quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Novo livro na praça

“A Misteriosa Vida de Lampião”

Maria Bonita e Lampião têm a história de amor em meio ao Cangaço contada no livro do historiador de Tabuleiro do Norte - CE Cicinato Ferreira Neto (Foto).

Lampião, desbravador das paragens da Caatinga sedenta, ou da paz alheia; se herói ou bandido, sorumbático ou o homem que amava as mulheres, se vítima ou vilão é, sem dúvida, mito.

O ano de 2008 arredondou marcos na vida do cangaceiro, como os 80 anos da passagem por Limoeiro, fugido de Mossoró, e os 70 anos de sua morte, narrativas cheias de controvérsias. Muitas vezes, não se escreve sobre Lampião: escolhe-se a versão que seja mais simpática e se tece a narrativa. Mas o historiador Cicinato Ferreira Neto, num trabalho histórico e jornalístico, reuniu todas as possíveis versões até agora e fez de “A Misteriosa Vida de Lampião”, um diário de pesquisador em torno da vida do “Rei do Cangaço”.

Assim rege o bom jornalismo: reunir versões, narrar os fatos, não se sentir dono da verdade e deixar que o leitor tire suas conclusões, ou, se não dá para concluir muita coisa sobre Lampião, que amadureça as suas impressões. “A Misteriosa Vida de Lampião” permite conhecer a trajetória do cangaceiro segundo versões de diferentes pesquisadores de variadas publicações. Mas é seu autor quem organiza a narrativa.

Sem fazer juízo de valor – somente de si, ao transmitir nas entrelinhas seu ar de incompletude frente ao mundo de informações sobre Virgulino Ferreira da Silva, Cicinato Ferreira Neto foi aguçando a curiosidade de criança, quando ouvia falar do cangaceiro.

Roteiro da pesquisa

Como bom peregrino do conhecimento, viajou pelos “territórios de Lampião”, lugares onde fez graça e desgraça, visitou museus, residências, universidades, cemitérios, e revisitou as impressões que tinha sobre o nordestino matador com pouco estudo, mas, supostamente, autor de frases curtas e grossas.

Mas quem foi Lampião, além de o destemido (opinião) e temido (fato) cangaceiro que escreveu na ponta da faca ou do cano de metralhadora parte da história do sertão nordestino de meados do século XX? Foi devoto de Padre Cícero, inimigo e aliado das forças instituídas, personagem vivo de crônicas jornalísticas? Ainda teve a morte anunciada, e como última imagem a foto de sua cabeça, sem corpo ou bandeja, posta no chão e exposta para que não restassem dúvidas sobre sua morte? Será?

“A Misteriosa Vida de Lampião” compõe-se de 18 capítulos, na prática, atos cronológicos. Dos primeiros anos de vida até a sua morte, não sem antes narrar muitos fatos da entrada do cangaço às perseguições dos volantes, a força policial instituída em combate ao poder paralelo de Virgulino.

Datas distintas

As controvérsias em torno do que é história ou especulação começam, literalmente, do começo, de quando nasceu o filho de José Ferreira e Maria Vieira da Soledade. “Nasceu no antigo município de Vila Bela, hoje Serra Talhada, Estado de Pernambuco, no período que vai de 1897 a 1900”, escreve. O período se justifica pela confusão entre as datas de nascimento: se 7 de julho de 1897, 4 de julho de 1898, 12 de agosto de 1897 (essa, a data do registro civil), junho de 1899, 12 de fevereiro de 1900 (segundo o próprio Lampião).

Quanto ao Cangaço, a confusão não é só entre datas, mas principalmente da motivação imediata para o ingresso em bandos. Sabe-se da rixa entre os Ferreira e os Alves de Barros, que até virou caso de polícia. O autor confronta fatos: o pai de Lampião, José Ferreira, foi morto por tropas policiais. Virgulino jurou vingança a Zé Saturnino e José Lucena, um oficial. Lampião, em bando, junta-se ao de Sinhô Pereira e dos Porcino. A morte do pai é considerada divisor de águas – e de desvio moral de Lampião. Mas questiona-se se é causa ou consequência, se foi antes ou depois do ingresso no Cangaço.

As 294 páginas de “A Misteriosa Vida de Lampião” somam-se às milhares já escritas sobre história, vida, morte e ressurreição (como mito) da figura do cangaceiro. Mas tem faro histórico e jornalístico. Conforme o autor, natural de Tabuleiro do Norte, não se trata de biografia nem de ensaio acadêmico, mas, sobretudo, de uma cronologia de Lampião.

O leitor curioso entende “o papel das forças perseguidoras, a relação dos cangaceiros com as mulheres, a medicina no Cangaço, a religiosidade, as alianças com os poderosos, os apelidos, os principais inimigos, entre outros temas curiosos”, convida Cicinato Ferreira Neto, em seu terceiro livro – os outros são “Estudos de História Jaguaribana” e “A Tragédia dos Mil Dias”. O prefácio é do professor doutor José Olivenor de Sousa Chaves, do curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), de Limoeiro do Norte.

Apesar da violência no Vale do Jaguaribe, por vezes lembrando o período do Cangaço, Lampião não deixou seguidores, mas, verdadeiramente, perseguidores de sua história. De mito a motivo para se conhecer as entranhas da formação socioeconômica e cultural do Nordeste do século XX.

APRENDIZADO
 "Separar a verdade da mentira constitui-se tarefa das mais difíceis no que tange a saga dos cangaceiros". Cicinato Ferreira Neto Autor do livro

SERVIÇO
"A misteriosa vida de Lampião"
Cicinato Ferreira Melo
Editora Premius
R$ 20,00
Contato: (88) 3424 - 2019

Fonte: Melquíades Júnior
Diário do Nordeste http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=603399.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Opiniões 2


Eu AMO e eu ODEIO esses monstros!


Ripei da comunidade Discussão Técnica um post da nossa internacional Andréa (Foto) que nos surpreende à cada dia com brilhantes definições. Tais palavras não poderiam ficar de fora da série OPINIÃO ou neste caso "FORMADORES DE OPINIÃO" que é bem mais adequado!

O comentário é à respeito da excelente postagem de Messier Ivanildo, que transcreveu a entrevista realizada por nosso conterrâneo o jornalista Joel Silveira no ano de 1944, com os cangaceiros (Volta Seca; Angelo Roque, Saracura, Cacheado, Deus-Te-Guie e Caracol ), quando todos eles se encontravam presos, na Penitenciaria de Salvador/BA, cumprindo pena. Visitem a comunidade e confiram o material.

"Fantástica a entrevista! Parabéns pelo "achado" caríssimo Ivanildo. Sabe quando se assiste a um filme ou ler um livro no qual o mocinho é um sujeito apático e logo o vilão rouba-lhe a cena e nos tornamos fãs do bandido? É assim que as vezes me sinto. As vezes viajo nas aventuras do CANGAÇO e penso que é uma ficção. Meu Deus! Por mais fantástico que pareça ser esse fenômeno, ele é real, ele existiu.Quantos mortos, quantos feridos, quantas lágrimas, quanto sangue meus "heróis bandidos" expandiram?
Eu AMO e eu ODEIO esses monstros!!! Adoraria ter feito essa entrevista. Adoraria ter conversado com esses homens. Que "santinhos" são eles! Sempre a mesma história: bandidos sim! Mas a causa é justa e, a causa é nobre - vingança pessoal.Certamente, se a entrevista ocorresse em outra ocasião (homens em liberdade) o desfecho da conversa seria outro. Naquelas condições não se poderia "rasgar o verbo". Insistiam a todo momento em uma anistia, falaram o que era conveniente. Entretanto, os relatos foram riquíssimos.
Gosto de saber o que disseram esses homens. Gosto de saber o que fizeram esses homens e, gosto mais ainda, da história desses homens.¨É década de 40... Um ataque realizado pelo Japão em Pearl Harbor marca a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Os estadunidenses explodem bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Hitler comete suicídio com um tiro na cabeça e Mussolini é fuzilado... 1944 "eles" os cangaceiros só queriam liberdade.
Que simples parece ser!"

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Influências

O retorno ao Regionalismo e a expressão identitária em Os Desvalidos, de Francisco Dantas


Eis aqui dois trechos da monografia defendida por nosso confrade o Professor Rubervânio Cruz Lima, (FOTO) ou melhor "Rubinho", em outubro passado na Universidade Estadual de Feira de Santana - BA para o curso de PÓS-GRADUAÇÃO DA ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS pense!!!.

Parabés amigo, obrigado por permitir o compartilhamento desta tese através de nosso espaço, é de grande utilidade para os pesquisadores ou mesmo acadêmicos de História que pretendem apresentar monografia envolvendo a influência do Cangaço em diversas vertentes culturais!


O presente texto, aparece como objeto que evidencia o caráter da expressividade do escritor Francisco J. C. Dantas, sergipano que em seu livro “Os Desvalidos”, nos dá uma vasta visão do caráter de temor que circundou muitos sertanejos no período do fenômeno do cangaço, trazendo um povo que se dividia entre maus tratos e humilhações de policia e bandido, na busca pela sobrevivência nos carrascais da caatinga, sendo atemorizados mesmo depois da morte de Lampião. Com uma narrativa carregada de sentimento e expressividade, o autor nos prende às situações dramáticas e nos conduz a um olhar para as mazelas da vida desses desvalidos, desfavorecidos, apontando o processo de fusão dos personagens em animais brutos, tais quais os bichos do mato ou dos currais, para nos mostrar a dolorosa vida do sertanejo.

Contudo, teremos que traçar um panorama nos precursores dessa temática para tentar apontar a atualidade dessa temática, como forma de mostrar que, assim como ainda se escreve sobre o cangaceirismo, sobre a seca, sobre os desfavorecidos, como era na escrita regionalista de 30, ainda persiste também a desigualdade social e regional. Intrínseco a isso, vem também o fato do Governo atual se utilizar dessa “industria da fome” como argumento para fins políticos e lucrativos, Como forma de firmar uma busca de identidade nacional e cultural, a temática regionalista ainda se mostra como uma das temáticas que acham lugar na literatura de hoje, já que retratar o sertão, o cangaço, a fome, a seca, é retratar algo que podemos considerar atual, de modo que essa identidade cultural encontra-se em processo de evolução, abraçada com a Literatura e Cultura Popular, que exercem o papel, hoje, de elementos que legitimam as expressões literárias do Nordeste.

Entretanto o quadro apresentado acima, também mostra uma outra realidade, a de que, embora esse método assistencialista, embora vicioso por não permitir que o contemplado possa sobreviver por conta própria, é, de fato, uma ajuda muito boa, principalmente para regiões em que a economia do lugar gire completamente em torno desses programas assistencialistas. Aí está uma complicada relação cultural. A temática regionalista, embora se diga que já se esgotou, ainda continua presente e figura uma construção de escrita que engloba os temas que retratam o sertão e a pobreza, como forma de refletirmos sobre o regionalismo, que é vigente e que reverbera ainda um assunto que não ficou para trás.

Essa escrita de afirmação tem, em seu bojo, um pouco do objetivo primordial dos que trataram do regionalismo, que é tentar concretizar uma literatura de identidade tipicamente brasileira, e precisamente nordestina, conforme pregou Antonio Candido e a exemplo do que fez Alencar, Távora, José Américo, Rachel de Queiroz, Lins do Rego, Graciliano, dentre outros. Outras vertentes que podemos citar, para agregarmos as produções atuais sobre a temática em foco, são as produções cinematográficas do chamado “árido movie”, que permeia dos anos 90 até agora, as manifestações artísticas, como o teatro, a música, a dança, enfim, poderíamos cita inúmeras representações do sertão sendo trazidas aos nossos dias, como algo que se reverbera e se ressignifica. Um exemplo disso, no cinema, são os filmes que tratam do cangaço ou da seca, ambientados em ambiente árido e desértico, retratando a caatinga, a escassez, como podemos citar “Baile Perfumado” de Paulo Caldas e Lírio Ferreira , que recria a trajetória do libanês Benjamin Abraão em busca de Lampião e seus cangaceiros para obter cenas do cotidiano do cangaço. O filme, que traz, em alguns trechos, imagens reais dos cangaceiros, extraídas da película de Benjamin, hoje transformada em documentário cujo título é “Memória do cangaço” e que resta apenas 15 minutos de cenas, consegue projetar o sertão e polemizar alguns fatos do cangaço, servindo de subsídio para o filme.

Outro exemplo, também do mesmo de 96, é o filme “Corisco e Dadá” , do cineasta Rosemberg Cariry, que também revigora o cangaceirismo, retratando a vida de um dos cangaceiros mais temidos de Lampião, O Diabo Loiro, como era conhecido Corisco e sua companheira Dadá. Ou mesmo filmes como “Central do Brasil” , “Guerra de Canudos” , “O Sertão das Memórias” , dentre outros que remontam o cenário do sertão e trazem, como pano de fundo, o Nordeste desvalido. Enfim, essa temática já foi até inspiração para enredo de escola de samba , no ano de 2002, como nos mostra a pesquisadora Iza Luciene Mendes Regis, em seu texto. Poderemos, diante dessa linha, realizar um rápido percurso na música, que também teve espaço, através de grupos de jovens, oriundos do Nordeste, novas mentes que buscam a ressignificar o cenário musical com elementos tradicionais misturados a novas tendências.

Dentre vasto número, poderíamos citar bandas como Mestre Ambrósio, Nação Zumbi, Mombojó, Mundo Livre s/a, Cascabulho, Lampirônicos, Cordel do Fogo Encantado, NaUrêa (Sergipe), Sheik Tosado, Querosene Jacaré, Uskarafobia (Paulo Afonso), que misturam rock com forró, coco, embolada, mangue beat, maracatu, xaxado, baião, desenvolvendo uma música regional cheia de expressividade e criatividade, com letras que retratam as diversas temáticas que circundam o sertão.

Para Barbalho, em seu artigo, ao falar da importância identitária midiática, diz que esse discurso ajuda a fixar a idéia de Nordeste . O autor de “Os Desvalidos”, nessa perspectiva, remete-nos, em sua escrita, à ótica desses desfavorecidos e desse cenário sertanejo múltiplo, nos colocando como espectadores que, no decorrer dos fatos, entram na história e presenciam acontecimentos, sentem as dores dos sofridos e nos posiciona em ângulos diversos, na sua ambientação do espaço em que as histórias se desenrolam. Dantas traz uma linguagem contundente e forte, acentuada pela rudez dos sertões, nas gentes e nos bichos, na terra seca e petrificada, na ausência de água, no sol escaldante, no cangaceirismo, coronelismo, fatores que circundam e circundaram o Nordeste de tempos em tempos.

Os desvalidos, como o título já adverte, são os fracassados, os sem valia, validade, os desamparados, em suma, os miseráveis. A carga negativa do título é também intensificada no decorrer da narrativa, quando o autor traz na figura de Coriolano um pobre coitado, que no percurso de sua vida, se deparou com desventuras e flagelos, aparecendo como um fracassado nato, tendo em sua vida uma sina, desprovido de sorte, humilhado, sem conseguir voltar para sua terra, mesmo depois que um dos que mais o amedrontava, Lampião, agora se findara, como vemos no início do livro. A narrativa nos coloca como testemunhas da história, numa evidência crua e real, trazendo a tona os problemas sociais e humanos mais intensos. Essa literatura realista revela aspectos contundentes, no âmbito da desumanização e do medo, representados na figura do personagem central, dando-nos um delineamento do perfil de um sertão injusto.

O cangaço, no período em que era um fator contundente, exerceu um caráter de amedrontamento nos sertões, de modo que os sertanejos se viam a mercê, tanto dos bandidos, quanto da polícia, que deveria trazer a justiça para os carrascais, no que sabemos, no âmbito da crueldade e depredações e roubos, se igualavam e muitas vezes superavam os cangaceiros. Os sertanejos viviam entre dois punhais: o dos cangaceiros, quando estes buscavam exercer a arte da pilhagem ou necessitavam de apoio nas fugas ou compra de mantimentos e o das volantes, que, ao saberem que em determinada região havia passado bandido, torturavam, humilhavam, saqueavam e até matavam culpados e inocentes na tentativa de descobrir paradeiro dos vilões. Em “Os desvalidos”, essa agonia vivenciada por Coriolano e pelos sertanejos é posta em destaque no decorrer da narrativa, quando o autor nos dá vários indícios dos temores sofridos por causa do fenômeno do cangaço.

Com essa perspectiva adentraremos nas particularidades da obra, apresentando um olhar na perícia do autor em retratar assuntos tão fortes, trazendo ao contexto atual um tema antigo, de modo a retratar o fenômeno do cangaço e as desventuras do sertanejo, como forma de evidenciar particularidades da cultura regional e os impasses sociais e culturais ainda presentes, apontando aspectos da busca do sertanejo pela purgação em vida de sua dura caminhada, fator que acompanha a trajetória dos desfavorecidos, ainda hoje pelo sertanejo mostrando a influencia em que o cangaceirismo e coronelismo exerceram nos sertanejos e as desventuras passadas pelas gentes das caatingas, as humilhações e sofrimentos, na tentativa de verem chegar o fim dessa expiação involuntária a qual estão sujeitos, da esperança em dias melhores do que a dura sina.

A IDENTIDADE DOS DESVALIDOS

Sendo, o romance, apresentado sob uma ótica interna, onde os conflitos e temores são evidenciados, há uma evidência nas mazelas sofridas por personagens do livro que sinalizam um sofrimento coletivo desses desvalidos, o que os apresenta, tanto na figura do personagem central, Coriolano, como nos secundários, Filipe, Maria Melona, Cantílio, Zerramo e Lampião, como vítimas de forças governamentais e sociais. Cada personagem, diante das tortuosas ações de opressão empregadas pelo contexto em que estão inseridos, se apresenta como síntese da miséria, da falta de recursos e do poderil dos coronéis, o que nos dá uma visão do que o autor deseja trazer à tona na sua escrita, que é a apreensão de questões como a errância, a condição dos desfavorecidos diante dos que política e economicamente detêm o poder, a migração, o coronelismo opressor e o cangaço.

Aparecem algumas cenas em que os desvalidos se unem na busca pela sobrevivência, como uma forma de vencerem ou se livrarem de conflitos, tais como limitações, medos, oscilações entre o partir e o ficar, desacertos, implicações de mudança de condição social, humilhações e estado de miséria, aos quais se deparam esses desfavorecidos. Para percebermos essa identidade atribuída aos degenerados pela sociedade, nesse ambiente que já é, por si só, excludente, por se tratar de um território escasso, vejamos quando o autor nos tece o quadro da miséria, compartilhada pelos personagens, o que os coloca como semelhantes na mesma condição de desconforto e carência, como cúmplices da mesma sina.

Vejamos a cena em que se encontram Coriolano e Cantílio, para percebermos a identidade desses desvalidos colocada em evidência.

“Coriolano se deixara comover, de tão declarada que fora aquela aflição deste se irmão de miséria, que agora o põe mortificado entre a magrém encardida e pelancuda, as mãos tremidas e embaraçadas do mesmo jeito das suas, os olhos cozinhados, como a se irem daqui, recusados deste mundo, e trabalhando apenas pelo tato.”

Nessa afirmação de identidade, posta pelo autor, a figura do cangaceiro Lampião também como desvalido, o que nos leva a estabelecer um paralelo entre a imagem de Lampião, chefe do bando de cangaceiros que percorreu pelos sertões assolando e cometendo atrocidades em revés do Governo, com a de Coriolano, protagonista da história. Entre estes dois personagens, aparentemente tão díspares, são na essência muito semelhantes, de modo que ambos são vistos como desvalidos, vítimas de um destino que pune-os, como rejeitados e frutos de uma justiça falha, proveniente da desorganização de poderes que impregna os sertões.

Apresentando maneiras opostas de se responder a essa discriminação, os desvalidos enfrentam-se, como podemos ver, no romance, quando Lampião, que seguem o caminho do banditismo e da violência, chocam-se contra Coriolano, Filipe e Zerramo, que por sua vez, tentam sobreviver nesse ambiente através da honestidade, embora todos sejam fruto de reprovação da sociedade. Para percebermos o aspecto da linguagem, repleta de aparatos lingüísticos e expressões culturais que remontam o falar dos sertanejos, vejamos o trecho inicial do livro, como forma de identificarmos essa característica regionalista, visível em toda obra de Dantas.

- Lampiãããão morreeeeu!...Apanhado de susto,

no papoco da notícia que acaba de atroar,

Coriolano estremece do coração em rebates pegando a boca de peito.

Freme-lhe o couro, esbarra a costura da chinela

e apura as ouças de faro aguçado,

espichando o pescoço pra fora da cacunda.

Será, meu Pai do Céu, que Herodes,

enfim, desencarnou?

Não, não pode ser! Na certa isto é capricho da idade!

É o tal zumbido que se arranchou nos miolos,

fazendo desta cabeça uma casa de mangangá, a ponto de me rodar o juízo desmareado, que bemcarece umas cunhas pra não ficar assim tão bambeadeiro.

As rememorações de Coriolano são reverberações de uma inconstância causada pelas marcas deixadas no personagem, pelas mazelas da vida. A constante incapacidade de retornar à sua terra é um reflexo da mágoa e do temor, reflexos da humilhação a que sofreu ao encontrar-se com a figura terrível de Lampião, que o aprisionam em um estado paralisante. O personagem central, no decorrer da história, luta contra o temor de regressar a sua terra, de modo que isso é expresso em diversas falas desse personagem ou na do narrador, que chega, em determinados trechos a se comover com a situação do pobre Coriolano.

Vejamos um exemplo desse temor ao regresso e as incertezas dessa ida.Apesar de hesitante entre isso e aquilo, desde que chegou aqui Coriolano se prepara em vão e em segredo, com um pé já na estrada. E depois da morte de Virgulino, então, é que encasquetou de vez, gastando o tempo todo a arranjar e desfazer os seus preparativos. É certo que treme de pavor com medo de que essa ida vire certeza, mas se aleita dessa probabilidade e dela não arreda o pé, embala-a no juízo, dorme e acorda enredado em deleites de impressionado, de tal forma que, não cabendo em si mesmo, se transborda a comunicar aos conhecidos os pormenores de sua viagem sem dia marcado, e cuida de todos os aprestos, minudentemente, com uma obsessão de viciado. (Dantas. 1996, p. 53 e 54)

A exemplo dos atos de Lampião, como bandido que assolava o sertão e cometia diversas atrocidades, o autor expressa, nos personagens, o temor que muitos sertanejos presenciaram, pelo fato de os cangaceiros representarem, junto com a polícia, daquela época, duas cruéis vilãs, e isso é retratado em “Os Desvalidos”, na segunda parte, no primeiro capítulo. Vejamos um trecho do livro, quando o narrador fala sobre os atos violentos dos bandidos e das volantes e o sofrimento dos sertanejos, nas mãos de um e de outro.

O bando de Lampião e a volante do governo agora deram pra esta zona do Aribé. Enquanto se perseguem e se chacinam em porfiadas e sangrentas brigas, vão também esfolando a região, a saque, morte e desonra, metendo o pau na pobreza desvalida. Furam olhos, arrancam unhas, decepam os quibas e a metade da língua. A muque, arrebanhado, sofre o pacato paisano, torturado na mão de um e de outro para falar o que não sabe, e pelo silêncio punido como espião e coiteiro do inimigo. (Dantas. 1996, p.125)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Estréia

Opinião do Leitor

Voltando depois de um exagerado recesso vamos iniciar uma nova série no Blog apresentando leitores e companheiros de pesquisa.


Neste primeiro ato: Clenaldo Santos (Foto). Este sertanejo lá de Cícero Dantas - BA, foi um dos braços fortes que construiram a Usína de Xingó. Hoje residindo na capital sergipana, teve a casa transformada em um endereço confiável e hospitaleiro para consultas sobre Luiz Gonzaga entre outros representantes da música nordestina, Delmiro Golveia, Conselheiro e principalmente Lampião.

Avia Macho... 
Observando atentamente sobre o cangaço, e as opiniões sobre Lampião concluo: Lampião foi e será o único e maior representante do cangaceirismo no nordeste brasileiro, " O rei dos sertões".
Perseguido durante vinte anos nunca deixou se aprisionar por seus inimigos e foi perseguido por forças políciais de sete estados.Lampião matava para viver, depois de chefe nunca obedeceu ordens que colocassem em cheque sua autoridade, lutava por sua liberdade e foi o maior em todas as suas façanhas, por isso merece o respeito de todos pelas sua estratégia de guerra contra os seus opressores.
Era acatado por seus comandados ao pé da letra, temidos coronéis também se curvavam diante de sua presença. Vejo a neta Vera Ferreira com total respaldo para opinar e escrever pois buscou a verdade e tenta resguadar à qualquer custo tudo que se refere à Lampião, afinal, ela está preservando com maestria a história de seus avós, corre atrás guerreira, esta saga é mais sua que de qualquer outro.
O meu respeito e minha admiração também para o Potiguar Sérgio Augusto de Souza Dantas o qual pude conhecer seu estudo através de seu último livro Lampião Entre a espada a Lei, e enfim minha torcida para que surjam outros bravos pesquisadores escritores como Alcino Alves e Antonio Correia Sobrinho, e por que não tantos e tantos meros curiosos pois é desses esforços que o Cangaço sobrevive com força!