quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Escavações de Roberio

"Joãozinho Retratista e os Cangaceiros"

Por Robério Santos


Falar em Joãozinho Retratista sem falar de sua genialidade fotográfica desde a década de 10 até a de 70 seria como falar de Chaplim sem enunciar a importância dos seus filmes. Herdeiro não de uma fortuna, mas de um maquinário fotográfico do século XIX, Joãozinho começou a vida ajudando seu padrinho itabaianense, Miguel Teixeira da Cunha, primeiro retratista oficial de Sergipe. João de Germano Venta na sua juventude carregava o aparelho de congelar o tempo pra lá e pra cá com seu padrinho, este ato seria sua herança eterna (grande trabalhador) e seu grande prêmio veio junto ao casamento dele com Maria Osana Teixeira em 1918 no mesmo dia que Zeca Mesquita subia ao altar com sua primeira esposa, Bernadete, filha do chefe político local Manuel Batista Itajahy.

Joãozinho abraçou a fotografia, aposentou a antiga Photo Nacional (nome este dado por causa da inscrição na câmera de Teixeirinha, “National Camera”) e fundou a Photo Lobo. A década de 20 foi muito movimentada na vida de Joãozinho. Seu local de trabalho era o mesmo que Teixeirinha começara no século anterior numa Itabaiana ainda Villa, em 1872. Na sua porta ficava antes o Mercado dos Cabaús, depois a feira muda de local (foi para a praça da Igreja Matriz) com a morte de Itajahy e em 1927 ela volta para a praça Santo Antônio com a inauguração do Mercado Municipal por “Ozin” Dutra (assim Volta Seca o chamava), hoje o chamado Mercado Municipal Zezé de Bevenuto.

Nesta mesma época, Lampião, Sabino e seu bando invadiam Limoeiro e faziam as famosas fotos da multidão a pé e a cavalo. Tempos antes o grupo foi fotografado em Juazeiro do Norte, na visita ao Padre Cícero para o combate que nunca ocorreu à Coluna “Peste”. Em 1928 Lampião começa a se aproximar de Sergipe, os jornais anunciam a presença dele pelo oeste, vindo da Bahia. Ainda não havia chegado a hora de entrar no minúsculo Estado, mas que foi um dos mais importantes neste período sangrento e místico do cangaceirismo.

1929 chega e com ele a notícia oficial nos tabloides da capital Aracaju: Lampião e seu bando está em Sergipe! Ele entrara por Carira no dia 1o de março deste ano e com uma “carta de paz” se deixa ver de corpo aberto pela população local fazendo com que as pessoas o descrevesse perfeitamente até poucos anos atrás. Seus passos eram difíceis de serem detectados, assim só temos fragmentos de suas passagens.

Eles ficavam escondidos nos matos, em ranchos, em cidades pequenas (por pouco tempo) mas não temos um diário dele por Sergipe exatamente sobre todos os dias e o que fez aqui durante todo o tempo que ficou. Sabe-se que em 1929 Lampião escolhera Sergipe para ser sua “morada”, não se sabe a razão, mas ele estava aqui. Talvez em Sergipe ele tivesse mais amigos que inimigos... Antônio Caixeiro, pai de Eronides de Carvalho pode ser um bom exemplo.
Itabaiana é avisada por tropeiros carirenses da presença do cangaceiro pelas proximidades.

Joãozinho, o retratista e não o Veneno, um curioso nato, diz em voz alta que se tivesse a oportunidade de fotografar os cangaceiros ele iria. As pessoas enxergavam isso como um chiste, vindo de uma pessoa muito brincalhona como está no sangue ceboleiro. Capela, cidade que mantinha bons negócios com Itabaiana é telegrafada e avisada. Quem recebe a notícia lá em Capela é Zózimo Lima, chefe dos Correios local. Por volta das 16h um grupo conversava lorotas na porta da Farmácia Mendonça e Zózimo estava entre os moços, foi quando um de seus auxiliares chega com a devida notícia vinda de Itabaiana. O telegrama dizia:
Virgulino, partindo de Cariri(1) perambula norte Sergipe, visitará capelenses.
Voltando a Itabaiana, a tensão era enorme. A jovem Tethis Nunes se trancava em casa com medo dos cangaceiros. Os mais valentes diziam que se eles entrassem seriam recebidos a bala. A célebre Maria Carreiro ainda pegou seu cavalo e como uma Joana D’Arc solitária fez a ronda a fim de não deixar que fôssemos pegos de surpresa. Joãozinho Retratista de arma só tinha a câmera e ela estava preparada.

 Joãzinho dança com a filha Ângela
(Acervo do autor)

Um dia calmo de domingo como tantos outros, 31 de março, Joãozinho é procurado em sua casa na Praça da Santa Cruz (atual João Pessoa) por Etelvino Mendonça e Zeca Mesquita, este, dono do único carro da cidade, por isso a probabilidade enorme de Zeca ter participado da façanha. O papo foi dos mais interessantes, Etelvino descreve exatamente o que o retratista estava esperando há meses: eles iam até o Pinhão fotografar o bando de Lampião.

Virgulino chegara na surdina no dia 28 de março de 1929, cansado e desnutrido na fazenda do chefe político de Itabaiana. Lembra Sila décadas depois que Etelvino era cabra muito valente, pois para ser amigo de cangaceiros tinha que ter sangue no olho. A polícia de Carira não sabia se Lampião havia saído de Sergipe ou se estava nas proximidades, mas já estavam se movimentando na união de diversos policiais para a formação de algumas volantes que foram de extrema importância no combate aos cangaceiros no Estado. Lampião e nove de seus mais fortes asseclas descansam com um olho aberto e outro fechado. Dentre eles estava o itabaianense Volta Seca (provavelmente quem indicou o local da fazenda e do conhecido Coronel) e o Diabo Loiro, Corisco, que passara um tempo em Sergipe antes de entrar para o Cangaço.

Joãozinho acorda na segunda-feira nervoso. Sem contar aos familiares o que iria fazer. Ele separa seu material fotográfico e desmonta sua câmera caixão de mais ou menos cinco quilos, pega algumas fotografias já reveladas de Itabaiana e espera Etelvino e Zeca Mesquita chegarem para fazerem a viagem. Por volta das dez horas da manhã chegam à porta de Joãozinho, se acomodam no carro de Zeca e seguem viagem em direção a São Paulo (Frei Paulo). No caminho Etelvino adianta a Joãozinho que os cangaceiros estão mansos, não se sabe porque eles estão relaxados e queriam fazer um retrato para enviar para alguns familiares. Como só Joãozinho era conhecido retratista da região, Etelvino resolveu convidar o jovem de pouco menos 33 anos.

A viagem não era das melhores, chegando em São Paulo pegaram uma outra estrada (comparada a que temos hoje em dia) em direção ao Pinhão, pois a estrada oficial entre São Paulo e Mocambo só seria construída em 1932 segundo o escritor de Almas Torturadas, J. Rabelo. Chegando lá, Joãozinho já avistou espalhado pelo terreiro alguns cangaceiros proseando e de arma em punho. Alguns se alertaram, entraram e avisaram ao Capitão que o Etelvino havia chegado. Homem de poucas palavras, Lampião se aproxima de João Teixeira Lobo (aqui merece ter seu nome citado por inteiro), estende a mão, percebe a câmera na mão de Joãozinho, ensaia um sorriso e pergunta.
- Vai deixá o retrato bonito viu? Meus minino tão cansado e não querem ser molestados com demora. Vai demorá?
- Não, Lampião, é o tempo de arrumar o equipamento.

Virgulino deu a volta, foi conversar com Etelvino e Zeca Mesquita (este que era forte empresário local) e não se sabe se alguma quantia foi entregue ao cangaceiro. O povoado Pinhão estava longe, era quase visível a olho nu as pequenas casas que se fixavam perto de uma pequena Capela, também a povoação Mocambo era vista. Estavam numa fortaleza, um local alto e privilegiado que evitaria um ataque surpresa.

Por volta das 15h Lampião com um pequeno apito soa o alarme, já havia sido instruído por Joãozinho sobre o local ideal para o retrato (por causa da luz do sol). Pede educadamente a seus companheiros que se aproximem a uma das casas que formava o complexo da fazenda. Eram portas altas, parede fixa e que servia para guardar ferragens, sacos de ração e outras coisas. Antes de se aprontarem,

Lampião dá uma sondada na câmera para ver se era realmente de tirar fotos ou era uma arma escondida. Curioso e desconfiado chegou à conclusão que era de confiança. Joãozinho começa a focar os homens estranhos e debaixo do pano vermelho, aquele grupo amedrontador de cangaceiros se apresentava de cabeça para baixo no vidro fosco do fundo. Eles estavam em formação futebolística: cinco de pé atrás; cinco na frente com um joelho ao chão. O sol estava forte e alguns fechavam os olhos por causa do clarão. Lampião era o primeiro da esquerda, ajoelhado como os outros quatro, Volta Seca era o menorzinho de pé atrás.

Joãozinho pega o compartimento de madeira com a placa de vidro sensibilizada dentro, coloca no repartimento da câmera, fecha o obturador, puxa a proteção para deixar a placa de vidro na posição e anuncia a fotografia. Haviam alguns meninos curiosos na varanda da fazenda e Etelvino que não se atreveu entrar na fotografia, fica apenas de olho em todo processo. Voltando à foto, Joãozinho toma um susto ao ver que todos estavam com as armas apontadas para ele. Nisso Joãozinho com toda coragem do mundo indaga.
- Só faço a chapa se vocês virarem um pouco para o lado essas armas, não gosto de violência.
Luiz Pedro solta uma piada.
- Oxi ômi e esse canhão aí não atira foto?
E todos caíram numa risada, até Joãozinho.

Preparado o retrato, é dado o sinal. Joãozinho percebe um furo minúsculo no lado direito do fole, furo este confirmado em outras fotografias e até no remendo na câmera, confirmado por mim quase 80 anos depois. Mas, ele ficou com medo de dizer que a fotografia poderia não sair boa. Colocou o dedo onde entrava um pouco de luz e rezando (agora mais calmo por ver as armas um pouco mais de lado) para que tudo desse certo ele dispara e faz a foto. Na revelação, justamente Lampião saiu com menos nitidez. Ainda fotografou Etelvino Sozinho, também fotografou um grupo de pessoas no carro com dois cangaceiros juntos, o grupo completo com as pessoas e também fotografou individualmente alguns cangaceiros, assim como faria dias depois Felino Bonfim em Saco do Ribeiro (Povoado de Itabaiana) e meses depois Eronides de Carvalho em Jaramataia, ainda em Sergipe. Lampião tomara gosto pelo retrato desde 1926 em Juazeiro.

Acabada a sessão de fotos, Lampião se despede, avisa que quer uma cópia dos retratos e que é só avisar que ele manda alguém pegar em Itabaiana mesmo. Joãozinho presenteia Virgulino com algumas fotos de Itabaiana e pede para ele não ir lá, tudo que ele quiser ele pode ter sem a necessidade de amedrontar um povo simples e pobre. Tudo certo, Joãozinho volta todo feliz para casa, revela as fotos e dias depois entrega-as a Etelvino e nenhuma delas é vista por muito tempo. Mas, Terezinha Andrade, filha de Joãozinho Retratista sempre viu essas fotos ainda nas chapas de vidro, elas eram guardadas com um carinho enorme pelo velho pai.

A história virou lenda em Itabaiana, nenhuma prova concreta era vista aos olhos de Itabaianenses ou de outra região. Começo então a pesquisar a história de Itabaiana e logo de cara, em 2007 ouço pela primeira vez partes desta história que acabei de contar vinda das filhas de Joãozinho. Delas recebi centenas de fotografias, mas, do cangaço, só a lembrança.

Em 2011 localizo a primeira fotografia, não estava em boa definição mas era um grupo de pessoas numa fazenda e dois deles com cara de jagunços estavam sentados no automóvel. Batia com a descrição, mas ainda era pouco. Consegui a segunda, o grupo na mesma casa, agora com a presença de Joãozinho Retratista na fotografia. Quem havia fotografado? Era uma fotografia do mesmo dia. Consegui estes retratos originais com uma qualidade incrível e continuei minha busca. Neste mesmo ano publico a biografia “Joãozinho Retratista - O Mestre da Fotografia” e trago o caso pela primeira vez ao público.

2013 chega e com ele muitas ideias novas e a chance de publicar com Vladimir Souza Carvalho um dos livros mais esperados da história de Itabaiana, o “Álbum de Itabaiana” contendo 180 retratos feitos por Teixeirinha, Joãozinho Retratista e Percilio Andrade. Publico as duas fotos que havia encontrado, mas ainda faltava a cereja do bolo. Em setembro deste ano me chega à porta Abércio Gois e com ele um punhado de fotografias antigas de nossa Itabaiana. Amigo de longas datas ele me presenteia com um pedaço de nossa cidade e para minha surpresa eu me deparo com a foto mais incrível e que coroava totalmente minha pesquisa: a foto do bando de Lampião feita por Joãozinho.

Era um retrato simples de 17,5 x 11,5 cm colado numa base de papelão de 24 x 18,5 cm, em Sépia e com alguns pedaços já faltando. Mesmo assim, foi considerada pelos pesquisadores como um dos maiores achados fotográficos da história do cangaço.

Estamos hoje fazendo tudo com ela, desde Rubens Antonio a colori-la até decifrar detalhes escondidos nos pontos mais estragados dela. Nas costas do retrato está a grafia do fotógrafo (onde foi feita a analise grafotécnica e comprovado ser a letra de Joãozinho) a data 10 de abril de 1929 e hoje sabemos que na foto estão de pé: (Supostamente) Arvoredo, Volta Seca, Mariano, Labareda, Ezequiel. De joelhos: Lampião, Virgínio, Calais, Luiz Pedro e Corisco.

Ainda faltam encontrar fotos deste dia incrível, quem sabe possamos ter esse privilégio ainda nesta existência, pois, no dia que eu encontra-las, não ficarão em uma gaveta. Obrigado, Joãozinho por ter tido a coragem e a oportunidade que poucos tiveram.

Bônus:
Eis o resultado do trabalho de colorização de mestre Rubens Antônio.



1“Cariri” é na verdade “Carira” e Zózimo alertou toda região de Dores a Propriá. Ninguém acreditou.
Robério Santos, Membro da Academia Itabaianense de Letras
Fonte: O Cangaço em Itabaiana Grande

Publicado originalmente no Blog Cangaço na Bahia

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Estado de Sergipe, 25 de Maio de 1934

Uma excursão à Anápolis
Uma entrevista bizarra com o célebre sargento José Rufino, comandante da volante que exterminou o grupo de 'Azulão'.


 Transcrição de Antônio Corrêa Sobrinho

Afazeres profissionais nos levaram sábado último à linda cidade sertaneja de Anápolis.

Dezesseis horas, aboletados no estreito banco de uma “marinete” rumamos aos solavancos, numa “prize” desabalada, estrada afora, em busca de Itaporanga, etapa que foi vencida numa bela “performance”, por uma bela estrada de esteira empiçarrada e ampla, que se nos abria, interminável, o horizonte à frente.

Salgado às 18 horas, Lagarto às 19 e às 20, afinal, avistávamos as primeiras luzes da “cidade sorriso”.

O domingo em Anápolis, surgiu preguiçoso e friorento, no marasmo amolecido das cidades sertanejas.

Um café confortante e saímos a prosear com amigos do comércio que, a despeito dos raros transeuntes, trazem, àquela hora, abertas as suas portas.

O assunto é sempre o mesmo: - falta de chuvas, política, e... Lampião. A cidade acabava de passar por mais um susto pregado por Lampião. Ao apelo de seus habitantes, ameaçados pelo bandido, o governo de Sergipe havia mandado estacionar na cidade uma volante da nossa polícia que fazia, nas imediações, a caça ao bandido. Soldados baianos da célebre volante do sargento José Rufino que desciam na pista do grupo sinistro, vagavam pela cidade na sua indumentária típica. A dez do corrente haviam tiroteado Lampião na fazenda Jitaí, no sertão baiano e refaziam-se, no momento, das grandes caminhadas.

O sargento José Rufino celebrizara-se no encontro com o grupo de Azulão a 14 de outubro próximo passado, aonde morreu o chefe Azulão e mais três comparsas.

José Rufino

Era o assunto forçado nas palestras aos poucos, talvez pela falta de outros, íamos nos interessando pelos seus detalhes, quando um sertanejo agigantado, abeirando-se do balcão em passadas largas e pesadas, pede ao caixeiro um par de sapatos número 44 que, infelizmente, não é encontrado.
Ombros largos, pescoço hercúleo, bronzeado, cartucheira ampla, pendida ao peso das balas alinhadas, o olhar frio, inexpressivo, traços fisionômicos fortes, o sertanejo dá de ombros e vai sair quando alguém lhe perguntou, quebrando o silêncio feito no momento:
- O senhor pertence à volante José Rufino?
- Sou eu o próprio José Rufino, respondeu com ênfase o sertanejo.
Uma entrevista

Zé Rufino é o primeiro em pé à esquerda.
(A foto não compõe a matéria original)

Assaltou-nos a ideia de uma entrevista com o chefe da volante mais afamada de quantos andam, neste momento, na pista dos bandidos. Notando o meu interesse o homem iluminou o olhar duro, se avizinhando da minha cadeira.
- Há quanto tempo anda o senhor na caça de bandidos? Perguntamos.
- Há três anos que entrei como “Provisório” na força baiana. Estive no encontro da Maranduba onde perdi um primo meu e um irmão do meu companheiro de agora, sargento Vicente Marques. Depois do fogo de 14 de outubro aonde acabei com o grupo de Azulão fui efetivado no posto de sargento.
 Meteu vagarosamente a mão no bolso do casaco, sacou de lá a fotografia sinistra de quatro cabeças decepadas e nos foi fazendo com o indicador, a apresentação mais estranha que temos tido:
- Aqui é Azulão. Este é Canjica, aqui é Maria e este o caboclo Zabelê. Deus me ajudou (em itálico). Foi uma boa caçada. A fotografia não está boa porque foi tirada em Monte Alegre (sertão baiano) depois de termos viajado um dia inteiro com as cabeças deles dentro de um surrão...
 Tudo isto nos ia sendo relatado com uma serenidade impressionante e trágica.
- Quantos homens perdeu neste combate?
- Dois só. Um ligeiramente ferido por três balas de raspão no rosto. Era meu rastejador. Quando se abaixava para examinar um rastro, recebeu uma descarga na cara. Já está bom.
- A sua tropa tem montadas?
- Soldado meu nunca montou. Soldado montado faz muito barulho e só anda na estrada. Na estrada, bandido não anda. Soldado meu não fuma de noite nem fala hora nenhuma. A gente faz tudo por sinal. O tenente Santinho é o que mais me recomenda: - longe de rua e de estrada se quiser encontrar com os bandidos.
- Quantos encontros já teve?
- Oito, contando com o do dia dez, na fazenda Jitaí.
- Por que não teve resultados neste último encontro?
- E eu sei?... Foi a sorte deles.
Nós demos na pista no dia 9 e saímos rastejando. De noitinha, o rastro baralhou-se num intrincado de macambira que a gente perdia de vista. Do fundo, aonde a macambira era mais alta, ouvimos vozes. Lá estava a caça. Meu pessoal se arrepiou e eu cochichei com o sargento Vicente Marques: - se avançarmos mais eles ouvem o barulho e se danam no mundo. Vamos dormir aqui. O sargento Vicente Marques que é um bicho certo no ponto (boa pontaria), esperou um tempão vendo se aparecia alguma cabeça para ele vazar. Mas, nada... De manhãzinha distribuí meu pessoal e lá vai bala. Eles gritaram de lá: - aqui também tem homem, macaco!... Gritaram assim nos xingando, mas arribaram no mundo que nós, sem podermos correr no intrincado da macambira, não encontramos mais ninguém quando chegamos no coito. Vimos lá muito sangue. Parece que ferimos algum dos 22 que estavam acoitados. Deixaram lá muita coisa que carreguei para Coité. Como vê vosmicê, é uma questão de sorte.
- E para onde deram os bandidos?
- Eles estão pra ir pra serra do Capitão.
- Estarão em Sergipe?
- Não creio. Quase que lhe posso garantir que Lampião não está em Sergipe.
"Sanharó"

Passou neste momento um soldado sergipano que, ao dar com o sargento, abraçou-o efusivamente.
- É o rastejador melhor que há neste sertão. Trabalhou comigo muito tempo. Bicho bom. Explicou José Rufino.
O soldado mirou-o com admiração, aparvalhado. Magricela, alto, pescoço fino e comprido, ligeiramente encurvado pra frente, seu corpo mirrava-se ainda mais, apertado à farda que vestia; rosto encarquilhado e vinculado por mil rugas, era o rastejador, o popular Sanharó, da polícia sergipana.

Outro tipo comum de sertanejo forte. Parece incapaz de uma agilidade. Resiste e age, entretanto, com uma capacidade assombrosa. Ao se abraçarem, pareceu-me um tronco de braúna que abraçasse uma vara de candeia. Braúna e candeia, o gigante e o pigmeu, resistem da mesma sorte às inclemências do meio em que vivem.

Estava satisfeita a nossa curiosidade e José Rufino e Sanharó lá se foram pela rua afora a procura dos sapatos número 44 tão difícil de encontrar como os bandidos que eles dão caça.