quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

João Bezerra X Lampião

POR QUE PROFANAR A MEMÓRIA DOS MORTOS?
 
Por Sérgio Augusto de Souza Dantas*

Às vezes me pego pensando sobre possibilidades fáticas, critérios de lógica, metodologia histórica e coisas do gênero, principalmente quando o assunto é “cangaço” e a questão envolve seu principal protagonista, o 'Capitão' Virgulino Ferreira, o tristemente célebre “Lampião”.
 
Outro dia, por exemplo, lembrei-me de ouvir pela enésima vez a única entrevista que fiz com o Sr. Durval Rodrigues Rosa (ano de 2000), ex-prefeito de Poço Redondo/SE e um dos coiteiros de Lampião naquelas barrancas do rio São Francisco.
 
A conversa de Durval é desembaraçada, porém entremeada de gestos os mais diversos, como a ajudar a se compreender o que ele pretende contar.
 
Proseamos por mais de hora e meia.

A certa altura da conversa-entrevista, ele me diz o seguinte: "Na véspera do tiroteio, eu vi o tenente João Bezerra em Angico, jogando baralho com Lampião, Luís Pedro e mais outros cabras. Ele tinha ido ali deixar três sacos de munição encomendados por Lampião e ficara um pouco no coito, se distraindo no carteado”.

Recentemente eu ouvi mais uma vez a gravação da conversa e, inevitavelmente, não pude deixar de propor a mim mesmo algumas indagações, com intuito de esclarecer de uma vez dúvidas que rondam essa suposta visita do militar ao coito do cangaceiro. Creio que os confrades frequentadores deste ‘Blog’ poderão me ajudar a esclarecer algumas destas relevantes questões. 


Senão, vejamos: A primeira é de ordem cronológica:
Qual seria a ‘véspera’ referida por Durval? - O dia 27 de julho de 1938, decerto. Ocorre, porém, que durante TODO ESSE DIA 27, o tenente Bezerra esteve à frente da intricada operação para atacar os cangaceiros na Grota do Angico.
 
É fato que quando o sargento Aniceto Rodrigues recebeu a informação do coiteiro Joca Bernardo, sobre a presença de Lampião na fazenda Angico, ainda não era meio dia. Aniceto se apressa, pois a notícia parece ‘quente’. De imediato, o militar telegrafa ao seu superior imediato, o já referido tenente Bezerra, e transmite a mensagem de forma ‘cifrada’, a fim de não levantar qualquer suspeita. Naquele fim de manhã, o oficial estaria com sua tropa estacionada em Pedra (hoje Delmiro Gouveia, alto sertão de Alagoas), descansando de uma ‘batida’ policial realizada em possíveis esconderijos de cangaceiros na região de Mata Grande.
 
Mantido o contato com o seu comandante, o sargento requisita um caminhão e parte de imediato até um local predeterminado por Bezerra, o sítio Riacho Seco, fincado entre a cidade de Piranhas e a antiga Vila de Pedra.
 
Muito bem. 


Conversando, porém, com outras pessoas ligadas ao evento –como por exemplo, os cabos José Panta de Godoy e Antônio Vieira, além do sargento Elias Marques de Alencar - todos eles disseram que o tenente Bezerra estava em Pedra desde o dia 26 de julho e, o mais importante, 'dali não tinha saído para lugar nenhum, pois descansava da longa e extenuante operação realizada na região de Mata Grande'. Não só os soldados. Os Boletins Ordinários de Serviço da Polícia Militar de Alagoas, de ‘25’, ‘26’ e ‘27’ de julho de 1938, atestam a presença do tenente João Bezerra e do Aspirante Ferreira de Melo em Pedra, por ordem do comandante do Segundo Batalhão de Polícia, Coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão. E agora, como ficamos?
 
Mas Durval fala que o tenente Bezerra esteve no coito, deixou balas e, de quebra, ainda jogou baralho com Lampião. Aí vem minha segunda dúvida:

Como Bezerra haveria feito isso? Teria ele o 'dom de desaparecer', igual ao que o sertanejo comum atribuía a Lampião?
 Poderia o tenente Bezerra ter saído de Pedra, atravessado o rio São Francisco, andado cerca de cinqüenta quilômetros, subido até a Grota do Angico, jogado baralho despreocupadamente e retornado ao local onde estava a tropa estava sem que ninguém notasse sua ausência? (1) (2).
 
Um comandante de volante, já oficial, passaria tão despercebido assim? - ora, para cumprir esse trajeto, Bezerra levaria algumas HORAS. De fato, se o militar estava contrabandeando munição, não viajaria pela antiga estrada entre Pedra e Piranhas. Do contrário, ele se movimentaria de maneira oculta, longe de ‘vistas curiosas’, por dentro da caatinga, o que aumentaria consideravelmente esse tempo de viagem. Alguém discorda desse ponto?
 
Uma terceira questão: Porque o militar levaria balas para Lampião, quando já sabia, naquele dia 27 DE JULHO, que teria que atacar o cangaceiro de ‘qualquer maneira e o mais breve possível’?
Imaginaria o tenente Bezerra, ao levar a munição ao famoso chefe de cangaço, em se suicidar e, ao mesmo tempo, submeter ao sacrifício os integrantes da tropa sob seu comando? - Penso que ventilar essa hipótese não seria nem um pouco inteligente. Vender bala ao adversário? – Beira o absurdo.
 
Pelo meu modesto entender, essa história toda é mais um fruto nascido da imaginação popular e do prazer mórbido, arraigado e cultural do brasileiro em denegrir instituições e pessoas.
Um mínimo de lógica nos faz chegar a conclusão que um comandante de tropa não desapareceria sem ser notado e, menos ainda, faria tão longo percurso SOZINHO, pois Durval Rosa não falava em outro militar acompanhando Bezerra em Angico. ESTAVA SÓ. Muito estranho, decerto!!
 
Alguém chama fatos assim de 'Mistérios'. Prefiro chamar de ‘criações’ ou de ‘fantasias’. A criação de um fato inexistente,que acaba, por indução e repetição contínua, resultando em sofisma ou em um silogismo viciado.
E essa história em torno do envolvimento de Bezerra com Lampião tem rendido.....aqui e ali ela volta à tona. O Sr. Durval Rosa, convenhamos, tinha as suas próprias razões para tentar implicar o oficial, pois a volante comandada por este, na fatídica madrugada de 28 DE JULHO, “exagerou no trato” para com ele e também para com seu irmão Pedro. Responsabilizar Bezerra como um dos fornecedores de munição para o capitão-cangaceiro seria uma forma “até mais ou menos justificada” de se vingar, posteriormente, do oficial e de seus comandados.
 
Mas, mesmo na atualidade, não são poucos os que encampam essa teoria e saem apregoando o disparate aos quatro ventos.  E eu pergunto: porque atingir tanto a honra de um morto? Qual a grandeza que há nisso? 
E mais um detalhe: eu já li inúmeros depoimentos de ex-cangaceiros e até mesmo já cheguei a entrevistar alguns deles nesta última década.
 
Os que falam sobre o assunto dão a entender que a munição usada pelo bando vinha por intermédio da própria da polícia. Ninguém disse uma mínima palavra que pudesse envolver poderosos Coronéis sertanejos. 


Isso é razoavelmente recorrente nos depoimentos. Porque razão estes senhores foram sempre omitidos pelos cangaceiros? Seria falsa – ou mítica - a relação ‘coronel e cangaceiro’?
E eu lanço mais uma questão: Como essas balas seriam fornecidas pela polícia? Diversos combatentes militares (dentre os quais, Joaquim Góis, José Rufino, etc..) afirmaram que, após terem lutado, viam com freqüência que as balas usadas pelos cangaceiros “eram INFINITAMENTE MAIS NOVAS” que aquelas que a própria polícia usava. Diferença, por vezes, de até quinze anos entre elas. Como as balas seriam novas para os cangaceiros e velhas para o corpo militar? 


A assim aceitar esta teoria, é referendar a seguinte premissa: “a polícia negociava as balas novas e ia para o campo brigar com as velhas”! Não há outra conclusão disponível. Ou, de outra forma: “os militares vendiam as balas novas e se lançavam em uma cruzada suicida, usando balas até QUINZE ANOS MAIS VELHAS que as que eram supostamente vendidas aos cangaceiros”. Seriam estúpidos assim? Estranho mesmo esse detalhe. Bizarro, diria. Aliás, alguém com um pouco de lucidez já percebe de cara esse descompasso. É patente e lógico demais.


E um outro aspecto: TODAS as balas recebidas por chefes de volantes tinham que ser, periodicamente, conferidas pelo comandado através de um relatório. O responsável teria que, obrigatória e periodicamente, apresentar uma relação (através destes relatórios) constando a munição recebida, a que foi gasta em combate e, ainda, informar o que tinha disponível para uso naquela data. Tudo era rigorosamente chegado, notadamente depois da Revolução de 1930. Controle absoluto das entradas e saídas de munição.
A coisa não parece tão simples como se conta.
 
O que quero dizer com isso tudo? - Simples: que já é mais que hora de deixar de lado essa tendência de atacar graciosamente - e sem provas - as instituições do país (às vezes somente à custa de uma interpretação ideológica já de muito ultrapassada) e CUIDAR DA HISTÓRIA REAL, desnuda de fantasias e baseada em rigoroso MÉTODO HISTÓRICO, para que os vindouros possam ter uma visão plena, imparcial e aceitável dos fatos, e não uma imagem distorcida propositalmente, nascida da simples vontade de denegrir!
 
Abraço a todos e votos de um Feliz 2010.
Sérgio Dantas .'.
NATAL/RN

------------------------------------------------------------------------------------------
NOTAS:
(*) Sérgio Augusto de Souza Dantas é bacharel em Direito, pesquisador independente e autor dos livros “Lampião e o Rio Grande do Norte” (2005), “Antônio Silvino: O Cangaceiro, O Homem, O Mito” (2006) e “Lampião: Entre a Espada e a Lei” (2008).
(1) A distância referida foi calculada com base em dados fornecidos por GPS. A medicação exata acusou 49,67 quilômetros em ‘linha reta’, de um ponto a outro.
(2) Em “Assim Morreu Lampião”, de Antônio Amaury Correa de Araújo, 1ª edição, 1982, pg. 101., Durval diz apenas que Bezerra ‘teria mandado as balas em dois sacos’. Não afirma que o viu no esconderijo. Com o correr dos anos, talvez pela confusão natural causada pela idade, a testemunha coloca o oficial em um animado carteado com Lampião e aumenta para três o número de sacos. É importante o estudioso estar atento a detalhes desse tomo.

Um ano novo bem arretado pra vocês tudim !!!!

Conselhos de um matuto para um 2010 bem pai d'égua.

Sobre as suas metas para o Ano Novo

 

Anote os seus querê e pendure num lugar que você enxergue todo dia.
Mesmo que seus objetivos estejam lá prá baixa da égua, vale à pena correr atrás. 
Não se agonie e nem esmoreça. 
Peleje.
Se vire num cão chupando manga e mêta o pé na carreira, pois pra gente conseguir o que quer... tem é Zé.  
Lembre que pra ficar estribado é preciso trabalhar.  
Não fique só frescando.

Sobre o trabalho

 

Trabalhe, num se mêta a besta. Quem num enfia um prego numa barra de sabão num tem vez não. 
Se você vive fumando numa quenga e não agüenta mais aquele seu chefe réi fulerage, tenha calma, não adianta se apurrinhar.
Se ele não lhe notou até agora é porque num tá nem aí se você rala o bucho no trabalho. Procure algo melhor e cape o gato assim que puder.
Se a lida não está como você quer, num bote boneco, num se aperreie e nem fique de lundu. Saia com aquele magote de amigos pra tomar uns merol.
Tome umas meiotas e conte uma ruma de piadas que tudo melhora.


  Sobre a sua vidinha

 

Você já é um cagado só por estar vivo. Pense nisso e agradeça a Deus.
Cuide bem dos bruguelos e da mulher. Dê sempre mais do que o sustento, pois eles lhe dão o aconchego no fim da lida.
Não fique resmungando e batendo no quengo por besteira. Seje macho e pense positivo.
Num se avexe, num se aperreie e nem se agoneie. Num é nas carreira que se esfola um preá.


  Arrumação motivacional

 

No forró da entrada do ano, coma aquela gororoba até encher o bucho. É prá dar sorte, mas cuidado, senão dá gastura. 
Tome um burrim e tire o gosto com passarinha ou panelada que é prá num perder a mania.
Prá começar o ano dicunforça:
Reflita sobre as besteiras do ano passado e rebole no mato os maus pensamentos.
Murche as orêia, respire fundo e grite bem alto:
Sai mundiça !!!
Agora é só levantar a cabeça e desimbestar no rumo da venta que vai dar tudo certo em 2010, afinal de contas você é nordestino.
E para os que não são da terrinha, mas são doidim prá ser, nosso desejo é que sejam tão felizes quanto nós.



Peeeeennnnse num ano que vai ser muito bom. Respeite como vai ser pai d'égua esse 2010.

Att. Kiko Monteiro 

domingo, 27 de dezembro de 2009

Pegou o boi!

UMA CICATRIZ POR VINGANÇA 

Por João de Sousa Lima  

A Rainha do Cangaço, Maria Bonita, acabara de perder seu primeiro filho. A natureza lhe negara naquele instante o direito de perpetuação da espécie humana. As lágrimas da triste mãe encharcaram a cova rasa e solitária do filho que não viu o mundo, enquanto o leite materno, fonte divina da vida, secava na dor da trágica perda. No seu sofrido silêncio desaparecera a ansiedade antes vivida. A sua angústia se apagara durante o resto do dia frustrante e da noite mal dormida.


O consolo virá na serenidade da alvorada. Com o novo amanhecer, renascerão novas esperanças e só as esperanças curam os traumas doloridos do dia a dia. Durante as próximas noites, sob as tendas dos esconderijos e a luz das inúmeras fogueiras, velhos companheiros e seguidores de lutas alegrarão os corações tristes dos Reis do Cangaço.

O velho e fiel coiteiro, Venceslau, cobriu a criança em um lençol e a enterrou a poucos metros da sua residência, nos fundos da sua propriedade, no povoado Campos Novos. A parteira Aninha regressou ao povoado Nambebé. Lampião e Maria Bonita agradeceram ao fiel coiteiro Lau pelo apoio recebido e com o restante do bando partiram caminhando lentamente, em silêncio, na direção da casa do casal Aristéia e Quinca, no povoado Várzea.

Nas proximidades do Nambebé os cangaceiros ouvem o barulho de um animal de montaria e buscam rapidamente os arbustos e pedras existentes no local e se entrincheiram. Todos apontam suas armas para o lado onde vinha o som do tropel. Entrincheirados e prontos para o combate Lampião reconhece o cavaleiro que se aproxima. Era mais um dos seus incontáveis coiteiros. O burro pára bruscamente. O homem desce rápido do animal, pois tem pressa em revelar o segredo de sua urgente viagem, mais uma notícia de traição:
- Capitão, por pouco vocês não foram atacados. Assim que vocês sairam dos Campos Novos, lá chegou uma fôrça do governo, com mais de trinta homens.
- Alguém me traiu! Você sabe quem foi que denunciou nosso coito?
- Sei sim; foi Pimba, do Nambebé.
- Ta bom, pode ir.
Virgolino pagou a informação e por alguns minutos se perdeu nos seus pensamentos, formulando sua defesa contra a volante e sua vingança contra o delator. O traidor era velho conhecido dos cangaceiros, o verdadeiro nome de Pimba era Francisco Teixeira Lima e era irmão do fiel coiteiro Lixandrão, pai dos cangaceiros Bananeira e Tutu.

Poucos minutos depois, Lampião chega ao Nambebé e cerca a casa de Pimba, os cangaceiros invadem a residência e vasculham todos os cômodos, não encontrando o traidor.

A velha casa de taipas é revirada. A esposa do homem sentenciado a morrer protege os filhos com o escudo do próprio corpo. Dona Maria e os filhos João Preto, Zé de Pimba, Anacota, Jeoventina, Júlia,Elvira e Rita se abraçam enquanto os cangaceiros quebram alguns móveis e pratos. Naquela ocasião eram duas Marias, frente a frente, ligadas por sentimentos diferentes, lutando por um objetivo comum: a sobrevivência.

A Maria mãe, aflita, pede ajuda a outra Maria, a Rainha do Cangaço. Já se conheciam de outras vezes, em circunstâncias menos violentas. A mãe desesperada implora e pede clemência para aquela que ainda não havia amamentado mais que havia sentido a dor do parto e a infelicidade da perda do filho pela morte traiçoeira.
- Maria, peça a Lampião pra não matar a gente!
- Quem mata vocês é a língua!
Nesse momento chega o irmão de Pimba, o fiel coiteiro Lixandrão. O velho conhecido cumprimenta Lampião com um aperto de mão e fala:
- O senhor me conhece e sabe que eu sou um homem inteirado e comigo não tem falsidade. O que meu irmão fez não está certo e eu prometo que não acontecerá outra vez. Por isso estou aqui pra lhe pedir que não mate ele e nem a sua família.
- Muito bem, Lixandre, diga aquele safado que erre o meu caminho e tenha cuidado com o que fala.

Lampião sai da casa e se reúne com seus comandados no terreiro.Quando se preparavam para seguir viagem, chega outra Maria, a esposa de Lixandrão e diz a Lampião que um dos cangaceiros invadiu sua residência e tomou seu xale. Lampião não procurou saber quem tinha sido, apenas colocou a mão no bornal, puxou algumas notas e pagou o prejuízo à mulher.

Lixandrão agradeceu por Lampião ter atendido ao seu pedido de não matar o irmão Pimba e desejou boa sorte aos cangaceiros. Lampião ainda movido pela ira, mal respondeu e começou a seguir seu itinerário.

Quando os últimos telhados das casas do Nambebé desapareceram no emaranhado dos galhos secos, eis que surge na frente dos cangaceiros a presa tão procurada: Pimba. O angustiado sertanejo é envolvido em um cordão humano. Lampião fala:
- Cabra safado, anda dando definição de cangaceiro pras volantes!
O homem esmorece, sente a indesejável morte aproximando-se e ajoelha-se chorando, pedindo por tudo quanto é santo para que não o matassem.
- A sua sorte, cabra sem vergonha, é que homem de minha qualidade tem palavra e eu prometi não lhe matar, mas vou deixar uma lembrança minha, pra que você nunca me esqueça. Da próxima vez que você me denunciar não tem desculpa, você me paga com sua vida.
Enquanto o aflito sentenciado era seguro por Luís Pedro, Lampião puxa um canivete de um dos bolsos e se aproxima, do trêmulo catingueiro. Pimba chora e clama por todos os santos. O Rei do Cangaço, impiedosamente, abre uma ferida em forma de cruz na testa do moribundo sertanejo, deixando uma eterna cicatriz como pagamento pelo vacilo de sua denúncia e traição. O grito de Pimba é abafado por mãos fortes e firmes. O sangue escorre por sobre o nariz e a boca, ensopando a gola da camisa. Os cangaceiros soltam a vítima quase desfalecida, muito mais pelo medo que pela dor. O grupo pega uma das veredas que dava acesso a mataria fechada e some rapidamente. Pimba, ainda de joelhos, puxa um lenço do bolso, cobre o ferimento, levanta-se e, apressadamente, segue para sua casa.

O preço cobrado pela traição de Pimba saiu de bom tamanho, em outras circunstâncias, para preservar a vida dos cangaceiros, o traidor não teria sido poupado. Durante muitos anos Pimba teve que usar chapéu de couro com uma lapela cobrindo a permanente tatuagem. Uma cruz por lembrança, uma eterna marca por castigo.

Novidades

A saga Nazarena contra Lampião em novo livro!

Foi lançado no último dia 18/12/09, no auditório do Tribunal Regional Federal, em Recife/PE, o livro" Raízes de um Povo e como iniciou suas contendas com Lampião ", da escritora pernambucana Izabel Belícia Ferraz Torres.

A escritora é filha do grande nazareno, " Euclides de Souza Ferraz ", considerado um dos maiores perseguidores de Lampião, e grande estrategista em combate.

O citado livro apresenta aos leitores, netos do casal, Capitão Jerônimo de Souza Ferraz e Margarida de Souza.

Foi Manoel de Souza Ferraz com sua esposa, Clara Maria da Fonseca Moura, serviram de marco inicial para apresentar os seus descendentes, que serão uma parte da grande Família Ferraz.

Na obra, a autora traça a genealogia da Familia Ferraz; a criação do Povoado de Nazaré/PE; a formação do grupo armado dos nazarenos para combater Lampião;o Combate da Fazenda Caraíba; Lampião e o Povoado de Nazaré; Traça a biografia dos principais nazarenos etc...

O livro é rico na iconografia, trazendo um grande quantidade de fotos da Família Nazarena (Ferraz), além de várias ilustrações, cartas, etc..

O mencionada obra é fonte de consulta obrigatória, para aqueles que estudam e pesquisam o Ciclo cangaceiro no Nordeste, em face da riqueza de informações acerca da formação de um povo guerreiro - que foram os "NAZARENOS", maiores inimigos/perseguidores de Lampião.

Um pouco sobre a autora:



Informou


Ivanildo Silveira
Colecionador do Cangaço
Membro da SBEC

sábado, 26 de dezembro de 2009

Uma vitória da inteligência sobre a força

O Ataque de Lampião a Uiraúna,PB.

Por Sérgio Augusto de Souza Dantas*


 Alguns dos defensores de Uiraúna. Ao centro, de paletó escuro, Luiz Rodrigues. Na extrema direita, sentado, o Subdelegado Nelson Leite.

Há meses Lampião sumira dos noticiários dos jornais. O ano de 1926 encerra-se sem grandes novidades sobre a horda do famoso cangaceiro de Vila Bela. Bem instalado e seguro no ‘coito’ da Serra do Diamante, do poderoso Coronel Isaías Arruda, Lampião sai da aparente inatividade apenas em fins de abril de 1927. Naquele fim de mês, o bandoleiro deixa o refúgio e pratica assaltos em pequenos vilarejos situados na região noroeste da Paraíba, entre os municípios de Cajazeiras e São José de Piranhas. São ataques rápidos, com vistas apenas ao saque. A proximidade desta parte da Paraíba com o valhacouto do ‘dono’ de Missão Velha facilita sobremaneira a ação do bando.

De fato, no dia 15 de maio daquele ano, liderando uma falange de cerca de trinta e cinco homens, Lampião se prepara para tomar de assalto a Vila de Belém do Arrojado - atual cidade paraibana de Uiraúna. Há dias que ‘olheiros’ residentes em sítios da fronteira já haviam sondado o vilarejo e o cangaceiro – decerto bem ciente das condições do lugar – crê que tem plena chance de sucesso na empreitada que pretende levar avante.

O arruado de Belém situa-se junto à fronteira do Rio Grande do Norte e é então inexpressivo. Ali não há mais que cento e trinta casas e uma igreja singela. Comércio pobre ou quase inexistente. Também ali não está destacado sequer um contingente policial para manutenção da ordem ou para oferecimento de uma defesa – mesmo que acanhada – no caso de um eventual ataque de cangaceiros. A ‘ordem’ no povoado é garantida somente por um Subdelegado civil, o potiguar Nelson Leite. Apesar de reiteradas notícias sobre incursões de cangaceiros naquela parte da Paraíba nos últimos dias, o Governo do Estado parece ignorar os eventos propalados pelos jornais e pela boca do povo. Apesar de vários reclamos por parte de proeminentes de Belém, o Estado não enviara tropa regular para a localidade.


Tenente Nelson Furtado Leite 

No início da tarde daquele dia 15 de maio, no entanto, o sertanejo Leonardo Pinheiro percebe a marcha de cangaceiros em direção a Belém. Sem demora, espora o cavalo e entra no povoado em sonoro alarde:

-“Vem cangaceiro por aí! Vem cangaceiro por aí! Parece que é Lampião e não está a mais que umas duas léguas!”

Enquanto a horda marcha em busca do vilarejo, Nelson Leite se apressa em organizar uma defesa. Sangue quente, cioso de suas obrigações, Leite parece disposto a sacrificar a própria vida na defesa da comunidade que lhe fora confiada.

Abandonados à própria sorte, os habitantes de Belém – incentivados por Nelson Leite - tratam de se armar e garantir a resistência do lugar. Civis são convocados e há mesmo os que comparecem voluntariamente para pegar em armas.

Ao final do rápido recrutamento, chega-se à desanimadora soma de onze homens apenas. Um contingente ínfimo que tentará rechaçar um bando com cerca de trinta e cinco cangaceiros. Uma luta desigual – se considerarmos a proporção de três bandoleiros para cada defensor e a falta de experiência de guerrilha dos citadinos.

Por volta das dezessete horas, finalmente, Lampião avizinha-se da Vila. O frágil agrupamento de casas lhe parece excessivamente frágil e torna-se ainda mais amiudado pela sombra da serra de Luís Gomes, não muito distante dali. “Um alvo fácil”, provavelmente terá pensado o poderoso cangaceiro. O desenrolar dos fatos, porém, lhe revelará um grave erro de prognóstico.

Em que pese a correria desenfreada que se seguiu ao alarma dado por Leonardo Pinheiro, os homens de Nelson Leite aprestam munição e armas. Tudo é feito com rapidez e disciplina.
Ao mesmo tempo, mulheres, velhos e crianças – a seguir igualmente os apelos do Subdelegado – buscam refúgio na caatinga ou em sítios de familiares fincados nos arredores de Belém. Pequenos “tesouros” são previamente enterrados em lugares seguros. Potes de barro, caixas de papelão, latas de querosene: qualquer coisa serve como invólucro para as ‘economias’ adquiridas ao longo de anos de trabalho.
Em pouco tempo, os defensores se organizam e estão posicionados em lugares previamente definidos pelo Subdelegado. Dedos nervosos aguardam o desfecho do ataque.

Uma testemunha registra os momentos iniciais do entrave:

“O ‘delegado’ Nelson Leite distribuiu uns homens nos pontos mais altos da rua principal, dois outros guarnecendo as laterais e três instalados no teto da Igreja. Quando Lampião entrou com o bando, pela ‘rua velha’, começou a fuzilaria”. (Sinforosa Claudina de Galiza, entrevista).

Nelson Leite, de fato, engendrara bom plano. Distribuíra os poucos rifles e fuzis disponíveis com os onze defensores. Repartiu com irrepreensível parcimônia a rala munição que tinha ao seu dispor. Os melhores atiradores foram destacados para pontos estratégicos. No teto da igreja - prédio mais alto e com abrangente visão dos arredores - posicionaram-se Luís Rodrigues, Moisés Lauriano, José Teotônio e Joaquim Estevão.
O tempo corre lento. Não há novidades. Até perto das oito horas nem sinal da sinistra patuléia de chapéu de couro. A espera alongada transforma as trincheiras em ninhos de ansiedade.

De súbito, Luís Rodrigues dá o alarma. Alguém se aproxima. O luar denuncia vultos sorrateiros. Homens armados aproximam-se do povoado pela ‘Rua da Proa’.
É o início da invasão. De pronto, grande incêndio ilumina a noite na pequena Belém. Grossas labaredas passam a consumir a casa de um agricultor e espalham-se rapidamente para um antigo curral e plantação de milho já há dias quebrado. O incêndio. Método infalível para incutir terror aos sitiados.

Josefa Augusta Fernandes, bem jovem à época do evento, anota a origem do fogaréu:

“Lampião começou destruindo a propriedade do finado João Gabriel, tendo em seguida tocado fogo nos currais e nas plantações de feijão e milho. O fogo serviu para alertar os homens da cidade, sendo que eles já estavam em posição nos principais pontos daqui”. (Maria do Socorro Fernandes, entrevista).

Não havia mais o que esperar. Ao primeiro grito de comando de Nelson Leite, trava-se pesado tiroteio.

Lampião, decerto, não esperava semelhante reação. A fantástica fuzilaria oriunda da Vila lhe faz recuar. De efeito, os tiros vindos da Rua da Proa tornam inviável uma entrada por aqueles lados.
Sem sucesso na primeira investida, o chefe de cangaço tenta confundir os defensores entrincheirados. Sob sua batuta, os bandoleiros passam a gritar, urrar como animais e a praguejar insultos e xingamentos aos defensores e suas famílias. A permear a gritaria, grossas baterias de tiros.

O rei-do-cangaço deseja tomar Belém. Tentará de todas as maneiras penetrar no vilarejo para vilipendiar suas casas e lhes extrair até o último ‘cobre’. Sem demora, ordena aos comandados a ‘abertura’ de uma linha de fogo pela lateral, com o fito de invadir a Vila pelo flanco oposto.

Nada, entretanto, parece gerar resultado prático. A posição privilegiada dos atiradores locados no telhado da igreja permite que tiros sejam disparados em todas as direções.

A resistência agiganta-se com estrondos de repercussão fantástica e de curiosa origem. Nelson Leite improvisara – no pouco tempo que dispôs antes da consecução do ataque - algumas “ronqueiras” e logo começou a fazer uso dos artefatos. Os estrondos causados pelas bombas caseiras são assustadores e surpreendentemente surtem efeito. Um simples improviso que, ao que tudo faz crer, parece realmente ser a chave para uma vitória. (1)

 Exemplos de "ronqueiras"

Em pouco, qualquer objeto metálico em formato cilíndrico - e vazado pelo menos em um dos lados - torna-se invólucro para manufatura dos pesados rojões. Joel Vieira, com dezoito anos à época do fato, registrou em depoimento:

“Os que estavam no alto da Igreja, começaram a atirar de ponto e também para dentro da igreja, causando um eco que parecia canhão. O Subdelegado também tinha improvisado umas ‘ronqueiras’, feitas com pólvora socada dentro de latas, e de quando em quando estourava uma. Já estava escuro, e aqueles tiros davam a impressão que havia um canhão com a gente”.

No alto da igreja, Luis Rodrigues - artilheiro mais aguerrido – resolve acrescentar estrondos adicionais aos estampidos das ‘ronqueiras’ improvisadas pelo Subdelegado. Dessa forma, com o intuito de causar impacto ainda maior, começa a atirar quase em paralelo à lateral da nave do prédio sagrado. Estrondos fantásticos, causados pelo eco do salão quase vazio, dão ainda mais ânimo aos outros defensores entrincheirados no teto da igreja. Decide-se que alguns deles, alternadamente, passarão a atirar também para dentro da nave.

A estratégia funciona. Os estrondos se multiplicam. De fato, para quem está do lado de fora, resta a impressão de que algum tipo de canhão está sendo utilizado. Os cangaceiros, atarantados, mantém posição de cautela e não avançam. O escuro da noite enevoada pela fumaça dos disparos os impedem de enxergar, na verdade, o tipo de “arma” adicional que ora se usa na defesa do arruado. O engodo paulatinamente funciona.

No calor da peleja, porém, passos apressados denunciam silhueta humana esgueirando-se próximo à igreja. A escuridão da noite não permite distingui-la com precisão. Da torre principal um defensor atira. O civil Antônio Correia é atingido. Confundiram-no com um cangaceiro. Correia morre pouco tempo depois em razão do profundo ferimento à altura do pulmão. É a única baixa durante o combate.

Os cangaceiros não desistem e tornam a investir contra o território inimigo por uma ruela lateral à igreja. Lampião brada ordens aos seus homens. Todos, contudo, parecem hesitar em razão dos estrondos que continuam a reverberar entre as casas da pequena Belém.
Do lado dos defensores, um voluntário prontifica-se para preparar novas ronqueiras, de forma ininterrupta, servindo-se como espécie de municiador.

Dominado pela ira, Lampião manda reacender o fogo que arde tênue na propriedade de João Gabriel. O vento rapidamente espalha as labaredas em espantosa velocidade. As chamas consomem vacas e bezerros cativos no cercado contíguo a casa. Urros de dor de animais engolidos pelas chamas desenham dantesco suplício. Poucos escapam ao bizarro holocausto.
A derradeira tentativa de conquista do povoado fracassa. Com pesar, os cangaceiros reconhecem que não conseguirão penetrar em Belém.

O desconhecimento dos pontos de defesa, o espocar das “ronqueiras”, o ribombar de tiros reverberados pelo salão da igreja, a configuração física da vila, o cansaço da longa marcha até ali. Tudo parece sugerir uma retirada. Lampião não demora em perceber o malogro da empreitada:
- Vamos sair para economizar munição! – grita furioso.
Ainda se ouvem tiros por mais um quarto de hora.

Aos poucos os cangaceiros se retiram do campo de luta. Disparos tornam-se esparsos. Ao compasso da retirada, a fuzilaria regride até reinar o mais absoluto silêncio. Lampião e seus homens deixam Belém em definitivo. É ainda Joel Vieira quem destaca:

“Eles tentaram muito, mas não conseguiram entrar. Antes das sete horas da noite, já tinham ido embora. No dia seguinte, o festejo foi grande, pois todos pensavam que ia morrer muita gente, mas não. Apenas um rapaz morreu vítima de uma ‘bala doida’ e caiu ali perto da Igreja. Tirando o incêndio na propriedade de João Gabriel, o prejuízo aqui foi pouco. Com pouco recurso, a gente botou Lampião prá correr!”.

E Lampião, de fato, jamais voltou a Uiraúna. Nos dias seguintes, um telegrama é enviado para as principais cidades do sertão do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Anunciava-se a vitória de um povo contra o poderoso rei do cangaço. O Intendente local assinou o comunicado:

Fomos atacados dia 15 famigerado Lampião. Resistimos cerrado fogo, bandoleiros recuaram. Vítima tiroteio Antônio”. (a) José Caboclo.

É a vitória inconteste de um sumário grupo de cidadãos contra quase quarenta cangaceiros. Uma vitória nascida da confiança de homens do povo; sertanejos comuns. Não houve – como aconteceu em Mossoró – um grande lapso de tempo para a preparação de uma defesa. Não houve reuniões; não se teve tempo para comprar armas modernas. Não havia sequer uma torre na igrejinha da cidade. Existia, apenas, a vontade de preservar os próprios lares.

Uiraúna se defendeu heroicamente, a exemplo da resistência mostrada pela pequena Nazaré, em Pernambuco, quatro anos antes. Uiraúna impediu a entrada dos cangaceiros de Lampião como faria a população sergipana de Capela, liderada pelo destemido Mano Rocha, três anos mais tarde.

A vitória do povo de Uiraúna foi obtida sem recursos, sem alarde e sem exploração midiática posterior. Vitória conseguida sem um ‘notável planejamento prévio’ e sem colóquios barulhentos. Vitória de um pequeno grupo de homens pegos de surpresa pelo maioral do cangaço. Vitória, porém, recheada de atos do mais real e verdadeiro heroísmo. Vitória, enfim, da inteligência sobre a força.

________________________________

* Sérgio Augusto S. Dantas é autor dos livros “Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada” (2005), “Antônio Silvino – O Cangaceiro, o Homem, o Mito” (2006) e “Lampião: Entre a Espada e a Lei” (2008).

NOTA:
(1) s.f. – Ronqueira: “Cano de ferro, preso a uma tora de madeira e cheio de pólvora, o qual produz grande detonação quando se lhe inflama a escorva”. (Aurélio). As ronqueiras já haviam sido largamente usadas em revoltas populares, como na guerra de Canudos. N do A.
 
IMAGEM: Alguns dos defensores de Uiraúna. Ao centro, de paletó escuro, Luiz Rodrigues. Na extrema direita, sentado, o Subdelegado Nelson Leite 


FONTES UTILIZADAS:

A União, edições de 17 e 18 de maio de 1927.

DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO NO RIO GRANDE DO NORTE – A HISTÓRIA DA GRANDE JORNADA. Editora Cartgraf, Natal/RN. 2005. 452 pgs.

SOUZA, Tânia Maria de. UIRAÚNA NO ROTEIRO DE LAMPIÃO, in Revista Polígono, 1997, 158 pgs.

Entrevistas concedidas ao autor por Maria do Socorro Fernandes (2003), Joel Vieira da Silva (2001), Josefa Augusta Fernandes (2000) e Sinforoza Claudina de Galiza (2000).

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Que tal...

Uma Confraternização Virtual?


Ter amigos
Devemos buscar amigos como buscamos livros.
Acertar na procura.
Não exija que sejam muitos, mas que sejam bons.
Não exija que sejam ricos, mas que sejam fiéis.
Não exija que tenha boa profissão, mas sim de bom coração.
É triste o homem que não pode buscar livros por não saber lê-los.
Mas é ainda mais triste o homem que não pode buscar amigos por não saber conquistá-los.
É triste a estante vazia por falta de livros, mas é ainda mais triste o homem oprimido, por falta de amigos.
Os livros nos tiram da turbulência da alma, nos fazem refletir sobre grandes acontecimentos, mas o amigo converte tormentas e tempestades em chuva de sentimentos.
Não podemos chamar de rico o homem que não tem livros, mas podemos firmar que é mendigo o homem que não tem amigos...

Desejo um ótimo Natal para todos vocês amigos leitores, seguidores e colaboradores do Lampião Aceso !!!.

Abraço fraterno! 
Kiko Monteiro
Aracaju /SE 

Jesuino

O CANGACEIRO ROMÂNTICO 
por Ângelo Osmiro Barreto.

Jesuíno Alves de Melo Calado ou simplesmente Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico. Nasceu no sítio Tuiuiú nas proximidades de Patu no Estado do Rio Grande do Norte. Agricultor e criador até os vinte e cinco anos, era um homem pacato. Segundo o grande folclorista potiguar Câmara Cascudo que por sua vez ouvira do padre Antônio Brilhante, Jesuíno era de estatura baixa, robusto, pele clara, arruivado e de olhos azuis, falava manso e tato; exímio atirador tinha grande pontaria sendo ainda ambidestro. Casou-se com uma prima, chamada Maria Carolina C. de Mello com quem teve cinco filhos.

Coroné Ângelo
Um verdadeiro “Robin Hood” do Sertão, roubava dos ricos para distribuir aos pobres, tendo como fato que durante a grande seca que assolou o sertão nordestino em 1877, uma das mais catastróficas da história, ele e seu bando saqueavam os comboios enviados pelo governo transportando alimentos. Distribuía aos flagelados a seu critério; era aquele que protegia as donzelas ultrajadas, fazendo casamentos, principalmente de filhos de poderosos que abusavam das filhas dos sertanejos humildes, achando que não seriam punidos ou obrigados a casar.

A entrada de Jesuíno Brilhante no cangaço deu-se em razão de uma desavença com uns vizinhos da família Limão, esses ligados ao partido Conservador, então dominante da política local, em contra partida a família de Jesuíno estava ligada ao partido Liberal, “em baixa” como se dizia na época. Este fato em especial viria causar a perseguição de Jesuíno por parte de um governo tendencioso.

Após um roubo de cabras na fazenda dos Calados, praticados por membros da família Limão, a briga esquentou, tendo um irmão de Jesuíno de nome Lucas Alves, levado uma surra de Honorato Limão na “rua” de Patu. O fato revoltou Jesuíno Brilhante que se dirigiu à localidade em busca de vingança, tendo encontrado o agressor em um bar, zombando e mandando abrir uma garrafa de cachaça em “honra do morto”. Jesuíno invadiu o estabelecimento comercial e matou Honorato Limão a golpes de faca, fato ocorrido precisamente no dia 25 de dezembro de 1871, noite de natal.

Outra versão é que um menino da família Limão teria desrespeitado o patriarca da família, o major João Alves de Mello Calado. Zé Limão cumprindo ordens de seu patrão José Lobo, fora à fazenda Tuiuiú devolver uma junta de bois que João Alves havia emprestado a seu patrão. Desgostoso com a ordem, o moleque foi a contragosto e chegando a propriedade dos Calados, não tratara com o devido respeito ao velho fazendeiro. Naquele mesmo instante chegava à fazenda Jesuíno, filho de João Alves que presenciou toda a cena e pediu respeito para com seu pai, o menino atrevidamente respondeu ao filho de João Alves e puxou uma faca para agredi-lo, sendo desarmado e dominado por Jesuíno, acabou levando uma surra. A família Limão passou a jurar vingança pela sova levada pelo caçula.

A partir do assassinato de Honorato Limão, Jesuíno Alves de Melo Calado passaria a ser Jesuíno Brilhante, o nome era uma homenagem a um tio, que havia abraçado a vida bandoleira anteriormente.

Sua vida foi repleta de histórias extraordinárias, como a que uma vez, chegando à fazenda de um conhecido seu, pediu ao fazendeiro cavalos, viveres e dinheiro, tendo este negado, dizendo que dar não daria se quisesse que levasse, Jesuíno respondeu-lhe que era cangaceiro sim, ladrão não, montou em seu cavalo e saiu sem mais nada dizer ou fazer. Outro fato famoso de sua vida bandoleira deu-se no assalto a cadeia de Pombal na Paraíba, com o intuito de soltar seu irmão que estava preso naquela cidade. Assim como também o ataque à cadeia de Martins no Rio Grande do Norte, quando, enquanto tiroteava com seus inimigos ia furando buracos nas paredes das casas conjugadas, indo sair na última casa da rua, deixando seus adversários atônitos com sua astúcia. Nesta ocasião deu fuga a 43 presos conforme consta no processo aberto para apurar o caso.

Jesuíno entrou na vida bandoleira aos vinte e cinco anos, passando cerca de dez anos vivendo em baixo do cangaço, porém jamais foi assalariado para cometer qualquer tipo de crime, tinha orgulho de dizer que nunca havia matado para roubar.

Dentre as histórias heróicas da tradição oral atribuída a Jesuíno Brilhante, conta-se que certa vez pedindo pouso em uma fazenda, foi atendido pela mulher do fazendeiro, pois este estava viajando. Aflita, a mulher pede socorro, um valentão do lugar havia mandado avisar que ela se preparasse àquela noite, pois ele viria dormir com ela. Jesuíno orientou a mulher a sair de casa e tomou seu lugar no quarto. Brilhante esperou o valentão, que apareceu à noite e adentrou no quarto pensando encontrar a pobre mulher indefesa. Pouco tempo depois o homem saiu gravemente ferido e veio a falecer. Ao amanhecer a mulher voltou para casa, encontrou Jesuíno que a tranquilizou, dizendo ter resolvido o problema, o valentão não voltaria mais, pois havia viajado.

Também no Ceará, o cangaceiro romântico fez das suas. Após sua esposa e seu pai sofrerem severas humilhações praticadas pelo Alferes Sá Leitão no Rio Grande do Norte, o militar agressor tentou refugiar-se nas redondezas da cidade de Russas, onde para seu azar, moravam vários familiares do cangaceiro. Não demorou muito para que Jesuíno Brilhante fosse avisado pelos parentes do paradeiro de seu inimigo.

Deslocou-se para as terras jaguaribanas acompanhado somente do cabra conhecido por Pajeú. Sabendo de todos os passos do militar, Jesuíno preparou uma emboscada e feriu mortalmente seu opositor, após o ocorrido voltou oculto para o território potiguar.

Sua saga foi romantizada pelo grande escritor cearense Rodolfo Teófilo, através do livro “Os Brilhantes”. Escritor nascido na Bahia, entretanto dizia ser cearense por opção.
Algumas histórias de gentil homem são atribuídas hoje em dia ao cangaceiro Lampião, o que cria de certa forma uma áurea de herói para o cangaceiro do Pajeú, o que na realidade Lampião não foi, algumas dessas atitudes foram mesmo protagonizadas pelo cangaceiro herói potiguar, esse sim um cangaceiro romântico. Outras histórias sequer existiram, sendo pura criação do imaginário popular.

A vida de Jesuíno Brilhante foi heróica, e sua morte não poderia ser diferente. Sendo atacado pela polícia comandada por um seu inimigo da família Limão, vendo-se acuado montou em seu cavalo e partiu célere em direção dos seus perseguidores disparando seu bacamarte, mas foi ferido mortalmente pelo inimigo. Jesuíno foi ainda carregado pelos companheiros, vindo a falecer no lugar Palha, no meio do mato, onde foi enterrado. Anos depois seu amigo o médico Francisco Pinheiro de Almeida Castro exumou o esqueleto, levando a caveira para Mossoró, daí para a cidade do Rio de Janeiro de onde não se sabe hoje seu paradeiro. Jesuíno Brilhante o verdadeiro Cangaceiro Romântico.

Este texto foi publicado na Revista da ALMECE (Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará) . 
Um grande abraço, Um feliz natal e um ano novo repleto de paz e saúde para os leitores do Lampião Aceso , e para os sócios e amigos da SBEC .
Att Ângelo Osmiro 

*Ângelo Osmiro Barreto é Historiador e Pesquisador do Cangaço, atual presidente da SBEC - Sociedade brasileira de estudos do cangaço.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Opinião

Autoritarismo x Capitalismo no Tempo do Cangaço
por: Carlos Eduardo Gomes 

Por volta de 1936 o turco Benjamim Abrahão, teve a brilhante ideia de registrar em imagens o cotidiano do bando de Virgulino Ferreira da Silva, o conhecido cangaceiro Lampião. 
 
Pesquisadores do assunto acreditam, que naquele momento esse senhor tentava obter lucro com a venda dessas imagens, uma coisa que muita gente não vê com bons olhos, classificam esse desejo de resultados materiais como ambição, uma condição vista por grande parte da sociedade como negativa. Abrahão, quando teve a ideia de filmar o grupo e saiu em busca de financiamento e apoio técnico para seu projeto, talvez não estivesse consciente de criar um registro para a história, certamente não queria ameaçar o Governo Federal, no entanto, teve seu material confiscado pela censura do regime autoritário de Getúlio Vargas, que sentiu-se desafiado pelo atrevido imigrante e seu filme.

Apesar da violência aplicada pelo censor, aquilo que inicialmente era uma tentativa de fazer dinheiro e ganhar notoriedade, um legitimo direito da livre iniciativa, acabou virando uma preciosidade histórica, por serem as únicas imagens em movimento de Lampião e seu bando, registrando sua indumentária, pequenos hábitos, e características. A censura da época considerava estar agindo em defesa do interesse nacional, os tecnocratas usando do autoritarismo concedido pelo regime daquele tempo, apreenderam e ocultaram essas fitas sem nenhuma preocupação com a preservação desse material. Sem nem se dar conta que estariam subtraindo da história regional e do Brasil, um registro tão importante. Pensavam apenas nos resultados imediatos, preservar o poder e o controle de qualquer forma.

Os pesquisadores da história de Lampião, podem agradecer a ambição de Benjamim Abrahão, representante nesta circunstância, do capitalismo tão criticado, por terem a chance de ver um pequeno trecho recuperado de sua obra e com isso conferir informações que poderiam ser consideradas imprecisas na ausência do filme. Dá para imaginar como seria bom termos o trabalho completo?
Quem julgava estar agindo com nobreza nesta ocasião eram os censores, no entanto, hoje a história não avalia tão bem o ato do autoritário regime nacionalista contra o aventureiro do cinema, o especulador.

A censura não é uma coisa do passado, infelizmente continua presente, muitas vezes disfarçada, aniquilando idéias e diminuindo a importância daquilo que os donos do poder não consideram útil. A autoridade do líder deve ser conquistada sabendo ouvir, ponderar e decidir. A liberdade de opinar e agir dentro das normas estabelecidas é fundamental para garantir o desenvolvimento. É preciso entender que a criatividade e o progresso são frutos da liberdade de dizer o que pensa, de criar, as vezes o que a princípio não parece tão útil, mas se o homem não ousar ficaremos condenados ao que temos hoje.

Adam Smith escreveu no "A Teoria" a famosa observação que ele repetiria mais tarde no "Riqueza das Nações": que os homens interesseiros, egoístas, são frequentemente "levados por uma mão invisível sem que o saibam, sem que tenham essa intenção, a promover o interesse da sociedade". Isto porque, havendo liberdade, o lucro dependerá da livre concorrência em apresentar ao público aquilo que o público espera de melhor.

Carlos Eduardo Gomes
Rio de Janeiro-RJ



Pesquei no açude do Coroné Severo: Cariri Cangaço

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Curta de animação

ATÉ O SOL RAIÁ (Til Sunrise)

Breve sinopse:

É um conto de fantasia e de celebração ao imaginário nordestino. Personagens de barro criados por um artesão ganham vida própria e agitam uma pacata vila sertaneja numa noite de festa. Animado em 3D, o curta-metragem funde a tradição do artesanato em barro com o cangaço, numa referência a dois ícones da cultura do Nordeste.


Direção: Fernando Jorge e Leandro Amorim

Fonte: FantocheStúdio

O médico e o cangaceiro

A arte de curar, segundo Moreno 
Por: Leandro Cardoso Fernandes  


Moreno e o autor deste artigo
No Cariri Cangaço, realizado em setembro último, ante a iniciativa genial de Manoel Severo, tivemos uma oportunidade ímpar de perfilar os maiores pesquisadores e estudiosos do assunto, e pôr em debate ideias, controvérsias e pontos obscuros desse palpitante tema. Reuniram-se, na região metropolitana do Cariri, pessoas de todos os cantos do Brasil, e com as mais diversas afinidades com o assunto: seja através do cordel, da música, do cinema, da pesquisa, da mera curiosidade ou mesmo a partir de ancestrais ligados às lutas sertanejas, como foi o caso de Paulo Britto, filho de João Bezerra, Neli, filha de Moreno e Durvalina, além do neto de Antonio da Piçarra, o excelente historiador Vilsinho.

Numa das vezes que privei da companhia de Moreno, em sua casa em Belo Horizonte, tive a oportunidade ímpar de uma verdadeira “aula particular” sobre cangaço. Gostaria de compartilhar, nesta oportunidade, uma dessas lições que tive desse homem, que, bem longe de ser um coadjuvante, teve participação importante em vários episódios da historiografia do cangaço, como, por exemplo, a invasão de Piranhas.

Dona Durvinha havia me dito que fora picada por uma Jararaca, e que Seu Moreno é quem a havia curado, através de cuidados improvisados no meio do mato. Eu, como médico, fique muito curioso para saber o que o cangaceiro havia feito, naqueles ermos, para impedir que o veneno letal ceifasse a vida da companheira. Então perguntei:
- Seu Moreno, é verdade que Dona Durvinha foi mordida por uma Jararaca?
- É sim, senhor! – Ele respondeu – Ela andou perto de morrer!
- Mas será se era mesmo uma Jararaca, seu Moreno, prá ela ter escapado? – Perguntei, provocando o velho cangaceiro.
Ele me olhou bem nos olhos e falou numa seriedade que me deixou desconcertado.
- Doutor Leandro, o senhor acha que eu não conheço uma Jararaca?
Apressei-me em desfazer a situação:
- Que é isso, seu Moreno? Eu sei que o senhor conhece muito bem. Mas diga-me: o que foi que ela sentiu?
- Ficou desmaiando, botou sangue pela venta, pelos ouvidos pelo local da mordida... – Ele disse.
Nesse momento, tive certeza tratar-se de mordida de Jararaca. Uma das propriedades do veneno botrópico é provocar distúrbios da coagulação sanguínea.
- E o que foi que o senhor fez? – Perguntei entusiasmado.
- Tinha chovido. A terra tava fria. Cavei um buraco no chão e enfiei a perna dela dentro e deixei lá.
- Mas para quê isso, Seu Moreno?
- Meu filho, a terra chupa o veneno. Você não sabia? Ela foi melhorando, melhorando e acabou ficando boa. Depois, na Bahia, paguei uma promessa em Bom Jesus da Lapa, que tinha feito, se ela escapasse..

 
 Durvinha em uma de suas últimas fotografias.

Fiquei pensando naquela explicação, até perceber nitidamente o bom senso e a sabedoria de Moreno. Mesmo considerando a enorme probabilidade de a cobra ter mordido algum bicho ou um sapo antes de ter atacado Durvinha (e, dessa forma, ter-lhe inoculado pouco veneno), a terra molhada e fria faz com que haja constricção dos vasos no local da picada, diminuindo a absorção da peçonha. E quanto mais se cava, mais fria é a terra, diminuindo a circulação sanguínea e absorção. Isso dá a impressão ao cangaceiro de que é a terra que “chupa” o veneno.

Há – é bom que se diga - controvérsias em relação a esse procedimento de restringir a circulação local após picada de animal peçonhento, sob pena da piora local, como necrose e graves sangramentos de extremidades. Mas o importante é que a aguçada inteligência do homem de cangaço funcionou, e somente com base do que tinha a sua disposição, salvou a vida da companheira. Esse rompante intuitivo acertado é o que muitas vezes fazia a diferença entre a vida e a morte na guerra da caatinga. O cangaceiro utilizava tudo aquilo que dispunha a seu redor com bastante perspicácia, para a resolução dos mais variados problemas. Seja ou não levado por supertições, o importante é que o resultado final obtido por Seu Moreno foi satisfatório..

 
 Neli Gonçalves e João Souto, filhos de Moreno e Durvinha, 
beijam o Presidente da SBEC Ângelo Osmiro.

Graças ao Cariri-Cangaço pudemos compartilhar estas e outras histórias, com o enorme prazer da companhia de descendentes dos personagens que participaram destes fatos intrigantes. Eles fizeram do Sertão nordestino o palco de nossa história de lutas, que hoje é imensa riqueza artística e nossa verdadeira identidade cultural.

Grande abraço a todos!
Leandro Cardoso Fernandes - Teresina / PI

Beba no Açude do Coroné Severo

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Projetos Culturais

"Artes do Cangaço em Cena"

Foi lançado oficialmente na ultima terça feira 15/12/2009 durante o encontro dos Pontos de Cultura das regiões do Pajeú/Moxotó, no Sertão Pernambucano o projeto "Artes do Cangaço em Cena", do ator e diretor Cassiano Gomes com a palavra do representante do Ponto de Cultura Artes do Cangaço Anildomá Willans de Souza e em seguida o diretor artístico do projeto, falando sobre a importância da ação para a região, causando bastante interesse no projeto por parte de artistas de segmentos diversos.

Estiveram presentes no Museu do Cangaço, local do encontro, os representantes dos Pontos de cultura das cidades Tuparetama, Arcoverde, Ibimirim, Carnaíba e Serra Talhada (local da execução do projeto).

Os grupos presentes na abertura foram: Dançando nas alturas, Mestre Dézinho da Banda de Pífano de Caruá, Centro dramático do Pajeú, Fundação Cabras de Lampião, grupo Conexão HipHop, Grupo de Cultura Orquestra do Sertão e Associação Arte Santeira (Arte Sacra-entalhadores).

Manifestaram grande interesse em somar esforços para participar e aderir futuramente ao processo de multiplicação e integração cultural.

Conheçam o Blog do projeto: Clique Aqui

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Protagonistas da Resistencia

Manoel Duarte
por Honório de Medeiros

Então um preciso tiro de fuzil ecoou no final de tarde nublado do dia 13 de junho de 1927, e, aproximadamente cem metros além, atingiu o meio-da-testa de um caboclo puxado para o negro aparamentado com a indumentária típica do cangaceiro, prostando-o na terra nua, de barriga para cima, a contemplar com olhos fixos e vazios o céu acima, ali onde a Avenida Rio Branco cruza a Rua Alfredo Fernandes, bem onde, na quina, fica a famosa Igreja de São Vicente cuja efígie, do seu nicho decenal, tudo contemplava.

Manoel Duarte
Era o começo do fim. No alto da casa do Prefeito Municipal - o líder que começara a epopeia, no telhado, o atirador viu quando um outro cangaceiro, de um trigueiro carregado, aproximou-se rastejando e disparando da vítima e começou a rapiná-la, retirando freneticamente, de seus bolsos, munição, dinheiro e joias.

Calmamente, mirou e aguardou. Pressentindo o perigo iminente o feroz bandoleiro ergueu o tronco elevando os olhos até o telhado fatídico da casa cuja frente fora tomada por fardos de algodão prensados. Foi apenas um momento, mas foi fatal. Outro tiro de fuzil ecoou e, no mesmo local onde seu companheiro jazia sem vida mais um cangaceiro foi atingido. O violento impacto da bala derrubara-o momentaneamente e desenhara, em seu tórax, uma rosa de sangue. Começou a debandada. Enquanto os resistentes começavam a perceber que a ameaça fora sustada e o recuo dos cangaceiros era generalizado, o atirador recolhia o fuzil e fitava a cidade no prumo que tinha a Igreja de Nossa Senhora da Conceição como limite.

Olhava e pensava. Ele tinha morto um cangaceiro e ferido mortalmente outro. Não havia dúvida quanto à importância desse fato para a vitória. Mas cangaceiros são vingativos, cangaceiros são ferozes, cangaceiros são cruéis. Cangaceiros são dissimulados e não esquecem nunca, matutava ele com seus botões. Se ele aceitasse passivamente as homenagens que lhe seriam tributadas a partir daquele momento tudo poderia, no futuro, desandar no gosto amargo causado pela retaliação de algum anônimo, talvez até mesmo em algum parente, como era prática comum na vida cangaceira.

Não que fosse medroso. Ao contrário. Todos quantos lhe conheciam podiam atestar sua coragem e perícia com as armas, que já ficavam lendárias. Mas era melhor precaver-se. Era melhor silenciar. Não seria o caso de negar veementemente, por que não era homem para esse tipo de extroversão. Mas ia silenciar. Não ia comentar nada. O que estava feito estava feito e era de acordo com seu temperamento reservado. Se lhe perguntassem, mudaria de assunto. Se comentassem de alguma roda da qual estivesse fazendo parte, sairia de mansinho. Guardaria a verdade consigo e a contaria apenas para alguns escolhidos, por muito e muito tempo. Até que...

Até que naquele dia banal, sozinho com seu neto de dez anos de idade, sentiu vontade de contar aquilo que nunca contara a ninguém. Era uma necessidade da alma, um anseio de perpetuar um feito honroso, um gesto de heroísmo que o mostrava tão diferente daqueles que tinham fugido em direção ao mar quando os cangaceiros ciscavam nas portas de Mossoró, um gesto que lhe orgulhava por que defendera sua família e sua cidade a um custo alto, que era o de tirar a vida de alguém. Olhou para o neto e compreendeu que ali estava o interlocutor perfeito. Não questionaria, não interromperia, não esqueceria. Guardaria a lembrança do dia e do relato. Assim sendo começou a contar-lhe todo o episódio, detalhe por detalhe.

O neto apenas olhava intensamente e sentia que estava sendo transmitido, para ele, algo muito importante e que somente no futuro seria plenamente entendido. Acalmou sua inquietude de menino. Não desgrudou o olho do seu avô, aquele homem reservado e pouco propenso a confidências. No final, quando toda a história havia sido contada, compreendeu que devia guardá-la consigo, até mesmo esquecida, por muito tempo. Guardada até que...

Até que em um final de tarde tipicamente mossoroense, de muito calor, em um café, o neto aproximou-se de uma roda de estudiosos do cangaço e percebeu que discutiam a participação do seu avô na invasão da cidade pelo bando de Lampião. Uns diziam que havia sido ele o autor dos disparos. Outros negavam e apontavam nomes. Quase oitenta anos haviam passado do episódio.

O neto, agora, era cinquentão. Sentiu que ali estava o momento certo para contar a história, a sua história, a história do seu avô. Aquela plateia saberia ouvi-lo e entenderia plenamente as razões do silêncio da família. Contou tudo. Fechou-se o ciclo. Dezenas de anos depois já não há mais dúvidas. O atirador postado no alto da casa de Rodolfo Fernandes, o homem que praticamente abortara a invasão lampiônica, o herói entre heróis fora Manoel Duarte. Essa é a verdade, como o sabe sua família e a contou seu neto, Carlos Duarte, jornalista, muitos anos depois, a mim, a Kydelmir Dantas e Paulo de Medeiros Gastão, estes últimos dirigentes da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC.

É verdade, dou fé.


Beba no: Açude do Honório

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Preliminares de Mossoró

O Ouro dos Cangaceiros para Yolanda
por Rostand Medeiros, Pesquisador

Recentemente estava realizando um trabalho de pesquisa histórica para o SEBRAE-RN, que consistia em buscar informações sobre uma determinada cidade do interior do Rio Grande do Norte. Utilizava como uma das fontes de pesquisa uma série de fotografias que tirei das páginas já amareladas e frágeis, de velhos jornais potiguares arquivados na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Buscava informações relativas ao crescimento demográfico, questões políticas, fatos relativos à história desta urbe e outros fatos. Observava as fotos atentamente, quando uma manchete me chamou a atenção. Impresso no extinto jornal “A Republica”, na edição de 8 de outubro de 1933, um domingo, temos uma matéria de página inteira, com o destacado título “A História de um Cangaceiro”. Evidentemente que parei e comecei a ler este material atentamente.

O artigo é assinado pelo respeitado advogado Otto de Brito Guerra. Este era sobrinho do coronel Antônio Gurgel do Amaral, (foto em família) o mesmo que foi capturado por membros do bando de Lampião quando este seguia comandando, em julho de 1927, um grupo de cangaceiros para o famoso ataque a Mossoró.

Diante desta privilegiada aproximação através do parentesco, o autor relata em seu artigo as diversas agruras que seu tio passou. É descrito como o parente foi capturado, do valor exigido pela sua libertação, do ataque fracassado do bando a Mossoró, do carteado que utilizava munição de fuzil como fichas e outros pontos. Muito do que Otto Guerra comenta neste artigo, foi fartamente pesquisado e divulgado ao longo dos anos, por diversos pesquisadores que se debruçaram na tentativa de conhecer mais em relação ao famoso combate na terra de Santa Luzia e a controversa figura de Virgulino Ferreira da Silva.

Conforme seguia lendo, não encontrava nenhuma informação nova sobre a permanência do coronel Gurgel em meio aos cangaceiros. Mas aí o autor comenta sobre a figura do “cabra” chamado Luís. Este jovem cangaceiro paraibano, um tipo alto, magro e moreno, era afilhado do famoso e famigerado Sabino, o violento braço direito de Lampião e por esta razão era conhecido como “Luiz Sabino”. Dizia que havia entrado no cangaço no dia que seu padrinho realizou um “trabalho” para um potentado do sertão da Paraíba e daí não parou mais.

Em um dia quente, ainda prisioneiro no Ceará, em meio às muitas cogitações sobre o seu destino, o coronel Gurgel percebeu o jovem Luís Sabino andando um pouco mais afastado do resto dos companheiros, de cabeça baixa e pensativo. Entretanto, ao procurar dialogar sobre o seu passado, o coronel Gurgel percebeu que não parecia haver uma boa receptividade por parte do jovem cangaceiro e logo ele buscou desviar o assunto. Em meio a conversa, Luís perguntou.
- O coronel tem família?
- Tenho sim, pai, mãe, filhos... E até uma netinha...
- Já têm netos?
- Tenho.
Otto Guerra escreve que Luís Sabino fitou o prisioneiro uns instantes, daí abriu uma bolsa, “dessas arredondadas, cheias de compartimentos, o couro artisticamente bordado, que o sertanejo nordestino conduz a tiracolo”. Dela tirou um papel amarelado e entregou ao espantado coronel, uma reluzente moeda de ouro, da época do império brasileiro.
- Tome coronel, quando se livrar daqui dê a sua netinha.
- Ora Luís, isso vale muito. Guarde.
- É... Já me falaram em sessenta mil réis. Porém eu sei que coisa de bandido não vale nada não... Tome.
Daí o jovem cangaceiro saiu cabisbaixo.

O coronel Gurgel relatou ao autor do artigo que o jovem cangaceiro, apesar de viver entre homens que tinham como característica comum à violência, a brutalidade e, além de tudo, ser afilhado logo de Sabino, era um membro do bando que estava sempre próximo aos prisioneiros levados, era extremamente atencioso e muitas vezes buscou de alguma forma amenizar as agruras dos cativos. Na famosa foto que registra o bando de cangaceiros de Lampião e os prisioneiros em Limoeiro do Norte, Ceará, obtida no dia 16 de junho, entre os membros listados pelo famigerado Jararaca, o cangaceiro que aparece com o número “31” grifado acima do chapéu de aba quebrada, foi apontado como sendo “L. Sabino”. Na época que listou os companheiros na famosa foto, Jararaca era então prisioneiro na cadeia de Mossoró e pouco tempo depois foi morto de maneira cruel e covarde pela polícia local.

Esta pequena história, simples, sem sangue nem disparos de fuzis, mostra um outro lado de um bandoleiro que vagava pelos sertões, em meio a um grupo que vivia do saque e do roubo. Mas que em um certo momento, teve o total desprendimento pelo vil metal e mostrou um aspecto diferente do que normalmente é apresentado em relação e estes homens, que Frederico Pernambucano de Mello chamou de “Guerreiros do Sol”. E todo este fato contado através de uma reportagem escrita a setenta e seis anos atrás, por um dos mais respeitados juristas potiguares.

Entretanto.....

Sabemos pela descrição feita pelo próprio Antônio Gurgel do Amaral, em seu famoso diário, onde ele narra os vários dias de sofrimento junto a Lampião e seus homens, que o mesmo criou certos laços de amizade com o cangaceiro conhecido como “Pinga Fogo”. Gurgel descreve-o como um “rapaz de 24 anos, alvo, muito simpático, maneiroso”. Terminantemente não se encontra nenhuma linha sobre Luís Sabino.

 

Sabemos igualmente que no livro do conceituado médico Raul Fernandes, “A marcha de Lampião – Assalto a Mossoró”, na página 264, da 3ª edição, através de um relato da senhora Yolanda Guedes, (a criança na foto acima) dita neta do coronel Gurgel, que informou ter o seu avô recebido do próprio Lampião não uma, mas duas moedas de ouro de libra esterlina e lhes deu as moedas de presente. Foi uma suprema deferência, feita não por um cangaceiro qualquer, mas pelo próprio chefe caolho, que gentilmente regalou a netinha do seu sofrido sequestrado com estas duas reluzentes lembranças. Ademais as duas brilhantes peças metálicas nem eram da extinta realeza tupiniquim, mas da suntuosa casa real Britânica.

Raul Fernandes afirma que Yolanda Guedes lhe concedeu estas informações em uma entrevista ocorrida no Rio de Janeiro, em 1971. Mas daí vem outra questão...

E agora, em quem acreditar?

Raul Fernandes e Otto de Brito Guerra, já falecidos, eram naturais de Mossoró, oriundos de famílias tradicionais, foram consagrados professores nas suas respectivas áreas na UFRN, pesquisadores, escritores e durante suas vidas desenvolveram muitas outras atividades interessantes. Se para estes dois iluminares das letras potiguares, homens consagrados no meio intelectual da terra de Felipe Camarão, contemporâneos ao ataque de Lampião a Mossoró, existe uma pequena divergência ao contarem sobre a história da “visita” do “Rei do Cangaço” ao nosso estado, imaginemos então os que buscam conhecer mais deste assunto oitenta e dois anos depois dos fatos.


Otto de Brito Guerra

Na verdade, tudo que envolve este tema, tão calcado em referências orais, onde em determinados momentos, vítimas e perseguidores, apaixonadamente se engalfinharam para fazer prevalecer suas versões dos acontecimentos, escrever sobre o cangaço é sempre um terreno escorregadio e perigoso para quem o adentra.

E ainda temos a figura dos ditos “intelectuais” tão desejosos dos holofotes, das adulações baratas, das bajulações desmedidas, que escrevem livros que foram produzidos praticamente sem nenhuma pesquisa de campo. Ou ainda dos autores que se digladiam em querelas bobas e estéreis, sobre temas tão pequenos e inúteis, como o que acabei de aqui relatar, em um afã de superioridade desnecessária.

Eu tenho a minha hipótese para o caso das moedas; o coronel Gurgel era uma pessoa tão especial, tão interessante, que não recebeu nem uma e nem duas moedas de ouro dos cangaceiros, mas três. Uma de Luís Sabino e duas de Lampião, uma brasileira e duas inglesas. Daí, se esta hipótese for correta, talvez o coronel Gurgel seja o primeiro caso de um sequestrado que, ao invés de pagar o resgate pela sua liberdade, voltou para casa ganhando presentes na forma de moedas de ouro dos seus algozes.

De repente, cada um pode criar a sua versão.....

Um abraço a todos,
Rostand Medeiros