da contenda um dos irmãos de Virgulino ameaçou puxar da cintura uma pistola semi automática da época de fabricação americana que davam o nome de "FN". Entretanto os Bezerras não se amedrontaram e da mesma forma os filhos do Patriarca Antonio Bezerra Leite, e seus funcionários que também andavam armados com pistolas semelhantes, também foram aos cabos das suas respectivas pistolas.
Mas com a interveniência do Patriarca Antonio Bezerra Leite e de Virgolino Ferreira da Silva, os ânimos foram acalmados e a contenda que poderia ter tido um final sangrento teve um final ameno. Algum tempo depois, Virgolino por razões que todos conhecem entrou para o cangaço em 1920, e os Bezerras por essa razão, sempre que sabiam que Lampião se encontrava numa determinada rota, evitavam viajar naquela direção, a fim de não dar de encontro com aquele que havia se tornado o terror do nordeste.
Anos mais tarde em meados da década de 20, numa determinada festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição em 8 de dezembro, ao final da tarde com os festejos acontecendo em frente da igreja de São José, o velho Patriarca Antonio Bezerra, se encontrava na sua residência no alto dos Bezerras. Quando de repente chegaram Lampião e doze homens fortemente armados, na sua porta. Não tendo nada mais a dizer ou fazer, o velho patriarca os cumprimentou e os convidou a entrar na sua casa.
Lampião entrou sozinho e deixou os cabras no terreiro em frente a casa. Dentro de casa e acomodados, o velho patriarca temeroso, indagou a Lampião o motivo da sua visita e ainda, se o fosse acertar aquela contenda de então que ocorrera no acampamento de almocreve, ele nada podia fazer, a não ser dizer a ele que os seus filhos se encontravam nos festejos em frente da igreja e se o seu intento fosse esse, poderia descer aos festejos e ali concretizar o que ele havia ido fazer ali. Pois o velho Patriarca achava que Lampião havia ido a São José para matar os seus filhos.
Lampião imediatamente tratou de desfazer essa ideia na cabeça do velho Patriarca e finalizou que aquilo que havia acontecido tinha ficado no passado e que o motivo da sua estada ali era pra fazer uma visita a um velho amigo das estradas empoeiradas.
Assim sendo, naquele dia acabou o temor do velho Patriarca e seus filhos em relação a Virgolino.
Cangaço Overdrive mostra que o Nordeste também é cyberpunk pra ca...
Ao invés de simplesmente adaptar o futuro distópico das grandes metrópoles e corporações e fazer um Neuromancer tupiniquim, o novo lançamento da Editora Draco mistura Blade Runner, Chico Science e Patativa do Assaré
“O cyberpunk é agora”. Foi com esta frase que a gente abriu a nossa semana especial sobre o tema, a tempo da estreia da adaptação hollywoodiana de Ghost in the Shell. Mas com o lançamento do gibi nacional Cangaço Overdrive, dá pra fazer uma ligeira e necessária alteração na expressão: “o cyberpunk é aqui”.
Várias vezes a gente já falou no JUDAO.com.br, ao discutir cultura pop de nicho, que fazer obras originais de gênero aqui no Brasil requer muito mais do que apenas trocar o nome de “Nova York” pra “São Paulo” e aceitar os super-heróis flutuando pelos céus da cidade. Tem toda uma questão cultural única do nosso país que, se for devidamente considerada e trazida pra conversa, dá um sabor que torna não apenas tudo mais factível, mas também mais relacionável com o universo do leitor/espectador. São os orixás tomando o papel dos deuses nórdicos na temática kirbyana de Hugo Canuto. Ou o palhaço do mal ganhando contornos de artista de rua, ao som de música brega, no universo slasher de Condado Macabro.
Zé Wellington, natural de Sobral, interior do Ceará, faz roteiro pra quadrinhos há quase uma década e meia — e já foi, inclusive, premiado com um HQ Mix por seu Steampunk Ladies: Vingança a Vapor. Mas depois de brincar com os clichês dos vigilantes uniformizados em plena realidade nua e crua da favela em Quem Matou João Ninguém?, ele resolveu brincar com o cyberpunk. E também sacou muito bem o que é isso do sabor cultural local, fazendo o cyberpunk ser LITERALMENTE aqui.
Tamos falando de um Ceará num futuro próximo, enfrentando sua maior seca em séculos. E aí que, numa terra esquecida pelo governo e dominada pelos interesses dos conglomerados empresariais, um lendário cangaceiro e um impiedoso coronel são reanimados para continuar a peleja que deixaram no passado. Enquanto isso, uma comunidade autogerida tenta manter a independência ao defender sua terra de um ataque da polícia orquestrado por uma grande corporação.
É cyberpunk? Noir futurista, com tempero distópico, implantes cibernéticos pra lá, conexão neural com uma imensa rede de transmissão de dados pra cá, hackers, inteligência artificial? É sim. Mas é Brasil PRA CARALHO.
“O historiador Eric Hobsbawm escreveu um livro inteiro sobre vários casos de bandidos, no sentido de pessoas que estavam à margem da lei, que eram idolatrados pelas comunidades das quais faziam parte. Lá no livro ele escreve que este tipo de banditismo é uma forma bastante primitiva de protesto social organizado”, explica Zé, em entrevista ao JUDAO.com.br.
“O cangaço é um destes exemplos que chegam a ser paradoxais. Enquanto cruzavam um Nordeste esquecido pelo estado, Lampião e outros cangaceiros famosos roubavam e aterrorizavam a população. Mesmo assim, este período é lembrado com certo saudosismo, sendo o cangaceiro uma das figuras culturais mais relacionadas à região da caatinga”, define. Uma explicação para isso seria o entendimento de que, tão errado quanto o bandido, é o ambiente que o fez surgir. “A partir de uma história de deslocamento, imaginando um cangaceiro reanimado num futuro distópico, Cangaço Overdrive quer mostrar como o contraste social pode também tornar frágeis os limites entre bem e mal. Como dizia Chico Science: o medo dá origem ao mal”.
Por falar no Chico, bom, fã de longa data da animação Samurai Jack, aquela do Genndy Tartakovsky, o roteirista sempre pensou com seus botões de que forma poderia criar algo que tivesse a mesma pegada. “Mas já temos bastante samurais no futuro: Samurai Jack, Ronin (do Frank Miller), Afrosamurai... Se fosse para ser feito no Brasil, era preciso um personagem do nosso imaginário e o cangaceiro caía como uma luva”, conta ele.
E é aí que o profeta do manguebeat entra no conversa. Porque, além de coisas como o icônico Neuromancer de William Gibson e o universo de Blade Runner do Philip K. Dick, ele também se inspirou no disco Da Lama ao Caos, obra-prima de Chico Science ao lado da Nação Zumbi. “Foi uma das coisas mais cyberpunk que eu encontrei no Nordeste, com o Chico imaginando uma Recife caótica e denunciando uma exploração desregrada dos recursos do mangue. Para engrossar o caldo político, encontrei os cordéis do poeta popular Patativa do Assaré, que são quase cânticos de guerra pela reforma agrária, um tema que surgiu naturalmente na história”.
O roteirista conta ainda que trazer os temas do cyberpunk para o Nordeste possibilitou alguns paralelos interessantes. Por exemplo, qual é o cenário comum das histórias cyberpunks? Cidades sem vida e interesses das grandes corporações sobrepujando interesses sociais, com ricos muito ricos e pobres em situação de extrema pobreza. “Veja só, foi num cenário parecido com esse que surgiu o cangaço, no século XIX. O produto final é um legítimo cyberpunk, mas sem perder a regionalidade. Os cangaceiros, um dos assuntos preferidos dos cordelistas, viviam em seu próprio mundo pós-apocalíptico — e aí eu penso agora que esse apocalipse começou para o Nordeste quando o Brasil foi descoberto”, analisa. “A luta de classes que representa o PUNK do cyberpunk possibilitou alguma relações interessantes com o banditismo social”.
O argumento principal foi discutido e rediscutido entre ele, o desenhista Walter Geovani (seu contemporâneo, que trabalhou no gibi gringo da Red Sonja e agora está envolvido num encontro entre a guerreira e o Tarzan, com direito a roteiro de ninguém menos do que Gail Simone) e a editora. Na fase inicial de imersão do projeto, o Zé tava buscando uma voz específica para o trabalho. “Mesmo depois de ler romances como Grande Sertão: Veredas, Vidas Secas e Os Sertões, ainda sentia um certo formalismo na minha escrita: ainda parecia um cyberpunk escrito fora do país”. E foi neste momento que a literatura de cordel cruzou o caminho do escritor.
“Dei de frente com alguns experimentos do cordelista e quadrinista Klévisson Viana, entre eles adaptações de cordéis clássicos para quadrinhos, respeitando integralmente o texto original. Funcionava muito bem. Já havia na história uma personagem no futuro que tinha uma forte relação com a cultura popular e pensei: e se ela fosse a narradora da história e o fizesse como cordel?”.
Quem colabora com o Geovani nos desenhos é o Luiz Carlos B. Freitas, que faz sua estreia em Cangaço Overdrive. A maior parte das cores são da maranhense Dika Araújo, mais conhecida pelos desenhos da série Quimera (Pagu Comics). Já as cores dos flashbacks ficaram por conta do goiano Tiago Barsa (Justiça Sideral). E foi este monte de gente doida pra fazer o projeto mas tendo que priorizar outros trabalhos que, de fato, pagavam as contas, que fez com que o Zé buscasse uma alternativa diferente ao financiamento coletivo, que tem sido assunto recorrente quando falamos de publicação de gibis brasileiros aqui no site.
“O Catarse é um lugar muito bacana para quem tem uma HQ pronta, no ponto para imprimir e distribuir, dois aspectos onde o crowdfunding se apresenta com uma boa solução”, conta ele. “Sendo apenas roteirista, busquei o edital do Governo do Estado do Ceará porque desejava contratar toda a equipe e acelerar a produção. Como a temática regional me parecia algo que poderia atrair a comissão que analisa a liberação destes recursos, pensamos que era o melhor caminho”. E foi. :D
Um edital é uma espécie de concurso, segundo o autor explica: um regulamento (no caso, o tal do edital) é publicado pelo governo (municipal, estadual, federal) e vários projetos disputam um valor determinado. “Minha experiência com as leis de incentivo é que três fatores pesam muito para que um projeto seja selecionado: os currículos dos envolvidos, a qualidade do projeto e a habilidade (e paciência) do artista de conseguir sintetizar essas coisas num projeto atraente”. Mas antes que você, autor iniciante, se empolgue, calma que a ralação é mais ou menos a mesma e a aprovação é apenas o começo. “Os prazos são apertados e é preciso cabeça fria para o mar de burocracia até que a grana caia na conta. No fim, para mim vale muito a pena. Mas passei anos tentando até ganhar pela primeira vez”.
O Zé explica que esta seria a única forma de trabalhar num projeto adiantando o pagamento dos envolvidos. “O número de editoras de quadrinhos no Brasil que banca adiantamento para os autores é risível. A imensa maioria dos quadrinhos nacionais que se vê à venda hoje teve os autores trabalhando por meses ou anos antes de receber qualquer centavo por ele. É um modelo comercial que não faz sentido”, desabafa. Segundo ele, a única explicação para quadrinhos ainda saírem dessa forma é o imenso desejo que o autor tem de contar sua história. Só que, enquanto isso, os boletos continuam chegando...
Anildomá Willans, lança em Serra Talhada mais um livrosobre Lampião
O pesquisador e escritor Anildomá Willans de Souza, um dos maiores conhecedores do cangaço do Nordeste, lança na próxima sexta-feira, 25, mais um livro sobre o tema. A publicação “Lampião e o Sertão do Pajeú” vai ser apresentada em evento no Museu do Cangaço, na Estação do Forró de Serra Talhada, a partir das 19h30.
O livro expõe a saga de Lampião no contexto do Sertão do Pajeú, entre o período em que ele ingressou no cangaço, em 1920, até a travessia do Rio São Francisco, em 1928, para atuar nos estados do Sergipe e Bahia.
Nas páginas estão depoimentos de ex-cangaceiros e ex-volantes, bem como declarações de pessoas que presenciaram algum fato ou passagem de Lampião e seu bando. Os leitores terão acesso a histórias sobre invasões de cidades, vilas e fazendas, tiroteios, os protetores do cangaceiro, matérias de jornais da época e telegramas.
A obra com 210 páginas já pode ser adquirida no Museu do Cangaço, localizado na Estação do Forró; na Casa da Cultura, no bairro São Cristóvão e através dos números (87) 3831 3860 e (87) 99918 5533.
A separação de Maria com Zé de Neném e o ‘aprochego’ com o
"Rei do Cangaço"
Por Sálvio Siqueira
Maria
Gomes de Oliveira, segunda filha do casal José Gomes de Oliveira, José
Felipe e de dona Maria Joaquina Conceição de Oliveira, Maria Déa, como
toda moça no desvirginar da adolescência, sonha em casar e ter seu
‘príncipe encantado’ ao seu lado por toda a vida.
Nos
sertões nordestinos esses sonhos eram, na maioria das vezes, uma
maneira de fugir, escapar, do modo, maneira, ao qual eram tratadas as
meninas pelos pais.
A
criação não era nada fácil para um casal de agricultores, vivendo
exclusivamente do que a roça lhes oferecia. O maior temor de um pai, ou
uma mãe de família, naquela época era ter sua filha vendendo seu corpo
nos cabarés das cidades. Principalmente a mãe, pois o machismo reinante
faziam-na exclusivamente culpada. Com esse receio, em vez de educar,
mostrando o fato, como a coisa se dava, e assim ela própria teria tempo
para construir uma forte ‘muralha’ como defesa, os pais faziam eram
manter suas filhas como escravas, ensinando, quando ensinavam, como ser
obedientes em tudo ao marido. Logicamente, como em toda regra tem
exceção, nessa também teve a sua.
O Casório…
Como
em toda adolescência faz-se os grupinhos de moças e rapazes, com
particulares e ‘segredos’ entre eles, naquele tempo, também tinha. Nos
anos que se seguiram, Maria foi ‘ganhando’ uma ruma de irmãos, e fazendo
amizades com algumas primas e primos. Logicamente todo mundo teve sua,
ou seu, confidente, e Maria Gomes, Maria de Déa, tinha sua prima Maria
Rodrigues de Sá como tal. Nas festividades, sambas e forrós que tinham
na região, nas cidades de Santa Brígida, Santo Antônio da Glória e
Jeremoabo, todas no Estado baiano, as quais ficavam mais perto de seu
lugarejo, Malhada da Caiçara, pelos cálculos da época, como suas primas e
amigas, Maria de Déa arrumou namoricos com um ou outro rapaz.
Quis o
destino que Maria se apaixona pela primeira vez por um de seus primos
chamado José Miguel da Silva, por todos conhecido como Zé de Neném, da
mesma localidade em que nascera, na Malhada da Caiçara, tendo uma
espécie de ‘atelier’, ou um quarto de trabalho, um local para trabalhar,
em Santa Brígida, onde exercia sua profissão de sapateiro.
Zé de Neném
"(…)
Zé de Neném era filho de Pedro Miguel da Silva conhecido por todos na
região pela alcunha de Pedro Brabo e Maria Conceição Oliveira, apelidada
de Neném. O parentesco do sapateiro com Maria de 'Déa' vinha por parte da
sua avó, Generosa Maria da Conceição, uma senhora que era conhecida
pelo apelido de Juriti e que era irmã de Zé Felipe, pai de Maria (…).”
(“A trajetória guerreira de Maria Bonita – A Rainha do Cangaço” –LIMA,
João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2011).
Foto da casa dos pais de Maria Bonita.
Como
a família de Maria Gomes, a família de Zé de Neném era bastante grande.
Naquela época não havia os meios contraceptivos atuais e, com toda
certeza, fazer, fecundar, filho era como se fosse um investimento para o
futuro, erroneamente pensavam assim os catingueiros. No futuro eles
iriam ajudar os pais nas lidas diárias das fazendas, essa, e
simplesmente essa, era a razão. Dentre as irmãs do sapateiro, destacamos
Mariquinha Miguel da Silva, que, em determinada época, deixa seu
marido, Elizeu, que era proprietário da fazenda Ingazeira onde moravam, e
dana-se no mundo sombrio e incerto do cangaço com o bandoleiro Ângelo
Roque, chefe de um dos subgrupos do bando de Lampião, que tinha a
alcunha de ‘Labareda’. Maria e José casam-se. Não demoraria muito para que se começassem as incompatibilidades.
A Separação…Maria era por demais ciumenta e seu esposo, Zé de Neném, um verdadeiro ‘pé de forró, não saindo dos sambas.
Certa
feita, estando Zé em um dos vários botecos, bebendo com alguns
conhecidos, chega Maria e arma o maior escarcéu. Zé se defendia das
acusações de Maria até quando pode, porém, a baiana encontra em um de
seus bolsos uma lembrança de uma ‘amiga’, um pente com o nome da mesma.
Nisso o pau quebrou pra valer. E a já conturbada vida a dois entre Zée
Maria, pelo fato de Maria não engravidar, desmorona-se de vez.
“(…)
Maria encontrou um pente em um dos bolsos do marido, com o nome de uma
moça gravado no objeto (…). Este tipo de discussão e separação tornou-se
uma constante e marcou significativamente o relacionamento dos dois
(…). O casal não chegou a ter filhos. Alguns amigos confirmam a
esterilidade do sapateiro Zé de Neném, que não chegou a engravidar
nenhuma das mulheres com quem viveu (…).” (Ob. Ct.)
Pois
bem, nessa, como em tantas outras ‘separações’, Maria Gomes correia a
procura dos braços acalorados e protetores de seus familiares, apesar de
seu pai, Zé Felipe, não concordar com tais separações, ela assim
procedeu por várias vezes.
E Chega Lampião!!!
Em
uma dessas separações, já se indo alguns dias, mais ou menos quinze
dias de Maria estar na casa de Déa, sua mãe, ela, por um acaso conhece o
“Rei dos Cangaceiros”. Achamos, particularmente, que num ímpeto, Maria
deixa aflorar seu ego, e permitiu que se falasse o cupido. Tanto Maria,
quanto Lampião sente alguma coisa dentro deles de cara. A atração foi
dupla e contagiante. Lampião, que tanto fez arapuca, tanta emboscada
aprontou, caiu de quatro pela armadilha que o destino lhe fez. A morena
da Malhada da Caiçara acabou de domar uma fera nascida e criada na
região pernambucana do Pajeú das Flores. Não podendo mais esconder sua
paixão, Lampião inventa de inventar uma encomenda, vários bordados em
lenços de seda, simplesmente para ter a desculpa, de vindo ver se tinha
algum lenço pronto, vir mesmo era Maria. Sabedora dos planos de
Virgolino, Maria, logicamente aceita a encomenda e trata de, também,
curtir aqueles raros momentos.
“(…)
Era uma sexta-feira, Lampião pisou o batente da casa de Zé Felipe e
Maria Déa. Odilon Café apresentou ao cangaceiro uma das filhas daquele
casal, que no momento se encontrava ali, por estar separada do marido. Novos sentimentos renasceram naqueles minutos seguintes. Depois de uma rápida conversa, lampião pergunta a Maria: – Você sabe bordar? – Sei! – Vou deixa uns lenços pra você bordar e volto daqui a duas semanas pra buscar! Este
foi o primeiro diálogo realizado entre Lampião e aquela que seria a sua
grande companheira e eterna paixão, até o fim da vida (…).” (Ob. Ct.) A
partir de determinado tempo, ou de um dos encontros entre eles, não
teve mais volta. O pai de Maria Gomes, Zé Felipe, não aprovava o namora
entre ela e Lampião. Já por outro lado, sua mãe, Maria Déa, parece que
até ‘cortar jaca’, cortou, para que eles se encontrassem.
Violência Policial contra a Família de Maria Bonita
Naquele
tempo, a casa que recebesse com maior constância visita de cangaceiro,
com toda certeza, logo, logo receberia a visita de alguma das volantes
que caçavam os grupos. Então, rastejando os vestígios dos cangaceiros,
as volantes terminaram fazendo, também, várias ‘visitas’ a casa da
fazenda do pai de Maria Gomes, Zé Felipe. Com o aperto que deram no
velho patriarca, cacete nele e sua família, até Zé de Neném foi pra
debaixo da madeira, Zé Felipe resolve mandar sua filha para casa de um
parente na fazenda Malhada, nas Alagoas. Para que assim, as volantes os
deixassem em paz. Ao saber disso Lampião vai e dá um ultimato para Zé
Felipe, ou ele manda buscar sua Filha em terras alagoanas ou ele destrói
a fazenda com tudo que nela existia. Sem ter, novamente, uma saída, Zé
Felipe manda alguém buscar Maria, sua filha.
Ao
retornar, Maria Gomes percebe o quanto sua família estava envolvida
numa encrenca desgraçada por seu romance com o ‘Rei do Cangaço’. Nesse
momento, ela toma uma decisão importante que mudaria a vida de muita
gente, principalmente a do pernambucano fora-da-Lei, para que a Força
Publica deixasse seus familiares em paz. Quanto da localidade de onde
Maria Gomes resolvera seguir com Lampião, não fora na fazenda onde
nascera, a Malhada da Caiçara, e sim, numa outra localidade, onde
cuidava de sua avó materna, Ana Maria, que estava enferma, denominada
Rio do Sal.
Ao
contrário do que pensou, planejou Maria de Déa, a Força Pública não se
afastou da casa de seus familiares, pelo contrário, as visitas
tornaram-se mais constantes e violentas, tendo como alvo principal o
velho Zé Felipe, seu pai.
Estando
já a não aguentar mais tanta pressão e cacete, Zé Felipe recebe a
visita de um dos soldados da volante, que era seu amigo Antônio Calunga,
dizendo-lhe que o comandante da volante recebera ordens superioras de
acabar totalmente com a fazenda Malhada da Caiçara, matando todos que
naquela ribeira moravam.
Zé
Felipe agradece ao amigo, junta sua família, desce rumo às águas do
“Velho Chico” aluga uma embarcação, coloca todos dentro e passa para o
solo alagoano. Vai montar residência no sítio chamado ‘Salgado’, no
município de Água Branca. Porém, sua estada nele é curta. Pega suas
trouxas novamente, levanta acampamento, junta seus familiares e parte
rumo ao local denominado ‘Salomé’, o qual, hoje é a cidade de São
Sebastião. Nessa
agonia, tendo de deixar suas terras por serem perseguidos e
maltratados, constantemente, pela volante, um de seus filhos, conhecido
como Zé de Déa, resolve juntar-se ao cunhado, Lampião. Lá estando, conta
por tudo que seu pai, sua mãe, seus irmãos e irmãs passam. Lampião
ordena que se façam as vestes, bornais, cartucheiras, em fim, toda a
tralha de um cangaceiro para seu ‘cunhado’, e separar-se, também, as
armas para o mesmo usar. No entanto, Maria sua irmã, não permiti que ele
use armas. Mesmo estando por mais ou menos oito dias no acampamento, Zé
de Déa e sempre aconselhado pela irmã para não fazer parte daquela vida
em que ela metera-se. Termina o irmão por ceder aos conselhos da irmã.
O
“Rei dos Cangaceiros”, através da sua malha de informantes, sabe da
fuga do sogro e sua família, assim como tem o conhecimento da ordem e do
nome do policial comandante incumbido da tarefa de matar toda a família
de Maria, sua amada, que seria o tenente Liberato de Carvalho.
Recado de Capitão para Capitão…
Certo
dia chega a casa onde moravam Zé Felipe e sua família, uma volante
policial. Começam a destruir as coisas, matam alguns animais que estavam
soltos, mas, próximos a casa. Sem ninguém da família na casa para
saciar a ira dos volantes, sobra para um morador das redondezas, que
seria, segundo indicaram, um coiteiro, o qual é colocado debaixo de
cacete e depois assassinado pela tropa.
“(…)
Uma volante visitou a casa de Zé Felipe e não encontrando ninguém,
quebraram as madeiras dos currais, destelharam e quebraram parte do
telhado da residência, matando alguns animais. Menos sorte teve o
coiteiro Manuel Pereira, conhecido como Manuel Tabó, que por não ter
fugido acabou sendo espancado e morto pelos soldados (…).” (Ob. Ct.)
Lampião,
sempre ardiloso, sabia que partir para enfrentar de cara a volante,
indo a desforra, pelo que fizera nas terras da Malhada da Caiçara, usa
de outra artimanha. Ordena a um de seus ‘cabras’’ que vá em determinado
lugar, e peça a determinada pessoa para vir vê-lo. Essa pessoa já havia,
em outras oportunidades, feito o mesmo que ele o enviaria para que
fizesse.
Essa pessoa era conhecida pelo apelido de Tonico, e era irmão de Zé de Neném, ex marido de sua companheira Maria de Déa.
Lampião
escreveu uma missiva e determina que o jovem a leve ao Capitão João
Miguel, em Jeremoabo, BA. Assim, o jovem após dar voltas e ter a certeza
de não estar sendo seguido, parte rumo ao destino determinado. Lá
chegando, procura o oficial no QG.
“(…) Tonico seguiu em direção ao quartel, sendo recebido por um sargento que fazia a guarnição e lhe perguntou: -O sinhô qué fala cum quem? -Com o Capitão João Miguel! -Eu posso resolver? -Não, tem que ser com o Capitão! O
sargento foi até a sala do capitão, retornou alguns minutos depois e
pediu para que Tonico o seguisse até a sala do oficial (…).” (Ob. Ct.)
Tonico
era frio, Lampião sabia escolher a pessoa certa para cada missão
específica. E essa era bem difícil de ser cumprida, pois tinha que o
colaborador entrar em um quartel militar. Chegando diante do capitão,
esse dispensa o sargento e recebe o papel que lhe é entregue pelo
portador.
“(…)
O Capitão João Miguel, depois que leu o bilhete, falou: “Se você está
numa missa dessa, não é preciso pedir segredo, pois você deve ser da
confiança de Lampião”.
Os
dois conversaram secretamente, trancados dentro da saleta. O Capitão
João Miguel mandou a resposta: diga ao Capitão que pode mandar o sogro
dele voltar, pois a partir de hoje não passará mais nenhum soldado na
sua porta. Na
manhã seguinte, ao despertar, Tonico regressou da sua missão, trazendo
consigo, a promessa positiva de que nenhuma volante iria mais importunar
aquele pedaço de chão e sua gente V…).” (Ob. Ct.)
Vejam
que Virgolino não só sabia manejar as alavancas das armas que usou,
mas, também, com tinta, pena e papel, fazia suas defesas diante de uma
guerra particular, imposta por ele mesmo, contra seus inimigos.
Uma
das coisas que mais ocorreu no cangaço foi à traição, tanto do lado dos
cangaceiros e coiteiros, como mesmo do lado daqueles que os davam
combates. E essas atitudes, tomadas por dinheiro ou ‘favores’, foram
mais um motivo para que Lampião prolongasse por quase vinte longos anos,
seu reinado de sangue, lágrimas e mortes nas entranhas do sertão
nordestino.
Fonte “A trajetória guerreira de Maria Bonita – A Rainha do Cangaço” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2011. Foto Ob. Ct. Benjamin Abrahão