domingo, 31 de outubro de 2010

Manchetes históricas

A morte do matador de "Lampião" 

Lampião e mais 10 cangaceiros foram assassinados no dia 28 de julho de 1938, na grota do Angico/SE. Participaram do evento as volantes comandadas pelo ten. João Bezerra, pelo aspirante Ferreira de Melo e pelo sgtº Aniceto.

Com relação ao soldado, que deu o primeiro tiro mortal no rei do cangaço, a maioria dos pesquisadores do tema, é uníssona no sentido de que foi o soldado Antonio Honorato, o autor do disparo, mas há quem pense de modo contrário.

O famoso jornalista “Melchiades da Rocha”, em sua brilhante obra " bandoleiros das caatingas " , narra em detalhes, todos os aspectos da morte de Lampião, inclusive salienta as entrevistas que fez com o soldado Honorato e demais membros das volantes, na época do famoso evento.

A revista Edição Extra, ano I, nº 13 de 09/09/1962, traz o seguinte título:
“Assassinado o matador de Lampeão”, e, como subtítulo " Quem com ferro fere, com ferro será ferido " , valeu para o terceiro sargento aposentado da volante".

 Aos 56 anos de idade residindo na capital Alagoana o veterano da PM foi assassinado pelo sobrinho de sua esposa, um jovem de 18 anos.

Vejamos, logo abaixo, as fotos e o texto dessa importante matéria. Clique para ampliar


 Honorato e jornalista Melchiades da Rocha,
examinando o fuzil que abateu Lampião.




   

Obs.:
A maioria dos pesquisadores/escritores do cangaço discorda que o soldado Honorato tenha ferido "Maria Bonita". Tal feito é "mais" atribuído ao soldado “Panta de Godoy”.


Créditos: Ivanildo Alves Silveira

sábado, 30 de outubro de 2010

Prazer em conhecer

Lampião Aceso entrevistou o pesquisador e escritor Luiz Ruben.

Encerrando a série "Cruzando punhais" abordando o trabalho e um pouco da vida de alguns dos confrades que estiveram abrilhantando o Cariri Cangaço 2010.

Fruto de uma conversa rápida e objetiva apresentamos o perfil de mais um pesquisador da nova geração do cangaço.

Luiz Ruben, 55 anos. É economista com pós graduação em turismo e desenvolvimento sustentável. Natural de Jaboatão,PE, mora a 22 anos em Paulo Afonso,BA. Quem o conhece já sabe de outras paixões como Ferrovias, poesia... Mas o assunto em pauta é o cangaço lampiônico.

Foi a partir de uma conversa...

Certo dia do ano de 2001 teve a grata surpresa de conhecer o Dr. Antonio Amaury em frente a sua residência. Amigos em comum que o acompanhavam lhe chamaram e proporcionaram uma sessão recheada de tantos relatos em que ele se apaixona pelo Cangaço.

As narrativas do Dr. Amaury aguçam minha curiosidade e eu começo a fazer pesquisas. Alem da Bahia percorri os três estados fronteiriços Sergipe, Alagoas e Pernambuco em busca de informações especialmente da imprensa local. Folheei 150 mil páginas de jornais, tenho fotografadas mais de cinco mil fotos documentais e imprimi pelo menos umas seis mil. Modéstia a parte tenho hoje um grande acervo de material jornalístico”.  
Então apresente suas crias! 
- São cinco livros publicados. O primeiro em 2004 foi em parceria com Antonio Amaury intitulado Lampião e a Maria Fumaça; depois escrevi Lampião e os governadores 2005; Lampião e os interventores 2007; Lampião e as cabeças cortadas nova parceria com Amaury em 2008 e Noticias sobre a morte de Lampião lançado este ano.


  





Filho preferido?
- Os três livros que escrevi sozinho e mais um "quarto" que comentarei posteriormente foram gerados pelo resultado de um único período de estudos. Então de certa forma são “quadrigêmeos” com campos distintos, mas não posso eleger um, condiciono o mesmo apreço por todos eles.

De outro autor? 
- Assim morreu Lampião de Antonio Amaury por ser um livro bem elaborado exemplo de pesquisa minuciosa, vale à pena ler e utilizar como fonte.

Qual é o primeiro título recomendado para um calouro? 
- Lampião, de Ranulfo Prata.

Com quantos personagens desta história você teve contato? 
- Personagens: minha pesquisa é especificamente documental com base nos jornais e bibliotecas até por não ter alcançado os grandes personagens remanescentes desta história. Conheci pelo menos quatro ex cangaceiros e conversei com cerca de quarenta pessoas que testemunharam de perto toda aquela época quase todos da região de Paulo Afonso.

Qual destes contatos foi, ou foram, os mais difíceis? 
- Nenhuma dificuldade, mas presenciei uma saia justa. Foi durante uma visita para colher depoimentos do Sr Abel Lima filho de João Lima um agricultor que foi espancado até a morte pela policia no Povoado Juá em Paulo Afonso. Um dos supostos envolvidos nesse crime era Zeca Bolachinha que foi quem acusou Sr João pára as forças como sendo coiteiro. João Lima nunca colaborou com cangaceiros e foi punido com castigo e morte. E quem estava me acompanhando? Justamente um filho de Zeca Bolachinha que após ouvir a mágoa do Sr Abel, levanta-se exaltado e diz que não aceitava aquela acusação contra a memória do seu pai e logo ele que tinha feito confissão em leito de morte desmentindo toda aquela história de que tenha causado a morte de um conhecido. Eu particularmente não duvidei da palavra dele...

Por quê não duvida? 
- Porque compactuo com a crença do povo sertanejo aquela de que o sujeito não mente na ultima hora.

Qual o contato que não foi possível e lhe deixou de certo modo frustrado? 
- Contato que não foi possível... Não, eu nunca programei nenhum contato. Fiz justamente o contrário: Talvez agraciado pela ironia percorrendo primeiramente a vizinhança de Paulo Afonso como: Glória, Santa Brígida etc. Ia buscando pessoas que tivessem tido contato com Lampião ou qualquer cangaceiro e registrando estas histórias. Com base em informações de vizinhos eu procurava essas pessoas mais idosas... e engraçado é que eu pensava no risco de uma recusa quem sabe eles poderiam achar que eu fosse um "funcionário do INSS" fiscalizando se eles estavam recebendo a aposentadoria. (Risos). Bom, minha emoção é que nestas visitas eu encontrei pessoas envolvidas diretamente com os fatos que iam sendo pesquisados. Um exemplo curioso foi ter encontrado João Maria do Olho Dágua lá perto de Sergipe na expectativa de colher um vasto depoimento... Ele nada nos contou.

Com quem gostaria de ter conversado?
- Com Sinhô Pereira e João Bezerra.

Qual é o seu capitulo preferido?
- Com base nos documentos que tive acesso especificamente os processos tenho atenção especial à todos os capítulos que findaram com o corte de cabeças. São fatos impressionantes que precisou de um livro inteiramente dedicado a este. Mas destaco o combate ocorrido na Lagoa do Lino porque houve uma excelente cobertura da imprensa da época. Acho que são poucos os autores que contestam o que foi escrito na aludida matéria.

Um cangaceiro (a)?
- O próprio Lampião.

Um volante?
- O algoz João Bezerra.

Um coadjuvante?
-Aquele personagem indispensável no final da vida de Lampião que foi o Pedro de Cândido.

Uma personagem secundária? Queria ter bom papel, mas não passou de figurante.
- Quem além de não contribuir atrapalhou e confundiu os pesquisadores com certeza foi Volta Seca. Mentiu bastante, atribuiu a sua pessoa qualidades e feitos que não foram seus. Em segundo vem também o Labareda com seus exageros, mas o Volta Seca foi imbatível nos caprichos e blefes.

Geralmente todo pesquisador é colecionador qual é o foco de sua coleção?
- Sou um consumidor do artesanato do cangaço em cerâmica. Amo os bonecos de Vitalino e genéricos. Recentemente aconteceu um fato engraçado, pois conheci Severino Vitalino lá no alto do Moura em Caruaru e acabei dando uma instrução involuntária ao perguntar por que eles confeccionavam os bonecos de Lampião cego do olho esquerdo? Ele confessou que não sabia, mas que a partir daquele instante eles passariam a cegar o olho direito!

Entre as peças tem alguma relíquia?
- Tenho algumas: Posso citar um chicote que pertenceu ao cangaceiro Arvoredo, cartuchos, as cascas da munição encontrada após o combate na Aroeira que foi presente do Dr. Amaury. Tenho também uma peça de couro, um peitoril que pertenceu a Corisco.

Nós que gostaríamos de ver um filme que retratasse um cangaço autêntico, fiel aos fatos, sem licença poética, erro primário enfim sem exagero da ficção lamentamos a eterna necessidade de se ter finalmente uma produção digna da saga, de preferência um épico ou uma trilogia, enquanto isto não foi possível qual a película mais lhe agradou?
- Lampião o rei do cangaço e o Baile Perfumado são filmes que me agradaram.


Eleja a pérola mais absurda que já leu sobre Lampião?
- Lampião, zagueiro de time de futebol disputando amistosos no Raso da Catarina é impossível de tragar...

Diante de tantas polêmicas surgidas posteriormente a tragédia em Angico alguma chegou a fazer sentido, levando-o a dar atenção especial ex.: “Ezequiel não morreu e reaparece anos mais tarde”, “João Peitudo, filho de Lampião”, “O Lampião de Buritis” e “a paternidade de Ananias"?
- Ezequiel? Eu jamais poderia concordar com essa possibilidade porque eu apresento a foto do crânio de Ezequiel, pois o corpo foi localizado dias depois e levado para salvador pela policia do estado.

E Lampião: morreu baleado ou envenenado? 
- Baleado! Veneno foi a grande invenção de Zé Sereno. Empolgado com uma câmera de cinema e de repente se torna o senhor da vida e da morte de Lampião, mas não passa de prosa sem prova por que nenhum outro sobrevivente de angico concordou com o companheiro? A imprensa até mostrou uma cápsula de veneno, no entanto com o conteúdo intacto.

...Que mais tarde descobriu-se por ex comandados que seria ingerido por ele caso fosse apanhado vivo.  


Não precisa detalhar, mas em que assunto ou personagem está trabalhando ou qual gostaria de estudar para a publicação desta pesquisa. Enfim qual a próxima novidade que teremos em nossas estantes?
- “Lampião conquista a Bahia” que deve ser lançado ano que vem! Desta vez estou dependente de uma outra editora já que os anteriores foram produzidos por nossa gráfica. O livro já está no prelo e tem 418 páginas o que exigiu uma impressão mais cuidadosa, condição técnica que não suprimos no momento.

 Luiz e um amigo em comum o documentarista Gilmar Teixeira.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Notas

Morre o jornalista Juarez Conrado

Natural de Salvador (Ba), Juarez estava há 30 anos em Sergipe. Pouco antes do lançamento de mais um livro sobre Lampião, o jornalista foi hospitalizado.


(Foto: Jornal Cinform)

O jornalista e ex-deputado estadual Juarez Conrado Dantas, faleceu por volta das 21h desta segunda-feira, 25 em Aracaju vítima de insuficiência respiratória. Nasceu na cidade de Salvador (BA), mas morava há 30 anos na capital sergipana, tendo exercido cargo no Governo de João Alves Filho.

Juarez Conrado se formou em Contabilidade. Atuou na Câmara Municipal de Salvador e foi editor de política, redator, chefe de reportagem, secretário de redação e colunista do jornal A TARDE, tendo sido o diretor da Sucursal Sergipe.

O jornalista estava se preparando para lançar o livro “Lampião: Assaltos e Morte em Sergipe” em solenidade no Museu-Palácio Olímpio Campos, mas dias antes, foi hospitalizado. O livro aborda a passagem do cangaceiro por 16 municípios sergipanos. É ainda de sua autoria “A Última Semana de Lampião”, que foi adaptado para o cinema, tendo sido premiado no Festival Cinematográfico de Cuba.

Juarez deixa esposa e oito filhos [entre eles, a repórter do A TARDE, Rita Conrado]. O corpo está sendo velado no Velatório Osaf e o sepultamento está marcado para às 15h desta terça-feira, 26 no Cemitério São Benedito, em Aracaju.

Por Aldaci de Souza
Fonte: Infonet

Confira AQUI  na edição do Cinform Online a reportagem completa sobre o livro que Juarez Conrado iria lançar.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Testemunha ocular

Depoimento de Chiquinho Rodrigues 

Antes, vamos lembrar de uma resposta de Aderbal Nogueira em entrevista.
Em que assunto ou personagem está trabalhando ou qual gostaria de estudar para a publicação desta pesquisa. Enfim qual a próxima novidade que teremos em nossas estantes? 
Meu próximo trabalho não é um vídeo, mas um livro. Um trabalho que tem como foco as minúcias do cangaço. Relatos que nunca foram escritos. Posso até antecipar um trecho: Gravando um depoimento do Sr. Chiquinho Rodrigues sobre o dia do ataque do cangaceiro Gato a Piranhas, na tentativa de libertar Inacinha, aquele tiroteio terrível, em certo momento ele diz: “– Olhe, foi a primeira vez que vi um homem sem chapéu!” Se não me engano, ele se refere ao Juiz da cidade que passa correndo por ele sem o chapéu. Avalie a importância que o chapéu tinha para o sertanejo?
Aderbal disponibilizou o material.




Depoimento colhido em 1998 

Estética

Anel de ouro, um dos símbolos do cangaço

Por: Charles Garrido
"Mulher, ser doce e angelical; não por acaso as bênçãos celestiais caíram sobre ti com a incumbência da maternidade".
Na época medieval dizia-se que o “sexo frágil” abrandava o coração do guerreiro. Porque não usarmos esse exemplo ao citarmos o quanto foi importante a entrada da figura feminina ao cangaço, inclusive contrapondo-se à visão teórica machista que diz: mulher deve esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque. Creio ser bem melhor parafrasear o grande nordestino Otacílio Batista (em memória) quando o mesmo cita em uma de suas estrofes:  
“A mulher tem na face dois brilhantes, condutores fiéis do seu destino, quem não ama o sorriso feminino desconhece a poesia de Cervantes”.
O ano era mil novecentos e noventa e nove, eu então com vinte e três anos às vésperas de realizar um grande sonho de infância; percorrer o rastro dos cangaceiros. Tal fato talvez não fosse tão difícil acontecer, entretanto, ter a honra de realizá-lo ao lado de quem foi personagem, vivenciando aquela época tão difícil nas caatingas sertanejas, certamente abrilhantaria ainda mais o tento. Ilda Ribeiro de Souza, nossa querida Sila, marcada pelo destino; antes, durante e após o cangaço.

Pois, uma vez cangaceira; cangaceira para a vida!


Dois de fevereiro: Ano já citado anteriormente é chegado o grande dia. Partindo de Fortaleza alguns pesquisadores e, sobretudo curiosos saem em busca do desconhecido, do inesperado, e porque não dizer do lúdico, pois todos nós que amamos o tema em questão, de certa maneira temos interiormente a figura estereotipada de seu próprio cangaceiro. Sete estados nordestinos percorridos, inúmeros relatos, depoimentos, paisagens e o melhor ainda estava por vir.

Quatro de fevereiro: Todo o grupo estava hospedado em um hotel no município sergipano de Canindé do São Francisco e no dia seguinte iríamos chegar ao ponto crucial da viagem, visitar a Grota do Angico, local do último combate do Rei do Cangaço. Ledo engano, pelo menos de minha parte.


 Gravando documentário em Angico.

Cinco de fevereiro: É chegada à hora do momento mais esperado, todos já estão de pé para o café da manhã. Dois veículos saem rumo à Piranhas, cidade alagoana às margens do Rio São Francisco. O combinado seria apanharmos o guia responsável pelo trajeto de barco até o local. Ao chegarmos, todos descem dos veículos, entretanto; Sila, que estava comigo pede: - Espere um pouco meu filho. 

Ao voltar os olhos para a velha ex-cangaceira sentada ao banco traseiro do carro, deparei-me com uma cena que marcaria para sempre minha memória; lembro-me como se fosse hoje, embora já passados onze anos, olhando para aquela mulher que até bem pouco tempo só a conhecera através de livros de história, a vi levantar o braço esquerdo e com uma das mãos retirar de um dos dedos um dos adereços mais utilizados pelos cangaceiros e diz:  
- Nessa nossa primeira visita à Grota do Angico, quero te dar uma lembrança; esse anel de ouro que era um dos símbolos da nossa luta. 

 Ladeado pelas meninas Sila e Adília.

Essa frase; audível à época, hoje ainda soa como um badalar de sino incessante aos meus ouvidos, fazendo-me lembrar sempre que nós, os verdadeiros amantes dessa cultura tão massacrada e por diversas vezes discriminada, temos a obrigação de honrá-la, divulgá-la e, sobretudo; deixá-la como um legado para a posteridade.

Sila deixou-nos no dia 15 de fevereiro de 2005 em São Paulo.


Charles Garrido é Pesquisador.
Fortaleza – CE
charlesgarrido@hotmail.com
(85) 998897 8090

sábado, 23 de outubro de 2010

Prazer em conhecer:

Lampião Aceso entrevistou o pesquisador e escritor Antonio Vilela

Vilela é de fato O cangaceiro evangélico.

Codinome batizado pelo amigo Kydelmir Dantas. Um pesquisador que tomou uma vertente diferente, mais pessoal, optando explorar um capitulo pouco conhecido da saga de Lampião quando esse atuou no agreste pernambucano.

Seu mais novo trabalho apresenta cangaceiros e volantes que até ontem não sabíamos que existiam.

Vilela resume seu abraço no cangaço.

"A SBEC, esta maravilhosa confraria que reúne os melhores pesquisadores do país, me acolheu em 2006, porem meu interesse e minhas andanças começaram em 1975 quando iniciava namoro com uma cidadã da terra da resistência, uma potiguar de Mossoró. E durante minhas visitas à Mossoró conheci a cadeia onde foi aprisionado o Jararaca. E aquela história me prendeu também. Começo a buscar a bibliografia e em 1997 inicio de fato minha pesquisa de campo no sentido de investigar e conhecer lugares e personagens. 
Meu maior incentivador a botar no papel o resultado destas andanças e leituras foi meu filho Lincoln. Eu costumo chamar meu primeiro livro de “um acidente de percurso”, mas graças a Deus, um acidente que me trouxe e tem trazido muitas alegrias. 
Olha nós aqui, desfrutando desse evento magnífico?"
  
Então apresente suas crias! 
- Então, temos aí “O Incrível Mundo do Cangaço Vol. 1” lançado em 2006 que já está em sua 4ª edição saindo mais uma fornada este mês. E o lançamento que estou divulgando aqui no Cariri “O Incrível Mundo do Cangaço Vol. 2”. É diferenciado, pois estou apresentando volantes e cangaceiros desconhecidos. Por exemplo, um que foi citado pelo seu conterrâneo Optato Gueiros, em sua obra “Lampeão, memórias de um oficial de volantes” “o Paizinho Baio”. Optato o considerou o Lampião do agreste e eu precisava saber quem foi este homem. Paizinho Baio era natural de Brejão de Santa Cruz, distrito de Garanhuns, hoje emancipado como Brejão.





Visitando estas cidades, por sorte ou ironia do destino, eu consegui localizar parentes do Paizinho Baio. Como sabemos não é tarefa fácil, são poucas pessoas com capacidade de aceitar e admitir que o parente foi um criminoso... Quer mais coincidência? Descobri que o meu vizinho era neto do Paizinho, me refiro a seu "Nezinho Baio" que me prestou grandes informações sobre ele e sua família. Então graças a este amigo ampliei meu trabalho. Hoje quando colegas de pesquisa ouvem falar sobre este cangaceiro ou sobre os militares Caçula e José Jardim lembram-se de Vilela.

Livro Preferido de outro autor?
- Parafraseando Chacrinha, eu quero dizer que também vim pra confundir. Enquanto muitos criticam achincalham o padre Frederico Bezerra Maciel eu o exalto seus livros com admiração. Porque digo isto, se analisarmos os seis volumes de seu trabalho "Lampião, seu tempo e seu reinado" vemos a fantástica cronologia, e em especial os detalhes da localização geográfica de cada lugar em mapas o que ninguém havia feito antes. As trajetórias, os combates, até o alimento consumido pelos cabras estão detalhados em sua obra.


Qual é o primeiro título recomendado para um calouro? 
- "Guerreiros do Sol" de Frederico Pernambucano de Mello.

Com quantos personagens desta história você teve contato? 
- Posso até nomear: Candeeiro, Vinte e Cinco, Aristéia, Durvinha, Moreno e Sila.
Do time dos volantes eu estive pessoalmente com o tenente João Gomes de Lira; Teófilo Pires; Neco de Pautilia; sargento Elias Marques e com o cabo “Grilo”, o soldado que enterrou Lampião. Pelo menos os eu me recordo no momento. Coronéis eu não conheci nenhum. Quanto a coiteiros eu estive com vários, mas por questões de ética eu não citarei os nomes. É bom dizer que mantive e mantenho certa amizade com todos.

Qual destes contatos foi, ou foram, os mais difíceis? 
- Parece mentira, mas foi com dona Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião que mora na sua capital, encontrei empecilhos, mas acabei conseguindo e afirmo que é uma pessoa atenciosa fina e carinhosa.

Qual o contato que não foi possível e lhe deixou de certo modo frustrado?
- Duas decepções. Uma foi com o Pedro de Tercila, na ocasião em que fui a Olho D’água do Casado, cidade em que ela morava em Alagoas e chegando lá recebo a noticia de que ele tinha falecido há três dias. E a maior delas: Não ter conversado com João Bezerra, que viveu os últimos anos de sua vida e faleceu em Garanhuns, minha terra. Isso precisamente no ano de 1970. Eu um rapazola trafegava pelo comércio de minha cidade de vez em quando ouvia as pessoas exclamarem como quem aponta um artista - olha lá, o homem que matou Lampião! - eu olhava pra ele, mas aquilo não me interessava de jeito nenhum. Hoje penso com remorso poderia ter tirado pelo menos uma foto com o homem.

Com quem gostaria de ter conversado?
- Com “a sussuarana” e ex cangaceira Dadá. Tive tal oportunidade sabendo que ela morava em Salvador, mas não criei a situação. Confesso que até pagaria com prazer pra obter uma entrevista com a mesma. Considero que o surgimento de Dadá foi um divisor de águas no cangaço.

Qual é o seu capitulo ?
- Ah! com certeza - e aconselho que nos aprofundemos mais e mais - no cangaço no agreste pernambucano. Mais uma palhinha: No agreste vocês vão explorar a fazenda Riacho Fundo na cidade de Águas Belas, um dos coitos mais seguros de Lampião. Poucos foram os pesquisadores que estiveram lá. Inclusive em janeiro passado eu levei o Severo e a sua esposa Danielle pra conhecer as belezas daquele local.


Um cangaceiro (a)? 
- Durvinha.

Um volante?

 Este que se destaca, é Alfredo Cavalcante Albuquerque de Miranda, o tenente Caçula.

Um coadjuvante? 
- Tenente José Jardim.

Uma personagem secundária? Parecia ter bom papel mas não passou de figurante.
- Apesar de ser meu amigo o Sr Manoel Dantas Loiola, ex cangaceiro "Candeeiro", é um cabra introspectivo, bastante retraído, não satisfez muitas das minhas principais curiosidades, aliás, minhas e de outros que o procuram. Ele esconde algo que talvez leve pro túmulo. No mais, porque não fica clara a sua importância e seu relacionamento com o rei do cangaço.

Geralmente todo pesquisador é colecionador qual é o foco de sua coleção?
- Igual ao compadre João de Sousa Lima... dou o que não tenho pra conseguir fotografias. Seja da volante, cangaceiros, coronéis e de quaisquer personagens. E possuo arquivos raros já impressos em meu novo trabalho. A começar pela capa de meu livro que quebra um protocolo de se aplicar sempre a estampa de um cangaceiro. Eu optei em ilustrá-la com três fotos de policiais, inéditas. O Caçula e o Jardim (José Jardim) além da volante do Manoel Neto. Ao lado de Manoel Neto aparece uma figura nunca antes comentada, lutei e consegui identificá-lo, trata-se do "Canfifim" que foi cangaceiro de Lampião, depois se alista na volante e passa a ser um dos rastejadores do bravo nazareno. Então minha coleção de fotografias, modéstia a parte, é vasta e rica.

 Parte do seu museu iconográfico.



Entre as peças tem alguma relíquia?

- Uma foto de Manoel Heráclito volante à serviço de Manoel Neto. Esta foto me foi cedida pela senhora a qual a foto foi dedicada, Adélia Correia, por acaso sua ex namorada, na ocasião em que eu fui entrevista-la na cidade de Inajá/PE. Dona Adélia foi tesoureira da prefeitura na gestão de Manoel Neto. Ela está inclusa no nosso primeiro livro. Não coleciono acessórios nem tampouco armas. Este tipo de objeto eu aceito mas deixo nas boas mãos do confrade João de Sousa Lima, que em breve estará com seu museu em Paulo Afonso.


Nós que gostaríamos de ver um filme que retratasse um cangaço autêntico, fiel aos fatos, sem licença poética, erro primário enfim sem exagero da ficção lamentamos a eterna necessidade de se ter finalmente uma produção digna da saga, de preferência um épico ou uma trilogia, enquanto isto não foi possível qual a película mais lhe agradou?
- Baile Perfumado. Fiel a biografia de Benjamim Abraão.

Eleja a pérola mais absurda que já leu sobre Lampião?
- Lampião: cada um conta uma! Ainda não é exatamente esta, porque já ouvi muita coisa absurda. Mas lembro com certo desdém pelo teor da informação, esta é uma daquelas que você pode ouvir na sua cidade. Foi o seguinte: Certa vez eu estava escrevendo o rascunho de meu primeiro trabalho e sai na porta de casa pra respirar e aproxima-se uma senhora que me diz - olha Vilela, Lampião esteve pessoalmente na fazenda do meu avô!!! Eu, naturalmente me interessei pelo fato e perguntei a esta senhora qual a localização desta propriedade e ela diz que era em Quipapá, mata sul de Pernambuco. Ora, pelas minhas pesquisas Lampião só vai até uma localidade chamada Mimosinho a 6 km de Garanhuns.


O pior vem agora, a mentira que eu escutei recentemente, mês passado, durante uma exposição fotográfica no festival de Inverno de Garanhuns. Um cidadão afirmou categoricamente que Lampião foi até Maceió, pegou um avião e foi assistir a um jogo de futebol no Maracanã.

Maceió ele até foi... Depois de morto, avião acho que nem de longe ele contemplou, e assistir futebol? Maracanã? Um estádio que foi inaugurado em 1950? 
- Se algum pesquisador sem critérios ouviu esta mesma conversa, já deve ter publicado em algum folheto.

Diante de tantas polêmicas surgidas posteriormente a tragédia em Angico, alguma chegou a fazer sentido, levando-o a dar atenção especial ex.: “Ezequiel não morreu e reaparece anos mais tarde”, “João Peitudo, filho de Lampião”, “O Lampião de Buritis” e “A paternidade de Ananias”?
- O enigma do Angico não é nenhum destes. É a morte do soldado Adrião Pedro de Souza. Uma trama ainda a ser desvendada por um de nós pesquisadores. Só darei uma dimensão para analisarmos desde já e todos hão de convir com a inversão de valores, vejamos: 11 bandidos mortos e depois homenageados como heróis com uma grande cruz de ferro por “João Bezerra”, entre aspas claro, pela razão de ser ele o responsável pela tropa. E Adrião é simplesmente ignorado! O que teria feito Adrião para cair na vala dos esquecidos?.

E Lampião: morreu baleado ou envenenado? 
- Veneno!!!

Não precisa detalhar, mas em que assunto ou personagem está trabalhando ou qual gostaria de estudar para a publicação desta pesquisa. Enfim qual a próxima novidade que teremos em nossas estantes?
- Estou iniciando mais uma nova e apurada pesquisa sobre Lampião em Pernambuco. Trarei à tona fatos igualmente desconhecidos sobre o Rei do cangaço no meu Estado.


* 1ª Foto: Mané Severo
* 5ª Foto http://primasfalando.blogspot.com/

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Análise: Cordéis de José Pacheco

"A Chegada de Lampião no Inferno" e Rodolfo Coelho "A Chegada de Lampião no Céu" 

Por Tânia Maria de Sousa Cardoso

Distantes, talvez, em suas biografias, José Pacheco e Rodolfo Coelho se irmanavam em relação ao talento inquestionável dos dois, o que fazia com que o leitor esquecesse algumas das diferenças mais marcantes, tal como o fato da linguagem de Rodolfo ser mais elevada, menos propensa às feições ortográficas da linguagem mais popular de Pacheco.

O talento dos autores, que os projetou como dois dos maiores nomes da literatura de cordel, pode ser claramente observada nos dois folhetos selecionados por nós para análise: A Chegada de Lampião no Céu, de Rodolfo, e A Chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco 3.

A publicação de A Chegada de Lampião no Inferno teve grande repercussão, alcançando um alto número de exemplares vendidos. Ilustrado com xilogravuras, o folheto foi lançado pela Editora Prelúdio, de São Paulo, com capa em cores. É um dos cordéis presentes na Antologia da Literatura de Cordel organizada por Sebastião Nunes Batista (1977), demonstrando a grandeza do cordelista, que influenciou vários outros poetas, dentre os quais estão Severino Gonçalves e o próprio Rodolfo Coelho Cavalcante, cuja versão da chegada do rei do cangaço no Inferno, tema freqüente na literatura popular, também tornou-se um best seller nordestino.

Em A Chegada de Lampião no Céu, Rodolfo Cavalcante descreve o momento que Lampião, depois de fugir do Inferno, onde assassinara um e atirara no próprio Lúcifer, força sua entrada no Céu, ameaçando, inclusive, de lançar mão do rifle que trazia consigo. No Céu, Lampião exige uma audiência com Padre Cícero, Maria e Jesus. Em seguida, é instaurado uma espécie de tribunal, no qual Maria, mãe de Jesus, defende o cangaceiro das acusações de Ferrabrás, enviado de Lúcifer. Depois da peleja entre promotoria e defesa, Lampião é sentenciado a passar um período no Purgatório para “alcançar a salvação”.


Já em A Chegada de Lampião no Inferno, José Pacheco narra o momento em que Lampião, impedido de entrar no Inferno, ameaça fazer um escarcéu. Em resposta, o diabo reúne um exército de demônios para enfrentar Lampião. O saldo da briga é terrível: além de vários dos homens de Satanás mortos, Lampião provoca um incêndio no mercado local e no armazém de algodão, o que leva o diabo a lamentar o prejuízo. Por fim, impedido de entrar no Céu e no Inferno, Lampião toma caminho ignorado, embora o narrador imagine que talvez tenha o cangaceiro voltado para o sertão, tal como a alma penada de Pilão Deitado, homem de Lampião que teria morrido em trincheira e que contara ao narrador a história descrita no folheto.

Em uma visada ligeira das duas obras, o leitor é atraído de imediato para a contradição dos títulos, o que pretensamente denunciaria uma diferença ideológica no sentido dos autores avaliarem a figura de Lampião: enquanto um põe o cangaceiro no Céu, lugar de absolvição, outro o insere no Inferno, lugar de dores, de castigo e de perdição.

Por outro lado, uma apreciação mais profunda das duas obras, logo evidencia as muitas aproximações entre os cordéis. Observa-se, por exemplo, que a fama de Lampião, mesmo no outro mundo, continua intocada, inquestionável nos dois folhetos. Daí que a simples menção de seu nome provoca temor, o que afirma a grandeza de seus feitos na terra. É por isso que tanto São Pedro no folheto de Rodolfo quanto o diabo no cordel de Pacheco manifestam um claro desconforto ao conhecer a identidade do cangaceiro:

São Pedro desconfiado
Perguntou ao valentão
Quem é você meu amigo
Que anda com este rojão?
Virgulino respondeu:
- Se não sabe quem sou eu
Vou dizer: Sou Lampeão.

São Pedro se estremeceu
Quase que perdeu o tino
Sabendo que Lampeão
Era um terrível assassino
Respondeu balbuciando
O senhor...está...falando
Com...São Pedro...Virgulino!

(A Chegada de Lampião no Céu, estrofes II e III)

Lampeão é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A minha propriedade
E eu [o diabo] não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofe XII)

Por fim, percebe-se nos dois cordéis uma clara metamorfose no Céu e no Inferno, que perdem as características sobrenaturais, convertendo-se em espaços terrenos, o que permite que Lampião aja como procedia nos sertões nordestinos, onde punia com violência desmedida os fazendeiros que lhe negassem pousada. Por isso, o cangaceiro não hesita em ameaçar o porteiro do Inferno e agir de forma atrevida para com São Pedro ao lhe negarem entrada naqueles lugares:

Lampeão foi no inferno
Ao depois no céu chegou
São Pedro estava na porta
Lampeão então falou:
- Meu velho não tenha medo
Me diga quem é São Pedro.
E logo o rifle puxou


Lampeão disse está bem
Procure que quero ver
Se acaso não tem aí
O meu nome pode crer
Quero saber o motivo
Pois não sou filho adotivo
Pra que fizeram-me nascer?

(A Chegada de Lampião no Céu, estrofes I e VI)

Lampião disse: - Vá logo
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte já
Eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo as avessas
Toco fogo e vou embora

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofe IX)

O Inferno, na verdade, mais parece uma repartição pública, no qual o diabo, como chefe, se aboleta no gabinete central.

O vigia disse assim
- Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas, conforme o que eu disser
Eu levo o senhor pra dentro

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofe VIII)

O Céu de Rodolfo, por sua vez, é como o descrito no livro bíblico de Jó, ao qual o diabo tem livre acesso:

E disse[ Lampião]: Ó Mãe Amantíssima
Dá-me a minha salvação
Chegou nisto o maioral [o diabo]
Com catinga de alcatrão
Dizendo não pode ser
Agora só quero ver
Se é salvo Lampeão

(A Chegada de Lampião no Céu, estrofe XIX)

Num dia em que os filhos de Deus [os anjos] vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles ( ... ). E perguntou o Senhor a Satanás : Observaste a meu servo Jó ? porque ninguém há na Terra semelhante a ele ( ... ). Então respondeu Satanás: porventura Jó debalde teme a Deus? Acaso não cercaste com sebe a ele, a sua casa e a tudo quanto tem ? ( ... ). Estende, porém, a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face. Disse o senhor a Satanás : Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder; somente contra ele não estendas a mão. E Satanás saiu da presença do Senhor (Bíblia Sagrada: Livro de Jó, capítulo 1, versículos 6 e de 8 a 12 ).

Essa representação, a propósito, é também utilizada por Goethe em sua obra Fausto, ao descrever no “Prólogo no céu” a visita de Mefistófeles (o diabo, a representação do Mal) ao Altíssimo (Deus, o Bem Supremo), resultando em uma “aposta” entre ambos acerca da fidelidade do Doutor Fausto, protagonista da história, aos propósitos divinos, numa clara retomada ao episódio que antecede ao drama de Jó, patriarca bíblico:

MEFISTÓFELES

Já que, Senhor, de novo te aproximas,
Para indagar se estamos bem ou mal,
E habitualmente ouvir-me e ver-me estimas,
Também me Vês, agora, entre o pessoal
[ entre os anjos ]

( ... ).

O ALTÍSSIMO

Nada mais que dizer-me tens ?
Só por queixar-te sempre vens ?
Nada, na Terra, achas direito enfim ?


( ... )

Do Fausto sabes ?

( ... ).

MEFISTÓFELES

De forma estranha ele vos serve, Mestre !

( ... )

O ALTÍSSIMO

Se em confusão [ Fausto ] me serve agora,
Daqui em breve o levarei à luz.
Quando verdeja o arbusto, o cultor não ignora.
Que no futuro fruto e flor produz.


MEFISTÓFELES

Que apostais ? perdereis o camarada;
Se o permitirdes, tenho em mira.
Levá-lo pela minha estrada !


( ... ).

O ALTÍSSIMO

Também nisso eu te dou poderes plenos;

( ... )

( Fecha-se o céu, os arcanjos se dispersam ).

A partir de todas essas aproximações entre os cordéis de Pacheco e de Rodolfo é que se pode perceber o caráter de revanche poética, de contestação popular às condições de vida das camadas mais sofridas, subjacente às duas narrativas.

Observemos, por exemplo, que embora deslocada para os lugares do além-morte, é a vida terrena, o dia-a-dia de dores a matéria-prima dos dois cordelistas. Isso se evidencia, entre outras evidências, a partir da forma como Pacheco descreve o Inferno, atribuindo ao reino de Lúcifer as mesmas características do sertão nordestino, ou, mais propriamente, do Polígono das Secas, região do semi-árido nordestino conhecida como caatinga, uma área com cerca de 700.000 km de extensão marcada pelos longos períodos de estiagem:

Reclamava Satanás
- Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E mais agora essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofe XXIX)

Nesse Inferno-aqui-e-agora, Lampião peleja com um diabo “humanizado”, pois, totalmente despido de suas feições e atitudes sobrenaturais, o “senhor das trevas” comporta-se como um ser humano comum, o que explica sua surpresa, entre cômica e inacreditável, de somente pessoas de má índole baterem às portas do Inferno:

O vigia foi e disse
A Satanás no salão:
- Saiba Vossa Senhoria
Aí chegou Lampião
Dizendo que quer entrar
E eu vim lhe perguntar
Se dou-lhe o ingresso ou não

- Não senhor, Satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Estou até com vontade
De botar mais da metade
Dos que tenho aqui pra fora

Lampeão é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A minha propriedade
E eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofes X e XI)

A transformação do diabo em um ser humano comum evidencia o deslocamento da luta para outra arena. O que ocorre aqui é a repetição do mecanismo épico, no qual o herói (e o vilão) se transmuda no coletivo, encarnando os interesses e valores do povo. Tal como o boi fujão, descrito no capítulo anterior, Lampião torna-se figura emblemática, concentrando em sua personalidade ambígua o desejo de subversão popular. Sua luta com o diabo representa a luta do povo contra os poderes terrenos, seja patrão ou governo, ou contra as vicissitudes trazidas com as secas, as condições climáticas adversas.

É por isso que, nos cordéis de Pacheco e Rodolfo em análise, Lampião age apoiado em uma justificação tácita do povo. Regendo-se pela lógica de pensamento e reação popular, Lampião age da mesma forma que agiria o sertanejo submetido às condições de extrema penúria e sofrimento. Lampião só ataca porque foi atacado, é o que defende o povo inculto. Isso fica claro nos argumentos aos quais o cangaceiro recorre para livrar-se da punição eterna:

Chegando no gabinete
Do glorioso Jesus
Lampeão foi escoltado
Disse o Varão da Cruz
Quem és tu filho perdido
Não estás arrependido
Mesmo no Reino da Luz?.

Disse o bravo Virgulino
Senhor não fui culpado
Me tornei um cangaceiro
Porque me vi obrigado
Assassinaram meu pai
Minha mãe quase que vai
Inclusive eu coitado.

(A Chegada de Lampião no Céu, estrofe XIII)

Como se percebe, Lampião em seu favor, lembra o episódio da morte do pai pelos posseiros da fazenda família. Isso equivale, na lógica do sertanejo, a uma justificativa que não deixa margem para questionamentos, haja vista apoiar-se na vingança, na retribuição à moda da lei do talião do “dente por dente, olho por olho”. O povo, em geral, defende essa vingança, transmudada em “justiça”. É por essa razão que ambos os cordelistas, porta-vozes do pensar do povo, se não absolvem de todo, também não deixam de aliviar a punição de Lampião.

De fato, em ambas as histórias Lampião não é castigado propriamente, já que sua pena não passa por uma permanência duradoura no Inferno: enquanto no cordel de Rodolfo, o fim de Lampião é o Purgatório, em Pacheco o destino de Lampião, embora incerto, parece ser um retorno ao sertão:

Disse Jesus: Minha Mãe
Vou lhe dar a permissão
Pode expulsar Ferrabrás
Porém tem que Lampeão
Arrepender-se notório
Ir até o " purgatório"
Alcançar a salvação.

(A Chegada de Lampião no Céu, estrofe XXX)

Leitores vou terminar
Tratando de Lampeão
Muito embora que eu não posso
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
Por certo está no sertão.

(A Chegada de Lampião no Inferno, estrofe XXX)

Entretanto, a minimização da pena não implica na eliminação total do castigo. É que os cordelistas não podem pôr de lado os crimes sabidos, as crueldades do cangaceiro aqui na terra. Com isso, reafirma-se o caráter ambíguo desse herói popular, consagrada pela vida do pavor que despertava, e não da admiração e da nobreza de seus gestos.

Portanto, o movimento retórico que confunde os lugares da outra vida com a terra, operado através da reinvenção do Céu e Inferno pelos cordelistas é destacado por Kunz (2001, p. 62), ao procurar afirmar o papel da literatura de cordel como um instrumento de contestação, assim explicado pela autora:

À realidade opressora do " aqui e agora" denunciada nos folhetos, o poeta opõe um tipo de combate dado no modo imaginário e cujas armas são a utopia, o mito, a lenda, o milagre... Pela exploração do imaginário e da memória coletivos, ele procura, através da escrita, a livre circulação do ser dentro de si mesmo, fora de si e além da morte. Do mecanismo compensatório à afirmação da força reivindicativa, entre a miséria efetiva, vivida, e o poder de intervenção irreal, ergue-se o poeta e sua palavra. As reimpressões sucessivas de alguns clássicos da literatura de cordel testemunham o sucesso dessa fonte de inspiração: Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos, A Chegada de Lampião no Inferno de José Pacheco, ou o Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo de Melo Resende.

A partir dessas considerações, a autora, referindo-se ao cordel A Chegada de Lampião no Céu, sintetiza as intenções de Rodolfo Cavalcante subjacentes ao texto:

(...) a reivindicação simbólica efetua-se em dois níveis: de um lado, a morte não é tratada como o fim da vida, mas como a imagem inversa da vida. Aos homens que não têm poder real sobre suas próprias vidas, o poeta propõe um poder irreal sobre a morte. A morte lhes pertence.

Por outro lado, o cangaço, fenômeno social decorrido da miséria cotidiana, torna-se o símbolo da opressão e da injustiça sofridas pelas populações do Nordeste. O bandido vira herói mítico, sua epopéia é exemplar: só, embora o grupo fosse um elemento característico do cangaço, o cangaceiro, arquétipo do herói invencível, desafia a morte, afugenta o diabo, obtém promessas de absolvição. Ele propõe de modo individual e fictício, uma forma de combatividade prestigiosa, imagem inversa do sonho de ascensão social que não devia alcançar êxito.

Da História à lenda, da vida à pós-vida, do poder carismático do líder à invencibilidade mítica: o sonho supera a mentira, a mitificação ultrapassa a mistificação.

Como se pode perceber pelas palavras de Kunz, a conversão de Deus e do Diabo em uma espécie de “executivos eficientes de uma agência de viagens” e da morte em “um visto temporário”, fazem parte da mesma ação que transforma Lampião em um “herói incansável e invencível que é inúmeras vezes mandado para o céu ou para o inferno, mas sempre volta”.

É assim que em A Chegada de Lampião ao Céu e em A Chegada de Lampião ao Inferno, Rodolfo Coelho Cavalcante e José Pacheco da Rocha descortinam aos olhos de seu leitor, por meio de um lógica de subversão, o desejo de, negando a realidade que é opressora, afirmar toda a potencialidade reivindicatória do cordel, lançando mão da ficção como um meio genuíno e eficaz de libertação e afirmação da identidade e da dignidade espoliada pelo descaso e pela violência.

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(*) Tânia Maria de Sousa Cardoso, Pedagoga/Supervisão Escolar, formada pela atual Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Centro de Formação de Professores/CFP, Campus de Cajazeiras – PB. Especialista em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Professora da Rede Municipal de Ensino de Mossoró/RN.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Preparar, apontar...

As Volantes

Volante agrupada em Floresta, PE.
Por Carlos Jatobá*

Após a difícil, constrangedora e impopular campanha de Canudos, o Exército regular não poderia mais vê-se em embates de natureza policial. Contudo, ainda era maciçamente empregado - por não existir uma força policial federal à época - em ações típicas dessa força. Isto, além de afastar-lhe de sua função constitucional precípua: a defesa territorial contra ataques de natureza externa, enfraquecia-lhe pela falta de treinamento específico, desviando-lhe da proximidade e do avanço tecnológico-bélico-militar de então; contido na chamada política de "paz armada" européia.

Surgindo ante os fatos, a insatisfação da tropa e a recusa para tais ações subalternas. Pois, segundo Mello "a verdade era que as forças iam atuar dentro do país com desvantagens imensas, maiores do que se o fossem em país estrangeiro, principalmente no que se refere à espionagem; mais eficiente, esta, e perigosa no sertão de Canudos, porque inidentificável na confusão e na confiança de serem todos brasileiros. (...) O Exército ia operar, prejudicado pelo mais temível corpo de espionagem, com que se pode contar (espiões compatrícios) sem que dispusesse de um outro para contaminar a ação nefasta do primeiro." (1958 p. 79-80)

 Sob comando do Sgt. Epaminondas, 1º à esquerda. 

O Exército, ainda, sob o "diáfano" manto da doutrina positivista era um verdadeiro "exército de papel". Porém, com a campanha cívico-patriótica bilaqueana pela escola popular e pelo serviço militar obrigatório (em 1915) e a desativação definitiva da Guarda Nacional (em 1918), abriu-se um novo horizonte para a Corporação e houve - então - um absoluto controle militar interno, desarmando-se as oligarquias coronelistas locais.

Trevisan, nos lega que com "a chegada da Missão Militar Francesa, em 1920, completa-se o quadro das mudanças internas da instituição. Começava a delinear-se as mudanças externas , fruto das alterações até então técnicas da instituição militar". (1987 p. 50)

Por outro lado, os governos estaduais nordestinos, vendo-se agravar o banditismo nas regiões interioranas do agreste e do sertão, viram-se na contingência de criar forças policiais-militares de emprego rápido e que teriam - inclusive - nativos recrutados dessas regiões. Surgindo daí as verdadeiras volantes que eram grupamentos, destacamentos ou patrulhas tático-móveis, compostas essencialmente por militares (policiais das Forças Públicas estaduais ou militares do Exército nacional, devidamente comissionados para este fim), comandadas - preferencialmente - por um oficial (tenente ou capitão). A esse respeito, Rangel de Farias alude que "era muito comum acontecer que os oficiais do Exército, quando chamados a comandar polícias, trouxessem a idéia de que as mencionadas corporações fossem compostas por uma maioria de homens ignorantes e indisciplinados" (1995 p. 8)

 Sob comando de Odilon Flor, 1º á esq. fila inferior. 
Notem a semelhança dos trajes desta força com os dos cangaceiros.

Recrutados - entre os etno-nativos da região: curibocas, mulatos e cafusos - esses grupos de policiais-militares, percorriam equipados e a pé, grandes distâncias em perseguição aos malfazejos foras-da-lei, muitas vezes, mantendo um combate desigual, pois os chamados cangaceiros estavam melhor municiados, com armamento mais moderno e em melhores condições, diante das facilidades que estes tinham em conseguir recursos e alimentos, bastando para isso mandar pedir um salvador "óbolo", através de bilhetes a qualquer fazendeiro ou político. Estes, para não enfrentarem a ira daqueles facínoras - que com uma possível recusa, estariam na mira de uma próxima incursão, com a visita indesejada, inesperada, desmoralizante e de funestas consequências - viam-se, forçados a atendê-los em todas as suas "justas" demandas.

A bem da verdade, devemos colocar que algumas forças denominadas "volantes", se utilizavam dos mesmos métodos que os cangaceiros. A esse respeito Torres, observa que "tardiamente, a polícia se organizava em volantes , com o mesmo jeito dos facínoras, tomando também dinheiro dos coronéis e demonstrando, com forrós e alegria, quando um combate os afastava para as brenhas." (1994 p. 47) Já Carvalho nos passa que "eram inomináveis as violências e arbitrariedades praticadas pelas forças volantes que transitavam pelo interior dos Estados, contra os direitos dos particulares. (...) Qualquer futilidade servia de pretexto para esculachos desumanos. (...) A integridade física e moral dos sertanejos não existia para aqueles que por dever de ofício estão na obrigação de respeitar e proteger." (1974 p. 91)

Volante paraibana, comandada pelo bravo Zé Guedes, 
que participou do tiroteio em que morreu Livino, irmão de Lampião.

Ferraz, com muita propriedade, atesta que, quando vindo ocasionalmente da capital, as verdadeiras forças volantes "encontravam, apesar de seus esforços, grandes dificuldades no desempenho de sua missão: a primeira delas era constituída pela imensidão da caatinga desconhecida e habitada por uma população reduzida, emudecida e temerosa de represálias. (...) Era a velha história: as forças volantes chegavam e partiam mas os cangaceiros permaneciam para a cobrança." (1985 - p. 221)

Por este fato, lembra-nos Britto que "a polícia se via na necessidade de alargar a sua área de ação e não ficar limitada a seu território jurisdicional, porque os bandidos circulavam agilmente entre os Estados, forçando as volantes que os perseguiam a se conter nas fronteiras, cabendo à volante de outros Estados, a dar continuidade a perseguição, fato este que face a dificuldade de comunicação da época, favorecia sobremaneira aos grupos, a evadir-se, dificultando com isto a sua captura.


 Tropa sob o comando do Sgt. Aniceto.

Forçados por esta situação, os Estados vieram a formalizar tratados que permitiam as forças volantes a se deslocarem transpondo as fronteiras sem prévia solicitação, favorecendo com isso um combate mais intenso e eficaz. Estas enfrentavam um complexo e desfavorável sistema para o desenvolvimento das suas ações. Os meios de comunicação eram precários, (...) as volantes não tinham destino certo, uma vez que podiam mudar de itinerário a qualquer momento, bastando para isso achar indícios de bandidos e seguir o rastro, uma informação de um vaqueiro ou coiteiro, ou mesmo o ataque de bandidos a uma localidade, ou a mais cruel das informações que seria a emboscada da volante, quase sempre em terreno desfavorável a mesma." (2000 p. 19-20)

As volantes, já estruturadas nos idos de 1920, se especializaram no combate ao cangaceirismo em suas mais diversas caras. Sobreviviam com parcos recursos governamentais, com armamento e municiamento, na maioria das vezes bem mais antigo que o dos cangaceiros e conseqüentemente, menos eficazes. Se deslocavam em marchas incertas, rastejando pistas e levantando indícios nas caatingas, portanto fadadas a ficarem muitas vezes cobertas por andrajos, sem água e mantimentos ou bebendo água contaminada, imprópria ao consumo, se alimentando e dormindo mal, ao relento e durante o dia expostas a um sol abrasador e uma vegetação inóspita, formada por facheiros, macambiras, xique-xiques, alastrados, urtigas, unhas-de-gato, rabos-de-raposa, coroas-de-frade, mandacarus, caroás e quipás, em alguns casos intransponíveis.

 Tropa sob o comando do ten. Zé Rufino.

Expostos, em consequência do que lhes era imposto por um dever de profissão, a males como: úlcera nos pés, espinhos, cortes, infecções, disenteria, dor de dente, astenia, dores musculares, desidratação, impaludismo, ferimentos a bala, varíola e a tuberculose.

Porém, Bezerra observa que, a despeito de todos os revezes e, "com o enfraquecimento do prestígio da política pela aparição do Estado Novo, os oficiais comandantes de volantes , iniciaram uma ação menos tímida, prendendo os tais vaqueiros [coiteiros, que davam guarida aos cangaceiros], conduzindo-os à presença dos seus coronéis , fazendo entre todos uma meticulosa acareação e, de acordo com o apurado, sem mais consultas, levando-os à presença das autoridades da Capital.

Daí, salva a responsabilidade do oficial, com a resolução das autoridades superiores sobre o caso, fica o oficial prestigiado e com a sua moral intacta, muito embora depois venha a perder, por ter ficado mal visto pelos admiradores do chefão [verdadeiro senhor feudal] ". (1940 p. 7)

Portanto, ainda no dizer de Britto, "sem a dedicação e a bravura desses valorosos militares esse mal teria se alastrado, ceifando mais vidas inocentes, não merecendo ficar no obscurantismo ou em plano inferior aquele que é destinado aos benfeitores ou heróis." (2000 p. 21)

*Parte integrante da Home Page,do mesmo autor: "NOS TEMPOS DO CANGAÇO E DAS VOLANTES"

Copyright © 2001-2003 by CARLOS JATOBÁ. Todos os direitos reservados por lei. Proibida a reprodução total ou parcial deste sítio, salvo com permissão do autor. LEI Nº 9.609/98 - PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL e LEI Nº 9.610/98 - DIREITOS AUTORAIS.

Referências Bibliográficas
MELLO, Dante de. A verdade sobre "Os Sertões": Análise reivindicatória da campanha de Canudos. Rio de Janeiro : BExE, 1958.
TREVISAN, Leonardo. Instituição militar e estado brasileiro. [O que todo cidadão precisa saber sobre] São Paulo : Global, 1987.
RANGEL DE FARIAS, Edésio. Cangaço e polícia: Fatos e feitos paraibanos.Recife : REPROART, 1995.
TORRES, Luiz W. Lampião e o cangaço.São Paulo : EDICON, 1994.
CARVALHO, Rodrigues de. Serrote Preto: Lampião e seus sequazes. Rio de Janeiro : SEDEGRA, 1974.
FERRAZ, Marilourdes. O Canto do acauã. Recife : Rodovalho, 1985.
BRITTO, Paulo. O cangaço e as volantes: Lampião e Tenente Bezerra. Recife : Do Autor, 2000.
BEZERRA, João (Cap). Como dei cabo de Lampeão. Rio de Janeiro : Do Autor, 1940 1ª ed.
BRITTO, Paulo. Op. cit.

Pesquei no Usina de Letras

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Novo livro de Daniel Walker

A história de Juazeiro a partir de “O Rebate”

Por: Beto Fernandes para o Jornal O Popular

A primeira homenagem ao centenário de Juazeiro do Norte,CE parte de uma ação isolada do professor Daniel Walker, com uma produção independente e custeada pelo próprio autor. O livro tem sido um grande sucesso de crítica e vai ao encontro do que esperava a nova geração em saber detalhadamente a história e as histórias dos responsáveis pela emancipação política do município em 22 de julho de 1911.

O autor disse a reportagem de O Popular que a fonte para essa nova obra foi o Jornal O Rebate. “Eu sabia desde o começo que a história do Juazeiro estava muito bem contada no Jornal o Rebate. Como tenho acesso a todas as edições me empolguei lendo os textos, sobretudo os trabalhos publicados por Dr. Floro Bartolomeu e o Padre Alencar Peixoto, que foram realmente os dois baluartes da nossa independência e constatei ali uma grande fonte de pesquisa”.

De posse do material Daniel optou por trabalhar de forma cronológica já que o objetivo inicial era atender uma demanda escolar. Para ele, mesmo tendo outras fontes seguras, “faltava algo fundamental que eram as causas que motivaram a independência de Juazeiro”. O apoio de prefeitos dos municípios de Missão Velha, Milagres, Aurora, Barro, Porteiras e Barbalha para o “Joaseiro” foi considerado fundamental para emancipação de Crato na época. O peso eleitoral em 1911 era enorme, 1/3 do eleitorado cearense.

Com esse norte, explica Daniel, “foi realizado um grande investimento em pesquisa que mostrou toda a trajetória da comissão que trabalhou a independência do Juazeiro, que foi um evento singular, sem igual no Brasil”. “Não foi um movimento religioso, mas teve a participação de dois padres: Alencar Peixoto e Cícero Romão Batista. Teve um jornal para documentar tudo para posterioridade, O Rebate, que acabou sendo o registro dos anais da independência e o terceiro caso foi que, o movimento começou com um grupo e terminou com outro. Esses três motivos fazem realmente a independência de Juazeiro uma história singular”, detalhou visivelmente entusiasmado.

Idealizador da independência

O livro aponta o Padre Cícero como ícone, mas o movimento de independência começou com o filho da terra Major Joaquim Bezerra de Menezes, grande idealizador. “Depois que o Major Joaquim afastou-se o baluarte foi o Pe. Alencar Peixoto, um tribuno, pena solta, de artigos virulentos, mas faltava o líder e este foi o Pe. Cícero”, explica o historiador. Segundo ainda o autor da obra da Independência de Juazeiro, a única figura capaz, na época, “de unir a população que estava dividida entre os adventícios (romeiros) e os filhos da terra era o Pe. Cícero”. Daniel acrescenta que “o Major Joaquim Bezerra representava o grupo local, os juazeirenses natos e o Pe. Cícero era um adventício, porém o único capaz de unir esses dois segmentos de nossa população”.

Daniel Walker lembrou o Padre Murilo de Sá Barreto ao dizer que “Juazeiro tem pouca geografia e muita história”. Sobre a veneração popular ao Pe. Cícero, o escritor afirmou que “Juazeiro do Norte é o grande milagre do Patriarca do Nordeste”.

Sem apoio

Não houve nenhum apoio financeiro específico para se editar o livro. Daniel Walker disse que o livro saiu relativamente fácil já que “abriu a bolsa e pagou”. “Esse livro não teve apoio de ninguém, paguei do próprio bolso, mas fiz com o maior prazer. O livro está com uma aceitação muito boa e já estamos partindo para impressão da segunda edição e pude constatar que está atingindo os objetivos que tracei inicialmente de fazer chegar às escolas, os professores trabalharem o assunto em sala de aula, a fim de que aumentemos a auto-estima dos juazeirenses a partir desta geração que está se formando e para que façamos do centenário uma festa grandiosa e ímpar na história”, concluiu.

Daniel Walker não para e já tem um projeto em parceria para breve com o também professor e historiador Renato Casimiro. Trata-se da confecção de um livro com a história fotográfica de Juazeiro desde sua origem até os dias atuais. A previsão do lançamento está para julho, durante os festejos de 100 anos do município.


Serviço

História da Independência de Juazeiro
Autor: Daniel Walker,
HB Editora  
2010.
196 páginas

À venda local , na Livraria Nobel – Cariri Shopping Center e livrarias do Centro de Juazeiro do Norte.
R$ 20,00



Pequei no: Blog do Juazeiro

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Novo livro na praça!

O cangaço está em toda parte

Estudo do pesquisador Marcelo Dídimo destaca a persistente presença deste 'personagem' em filmes nacionais de diversos estilos - como a aventura, a comédia e até as pornochanchadas

Por Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S.Paulo

Em 1936, um mascate libanês chamado Benjamin Abrahão embrenhou-se no sertão e, tendo uma câmera na mão e no bolso uma carta de recomendação assinada por Padre Cícero Romão Batista, ganhou a confiança de Lampião e conseguiu fazer um filme tendo o "Rei do Sertão" como personagem de si mesmo. Essas imagens abrem, simbolicamente, o ciclo cinematográfico do cangaço, que perdura até hoje. A história desse ciclo com começo definido, mas longe ainda do seu término, é a que conta o pesquisador cearense Marcelo Dídimo em seu belo e rigoroso livro O Cangaço no Cinema Brasileiro (Universidade Federal do Ceará/Annablume/Fapesp).

Em sua pesquisa, Dídimo lista 48 filmes sobre o assunto, entre curtas, médias e longas-metragens, incluindo ficção e documentários. Não basta ter cangaceiro entre os personagens para se caracterizar como filme de cangaço. "Para que um filme seja considerado de cangaço, é necessário que ele tenha o movimento rebelde ocorrido no sertão nordestino como tema central, ou que contenha personagens que participaram desse contexto histórico, influenciando diretamente a narrativa do filme em questão", escreve.

Desse modo, circunscreve o tema e o desenvolve ao longo de seis capítulos temáticos: Primórdios, o Nordestern, Comédias, Documentários, o Cangaço de Glauber Rocha e Releituras. Dos primórdios, o filme mais importante, e seminal, é o já citado Lampião, o Rei do Cangaço, de Benjamin Abrahão. Não apenas por seu pioneirismo, mas porque reaparece como matriz imaginária, mesmo nas produções mais recentes como se verá a seguir.

Se o cangaço começou a mostrar sua cara no cinema brasileiro com as imagens que sobreviveram de Benjamin Abrahão, e as de outros filmes hoje desaparecidos como Sangue de Irmão (1926) e Lampião, a Fera do Nordeste (1930), foi apenas na década de 1950 que se firmou como gênero independente. E isso com um filme emblematicamente denominado O Cangaceiro (1953), dirigido pelo paulista Lima Barreto e filmado no interior de São Paulo.

Produção mais importante da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, O Cangaceiro teve carreira nacional vitoriosa e também foi distribuído em mais de 80 países. Sua trajetória internacional foi impulsionada pelo prêmio que recebeu no Festival de Cannes de 1953 como "melhor filme de aventuras". Como destaca o autor, sua estrutura é decalcada do modelo do western hollywoodiano, reciclado na paisagem brasileira. Mantém, no entanto, o mesmo esquema dicotômico dos faroestes, com sua luta entre o bem e o mal, entre a civilização e a barbárie. Mostra os atores cavalgando, quando os cangaceiros reais se deslocavam a pé pela caatinga.

Com o êxito, O Cangaceiro deu forma a um gênero batizado pelo crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva de "nordestern", fusão feliz entre Nordeste e western. Lançou uma dupla de atores que reapareceriam em filmes sucessivos - Milton Ribeiro, como o cangaceiro "mau", e Alberto Ruschel, como o cangaceiro "bom". Alguns diretores se especializaram no gênero, como Carlos Coimbra, que assina quatro nordesterns: A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, o Rei do Cangaço (1962), Cangaceiros de Lampião (1966) e Corisco, o Diabo Loiro (1969).

O gênero gerou derivados também nas comédias, sob a forma da paródia. O folhetim de Dumas, Os Três Mosqueteiros, inspirou Os Três Cangaceiros, o famigerado Lampião tornou-se O Lamparina, e o clássico Dom Quixote, de Cervantes, deu as mãos a um personagem cômico da TV e, da fusão, nasceu Pedro Bó, o Caçador de Cangaceiros. Nem a pornochanchada ignorou a matriz inaugurada por Lima Barreto e lançou no mercado títulos como As Cangaceiras Eróticas e A Ilha das Cangaceiras Virgens.

Como se o cangaço, a exemplo do sertão, estivesse em toda a parte, além de aventuras, comédias e pornochanchadas, inspirava também documentários de base sociológica, dos quais o mais marcante parece ser Memória do Cangaço, de Paulo Gil Soares, um dos episódios do longa-metragem Brasil Verdade, coordenado por Thomaz Farkas. Nesse filme impressionante, Paulo Gil vai ao sertão e toma o depoimento de um elegante coronel Rufino, o homem que matou Corisco em 1940 e, portanto, colocou ponto final no ciclo do cangaço. Acabou na vida real, já que no cinema ele continuava existindo.

E, de tal forma, que não poderia estar ausente da obra daquele que é tido como o mais importante cineasta brasileiro, Glauber Rocha. Esse personagem comparece em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Aqui, o cangaceiro faz parte da alegoria política de Glauber ambientada no sertão, onde as contradições sociais se expressam com a rudeza de um sol causticante. Um dos personagens é Corisco, vivido por Othon Bastos. Seu antagonista é Antonio das Mortes (Mauricio do Vale), inspirado tanto nos western spaghetti de Sergio Leone como no muito verdadeiro coronel Rufino, imortalizado por Paulo Gil Soares.

A vitalidade da matriz cangaceira parece não ter fim na cinematografia nacional. Tanto assim que ressurge, já nos anos 1990, em vários filmes. Anibal Massaini refilmou O Cangaceiro de Lima Barreto, o cearense Rosemberg Cariry trouxe de volta o tema em Corisco e Dadá, e os pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo Caldas reciclaram o assunto em Baile Perfumado, um dos filmes mais inspirados e vitais do cinema brasileiro contemporâneo. Baile, na verdade, retoma o gênero em seu ponto de origem, em seu grau zero - nas primeiras e únicas imagens de Lampião, registradas por uma câmera à corda da marca alemã Zeiss, modelo Ica, de 35 mm.

O herói de Baile Perfumado não é Virgulino nem quem o matou. É outro: aquele mascate valente e ambicioso, vindo do Líbano para fazer fortuna no Brasil, que colocou a pele em risco para filmar Lampião e seu bando em 1936. Numa linguagem narrativa ágil e moderna, embalada pela música de Chico Science, filmado já não no agreste seco e árido, mas à beira de rios e em meio a uma vegetação luxuriante, Baile Perfumado é uma espécie de nordestern líquido, em ritmo pop, um aggionarmento vigoroso do tema. E que não põe ponto final à trajetória refeita por Marcelo Dídimo. Apenas reticências, marcando a espera do que ainda possa vir desse veio em aparência inesgotável.

Pesquei no: Estadão