A chegada de Sinhô Pereira ao Cariri Cangaço
Por: Jorge Remigio
Quando setembro vier, teremos o
prazer de desfrutar a convivência por quase uma semana, com grandes
personalidades do meio cangaceirístico, como também, de muitos amigos e amigas
formados no seio desse encontro grandioso e singular, que é o CARIRI CANGAÇO.
Este prima por dar um caráter cultural, didático e educativo ao evento, como
também, tem a força de interagir plateias e pesquisadores nos seminários que
sucedem nas cidades acolhedoras que fazem parte do circuito. A notícia da
inclusão e discussão em seminário do personagem Sinhô Pereira, foi muito
acertada.
Parabenizo a organização do evento, pela escolha, sabemos o valor que
tem o estudo desse que é considerado o maior expoente de um cangaço típico e
não comum, que foi o cangaço de vingança. Mais acertado ainda foi o convite ao
brilhante pesquisador, Dr. Leandro Cardoso Fernandes, que por afinidade é um
Pereira, para proferir a palestra sobre o cangaceiro Sebastião Pereira da Silva.
O Sinhô Pereira.
O
brilho do mito Lampião ofuscou a história de muitos cangaceiros de destaque que
o antecederam. Personagem exaustivamente estudado e decantado ao longo da história,
o qual se confunde até mesmo com o próprio cangaço. Cabe agora aos pesquisadores
contemporâneos a tarefa de suprir essa extensa lacuna.
O CARIRI CANGAÇO sai na
frente e põe em discussão: Sinhô Pereira. Seu Rodrigues para os seus cabras.
Uma de suas bisavós chamava-se Quitéria Rodrigues do Nascimento, mãe de Ana Sá,
sua avó e irmã de Jacinta Rodrigues que se casou com o português José Pereira
da Silva que migrou do sertão dos Inhamuns cearense, sendo os pioneiros da
família Pereira na região do médio Pajeú. Os quais eram donos de extensa área
territorial e constituíram uma numerosa prole.
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Leandro Cardoso Fernandes |
A fixação dos Pereira no Vale do
Pajeú, mais precisamente em uma região que compreende hoje os Municípios de Serra
Talhada, São José do Belmonte, seu Distrito Bom Nome e parte do Município de Flores,
marca uma época de desbravamento dos ermos sertões, a luta com o gentio na
disputa do espaço e da criação do gado em currais. Foi mesmo uma autêntica
epopeia esse período, conhecido por ciclo do couro ou ciclo do gado. Sinhô
Pereira tem sua gênese aí. Nasceu dessa cultura, dessa formação social, mesmo
que um século depois, as vicissitudes do tempo não mudaram radicalmente a
atmosfera cultural do ambiente.
Na
primeira geração, os filhos do patriarca José Pereira e da sua esposa Jacinta
Rodrigues, vão ser muito importante para dar sequência ao domínio territorial já
conquistado. Consolidando de vez os seus currais naquela região. Todos os
filhos do patriarca vão ser tio avós de Sinhô Pereira, exceto Francisco e Ana
que eram seus avós.
O primeiro filho foi Simplício Pereira da Silva, casado com
Ana Joaquina Nunes, essa, filha do sesmeiro Aniceto Nunes da Silva e de Antônia
Lourenço de Aragão. Chegou ao título de Coronel da Guarda Nacional e foi o
maior desbravador daquela mata virgem. Tornou-se uma lenda em sua época, os seus
feitos são extensos, participou ativamente no sertão de várias convulsões
políticas que se sucederam após a abdicação de D. Pedro I. Sua história carece de
muitas páginas.
O segundo: João Pereira da Silva casou-se com Antônia de Sá e
era dono da Fazenda São Cristóvão em Belmonte. Terceira: Josefa Pereira da
Silva, que se casou com Joaquim Nunes da Silva, irmão das esposas de Simplício
e Manoel. Quarto: Antônio Pereira da Silva, casado com Constância Pereira da
Silva, dono da Fazenda Campo Alegre. Quinto: Francisco Pereira da Silva, casado
com Ana de Sá, fundador da Vila de São Francisco, avós de Sinhô Pereira e Luiz
Padre. O grande industrial João Pereira Santos, vem desse ramo. Sexto: Manoel Pereira
da Silva, casado com Francisca Nunes, irmã da esposa de Simplício. Foi a maior
figura do clã dos Pereira, chefe político da família, liderava o partido
Conservador no Brasil Imperial naquela região, era Comendador, Comandante
Superior das Ordenanças de Flores, Ingazeira e de Vila Bela e Coronel da Guarda
Nacional.
Faleceu em 1862. Foi o pai de Andrelino Pereira da Silva, o Barão do
Pajeú, o qual herdou a chefia política do pai. Andrelino foi o primeiro prefeito
de Vila Bela (1892-1895) Sétimo: Vitorino Pereira da Silva. Foi presidente da
Câmara Municipal de Vila Bela. Oitavo: Joaquim Pereira da Silva. Casou com
Severina Pereira Aguiar e em segundas núpcias, com Constância Pereira de Sá.
Ficou estabelecido no berço da família, ou seja, na Fazenda Carnaúba e era o
pai de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba. Esse ramo deu vários prefeitos de
Serra Talhada. Né Pereira era padrinho de Sinhô e primo legítimo do seu pai
Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho da Passagem do Meio”. Nono: Sebastião
Pereira da Silva casado com a sobrinha, Januária Pereira da Silva, Irmã do
Barão do Pajeú, filha do seu irmão Manuel Pereira. Foi Capitão da Guarda
Nacional e em segundo casamento, desposou Maria Febrônea de Sá, que era filha
da sua sobrinha Manuela Pereira, filha do seu irmão Francisco. Teve 32 filhos.
Décimo: Alexandre Pereira da Silva, fazendeiro, o qual casou com Joana de Sá. Foi
morto pelos fanáticos do Reino Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Onze:
Cipriano Pereira da Silva, solteiro, foi morto pelos fanáticos do Reino
Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Local atualmente pertencente a São José do
Belmonte. Doze: Ana Pereira, se casou com Francisco Mariano de Sá. Treze:
Mariana Pereira da Silva (interdita).
Como se observa, na
primeira geração casou-se quase todos com as filhas e filho do casal José
Mariano de Sá e Quitéria Rodrigues do Nascimento. No caso, já eram primos pela
linhagem materna. A evolução da árvore genealógica desenvolveu-se
principalmente nos casamentos próximos, consanguíneos de primos com primas
basicamente. Porém, identifiquei cinco casamentos entre tio e sobrinha. Quais
sejam: Os dois casamentos do Capitão Sebastião Pereira da Silva, já citados
acima, o de Januária, filha do Barão do Pajeú, que casou com um irmão deste,
José Pereira da Silva, são os pais de José Simplício Pereira Sá (Pereirão), que
casou com a filha do Major José Inácio do Barro-CE, Virgínia Amélia Pereira de
Souza. A filha de Andrelino, (Barão) Francisca Pereira da Silva (Dona
Chiquinha), casou com o tio Manoel Pereira da Silva Jacobina, conhecido por
Padre Pereira, pais de Luis Padre. Ele era irmão da mãe dela, Maria Pereira da
Silva. Dos cinco filhos que tiveram, dois nasceram com problemas mentais. O
Filho do Barão do Pajeú, o Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, casou
com Maria Pereira da Silva, conhecida por Marica, filha de sua irmã Generosa
Pereira da Silva. Essa consangüinidade facilitava o aparecimento de patologias
na geração seguinte, como: Doença mental, bócio, surdez e mudez.
Quero ressaltar aqui, que vários membros da família Pereira, tiveram união
matrimonial com Carvalho. Família também clânica e que se fixou naquela região
nos mesmos moldes dos vizinhos. Pereira e Carvalho no decorrer das décadas
seguintes desenvolveram-se como oligarquias fortes e com interesses comuns, ou
seja, a disputa pela hegemonia do poder político naquela região. Portanto, o
choque seria inevitável. Em novembro do
ano de 1848 na Comarca de Flores do Pajeú, eclode o primeiro conflito, dessa que
seria uma duradoura contenda. Em espaços alternados, vingou até o ano de 1922. Encerrando-se
quando o cangaceiro Sinhô Pereira abandona definitivamente a luta armada no
Pajeú das Flores, e “navega” para as longínquas terras de Goiás.
D. Chiquinha e Manoel Pereira da Silva Jacobina "Padre Pereira".
pais do cangaceiro Luiz Padre.
No alvorecer do século XX chega à Vila
Bela, monsenhor Afonso Antero Pequeno. De família influente politicamente no
Cariri Cearense, que naquele momento ardia em conflitos coronelísticos, trazendo
na bagagem o germe da discórdia e o espírito beligerante. Envolvido na luta do
primo, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, que tentava depor o Coronel José
Belém de Figueiredo, vice-presidente do Estado do Ceará (1904), requisitou
junto às lideranças políticas dos dois clãs, Pereira e Carvalho, armas, munição
e um contingente considerável de jagunços para reforçar a facção do seu
parente. A negação do Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva ao pedido do
padre caudilho e consequentemente a concordância em tudo pela liderança dos
Carvalho, Coronel Antônio Alves do Exu, fez com que o pároco passasse a
interferir e interceder favoravelmente junto aos Carvalho, na luta e interesses
políticos das duas famílias.
Nas eleições municipais de 1907, foi eleito
prefeito de Vila Bela com o apoio da família Carvalho, empurrando os Pereira
para oposição. Abrindo um parêntese e voltando dois anos, 1905 é uma data de
sangue. No centro de Vila Bela, dia da feira livre, é ferido gravemente à bala,
falecendo dias depois, Manoel Pereira Maranhão, conhecido por Né Delegado,
recentemente deposto do cargo, era primo legítimo do pai de Sinhô, sendo o
autor do crime: Antônio Clementino de Carvalho (Quelé), o qual se refugia na
residência do Monsenhor Afonso Pequeno, próximo ao local do fato. Após muito
tumulto, o padre negociou a entrega e prisão do amigo, sendo este,
posteriormente desaforado para comarca de Flores. O padre fez questão de atuar
como um segundo advogado de defesa do réu na tribuna do júri, onde fora este
absolvido.
Né Delegado quando convalescia, pediu para os parentes não
executarem vingança, reconhecendo ele, que fora intempestivo e inconsequente,
quando investiu contra Quelé. Aquele ano de 1905 foi precursor do acirramento e
de vários desentendimentos entre membros das duas famílias, expondo mais ainda
o Coronel Antônio Andrelino, já bastante desgastado politicamente junto à oligarquia
Rosista. O Comendador Rosa e Silva dominou a política pernambucana por quase
duas décadas, sendo o clã dos Pereira seus correligionários fies. O
setuagenário Manoel Pereira da Silva Jacobina, pai de Luis Padre e tio de
Sinhô, ganhou o apelido de Padre Pereira por ter sido seminarista. Sendo uma
pessoa sensata e de índole conciliatória, passou a ser requisitado com
frequência para apaziguar as rusgas familiares. Ele tinha sido o segundo
prefeito de Vila Bela (1895-1898).
O
final do ano de 1907 se aproximava e mais precisamente no dia 15 de outubro, é
morto de emboscada o Padre Pereira, pessoa muito amada e respeitada pela
família e por quase toda população de Vila Bela. O crime de emboscada na
cultura sertaneja é conceituado como um ato covarde, traiçoeiro, desprezível. O
chamam pejorativamente de crime de pé de pau. Para as pessoas daquela região,
esse tipo de crime é uma atitude infamante, digna de repúdio. O crime de
homicídio “a peito” é até justificado naquela cultura braba. Existem versões
para os motivos que deram causa a esse atentado contra Padre Pereira. O mais
plausível, entendo que tenha sido um acerto de conta entre João Nogueira, que
era casado com Benvenuta Pereira, conhecida por Benuta, sobrinha da vítima e
meia irmã de Sinhô Pereira. A sucessão de casamentos ao longo dos anos entre
Nogueira e Carvalho, resultou em uma só família.
João Nogueira insistia em
requisitar a parte de terras na herança da esposa, uma vez que a mãe desta,
Úrsula Alves de Barros, já havia falecido. O sogro, Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho
da Passagem do Meio”, foi consultar o irmão, no caso Padre Pereira, e esse
opinou que não seria oportuno vender e partilhar suas terras naquele momento.
Resultou então, em uma inimizade e um ódio cego por parte de João Nogueira
contra Padre Pereira. O qual contratou os cabras: Luis de França, Manoel Tomé e
Mariano Mendes, para eliminar o seu desafeto. A comoção foi grande no seio da
família Pereira, principalmente por parte da viúva, Francisca Pereira da Silva
(Dona Chiquinha), que era esposa, sobrinha e prima segunda da vítima. Esta, de
temperamento forte e no calor da hora, convoca alguns sobrinhos do esposo e
primos: Manoel Pereira da Silva Filho, conhecido por Né Dadu, era o mais afoito,
Pedro Pereira Valões, Manoel Pereira Valões, o cabra Pedro de Santa Fé e outros
mais, para executarem a vingança imediata. Nessa ocasião, Sebastião Pereira
contava com onze anos e Luis Padre, filho da vítima com quinze anos.
O
sobrenome Valões, foi uma criação de Aureliano Pereira da Silva, irmão do Barão
do Pajeú e avô de Sinhô. Ele registrou três filhos, dos nove que teve com Maria
Pereira da Silva, com sobrenome Pereira Valões. Conta-se que este lia uns
livros sobre França e Bélgica e achava bonito o sobrenome Valões. O grupo
formado na emoção parte para vingança. Executam Joaquim, irmão de João
Nogueira, e em seguida, cometem um assassinato torpe. Matam Eustáquio Carvalho,
que era um velho bondoso, sem envolvimento naquela guerra dos clãs. A alegação
era que tinha que morrer alguém dos Carvalho com índole boa, parecida com a do
Padre Pereira. ”Os Carvalho tinham que sentir a mesma dor que os Pereira
sentiam naquele momento”. São atitudes medievais, herdadas de um Portugal
arcaico e por anos isolado de uma Europa revolucionária, política e
industrialmente. Tem início agora, a fase mais crucial da beligerância
familiar.
Né Dadu assume a chefia da luta, é agora o braço armado da família,
reagindo e investindo contra os inimigos.
Com o advento do Marechal Hermes da Fonseca à presidência da
república em 1910 e a sua “Política Salvacionista,” a qual tinha como lema,
moralizar os costumes políticos e reduzir as desigualdades sociais, preocupa-se
em derrubar as velhas oligarquias do Partido Republicano Conservador nos Estados,
estimulando a substituição dos governadores por militares. É lançada a
candidatura do General Emílio Dantas Barreto, então, Ministro da Guerra, ao
governo de Pernambuco na eleição de 1911. O chefe político da família Pereira,
Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, o qual fora desprestigiado politicamente
pela Oligarquia Rosista, passa agora a apoiar o General Emílio Dantas Barreto,
que disputava uma eleição contra o próprio Rosa e Silva, apoiado agora pelo clã
dos Carvalho em Vila Bela.
Em todo o Estado a disputa é fervorosa,
principalmente na Capital. Apuradas as urnas, Rosa e Silva ganha com uma margem
superior a três mil votos. No Sertão do Estado, o General Dantas Barreto só
ganhou em duas cidades: Vila Bela e Salgueiro. É uma amostra de que o Coronel
Antônio Andrelino ainda tinha influência e poder na região onde militava
politicamente. Houve uma reação imediata do grupo de apoio ao General, em não
aceitar o resultado do pleito. Alegavam fraude. O Jornal Diário de Pernambuco
era de Rosa e Silva. Os Jornal A Província e O Pernambuco defendia interesses
Dantista, os quais reclamavam uma vitória de Dantas Barreto. O clima de guerra
generalizou-se em Recife, população amotinada, tiroteios, depredações, a Câmara
impossibilitada de reunir-se e com a intervenção de tropas federais, muda-se
todo o processo que até então, dava vitória a Rosa e Silva. Anulam-se as
eleições de Triunfo e de Águas Belas e em assembléia extraordinária é
reconhecida a vitória de Dantas Barreto ao governo do Estado.
General Emídio Dantas Barreto (*1850 +1931)
http://www.pe.gov.br/
Os Pereira readquirem o poder
político no município e o Coronel Antônio Andrelino Pereira é alçado novamente ao poder.
Porém, essa situação transformou-se rapidamente. Uma campanha sistemática de
denúncias enviadas ao governador por telegramas, pelos adversários de Antônio
Andrelino, ao menor incidente envolvendo membros da família Pereira, a
intervenção nesse processo do Monsenhor Afonso Antero Pequeno, que assumiu uma
postura conspiratória, publicando notas nos jornais da capital, alegando que:
“Dar o poder a Antônio Andrelino, é como dar uma espada para um louco”.
Como
tinha amizade com o Padre Batista Cabral, o qual era membro e tinha força no
diretório Dantista estadual, passou o monsenhor a influenciá-lo. Comungando
tudo isso a uma postura de conciliação do novo governo, em aproveitar as forças
derrotadas, levou rapidamente o Coronel Antônio Alves do Exu à presidência do
diretório em Vila Bela, consequentemente a mandar politicamente na cidade e
adjacências. Esse ano de 1912 começava realmente nefasto para o clã dos
Pereira. Iniciava-se aí a derrocada política e econômica do Coronel Antônio
Andrelino, dono da famosa fazenda Pitombeira, herdada do seu pai, o Barão do
Pajeú. Os ânimos já bastante acirrados e agora com os Carvalho no poder, isso
implicava ter as forças policiais ao seu dispor.
Nessa época, Dona Chiquinha já residia no Barro-CE, com os filhos. O
Barro do Major José Inácio de Souza. Manoel Pereira da Silva Filho, o Né Dadu,
sempre andava entre o sertão das Alagoas e a ribeira do Pajeú com quatro ou
cinco cabras de confiança e era perseguido sistematicamente por membros dos
Carvalho em junção com as forças policiais. Os dois clãs familiares eram
distribuídos em fazendas, verdadeiros feudos. Os Carvalho tinham na fazenda
Barra do Exu, do chefe político Coronel Antônio Alves da Fonseca Barros, o seu
“Buck” maior, como também, era sede das discussões políticas. Seguido das Fazendas
Umburanas de Jacinto Alves de Carvalho, conhecido por Sindário, Antônio e José
da Umburana e a Fazenda Piranhas de Lucas Alves de Barros. Os Pereira com as Fazendas
Carnaúba de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba e Pitombeira do Coronel
Antônio Andrelino Pereira da Silva. Eles eram mais financiadores das empreitadas
de defesa e ataque. Entraram no conflito armado em situações extremas, como
ocorreu em 1908, quando a Vila de São Francisco foi cercada por grande
contingente de jagunços e familiares do Coronel Antônio Alves do Exu, sitiando
Né Dadu e vinte e cinco homens que cuidavam da defesa respondendo ao fogo
cerrado dos inimigos. Quando os sitiados chegaram a uma situação limite, quase
sem munição, chega o socorro salvador dos parentes Manoel Pereira Lins, Antônio
Andrelino, Baião Pereira e Cincinato Pereira, com mais de cem homens e após
três horas de tiroteio, o cerco é rompido.
Sob monumento na Matriz de Santo Antônio do Barro,
descansa o corpo de Dona Chiquinha Pereira.
A Vila de São Francisco concentrava
os Pereira mais diretamente ligados na vingança, muitos com sobrenome Pereira
Valões. Como era de praxe, a oligarquia que
estivesse de cima na política, tinha todas as benesses do poder. Isso só
acirrava ainda mais o conflito. É notório, que o acompanhamento de membros da
família Carvalho em diligências policiais, geraria constrangimento aos
familiares adversários. E foi justamente o que ocorreu em 1915 na Vila de São
Francisco, quando Sebastião Pereira, então com 19 anos, foi insultado, agredido
por Antônio da Umburana e policiais, como também a sua genitora, Constância
Pereira de Sá e uma governanta velha, passando todos por uma situação
vexatória.
No dia 16 de outubro de 1916,
Né Dadu é morto covardemente pelo cabra apelidado de Palmeira ou Zé Grande. O
assassino tinha trabalhado para os Carvalho e encontrava-se preso por furto. Né
Dadu o retirou da cadeia, mesmo os familiares censurando essa sua atitude
arriscada e imprudente. Ponderava, alegando que o cabra poderia lhe passar
importantes informações sobre os seus inimigos.
Né Dadu
In http://familiapereira.net.br
Na primeira oportunidade que
teve, Palmeira executou Né Dadu com um tiro de rifle e fugiu na escuridão. A parcialidade
de instituições como Polícia e a Justiça eram tamanha, que nem o inquérito policial
foi instaurado para apuração do crime.
...
Esse fato extremo foi o estopim final
para o
jovem Sebastião Pereira da Silva, então com vinte anos e nove meses,
tomar a decisão extrema de formar bando e ingressar no cangaço de vingança.
Tinha muita disposição para isso, era solteiro e o caçula dos vinte e um
irmãos. A princípio, teve o apoio unânime da família. A decisão de migrar para
o sul do Ceará, mais precisamente para a Vila do Barro, foi uma atitude
pensada, arquitetada, sem o arrebatamento da emoção e da vingança precipitada.
A “mão de obra” do trabuco, existente no Cariri Cearense era bastante farta e experiente,
como também, o laço de amizade da família Pereira com o Major Zé Inácio de
Souza, solidificou-se ainda mais com o casamento da sua filha Virgínia Amélia
com José Simplício Pereira, conhecido por Pereirão, neto do Barão do Pajeú e
sobrinho do coronel Antônio Andrelino.
O Livro José Inácio do Barro foi lançado por ocasião do Cariri Cangaço 2011,
na cidade do Barro - CE.
Um trabalho grandioso, contando a história do Major José Inácio. Autor: Sousa Neto
Não entendo qualquer tipo de cangaço, sem a mobilidade necessária. É uma
condição “sine qua non” para existência de qualquer bando. Então, Dispondo
Sinhô Pereira da proteção importante e de um coito seguro e impenetrável nas
fazendas do major José Inácio, isto foi bastante significativo e decisivo para
sua militância no banditismo de vindicta, por quase seis anos. Caso tivesse
constituído o seu bando com cabras e jagunços das fazendas dos familiares,
seria inviável do ponto de vista da mobilidade como falei acima. O bando
formado no Barro passou a fazer investidas rápidas contra os inimigos na região
do Pajeú e em seguida, retornavam ao coito seguro e impossível de ser molestado
naquele momento, dada a força política e o poderio bélico que dispunha o major
todo poderoso do Barro.
É evidente, que não existe almoço grátis e, mais na
frente, o major José Inácio vai solicitar algum “trabalho” do bando de Sinhô
Pereira. O Pajeú pegou fogo no ano de 1917. As investidas do bando comandado
por Sinhô e o primo Luis Padre às Fazendas Piranhas e Umburanas foram
devastadoras, levando seus donos a migrarem para cidade enquanto organizavam a
defesa. Jacinto Alves de Carvalho, o famoso Sindário, constituiu também bando
de cangaceiros para defender-se e também investir contra o bando de Sinhô. O
governador de Pernambuco, Manoel Borba, mandou para Vila Bela, nesse ano, na
tentativa de barrar os sucessivos embates entre o bando de Sinhô e membros da
família Carvalho, vários oficiais e um grande contingente de soldados. Os
graduados: João Nunes, Teófanes Torres, Optato Gueiros, Lira Guedes, José
Caetano, Cardim e Manoel Bigode.
Theóphanes Ferraz Torres
Fonte: Pernambuco no tempo do cangaço - Geraldo Ferraz
O bando de Sinhô variava muito o número de
componentes, dependendo muito da empreitada a ser cumprida. Quando Luis Padre e
Sinhô Pereira tomaram conhecimento do paradeiro do assassino do seu irmão, o
famigerado Palmeira, logo rumaram para o Estado de Alagoas na companhia de dois
cabras para executar a vingança. Essa foi concretizada à punhaladas pelo
próprio Sinhô. Ao retornarem para Vila de São Francisco, tomaram conhecimento que
Luiz de França, o assassino do Padre Pereira, estava residindo na Serra
Vermelha. Foram incontinenti, fazer-lhes uma “visita”, encontrando-o na hora do
jantar. Luiz de França tentou fugir na escuridão da noite, o qual tinha sido
ferido à bala, sendo encontrado e morto na manhã seguinte.
É necessário esclarecer, que nessa intriga e
luta dos Pereira e Carvalho, não se envolviam todos familiares. Tinham os
cabeças, ligados diretamente ao conflito. Os alvos diretos de Sinhô Pereira e
Luis Padre, eram: Jacinto Alves de Carvalho, o Sindário, seus irmãos Antônio da
Umburana e Mocinho. O Zé da Umburana foi assassinado de emboscada em 1911. O
crime não foi atribuído aos Pereira. A vítima tinha deflorado uma moça da
localidade São Serafim, hoje Calumbi-PE. Os familiares desta o executaram. João
Lucas das Piranhas, esse com parentesco com Pereira. Natinho, João Nogueira, o
qual era cunhado de Sinhô, o coronel Francisco Alves do Exu e o irmão Agnelo. De todos esses inimigos figadais de Sinhô
Pereira, só Antônio da Umburana sucumbiu vitimado pela arma pontiaguda do
vingador.
Sinhô teve informações que Antônio da Umburana estava no povoado de
Queixada, hoje Mirandiba-PE, então, dirigiu-se até lá com o bando e após várias
horas de tiroteio e resistência de Antônio que estava no interior de uma
residência, este teve que sair para não morrer queimado após terem ateado fogo
na casa. Morreu com várias punhadas desferidas pelo cangaceiro vingador. No ano
de 1918, já não era unânime a aceitação dos Pereira, referente às atividades cangaceira
de Sinhô e Luis Padre. Existia no seio da família um desgaste psicológico
grande, um clima de constante expectativa e sobressaltos, como também, grandes
perdas econômicas. Após o falecimento de Dona Chiquinha, no Barro-CE, acometida
pela avassaladora epidemia da gripe espanhola, naquele mesmo ano de 1918,
resolve os primos: Sinhô Pereira e Luis Padre, abandonar o cangaço e seguirem
juntos para o Estado de Goiás.
Fazenda do major Zé Inácio do Barro
A
viagem transcorria normal até então e, estrategicamente, se dividiram para não
despertar a curiosidade de transeuntes ou mesmo de alguma força policial. A
intenção era encontrarem-se ainda no Estado do Piauí, próximo da cidade Caracol
e seguirem até o destino final, São José do Duro, corruptela de São José D’Ouro,
em Goiás, hoje Estado de Tocantins.
Porém, o grupo de Sinhô Pereira é
surpreendido por uma força policial piauiense, comandada pelo Tenente Zeca
Rubens e após dois confrontos sucessivos com baixas em ambos os lados, Sinhô
Pereira não teve mais condições de consumar o seu intento, retornando ao palco
de guerra no Pajeú e Cariri Cearense. O
crescimento econômico e o poderio político do major José Inácio foram
vertiginosos. O seu “modus operandi” é questionável, justificando-se e
amparando-se na prática comum à época, que era a deposição de chefes políticos
pelo uso da força e atitudes nada civilizadas.
Na maioria das vezes com a
conivência ou omissão do próprio poder estadual, encastelado na capital do estado.
Sinhô Pereira já há mais de dois anos dispondo da proteção, munição farta,
contingente de homens afeitos àquela profissão, tudo disponibilizado pelo Major
José Inácio, é inconcebível que este não se envolvesse nos interesses e questões
do protetor e amigo, caso fosse requisitado. Nas ações de interesses do chefe
político do Barro, em que tomou partido, desviadas do seu objetivo principal
que era a vingança familiar, considero pontuais. Em vinte de janeiro de 1919, na
zona rural de Milagres, invade com o bando a casa da senhora Praxedes, viúva do
coronel Domingos Leite Furtado, de onde é roubada uma quantia considerável em
dinheiro. Um ano depois, vinte de janeiro de 1920, a casa da fazenda do Coronel
Basílio Gomes da Silva, localizada no Município de Brejo Santo é saqueada.
Este
não procurou providências temendo represálias. Dois anos depois, em dezenove de
janeiro de 1922, por desavença, interesses políticos e rixa familiar do amigo e
protetor José Inácio, Sinhô invade a Vila de Coité, Distrito de Mauriti, reduto
e residência do Padre Lacerda, desafeto de José Inácio de Souza.
Padre Lacerda
Fonte: Lampião e o Estado Maior do Cangaço
Hilário Lucetti / Magérbio Lucena. pág 121.
A resistência
do povoado é heroica, impossibilitando os invasores de aniquilar o Padre
Lacerda que no interior de sua casa com jagunços e amigos, respondeu a altura o
intenso tiroteio. Esse episódio é emblemático para a derrocada do Major José
Inácio. Iniciam-se as pressões por parte do Presidente do Estado Justiniano
Serpa, motivadas por uma enxurrada de denúncias e artigos publicados em jornais
da capital, contra o maior coiteiro de cangaceiros de que se tem notícia para
as bandas do Cariri. O pacto envolvendo os Estados da Paraíba, Ceará,
Pernambuco e Rio Grande do Norte é concretizado, podendo agora, suas forças
policiais ultrapassarem as divisas estaduais em perseguição de bandoleiros, sem
a necessidade da autorização prévia. O major José Inácio já planejando
retirar-se do seu feudo para terras distantes, arquiteta sua última investida
contra os fazendeiros na região de Catolé do Rocha-PB, Waldevino Lobo, Adolfo
Maia e Raquel Maia, com o nítido objetivo de usar esse dinheiro em novo
domicílio.
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Jorge Remígio |
O plano é executado pelo bando de Sinhô Pereira, agregado ao de
Ulisses Liberato e muitos cabras do Major. Não chegaram até a fazenda de Raquel
Maia. Achou por bem Sinhô Pereira, retornar ao Barro, após saquearem Waldevino
Lobo e Adolfo Maia. Logo em seguida, José Inácio é preso, porém, por pouco
tempo. Sua fuga, meio que facilitada, encerra-se um capítulo na história
coronelística do Cariri Cearense. Os fatos narrados acima ocorreram em um
espaço de três anos. Entendo que Sinhô Pereira cometeu muitos “pecados” fora do
seu objetivo principal, que era a vingança. Entendo também, que não houve uma
transtipificação do seu cangaço, ou seja, não enxergo que tenha feito um cangaço
de negócio, meio de vida. O bando não era sustentado com dinheiro de saque.
Naquele
mundo estranho que foi o cangaço, todos pecaram: Coronéis, Cangaceiros,
Coiteiros e Policiais. Com a saída do Major José Inácio do seu território, o
cangaço de Sinhô Pereira ficou inviável. As investidas que fazia contra os
inimigos no Pajeú e o retorno seguro para o Barro, não existiam mais.
Lampião
praticamente assumiu o grupo no mês de maio de 1922. Não comungo com a ideia de
que Sinhô Pereira tenha influenciado no ataque à casa da Baronesa de Água
Branca em junho de 1922. Lampião já tinha autonomia sobre o bando. Quando Sinhô
parte para sua viagem e abandona totalmente sua vingança, a entrega do bando
para Lampião em agosto daquele ano é puro simbolismo.
Sebastião Pereira e Antonio Amaury.
Patos de Minas, MG jan. de 1970
Arquivo do pesquisador.
Lampião era detentor do
produto do saque em Água Branca. Sinhô teve uma considerável ajuda financeira
dos parentes Manoel Pereira Lins e Isidoro Conrado para a sua viagem. O agora
ex-cangaceiro partiu ao encontro do primo Luiz Padre e do amigo José Inácio de
Souza, com um sentimento de não ter concretizado a sua vingança. Advogo a tese,
de que o cangaço é muito mais dependente e ligado ao Coronelismo do que se
possa imaginar. Essa ideia vale para qualquer tipo de CANGAÇO.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- Albuquerque, Ulisses Lins.
UM SERTANEJO E O SERTÃO
- Barreto, Ângelo Osmiro. ASSIM ERA LAMPIÃO
- Carvalho, Rodrigues de. SERROTE PRETO
- Dantas, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO, ENTRE A ESPADA E
A LEI
- Melo, Frederico Pernambucano de. GUERREIROS DO SOL
- Maciel, Frederico Bezerra. LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU
REINADO. vol. I
- Neves, Napoleão Tavares. CARIRI, CANGAÇO, COITEIROS E
ADJACÊNCIAS
- Sá, Luiz Conrado Lorena. SERRA TALHADA 250 ANOS DE
HISTÓRIA,
- Sousa, Severino Neto. JOSÉ INÁCIO DO BARRO E O CANGAÇO
- Wilson, Luis. VILA BELA, OS PEREIRAS E OUTRAS HISTÓRIAS