sexta-feira, 27 de junho de 2025

Bandido ou herói?

"Lampião foi as duas coisas — e muito mais", diz documentarista

'Lampião, o governador do sertão', de Wolney Oliveira, que estreou no último dia 5, desvenda os caminhos entre o homem, o mito e as controvérsias que o envolvem

Por Fabio Previdelli (Revista Aventuras na História)

Cena de 'Lampião, o governador do sertão' 
- Kaja Filmes e Bucanero Filmes

No dia 4 de junho de 1898, nascia em Serra Talhada, Pernambuco, Virgulino Ferreira da Silva, o maior cangaceiro da história do Brasil, popularmente conhecido como Lampião.  Líder do movimento de banditismo, o Rei do Cangaço reinou no Sertão nordestino entre as décadas de 1920 e 1930. 

Agora, 127 anos depois de seu nascimento, sua história é revivida pelo diretor Wolney Oliveira através do filme Lampião, o governador do sertão, que desvenda os caminhos entre o homem, o mito e as controvérsias que o envolvem. A produção estreia neste dia 1º em Fortaleza e chega nas demais cidades brasileiras em 5 de junho.

Lampião já é, ao lado de Maria Bonita, a figura mais notória do cangaço, com todas as controvérsias em torno de sua figura histórica. E essas controvérsias influenciam diretamente também em suas representações já feitas, algumas dando destaque ao seu aspecto da bandidagem, outras com enfoque em sua luta pelos mais pobres", diz Wolney em entrevista ao Aventuras. 

"Com meu filme, o que quero não é escolher uma das facetas de Lampião para retratar, mas tentar retratar ele como um todo, sejam coisas boas ou ruins, com a intenção de valorizar principalmente sua história, quem ele realmente foi", prossegue. 

Retrato do Sertão 

Lampião, o governador do sertão contrapõe a imagem do temido líder cangaceiro à força simbólica e cultural que seu nome carrega até os dias de hoje. Ao mergulhar na complexidade de sua figura, o longa revela como Lampião transcendeu a história para se tornar um ícone duradouro da identidade nordestina.

Apesar do lançamento neste dia 1ª, Wolney nos conta que as filmagens começaram ainda em 2006. "Naquela época, eu comecei a desenvolver um projeto sobre o cangaço, e eu tinha duas opções: contar a história de Lampião ou focar em outra história, de Moreno e Durvinha, o último casal de cangaceiros, que ainda estavam vivos, lúcidos e ambos com mais de 90 anos". 

Considerando o achado de Moreno e Durvinha como "peças raras", Oliveira acabou optando pela produção do documentário Os Últimos Cangaceiros, lançado em 2011. "Mas a ideia de fazer algo sobre Lampião nunca saiu da minha cabeça. E anos depois, entre 2018 e 2020, comecei a gravar o primeiro documentário dedicado a ele". 

"E eu quis iniciar esse projeto porque, até então, não existia nenhum documentário sobre o Lampião, mesmo que ele já tenha sido representado várias vezes pela mídia. E ele, como um símbolo do sertão nordestino, era uma figura que chamava atenção para o que acontecia no Nordeste daquela época, por isso eu queria contar essa história".

Para buscar fidelidade à época, Wolney Oliveira aproveitou da longa pesquisa que fez para Os Últimos Cangaceiros, e mergulhou profundamente no dia a dia destas pessoas e da região em que atuavam. 

"Já sobre o Lampião em si, também foram aproveitados vários relatos e documentos históricos, que por si só colocam maior verdade no personagem, que já é uma importante figura cultural do cangaço. Além disso, também trabalhamos com cuidado nas roupas utilizadas nos figurinos, para não nos afastarmos muito do material fonte e também sermos mais fidedignos a como era", explica.

Herói ou vilão?

Uma das grandes discussões em torno da figura de Virgulino Ferreira da Silva é justamente sobre sua imagem e legado. Afinal, para uns, ele foi um herói; para outros, um bandido. Mas como o filme trata esse dilema? 

No filme, não quis focar exatamente se Lampião era bandido ou herói. A verdade é que ele foi as duas coisas — e muito mais", ressalta Wolney. 

O diretor, assim, destaca as duas faces do mesmo personagem. "Por um lado, ele era chamado de bandido implacável, que cometeu horrores em vários lugares que passou e sendo caçado pelas autoridades. Por outro, ele também ficou conhecido por lealdade aos moradores pobres do sertão, entrando em conflito e disputa principalmente com as pessoas mais ricas, e ajudando outras pessoas". 

"O que busquei foi apresentar a figura e a história dele com toda a complexidade que ela carrega, deixando para o espectador decidir o que pensa sobre Virgulino Ferreira da Silva, deixando o espectador pensando justamente sobre essas controvérsias após assistir", diz. 

Apesar da discussão em torno de Virgulino, Oliveira salienta que o maior legado deixado por Lampião é outro: a história do cangaço em si. "Ele trouxe a atenção do Brasil para o Nordeste". 

Justificando sua resposta, o diretor relembra que a atenção em torno de Lampião era tamanha que até mesmo ganhou o olhar do então presidente Getúlio Vargas, quem ordenou a caçada ao cangaço. 

"Fora isso, até hoje, a memória e influência dele são muito visíveis em várias regiões do Nordeste, como no Ceará, que têm ruas, prédios e até pratos típicos com nomes dos cangaceiros. Tem também lugares onde a economia e o turismo ainda giram em torno dessa história, com a venda de artesanatos que remetem ao cangaço, bem como outras peças de vestimento e acessórios", prossegue. 

Wolney aponta que o legado e a memória do cangaço seguem vivos até hoje e impactam diretamente o dia a dia de muitas pessoas que vivem nas regiões onde ele fez história. 

Para o longa, Wolney e equipe registraram os encantos do Raso da Catarina (BA).
(Foto: Léo Oliveira - Site/revistacariri.com.br


"Fato é que até hoje, um século após o cangaço, Lampião continua sendo lembrado. Então é inegável que sua história tenha continuado relevante, mesmo entre as gerações mais jovens. Sendo sua história ainda contada, seja pelo ponto de vista dos crimes que cometeu, seja pela resistência que ele enfrentou como líder do cangaço, essa história continua com grande relevância entre os mais jovens também por muitas culturas e regiões ainda se sustentarem muito graças aos vestígios do cangaço".

"Então espero que sim, que o filme consiga atrair atenção dos mais jovens para essa figura tão importante da história nacional e do nordeste brasileiro, que é marcante até hoje e que também merece um olhar crítico sobre si", finaliza.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

O cangaço nas Alagoas

Os quatro de Matta Grande

Por Jaozin Jaaozinn

Nos anos de 1935, a campanha contra o banditismo fervilhava por todos os sertões. Não só contra eles, mas também contra aqueles que mais lhe apoiavam: os coiteiros. Em Alagoas, na fazenda Aroeirinha, das imediações da cidade de Mata Grande/AL, vivia Félix Alves Rocha, coiteiro de cangaceiros. Por sinal, era o senhor o qual Lampião tinha mais apreço nas redondezas, tanto pela lealdade quanto pela amizade que este tinha com seus “meninos”. Mas esta fama ia longe e, como um pássaro, notícias de seus trabalhos para bandidos voou até aos ouvidos do tenente José Joaquim Grande, onde deu o ultimato para o fazendeiro. 

Se não entregasse e cooperasse para a apreensão ou morte dos cangaceiros, seria ele quem arcaria com as consequências. Quem também sofria com esta angústia era o coiteiro Antônio Manoel Filho, conhecido Antônio de Amélia, do sítio Promissão, em que recebeu a mesma mensagem pelo dito militar. Afirmavam que Antônio se juntava com os cangaceiros e saía com eles para fazer estripulias, porém, em depoimento dele para a revista Região (1980) e ao Diário de Pernambuco (1935), disse que penetrou no bando entre os dias 16 e 17 de setembro, junto com o primo Sebastião Alves e o amigo Antônio Tiago — falaram que liquidaram um soldado para que os cangaceiros os aceitassem —, para vingar o compadre Antônio Mizael, sangrado por Corisco, e outras desavenças. Nessa tramoia, antes mesmo de entrar no grupo, combinou com Félix e seus filhos (Sebastião, João, Benedicto, e José Alves, o Zeca) e seus sobrinhos (Alfredo e José Alves da Silva, o Zuza) que iriam dar cabo dos bandidos, livrando, assim, dos crimes de “acoitagem”. 

No dia 18 de setembro, Virgolino deu os afazeres para os sub-grupos e outros pequenos bandos. O bandoleiro Suspeita foi incumbido de pegar algumas encomendas que estavam na fazenda Aroeirinha, de Félix, e depois matar os homens de nome Alfredo Curim, Zé Horácio da Ipueira e 6 ou 7 da família Bento. Para a missão, Suspeita chama os cabras Medalha, Fortaleza e o valente Limoeiro, além de Antônio de Amélia e cia. Com a certa desculpa de que iria preparar tudo, Antônio Manoel partiu primeiro para a casa do compadre, com toda certeza que iria avisar sobre a chegada dos homens. 

O grupo finalmente se arrancha no local. Faz as prévias saudações e ficam no terreiro da casa. O dia vai caindo e a noite vai se levantando; preparam então uma fogueira para se esquentarem. Alfredo e José Alves, o Zeca, já estavam postos; Zeca traz consigo uma rabeca para divertir mais ainda os cangaceiros, pois já estavam bebendo, comendo e jogando cartas descontraidamente. Estavam eles contando causos e relembrando alguns combates. Medalha estava em pé, "encorado" em uma catingueira; Fortaleza tinha colocado o seu embornal em um toco e escorou nele, ficando voltado ao fogo; Limoeiro ao lado de Tiago, ouvindo os assuntos; e Suspeita longe, conversando com Sebastião. Quando bem bêbados, os Alves botam o plano em ação.  

O de Amélia combinou que o primeiro a morrer seria Fortaleza, matado por ele, e que depois seria os demais. Aproveitou o cochilo do bandido e, com o fuzil em mãos, foi por trás, mira na cabeça e o tiro falha. Rapidamente, coloca o fuzil nas costas e passa por debaixo do galho, para despistar. Limoeiro, apreensivo, pergunta o que foi aquilo. Antônio de Amélia diz que a arma detonou na hora que passou pelos galhos. Assim, o cangaceiro voltou a repousar. Descarta a bala e coloca outra, deixando o fuzil preparado. Já estava amanhecendo, umas 04 horas da manhã; o proprietário da fazenda Promissão vai na fogueira e prepara o café. Antônio novamente pega o fuzil, vai até as costas do cabra, mira na sua cabeça e o armamento não nega fogo. Morre o primeiro. O bando acorda e se levanta rapidamente, mas não dão conta.

Tiago já havia se pegado em Limoeiro, enquanto Sebastião se atracou com Suspeita e Alfredo com Medalha.  

Sebastião enrola-se com Suspeita, e vendo que o cangaceiro iria puxar o seu longo punhal, pede para que alguém matasse o bicho, senão morreria rapidamente. Antônio de Amélia, então, dá uma coronhada na boca do bandoleiro, onde conseguem dominar e matar o rapaz. Morre o segundo. Correm até onde estava Tiago com Limoeiro que, mesmo ferido a bala, lutava feito uma fera. Sebastião pega nos cabelos do bandoleiro, afirma que foi ele quem matou Antônio Mizael, e atira contra o primo de Dadá. Morre o terceiro. Todos se juntam para onde Alfredo estava com Medalha, impedindo que o parente matasse o cangaceiro, com o objetivo de tirarem dele alguma informação. 

Em breve diálogo dele (Medalha) com Sebastião, pergunta: “como é que você faz uma coisa dessas; chamar seus parceiros para vir matar a gente?”. Tião responde: “vocês já estão acostumados a matar com facilidade, nós também podemos matar vocês com facilidade”. Porém, no meio da discussão, reparam que havia outro corpo inerte no chão. Era de Félix, pai de Alfredo e dos demais, que morreu ao se aproximar do local. Louco e sedento de sangue, Alfredo saca a pistola do bandido Limoeiro e atira bem na cabeça de Medalha. Morre o quarto.



Os mortos são levados em cima de animais até Inhapy — pertencente à Mata Grande/AL —, apresentando o resultado do combate e da perda lastimosa de Félix Alves para o tenente Joaquim Grande. Encomendam um caixão para o fazendeiro, enquanto simples mourões eram colocados para que fossem amarrados os cangaceiros. Chamam José Uchôa — o mesmo que fotografou o corpo do cangaceiro Cirillo de Engrácia no mesmo lugar e ano —, para imortalizar o momento com suas chapas iconográficas. Primeiro dos quatro sozinhos e depois os seus batedores.  Depois desta, os corpos foram enterrados no cemitério municipal do local: o de Félix certamente em cova familiar; os dos bandoleiros, em cova coletiva. Uma quantia de 4:070$000 foi achada em posse dos sequazes; o dinheiro foi dividido com todos.

Festa total com os moradores, e todos queriam ver a famosa foto. Os Alves ficaram conhecidos como “os matadores de cangaceiros”; alguns até pensaram em se alistar na volante. Porém, a tempestade maior viria. Corisco não deixaria isso passar impune, tampouco Lampião que foi traído por seu coiteiro. O corretivo chegaria, e seria feio. 

𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑃𝑒𝑟𝑛𝑎𝑚𝑏𝑢𝑐𝑜, 1935; 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝐴 𝑁𝑜𝑖𝑡𝑒 𝐼𝑙𝑙𝑢𝑠𝑡𝑟𝑎𝑑𝑎/𝑅𝐽, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐴 𝑇𝑟𝑖𝑏𝑢𝑛𝑎/𝑆𝑃, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐶𝑜𝑟𝑟𝑒𝑖𝑜 𝑃𝑎𝑢𝑙𝑖𝑠𝑡𝑎𝑛𝑜, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑅𝑒𝑔𝑖𝑎̃𝑜/𝐶𝐸, 1980; 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜, 𝐴 𝑅𝑎𝑝𝑜𝑠𝑎 𝑑𝑎𝑠 𝐶𝑎𝑎𝑡𝑖𝑛𝑔𝑎𝑠 — 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝐵𝑒𝑧𝑒𝑟𝑟𝑎 𝐿𝑖𝑚𝑎 𝐼𝑟𝑚𝑎̃𝑜; 𝑆𝑟. 𝐺𝑢𝑒𝑟𝑟𝑎; 𝐶𝑎𝑛𝑔𝑎𝑐̧𝑜 𝐸𝑡𝑒𝑟𝑛𝑜 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒; 𝑁𝑎𝑠 𝑃𝑒𝑔𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑑𝑎 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑎 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒.